8
O ensaio estava se arrastando, mas Ivy não conseguia parar. Seus pés se moviam mecanicamente, os passos quase automáticos, como se o corpo fosse capaz de fazer as coisas sem que ela precisasse pensar. Mas, dentro dela, tudo estava desmoronando. A pressão, a fome, o cansaço. Nada estava bem, e a cada movimento que ela fazia, o peso da sua mente parecia aumentar. Ela sentia que estava se afundando, se perdendo em algo que não conseguia controlar.
Já havia duas semanas desde o piquenique com Mason, e, apesar de tudo o que havia acontecido, ela se sentia mais isolada do que nunca. Ele continuava tentando se aproximar dela, mas Ivy, com sua armadura de silêncio, o afastava. Ela não sabia lidar com a maneira como ele a fazia se sentir cuidada, sem saber como corresponder a esse carinho sem se perder ainda mais. Ela tinha medo disso. Medo de que ele visse suas fraquezas, de que ele descobrisse que ela não estava bem, que estava indo cada vez mais fundo naquele abismo.
Naquele dia, o estúdio estava cheio de movimentação, o som da música tocando repetidamente, os passos precisos e definidos, mas dentro de Ivy tudo estava vazio. Ela sentia como se estivesse flutuando, distante de tudo, incapaz de se conectar com o que estava acontecendo ao seu redor.
As meninas ao redor estavam concentradas na coreografia, mas Ivy só pensava em como suas pernas não pareciam responder tão bem quanto antes, em como o cansaço tomava conta de seu corpo. Ela sentia um vazio profundo, um buraco em seu estômago que nada parecia preencher. Ela não queria parar, não queria mostrar que estava fraca, mas o cansaço começava a pesar, e seus olhos se fechavam a cada movimento.
Quando o ensaio avançava, Ivy já estava a ponto de perder o equilíbrio. Ela tentou ignorar, focando em manter os pés no chão, mas foi em um movimento mais brusco que tudo aconteceu. Seus olhos se embaçaram e, antes que pudesse sequer tentar se apoiar em alguém, seu corpo cedeu. O chão foi a única coisa que ela viu antes de perder os sentidos completamente.
Mason, que estava no corredor, indo buscar sua irmã mais velha, Brooke, percebeu a movimentação estranha. Ele olhou pela porta do estúdio e viu Ivy caída no chão, imóvel. O estúdio estava em silêncio, com as bailarinas paradas, sem saber como reagir.
Sem hesitar, Mason correu até Ivy, ajoelhando-se rapidamente ao seu lado. O pânico tomou conta dele ao ver que ela não respondia. Ele a levantou com cuidado, sentindo a fragilidade do corpo dela e a falta de calor. Seu coração batia acelerado enquanto ele a segurava com firmeza.
— Ivy, acorda! — ele murmurou, tocando sua face fria.
Mas ela não reagiu. Com o corpo ainda inerte, Mason a levantou nos braços, agindo por instinto. A única coisa em sua mente era levá-la para o hospital o mais rápido possível. Ele sabia que algo estava muito errado, mas não conseguia entender o quão grave era.
Enquanto corria para fora do estúdio, as bailarinas começaram a murmurar, mas ninguém se atrevia a fazer nada. Mason não estava ouvindo nada ao seu redor, apenas focado em Ivy e em garantir que ela estivesse bem.
Ele entrou no carro e, com a voz tremendo de preocupação, deu partida e se dirigiu rapidamente para o hospital, rezando para que ela não estivesse em perigo.
...
Quando a loira acordou, estava em um ambiente diferente, com luzes fortes e sons abafados. Mason estava ao seu lado, com os olhos cheios de preocupação. Ela tentou se mover, mas um medo estranho a impediu de fazer qualquer esforço. Estava tão fraca, tão cansada, que não conseguia entender o que estava acontecendo. Tudo estava tão distante, e, por um momento, ela se perguntou se aquilo era real ou apenas um pesadelo.
— Ivy, você está bem? — a voz de Mason a tirou da confusão, mas ela não sabia o que responder. Ela queria dizer que estava tudo bem, que era só um desmaio passageiro, mas as palavras não saíam.
Ele parecia ainda mais preocupado quando ela não respondeu. Ele segurou sua mão com força, tentando transmitir alguma segurança que Ivy não sabia se conseguia aceitar.
— Você desmaiou, Ivy. Você precisa se cuidar mais. Não pode continuar assim — ele falou com uma voz firme, mas cheia de preocupação. Ivy queria protestar, mas seus pensamentos estavam turvos demais para organizar uma resposta.
A sensação de estar desconectada de tudo era tão forte que Ivy não sabia como reagir. Ela queria sair dali, queria fugir de todo aquele cenário, mas seu corpo não respondia como ela queria. Era como se estivesse fora de si mesma, observando tudo acontecer, mas incapaz de tomar o controle.
— Ivy, você precisa ficar aqui. Vai ser só um tempo. — Mason falou, tentando acalmá-la.
Ela não sabia se ele estava tentando tranquilizá-la ou a si mesmo. O que ela sabia é que, no fundo, tudo isso parecia ter se tornado uma grande mentira. Ela não queria estar ali. Não queria admitir que não estava bem.
Alguns minutos depois, o médico chegou. Ele a observou com atenção, e Ivy podia sentir seu olhar crítico. Ele logo começou a pedir alguns exames. O soro foi administrado com rapidez, mas o médico sabia que era apenas o primeiro passo. Ele parecia preocupado, mas não demonstrava. O que ele não sabia era que Ivy estava muito mais frágil do que ele imaginava.
Foi durante esse tempo que o médico entregou um documento à enfermeira, que o levou até Mason. Ele olhou para o papel, um diagrama com o título Transtornos Alimentares: Diagnóstico e Tratamento. Mason sentiu um nó na garganta. Não precisava de mais explicações. Ele sabia o que isso significava.
— Ela está com sinais claros de desnutrição. Precisa de acompanhamento médico e psicológico. O quadro dela é sério, Mason — disse o médico de forma objetiva.
Mason se sentou ao lado de Ivy novamente, o olhar preocupado. Ele segurou sua mão com força, sem saber como falar com ela, sem saber o que dizer para aliviar aquele peso que parecia insuportável. Ele queria muito que ela se abrisse, que fosse honesta consigo mesma, mas sabia que estava longe de conseguir isso.
— Ivy, isso não é uma questão de fraqueza. Você está se colocando em risco — ele disse suavemente, tentando que ela o olhasse. Mas ela apenas virou o rosto para o lado, fechando os olhos. Ela não queria ver a verdade, não queria ouvir o que ele estava dizendo. Ela sentia que estava quebrada, e tudo o que ele dizia a fazia sentir mais distante de si mesma.
Mas, enquanto ela tentava ignorá-lo, uma voz familiar ecoou pela porta do hospital. Sua mãe, sem nem mesmo olhar para ela, começou a brigar com a enfermeira na entrada.
— Onde está a minha filha? Eu estava no trabalho, não pude vir antes, mas agora ela vai ter que me ouvir! — A voz dela soou irritada, autoritária. Ela finalmente apareceu na porta do quarto de Ivy, olhando para o quadro de sua filha com um misto de indignação e desconforto.
Mason olhou para a mãe de Ivy e viu nela o mesmo medo e o mesmo orgulho que sua filha tentava esconder. A mãe de Ivy não estava acostumada com a fraqueza da filha. Ela só sabia lidar com a imagem de perfeição.
Ela entrou com passos firmes e olhou para Ivy com olhos duros.
— O que aconteceu com você? Como pôde chegar nesse estado? Isso é um absurdo, Ivy! — A mãe começou, sem dar espaço para a filha responder. — Você sempre foi a melhor aluna, a melhor bailarina. E agora isso? Eu não acredito que estou vendo isso!
Ivy permaneceu em silêncio, sem olhar para a mãe, o corpo ainda em recuperação do desmaio. Ela não queria ouvir as palavras dela, não queria que sua mãe a visse assim. Sabia que ela não entenderia. Ela não entenderia como era estar ali, entre dois mundos, tentando equilibrar a pressão, o medo e as expectativas de todos ao seu redor.
A mãe de Ivy começou a gritar ainda mais, mas Ivy, em sua fraqueza, não conseguiu mais reagir. Ela fechou os olhos e sentiu um peso em seu peito. Ela não queria que a mãe soubesse o quanto estava se afundando. Mas, por outro lado, ela também sabia que estava perdendo a batalha.
Foi então que Mason se aproximou de Ivy novamente, segurando sua mão e olhando para sua mãe.
— Ela precisa de ajuda, de acompanhamento médico. Não adianta gritar com ela. Isso não vai resolver nada — Mason disse com firmeza, sua voz tranquila, mas cheia de um peso que Ivy não sabia como descrever.
A mãe de Ivy o olhou com uma expressão fria, mas a resistência em seu olhar começou a fraquejar.
— Eu sei que você quer ajudar, garoto. Mas você não sabe o que ela está fazendo comigo. Eu tenho que ser forte por ela. Não posso permitir que ela me quebre também.
Mason olhou para Ivy mais uma vez, seus olhos se suavizando. Ela parecia frágil, mais do que ele jamais imaginara. E, mais do que nunca, ele queria estar ali para ela, queria que ela soubesse que ele não a deixaria sozinha.
Ivy, em seu silêncio, sentiu a mão de Mason apertar a sua. Ele estava ali, com ela, e talvez, pela primeira vez, ela sentiu que poderia permitir que alguém a visse como realmente era. Sem as máscaras. Sem as mentiras.
Quando o médico voltou ao quarto para liberar Ivy, ele parecia mais sério do que antes. Ele tinha um olhar preocupado, mas também uma postura profissional, como se estivesse tentando equilibrar a necessidade de ser compreensivo com a urgência da situação. Ele olhou para Ivy e para sua mãe, e com um suspiro, começou a falar.
— Ivy, como já conversamos, você está desidratada e com níveis baixos de nutrientes essenciais. Não podemos ignorar os sinais do seu corpo. Eu vou te dar uma recomendação bem clara: você precisa começar a se alimentar de forma adequada, e isso inclui visitas regulares a uma nutricionista. Também é importante que você faça acompanhamento psicológico para lidar com o que está acontecendo com você. Este é um transtorno alimentar, Ivy, e é muito sério. Você não pode continuar nesse caminho.
A mãe de Ivy, que estava quieta até então, olhou para o médico com um olhar vazio, como se estivesse tentando processar as palavras dele, mas não soubesse o que fazer com elas. Ela sempre esperou que a filha fosse forte, mas agora estava vendo claramente que a situação era muito mais complicada do que ela imaginava. Ainda assim, ela não demonstrava uma grande empatia, apenas uma irritação contida.
— Entendido. Ela vai seguir essas orientações. — Sua mãe respondeu com uma firmeza que soava mais como uma tentativa de controlar a situação do que uma aceitação real.
O médico a observou por um momento, como se quisesse dizer mais, mas simplesmente assentiu e deu os últimos conselhos.
— Ela precisa de cuidados agora. Em casa, repouse e mantenha uma alimentação equilibrada. Se ela começar a passar mal novamente ou tiver algum tipo de complicação, não hesite em nos procurar imediatamente. E, por favor, marque uma consulta com um especialista o quanto antes.
Quando o médico saiu, Ivy ficou um momento pensativa. As palavras dele ainda ecoavam em sua mente, mas ela sentia uma onda de vergonha tomar conta de si. Estava em um hospital, sendo tratada por algo que ela mesma não sabia como controlar. E sua mãe, mais uma vez, parecia mais preocupada com a forma como ela iria lidar com isso do que com a dor que Ivy estava sentindo.
Mason, vendo o silêncio entre mãe e filha, aproximou-se de Ivy com uma expressão suave e preocupada.
— Vai ficar tudo bem, Ivy. Eu sei que parece difícil agora, mas você tem que dar um passo de cada vez. — Ele se abaixou, tentando se colocar no nível dela para que ela pudesse olhar em seus olhos.
Ivy forçou um sorriso, mas seus olhos estavam cheios de dúvidas. Ela não tinha certeza de que tudo ficaria bem, mas sabia que não tinha outra opção a não ser seguir em frente. Mesmo assim, não podia deixar de sentir um aperto em seu peito.
Sua mãe, depois de mais alguns segundos de silêncio, suspirou e se levantou.
— Vamos, Ivy. Já está na hora de voltar para casa. — Sua voz era dura, quase impessoal. Não havia muito acolhimento ali, apenas a necessidade de cumprir com as obrigações. Ela pegou a bolsa e se preparou para sair.
Mason olhou para Ivy mais uma vez, e ela sentiu a pressão de seu olhar, mas sabia que ele não poderia fazer nada agora. Ele se levantou e deu um pequeno aceno para a mãe dela antes de se afastar.
— Se precisar de alguma coisa, me avise. Estou aqui. — Ele disse, sua voz gentil, mas com uma preocupação clara em seu tom.
Ivy assentiu levemente, mas não conseguiu responder. Ela sentiu que havia algo de bom em Mason, algo que a fazia se sentir menos sozinha, mas ela sabia que não poderia se apegar a isso. Não queria depender de ninguém.
Ao sair do hospital, Ivy sentiu a pressão aumentar. Ela não queria voltar para casa, mas não havia para onde ir. Cada passo parecia mais pesado, e sua mãe caminhava à frente, sem olhar para ela, como se estivesse apenas cumprindo um dever. Quando entraram no carro, o silêncio novamente tomou conta do ambiente, e Ivy não sabia como quebrá-lo.
O caminho de volta para casa parecia mais longo do que nunca. A cidade passava pela janela, mas Ivy não estava realmente ali. Sua mente estava em outro lugar, lutando para lidar com tudo o que acontecera e o que estava por vir.
Quando chegaram em casa, Ivy quase não teve tempo de se preparar para o confronto silencioso que se seguiu. Sua mãe entrou primeiro, fazendo a casa parecer ainda mais fria do que nunca. Ivy ficou parada na entrada, hesitante. Ela sabia que teria que enfrentar mais uma batalha. Mas, dessa vez, seria diferente. Ela sabia que precisava começar a enfrentar seus próprios demônios, mas não sabia nem por onde começar.
— Vai para o seu quarto, Ivy. Nós vamos conversar mais tarde. — A voz de sua mãe era mais distante do que nunca.
Ivy assentiu, mas, ao passar pela sala, sentiu como se o peso do mundo estivesse sobre ela. Tudo o que queria era se esconder, mas sabia que não poderia mais fazer isso.
Ela subiu as escadas lentamente, o peso de seus passos refletindo o peso de suas emoções. Assim que entrou em seu quarto, sentou-se na cama e ficou ali, olhando para o vazio. O som da porta se fechando atrás de si foi o único som que preencheu o espaço. Ela se sentiu só, mas, no fundo, sabia que essa solidão era algo que ela mesma havia criado.
E, enquanto ela olhava para a janela, uma única lágrima rolou pelo seu rosto, a primeira de muitas que viriam.
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2514 palavras
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