5
Era uma manhã de sábado, e Ivy havia acordado cedo para mais uma sessão de treino. A rotina no estúdio parecia quase automática; as mesmas barras de apoio, o chão polido, a música ecoando, e Madame Léon observando tudo atentamente. Ivy mantinha seu semblante sério e os movimentos disciplinados, mas o cansaço começava a pesar em cada músculo.
De volta para casa, o ambiente parecia ainda mais denso. Ivy tentava manter-se calma, respirando fundo enquanto subia as escadas. Sentia que, a qualquer momento, ouviria o já conhecido discurso de sua mãe sobre dedicação e perfeição.
Ao entrar na cozinha, encontrou a mãe, que parecia estar esperando por ela. Ivy suspirou internamente, antecipando o que viria.
— Ivy — começou a mãe, com a voz baixa, mas firme. — Eu notei que você anda… dispersa ultimamente. Seus movimentos no balé não estão tão precisos como deveriam.
Ivy franziu o cenho, surpresa pela observação. Sabia que não estava no auge, mas não esperava que sua mãe percebesse tão rápido. Tentou manter a calma.
— Eu estou me esforçando, mãe. Só estou um pouco cansada — respondeu, tentando não parecer defensiva.
— Cansada? Ivy, o balé não é pra quem se cansa fácil. Você precisa superar isso — a mãe respondeu, cruzando os braços. — Balé exige perfeição. Se você não se dedicar ao máximo, nunca será a melhor. E eu não quero ver você desperdiçar seu talento.
O peso daquelas palavras caiu sobre Ivy como uma marreta. Ela sabia que sua mãe era exigente, que sempre esperava mais dela. Mas, naquele momento, algo dentro dela se rebelou.
— Desperdiçar meu talento? Eu faço o que posso! Não sou uma máquina, mãe! — respondeu Ivy, a voz carregada de frustração. Ela quase não reconhecia o tom áspero que escapava de seus lábios, mas já não conseguia conter o que sentia.
A mãe, visivelmente surpresa, estreitou os olhos, a voz agora gélida:
— Se você realmente se esforçasse, não estaria dizendo isso, Ivy. Todos os grandes dançarinos passam por dificuldades, mas eles seguem em frente. Pare de encontrar desculpas.
Ivy não aguentava mais. Sem dizer mais nada, virou-se e saiu, fechando a porta da frente com mais força do que pretendia. Andava pelas ruas sem um destino certo, o coração acelerado, a respiração pesada. Sentia o rosto quente e uma mistura de raiva e tristeza que ameaçava transbordar a qualquer momento. Andou por vários minutos até encontrar um banco no parque. Sentou-se e respirou fundo, tentando se acalmar.
Por coincidência, Mason estava passando ali por perto. Ele reconheceu Ivy e parou imediatamente, observando-a por um instante antes de se aproximar. Ela não percebeu sua presença até que ele estava bem ao seu lado, chamando suavemente:
— Ivy?
Ela levantou a cabeça, forçando um sorriso ao vê-lo. A última coisa que queria era que alguém soubesse o que tinha acabado de acontecer.
— Oi, Mason — disse ela, tentando soar normal. — Que coincidência te encontrar por aqui.
Ele a observou com atenção, notando as linhas de tensão em seu rosto e o brilho úmido nos olhos dela. Sentou-se ao lado dela sem hesitar.
— Tá tudo bem? — perguntou ele, diretamente. — Você parece… um pouco chateada.
Ivy desviou o olhar, rindo de forma forçada.
— Não, está tudo bem. Sério — respondeu, torcendo para que ele acreditasse. — Só… um dia difícil, sabe?
Mason cruzou os braços, não comprando a desculpa dela tão fácil.
— Ivy, eu posso não te conhecer há muito tempo, mas já vi esse olhar antes. Você não precisa fingir que está tudo bem. Todo mundo tem dias difíceis.
Ela tentou sustentar o sorriso, mas o cansaço emocional a fez suspirar, deixando o olhar se perder na distância.
— Porque, se eu não fingir… talvez eu pare de ser forte — murmurou, quase sem perceber que estava dizendo aquilo em voz alta.
Mason ficou em silêncio, respeitando o momento. Ele compreendia o que ela queria dizer, talvez até mais do que ela imaginava. Eles ficaram quietos por alguns segundos, até que ele quebrou o silêncio.
— Acho que fingir ser forte não significa que você precisa carregar tudo sozinha. Você sabe disso, né?
Ivy não respondeu imediatamente. As palavras dele soaram estranhas, quase surreais para ela. Acostumada a uma rotina de exigências e cobranças, a ideia de compartilhar suas fraquezas parecia inconcebível. Ela desviou o olhar, focando-se em um ponto qualquer no horizonte.
— Eu sei que parece simples pra você dizer isso… mas eu não posso me permitir falhar — respondeu ela, a voz suave e hesitante. — Cada passo errado parece… uma derrota.
Mason a ouviu atentamente, percebendo a intensidade que cada palavra dela carregava. Ele hesitou, ponderando suas palavras antes de responder.
— Olha, eu também entendo essa pressão. Minha família me apoia, mas às vezes sinto que tudo o que faço tem que ser perfeito, ou eles vão se decepcionar. Só que, sei lá… eu tento não levar tudo tão a sério. Acho que o que quero dizer é que… às vezes, você só precisa se lembrar de que é humana.
Ela o olhou por um momento, surpresa pela sinceridade dele. A leveza de Mason contrastava com sua própria rigidez, e, naquele instante, ela desejou ter a mesma facilidade em lidar com as coisas.
— É fácil falar — murmurou ela, sorrindo tristemente.
— É, talvez seja. Mas você não precisa enfrentar isso sozinha, Ivy. Eu tô aqui.
Mason olhou para ela com um olhar caloroso e compreensivo, que trouxe a Ivy uma sensação de conforto que há muito não sentia. Ela queria acreditar nele, queria permitir-se relaxar, mas as exigências que sua mãe impunha sempre a puxavam de volta à realidade.
— Obrigada, Mason — disse ela, tentando sorrir de verdade desta vez. — Eu sei que posso contar com você.
Ele assentiu, sorrindo de volta, e eles ficaram ali por mais algum tempo, conversando sobre assuntos mais leves. Mason contava histórias engraçadas de quando ele e sua irmã eram mais novos, e Ivy ria das travessuras deles. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu leve, como se pudesse escapar, mesmo que temporariamente, da pressão constante.
Eventualmente, eles decidiram caminhar de volta. No caminho, Mason parou em frente a uma sorveteria e sugeriu que eles tomassem um sorvete. Ivy hesitou, lembrando-se das restrições rigorosas que sua mãe lhe impunha sobre comida, mas Mason a olhou de forma encorajadora.
— Vai por mim, às vezes um sorvete resolve tudo — disse ele, brincando.
Ela sorriu, mas pediu apenas um pequeno copo de sorvete de limão, tentando equilibrar sua vontade de aproveitar o momento e sua preocupação com as expectativas da mãe.
Enquanto caminhavam com seus sorvetes, Mason percebeu que ela ainda estava tensa e tentou mudar o clima.
— Sabe… você devia tentar aproveitar mais momentos assim — sugeriu ele, com leveza. — Um passeio, um sorvete, uma tarde sem tanta preocupação.
Ela riu, concordando em parte com ele.
— Talvez eu deva mesmo. Você faz isso parecer fácil.
— Porque é fácil — respondeu ele, piscando para ela.
Conforme a tarde avançava, Ivy começou a relaxar, surpreendendo-se com a leveza que Mason trazia ao seu dia. Eles encontraram um banco em uma pequena praça próxima e sentaram-se, observando as pessoas que passavam, cada uma com sua própria história. Ela percebeu que não se sentia assim há muito tempo — livre, despreocupada, apenas vivendo o momento.
Mason, sempre atento, notou a mudança no semblante dela e ficou em silêncio por um instante, apenas apreciando a companhia de Ivy. Depois de um tempo, ele a olhou e perguntou:
— Se você pudesse fazer qualquer coisa agora, sem pensar nas consequências, o que você faria?
Ivy ficou pensativa. Essa era uma pergunta que nunca se permitira responder. Sua vida era sempre um plano, um caminho que ela deveria seguir sem desvios. Mas ali, ao lado de Mason, ela deixou a imaginação vagar.
— Eu acho que… talvez eu viajaria — respondeu ela, hesitante. — Iria para um lugar onde ninguém me conhece. Conheceria pessoas novas, com histórias diferentes. Dançaria por prazer, não por obrigação.
Ele sorriu, vendo uma faísca diferente nos olhos dela.
— Parece incrível. E, por que não faz isso um dia? Eu sei que você ama dançar, mas seria interessante explorar isso de outra forma, sem pressão, só para você.
— Não sei se consigo me imaginar assim… Livre desse jeito — ela murmurou, como se estivesse revelando um segredo. — Às vezes, eu sinto que, se eu parar de seguir as regras, vou perder tudo o que construí até agora.
— Eu entendo. Só acho que talvez você esteja construindo uma coisa maravilhosa, mas se esquecendo de viver no meio disso tudo — Mason disse, com suavidade. — Quem sabe você não pode encontrar um equilíbrio?
Ela assentiu, mas a insegurança ainda era visível. Havia tanto que a prendia à sua rotina, às expectativas. E, ao mesmo tempo, havia uma parte dela que queria muito romper essas amarras, ainda que apenas por um instante.
— Talvez eu tente, algum dia — respondeu, com um sorriso tímido.
Mason aproveitou o silêncio dela para olhar para o céu, onde o sol começava a se pôr, tingindo o ambiente com tons de laranja e rosa. Era um daqueles momentos que pareciam perfeitos, e ele não queria que acabasse. Ele se virou para Ivy e, com um tom mais sério, perguntou:
— Você já pensou em como seria se sua vida fosse um pouco mais... normal? Com menos pressão, menos cobrança?
Ivy suspirou, refletindo sobre a pergunta. Poucas vezes alguém lhe perguntara algo assim, e menos ainda alguém que realmente quisesse ouvir a resposta.
— Acho que nunca tive a chance de imaginar algo diferente — ela respondeu, após um momento. — Minha vida sempre foi direcionada para o balé, para os ensaios, as competições... Eu nem sei como seria ter uma vida sem tudo isso.
Mason assentiu, entendendo a profundidade do que ela dizia. Ele havia crescido com a liberdade de explorar seus próprios interesses, e não conseguia imaginar como seria viver sob tanta pressão.
— Bom, você sabe que eu estou aqui para o que precisar, né? — disse ele, com um sorriso. — E, se algum dia você quiser fazer algo diferente... pode me chamar. Vamos juntos.
O olhar sincero de Mason tocou algo profundo dentro de Ivy, e ela sorriu, sentindo uma leveza que não sentia há muito tempo. Era como se, de repente, houvesse uma possibilidade de algo mais, uma alternativa àquela vida tão controlada e previsível. Mesmo que ela ainda estivesse distante de fazer mudanças concretas, saber que tinha alguém ao seu lado a ajudava a encarar as coisas com um pouco mais de esperança.
Eles continuaram conversando até o céu escurecer completamente. Quando chegou a hora de voltar para casa, Ivy sentiu que, pela primeira vez, não estava levando apenas o peso dos problemas. Ela também carregava consigo um pouco de coragem, uma força discreta, mas presente — algo que Mason havia despertado.
Naquela noite, ao deitar-se, Ivy não pensou nas exigências do balé ou nos comentários da mãe. Em vez disso, relembrou cada palavra de Mason, cada sorriso, cada segundo daquela tarde tranquila e acolhedora. Pela primeira vez, talvez, ela considerou que a felicidade poderia estar em momentos simples como aquele, e que talvez existisse um mundo onde ela poderia ser ela mesma — sem máscaras, sem pressões.
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1847 palavras
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