012. Desmaio

Pode até ter parecido uma pergunta inofensiva, mas Raquel já estava tão abismada no fato de que aquele à sua frente era o pai do Dinho que ela começou a sentir coisas estranhas acontecendo com o seu corpo. Coisas que ela nunca havia sentido antes, na verdade. Começou com uma suadeira fria, logo após veio uma tontura seguida de uma sede imensa. Não muitos segundos depois, a cacheada percebeu a sua visão escurecendo e sentiu-se perdendo as forças de todo o corpo. Entretanto, antes que pudesse cair e desmaiar de vez, ela conseguiu pronunciar uma frase que confirmou as suspeitas do seu Hildebrando de que a garota — que, no ponto de vista dele, havia ficado pálida repentinamente — estava passando mal:

— Eu não me sinto nada bem…

Dito isso, ela perdeu toda a sua consciência e caiu, sendo segurada pelo senhor, que, apesar da idade, teve um reflexo muito ágil ao não deixá-la se espatifar no asfalto da calçada.

━━━━━━━━━━━━━━━

— Hildebrando, quem é essa garota?

Assim que o senhor entrou na sua casa segurando uma Raquel desacordada nos braços, a sua esposa, uma senhora de altura média, aparentando estar por volta dos sessenta anos, pele branca, cabelos pretos compridos e presos em um longo rabo de cavalo, parou a sua refeição e se levantou repentinamente da mesa em que tomava café da tarde com a sua ex-nora, Valéria, uma moça branca, loira e alta, dos lábios definidos, olhos arredondados e nariz perfeitamente delineado, que eles a tinham como uma espécie de "segunda filha". A senhora estava com um semblante preocupado sobre a morena desacordada nos braços de seu marido, e ao ver a cena, Valéria também ficou em choque.

— Eu também não sei, Célia — ele disse enquanto se dirigia para o sofá, para que pudesse colocar a moça repousada ali. — Eu a encontrei no Cecap e ela parecia ser fã dos Mamonas. Quando perguntei o seu nome, ela simplesmente desmaiou!

— Meu Deus… — Célia, a esposa do seu Hildebrando, levou a sua canhota à própria testa enquanto fitava Raquel. Por dentro ela estava receosa quanto àquela garota, ela poderia ser uma pessoa má que o marido encontrou na rua e decidiu trazer para dentro de casa. Mas algo dentro de si lhe dizia que aquela moça era alguém do bem e que precisava de ajuda. Por isso, decidiu que ia ajudá-la a acordar.

Colocou uma almofada apoiando a cabeça da morena enquanto pedia para que seu marido erguesse as pernas dela para que o sangue chegasse com mais abundância à cabeça. Valéria trouxe um vidro de álcool e dona Célia espalhou um pouco do produto sobre os pulsos, pescoço e testa da morena, para lhe refrescar. Após isso, tentou colocar os seus dedos molhados de álcool perto do nariz da garota, para que ela sentisse o cheiro, mas nem isso a acordou. E foi neste momento que o SmartWatch de Raquel começou a tocar e vibrar no seu braço, despertando a atenção de todos os conscientes presentes ali.

— Valéria, como que atende isso? — Apesar da idade um pouco avançada, seu Hildebrando era um cara inteligente que sabia do que aquele "relógio" no pulso da morena se tratava. Porém ele não sabia mexer. E nem queria tentar. Preferia que a sua ex-nora atendesse.

E foi o que Valéria fez. Levantou-se do seu lugar, foi até a garota e retirou o aparelho do seu pulso, erguendo-o até a sua orelha quando apertou o botão que lhe permitia entrar na linha com quem estivesse do outro lado da ligação naquele momento.

— Alô?

— Raquel, aonde você está? Saiu tem mais de duas horas, o Samuel não para de me perguntar sobre você!

Para quem conhecia aquele tom peculiar, não seria difícil adivinhar que Giovanna havia ligado para a prima. Porém Valéria não conhecia a voz de Giovanna. Não até aquele momento.

— Então o nome dessa moça morena de cabelo cacheado é  Raquel? — A loira lançou mais um olhar para a garota que estava desacordada.

— Espera, você não é a Raquel? — Quando se deu conta de que não estava falando com quem queria, o tom da policial passou a ser de preocupação. — Quem é você? Cadê a minha prima? O que você fez com ela?

— Eu não fiz nada com ela! — Valéria entrou no seu modo defensivo. — Ela desmaiou na rua, eu estou ajudando a socorrê-la.

De repente, Giovanna sentiu as suas pernas fraquejarem e teve que se encostar na parede do seu quarto, da onde ela fazia a ligação.

— Como assim ela desmaiou? Aonde ela está?

— Deve ter sido por conta do calor, a pressão dela deve ter caído. O meu ex-sogro a trouxe para a casa dele e estamos aqui tentando a acordar.

Percebendo a sua respiração começando a falhar devido à preocupação excessiva que estava sentindo acerca da prima, a policial levou a sua mão livre até a altura do peito e constatou que estava com os batimentos cardíacos acelerados. E ela sentia que ia ficar pior se continuasse dentro daquele apartamento sabendo que Raquel estava passando mal e pior, na casa de desconhecidos!

— Me passa o seu endereço — foi uma ordem que a policial deferiu para a moça. Ela saiu de seu quarto e foi remexer na estante da sala, a procura de papel e caneta para anotar a informação. O seu gesto atraiu o olhar dos outros garotos da banda, que naquele momento estavam na sala assistindo televisão. — Eu vou agora buscar ela.

Valéria não hesitou em citar a localização da onde se encontrava para Giovanna, e esta anotou tudo com atenção.

— Certo, estarei aí em alguns minutos — a morena disse. — Qual é o seu nome?

— Valéria, e o seu?

— Giovanna — ela largou a caneta e passou a fitar apenas o papel que continha o endereço. — Qual é o seu sobrenome, Valéria? Só para eu ter certeza em quem devo procurar quando chegar aí.

— Zopello — a outra respondeu com muita naturalidade. — Mas qualquer coisa, você também pode procurar pela dona Célia ou…

Giovanna queria ter prestado atenção no restante da fala da mulher, porém a resposta que ela deu lhe desconcertou mais ainda. Valéria Zopello? Dona Célia? Não eram aquelas a ex-namorada e a mãe do Dinho?

— Valéria Zopello? — A sua frase soou incrédula e saiu mais alta do que era o esperado, prendendo ainda mais a atenção dos Mamonas na conversa da policial, principalmente de Dinho, que até se inclinou para a frente ao ouvir o nome da namorada sendo pronunciado por Giovanna. — O seu nome é Valéria Zopello?

— Sim…? — A fala da outra saiu arrastada, por sua vez.

— E qual é o nome do seu ex-sogro?

— Hildebrando. 

— Hildebrando — a policial repetiu o nome do senhor em voz alta e com um tom firme, e logo após passou a encarar Dinho com um semblante indecifrável. Este, por sua vez, estava visivelmente surpreso. Levantou-se de seu lugar e ficou em pé enquanto fitava ansioso a morena.

— Sim. Eu ia falar isso, mas você me interrompeu.

Pelo outro lado da linha, a policial não conseguiu identificar a ironia que a mulher tentou lhe passar. Giovanna, na verdade, nem ligava pra isso. Ela e o vocalista da banda se encaravam tão incrédulos e fixamente que a policial só conseguiu quebrar o gelo que ficou ao telefone segundos depois, dizendo uma simples frase:

— Chego aí em quinze minutos.

E desligou.

Neste momento, o silêncio passou a reinar entre ela e os quatro meninos da banda que estavam presentes naquele momento. Todos eles se entreolhando e nenhum sabia ao certo o que dizer, até que a própria garota quebrou o gelo e disse:

— Raquel desmaiou na rua e pelo o que parece, o senhor Hildebrando, pai do Dinho, a encontrou e a levou para a sua casa.

— Meu Deus! — Todos ali ficaram espantados com a notícia, porém Samuel foi o primeiro a se pronunciar depois da fala da mulher. — Você vai buscar ela, não vai?

A mulher fez que sim com a cabeça e se preparou para sair pela porta da sala. Entretanto uma mão a segurou fortemente e a impediu de sair naquele momento. Era Dinho.

— Eu vou com você — ele disse, arrancando um suspiro frustrado da morena.

— Não vai — ela foi firme na sua resposta. — Não dessa vez, eu vou resolver esse problema primeiro e depois até dou um jeito de trazer os seus pais aqui.

— Mas você está muito trêmula — aqui ele foi certeiro. Qualquer um poderia perceber o quanto ela tremia de desespero pela prima, ele que estava tocando o seu braço tinha uma visão ampla disso. — E se você passar mal na rua?

— Eu concordo com ele, Giovanna — foi Samuel quem disse. — Você claramente não está em condições de sair sozinha.

— Mas vocês já pararam para analisar a situação em que nós estamos? — Sérgio se intrometeu na conversa. — A mulher está na casa dos pais do Dinho, que não sabem que ele está vivo. Se ele aparece por lá, é capaz de terem mais dois desmaiados!

— Três — a mulher corrigiu o baterista. — A Valéria também está lá. 

— Aí, viram? Vocês acham que é uma boa ideia ele ir junto?

— E você acha que é uma boa ideia ela ir sozinha? — O Reoli mais novo rebateu o mais velho. — Olha como ela está pálida!

— Eu não falei isso, cabeção! Ela não pode sair sozinha, mas com um de nós também não é uma boa ideia!

Vendo que os dois irmãos estavam começando a se exaltar, a garota deferiu uma pergunta ao guitarrista, para evitar uma possível discussão. 

— O que você acha, Bento?

Ele, que até então observava tudo de braços cruzados e calado, respondeu:

— Acho que vocês estão se preocupando demais. Me diz, quem conseguiria lidar melhor com a família Alves do que o próprio Dinho?

Tal frase foi o suficiente para fazer o vocalista sorrir para o guitarrista, que lhe retribuiu com uma piscadela, como se estivessem flertando. A mulher revisou os olhos diante daquela cena. Deu um tapa leve no braço do vocalista e lhe falou:

— Vamos logo.

━━━━━━━━━━━━━━━

— Você quer mesmo que eu fique aqui no carro?

Dinho olhava melancólico na direção do portão da casa dos seus pais. Ele queria entrar, mais do que tudo ele queria entrar, mas sabia que tinha ido até lá só para acompanhar Giovanna e não queria atrapalhar o momento.

— Eu vou trazer os seus pais aqui assim que acordar a Raquel, eu prometo — ela conseguia ver nos olhos dele a frustração. Segurou na sua mão para tentar lhe reconfortar, e em troca recebeu um sorriso ladino e cabisbaixo acompanhado de um "sim" feito com a cabeça. 

Sem demora, ela desceu do carro e foi em direção ao portão. Tocou a campainha e esperou ansiosamente até que alguém viesse atendê-la. Se segurou muito para não gritar quando se deparou com Valéria parada bem na sua frente, a convidando para entrar.

— Ela está bem? — Antes que chegassem à sala de estar, a policial perguntou.

— Agora ela está — e a loira respondeu. — Conseguimos acordá-la. Parece que a pressão dela caiu mesmo.

Assim que adentraram o cômodo principal e Raquel viu a sua prima, gritou um alto e agudo "Gio" e esta foi correndo na sua direção lhe abraçar.

— Você me assustou, Raquel!

— Não foi culpa minha — ela deu de ombros. — Eu fiquei emocionada quando vi o senhor Hildebrando.

Giovanna desviou o olhar para os pais de Dinho, que estavam parados logo adiante observando o reencontro entre as primas. Ela sorriu para eles.

— Obrigada por tudo o que fizeram por ela hoje — suas palavras eram sinceras. — Eu nem sei como agradecer aos senhores.

— O que acha de agradecer aceitando tomar uma xícara de café conosco? — A dona Célia lhe fez esse convite, e só então que a morena foi perceber que a casa estava emanando um aroma maravilhoso de café recém passado. Ela nem estava com fome, mas como amava café, não conseguiu resistir à proposta tentadora.

Enquanto Valéria foi até a cozinha buscar as coisas para servir à todos, os pais do vocalista ficaram conversando com as meninas na sala. Em um determinado momento da conversa, uma voz bem peculiar preencheu o espaço chamando a atenção de uma pessoa em específico.
 
— Giovanna — era Dinho. Ele estava parado na porta de entrada, segurando a chave do carro que a policial havia deixado contigo e portando um semblante ansioso. O seu olhar encarava fixamente a policial. — Me desculpa, eu fiquei preocupado com você e tive que vir aqui ver como estava.

Giovanna, por sua vez, ficou em choque. "Ah não" foi a única coisa que conseguiu pensar antes de olhar para os pais do vocalista e perceber que eles o encaravam paralisados, chocados e de olhos arregalados.

Por um momento, o vocalista esqueceu que estava dentro da casa dos seus pais. Foi seguindo o olhar da policial que ele tomou um choque de realidade.

— Papai? Mamãe?

Ele ficou tão chocado quanto os pais com o reencontro. Porém ele era o "Dinho dos Mamonas", sabia que se não desse um jeito de fazer daquela uma cena engraçada, iria começar a chorar feito um bebê. Diante disso, ele colocou as mãos na cintura, estufou o peito imitando uma pose de super-herói e disse:

— Sentiram a minha falta, coroas?

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top