011. Senhor Hildebrando

Raquel Elgohary dos Reis
P.O.V.


Eu conheço a minha prima como a palma da minha mão, sabia que naquele momento ela não estava nada bem. Assim que cruzou a porta de entrada, eu percebi frustração na sua expressão.

Esperei até que ela saísse do seu banho demorado para que eu pudesse lhe puxar para uma conversa. Assim que ela saiu do banheiro enrolada no seu roupão e entrou no quarto, eu já estava lá antes que ela pudesse fechar a porta.

— Você vai me explicar o que está acontecendo — eu a peguei de surpresa com a minha frase. Até então a minha presença não havia sido notada, e ouvir a minha voz a fez levar uma das mãos ao próprio peito.

— Você ao menos podia pedir licença ou avisar que está no meu quarto!

— Eu não me importo com isso. Quero saber o que aconteceu com você.

Ela tirou a mão da maçaneta e se dirigiu até a frente do seu guarda-roupa. Enquanto escolhia o que vestir, me respondeu:

— Recebi um áudio da Valéria, ex do Dinho.

— E isso não significa algo bom? Pensei que você estivesse interessada em devolver os membros para os familiares.

— Não é isso — nesse momento, ela jogou uma blusa na sua cama. — Tem alguma coisa de errada com a família dele. Na mensagem anterior eu havia dito para a Valéria que era policial e precisava tratar de um assunto urgente com ela, no áudio que ela me mandou ela queria um adiantamento da conversa, e assim que eu disse que se tratava sobre os Mamonas e a família do Dinho, ela respondeu que não falaria comigo sobre eles porque não queria o seu nome associado à um tal de Jorge — ela pegou um short e logo depois fechou o seu guarda-roupa. — Eu não sei quem é esse cara, mas algo me diz que tem alguma coisa muito errada acontecendo dentro da família Alves. Você não acha estranho a namorada do cara não querer o nome dela associado com a família dele?

— Eu acho que pode ter acontecido alguma coisa entre ela e os familiares, não exatamente entre ela e o Dinho — falei. — Apesar disso, acho que seria bom, neste momento, deixar as ex 's de fora. Sei lá, me parece mais certo reapresentar os caras pros pais do que pras namoradas de mil novecentos e noventa e seis.

— Mas eu não tinha intenção de chegar com ele na loja dela, Raquel — ela me fitou profundamente. — Eu só ia ter uma conversa e tentar arrancar dela um endereço ou o número de pelo menos um dos pais dele. Senão ela, quem mais poderia me ajudar?

— Talvez a Grace, irmã dele?

— Aí é que tá. Eu não consegui contato com a Grace de jeito nenhum.

— Mas você não conseguiu conversar com os pais dele já?

— Entre aspas — ela deu de ombros e passou a se vestir. — Falei que sim para passar uma boa impressão, apenas, mas na real eu só consegui descobrir que o pai dele frequenta muito o Cecap e a mãe dele é adventista.

Sim, eu lhe lancei um olhar reprovador. Talvez não fosse a melhor hora, mas ela havia mentido antes dizendo que estava com a situação sob controle! E não estava, na real. Eu sempre soube que a Giovanna iria precisar de ajuda com isso.

— Então você ainda tem dois casos em aberto? — Perguntei.

— Sim, tecnicamente. O Bento e o Dinho.

Eu respirei fundo bem vagarosamente para conter a crise de ansiedade que estava ameaçando tomar posse do meu corpo. Tudo o que eu menos precisava naquela hora era passar mal com isso, e eu tenho certeza que a minha prima não me contou antes com medo de que eu reagisse dessa forma.

— Eu não sei o que você pode fazer — concluí. E me senti péssima por ter falado assim.

— Tudo bem, estou ciente de que o problema é meu — coitada da Gio, ela respondeu de uma maneira tão desesperançosa que eu fiquei realmente pra baixo por não conseguir ajudar. De alguma forma, eu tinha para mim que os problemas da minha prima também eram meus problemas, e eu sempre ficava preocupada quando ela se encontrava em uma situação semelhante à qual estava naquele momento.

Eu sempre estive disposta a ajudá-la com o que estivesse no meu alcance. Porra, nós morávamos em Guarulhos, a terra natal dos Mamonas, e ainda estávamos naquele dilema todo? Tinha que ter uma saída e um jeito de devolver o Dinho para a sua família sem causar um escândalo e envolver uma ex-namorada!

Eu sofria de crises de ansiedade sempre que ficava preocupada com alguma coisa, então para evitar que aquela situação me fizesse parar no hospital, eu decidi descer para correr em volta do condomínio. Essa era uma atividade que me fazia passar o tempo sem pensar muito na vida corriqueira que eu levava.

Naquele dia estava fazendo um calor danado, o suor escorria sem medo pela minha testa. Eu tinha vontade de voltar para dentro, mas ainda me sentia meio nervosa para voltar. Pelo meu relógio smartwatch eu percebi que recebi uma nova mensagem no WhatsApp de uma colega de faculdade e, curiosa para saber do que se tratava, decidi abri-la ali mesmo, ainda sem parar de correr enquanto checava o textão que ela havia mandado.

E foi assim que eu acabei trombando em alguém. Na verdade, a pessoa quase nem se mexeu, porém o impacto que eu levei foi grande o suficiente para me fazer cair sentada no asfalto quente da calçada.

— Opa, mocinha, você está bem? — A pessoa na qual eu esbarrei me dirigiu tal pergunta. Era uma voz masculina. Olhei para cima e me deparei com um senhor de aproximadamente 65 anos, mais ou menos alto, com algumas rugas no rosto, cabelo grisalho e um sorriso simpático me estendendo a mão para me ajudar a levantar. Envergonhada por ter esbarrado nele, eu aceitei a ajuda.

— Sim, eu estou bem. Mas e o senhor, eu lhe machuquei?

— Não se preocupe comigo, garota, quem caiu foi você. Não ralou o joelho ou algo assim? Aonde você mora? Se estiver machucada eu posso te ajudar a voltar pra casa.

Eu o achei um fofo muito prestativo. Mas não, eu não tinha me machucado, então não precisava que ele me levasse em casa, apenas precisava pedir desculpas pela minha falta de atenção.

Procurando pelas palavras certas para lhe dizer que eu estava bem, eu desviei o meu olhar, até que, involuntariamente, reparei na blusa que ele usava. Por um momento eu até pensei que estava alucinando, mas ao piscar várias vezes rapidamente me dei conta que eu estava enxergando a mais pura realidade: ele usava uma camisa com a logo dos Mamonas Assassinas.

E ele deve ter reparado que eu encarava fixamente a sua vestimenta, porque ao invés de me repetir a mesma pergunta anterior, ele mudou o contexto dela:

— Você gosta deles?

— Hãn? — Eu estava aérea quando ele falou comigo, e ouvir a sua voz me despertou de um transe repentino.

— Dos Mamonas. Você gosta deles?

— É, eles não são exatamente a minha banda favorita, mas eu curto muito o jeitinho brincalhão que eles possuem.

Aquele senhor me deu um sorriso.

— Possuíam, né?

— Não, possuem — talvez tenha sido um erro meu falar isso. — Eles estão vivos.

O senhor sorriu pra mim mais uma vez.

— Sabe, é muito gratificante encontrar fãs como você, que carrega a imagem dos garotos no coração e não os deixa morrer — oi? O que ele exatamente quis dizer com isso? — Você não imagina o quanto eu me sinto satisfeito em encontrar pessoas tão jovens que os curtem e fazem o legado ser passado adiante.

Ele me pegou de surpresa, não vou negar. Falando assim, aquele senhor parecia até um…

— Parente dos meninos? — A minha pergunta foi em tom de puro choque. — Me desculpe, mas o senhor é parente de algum dos meninos?

— Eu sou o pai do Dinho, o vocalista, sabe?

É lógico que eu sabia quem era o Dinho, mas… Eu estava diante do pai dele?

Tal revelação me fez entrar em êxtase mais uma vez. Acredito que agora eu realmente fiquei encarando o senhor com uma possível cara de retardada, mas era porque eu estava muito em choque.

Eu senti toda a minha crise de ansiedade indo embora do meu corpo. E eu fiquei tão chocada, porém calma, que eu não conseguia nem pronunciar uma palavra sequer por alguns segundos. Mas a minha memória não falhou. Pelo contrário, ela passou a funcionar melhor quando eu finalmente caí na real de que estava diante da ajuda perfeita para a Giovanna quando me lembrei do nome daquele senhor.

— Senhor Hildebrando?

Ao ouvir o seu nome, ele sorriu de novo para mim.

— Sim, sou eu. E você, mocinha, como se chama?

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