008. O chamado
Giovanna Elgohary Terena
P.O.V.
— Você mora no Cecap!
Assim que estacionei na minha vaga de garagem, o Bento — que ocupava o banco do passageiro ao meu lado — exclamou. Ouvi um burburinho e olhei para trás: os outros meninos também haviam se animado.
Não demorou até que o tenente estacionasse ao meu lado, em uma vaga de um apartamento vizinho que até então estava desocupado. Eu o vi falar algo para os meninos que ele trazia no seu carro e logo após descer dele. Veio na minha direção e no momento em que abaixei o meu vidro, apoiou um cotovelo na minha janela e disse:
— Podemos conversar a sós?
Tive vontade de revirar os olhos só de ouvir a voz dele — mas não o fiz, é claro. Ao contrário disso, me voltei à Dinho, Bento, Sérgio e Samuel e falei:
— Não saiam daqui, não abaixem os vidros e não façam muito barulho, tudo bem?
Eles afirmaram. Eu fechei o meu vidro, desci do carro e nós dois fomos para perto de um banco.
— Você não precisa fazer isso — ele disse. — Eu posso cuidar deles.
— Não, você não pode — respondi. — Para que eu faça o meu trabalho, eu preciso vê-los, e ficar indo à sua casa para isso não me parece uma boa opção.
Ele colocou as mãos na cintura e me encarou profundamente.
— Escute uma coisa — me alertou (ou ao menos tentou me alertar). — Essa investigação está sob os meus cuidados. A tutela desses passageiros está sob os meus cuidados. Se algo acontecer com eles…
— É mais fácil algo acontecer com eles dentro da sua casa do que dentro do meu apartamento! — Eu confesso que neste ponto eu me exaltei. Não devia, mas me exaltei. — Você queria matar eles de fome? E o que se passou pela sua cabeça para deixar que um deles atendesse o portão? Ou pior, por que os deixou sozinhos?
O olhar do meu superior era muito sério sobre mim. Talvez eu me arrependesse depois de ter falado com ele em um tom elevado, mas naquela hora ele merecia aquela bronca.
E eu não me rebaixei diante dele. Por mais que a minha posição não me favorecesse muito, eu não ia desbancar os meus argumentos só porque ele era tecnicamente o meu superior. Se estivéssemos fora da farda ele seria uma pessoa normal como eu, e aí eu não teria medo de falar com ele naquele tom. Então eu usava esse pensamento como refúgio, basicamente.
— Sabe Giovanna — ele pronunciou depois de longos segundos que terminei a minha fala. — Você é competente. Mas essa sua competência não deve subir à cabeça! Você está inventando fantasias, acha mesmo que os Mamonas Assassinas vão ficar seguros neste local?
Ele estava me chamando de metida?
— Com todo o respeito, senhor — eu que não ia deixar isso pra lá! — Mas quem parece que o poder subiu à cabeça é o senhor!
Eu senti o meu sangue fervendo nessa hora. Foi como se eu não tivesse mais a capacidade de medir as minhas palavras e pensar nas consequências que elas me trariam depois.
O tenente soltou uma risada, visivelmente sarcástica. E isso ainda olhando nos meus olhos! Ele estava debochando de mim!
Ele ia pronunciar algo quando foi interrompido. Não por mim, mas por uma voz bastante familiar e que eu imediatamente agradeci aos céus por tê-la ouvido naquele momento.
— Gio? Tenente George? — Era Raquel. Ela apareceu atrás do tenente, assustando-o e fazendo-o desviar a sua atenção para ela. — O que estão fazendo aqui?
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei, estranhando a sua presença ali naquele horário da tarde. — Você não tinha um casamento para ajudar a arrumar a decoração?
— O meu trabalho por lá já acabou — ela me respondeu, explicando também porque estava um pouco suada. Ela estava acabando de chegar em casa. — Vocês estão gritando um com o outro, dá pra ouvir a conversa de longe.
É, talvez tenhamos exagerado na altura das nossas falas. E talvez isso fosse até um pouco perigoso, naquela ocasião.
Ao fitar a face serena da minha prima foi que pensei que eu talvez tenha feito merda. E parece que o meu superior se encontrava no mesmo estado que eu, visto a sua cara de espanto quando voltou a olhar para mim.
Ficamos nós três calados e se entreolhando, tentando raciocinar o que falar a seguir. Estava todo mundo sério, até que Raquel mudou a sua expressão.
— Vocês ouviram isso? — Ela perguntou, confusa. Eu e o tenente trocamos um olhar tão confuso quanto o dela.
— Depende, isso o quê? — Ele a perguntou.
— Uma voz… — Ela disse. — Não sei, uma voz bem rouca pareceu sussurrar no meu ouvido. Vocês não ouviram?
Eu olhei para o tenente e vi ele negando com a cabeça. Depois foi a minha vez de negar.
— Estranho… — Ela falou baixinho. — Eu ouvi.
— E o que dizia essa voz? — Perguntei.
Aquele assunto tava ficando estranho. Muito estranho. Eu cruzei os meus braços na frente do meu peito.
— Eu não consegui ouvir direito, mas acho que era algo como "protejam eles".
— O quê? — O que já era absurdo estava ficando ainda pior. — Proteger quem?
Nessa hora eu realmente achei que a minha prima estava começando a ficar doida. Talvez seria uma boa opção levar ela à um psiquiatra?
— Talvez eles? — O tenente me tirou da breve viajada que eu dei nos meus pensamentos acerca da saúde mental da Raquel. Ele apontou para os carros aonde estavam os mamonas e os pilotos. — Talvez até a sua prima ache que seja tão má ideia deixá-los aqui que está inventando essas coisas para te convencer a levá-los de volta para a minha casa.
Eu revirei os olhos ao voltar o meu corpo na direção dele.
— Eu tenho certeza que não é isso — falei. — Ela nem sabe porque eu os trouxe aqui! E quando souber, com certeza vai ficar do meu lado.
— Você fala como se a sua conclusão fosse a verdade absoluta — ele rebateu. — Nem esperou a sua prima se explicar?
Era verdade, pelo menos isso era verdade. Se a Raquel tinha ouvido algo de suspeito, ela tinha que explicar o seu ponto de vista.
Para não bufar para o meu superior, eu apenas me virei na direção da minha prima e tive uma surpresa ao flagrá-la encarando os meninos dentro dos dois carros de forma assustada. Conhecendo-a do jeito que a conheço, ela estava presa em algum pensamento e provavelmente prestes a ter uma crise de ansiedade. Para evitar que isso acontecesse, eu fui até ela e segurei as suas mãos com firmeza, ficando frente-a-frente com a garota e a fitando nos olhos.
— Raquel, o que aconteceu?
Ela continuou imóvel. E a sua imobilidade me deixou preocupada.
Ela olhava profundamente para os meninos. Não sei dizer exatamente quais eram as expressões deles nesse momento porque a minha atenção estava toda presa na minha prima agindo estranhamente.
Eu coloquei ambas as minhas mãos sobre os seus ombros e a sacudi levemente. Se ela tinha "viajado na maionese", o meu ato a despertou. Ela piscou repetidas vezes — mesmo que, ainda, continuasse com a face de assustada — antes de abrir a boca. Demorou a saírem palavras vindas dela, porém quando falou, ela disse:
— Leve os meninos para dentro do nosso apartamento e feche a entrada e todas as janelas, Gio — ela pronunciou pausadamente, sem me encarar.
— O quê? — Eu me assustei com a sua frase. Não de, tipo, gritar, mas de achar muito estranho o que ela disse. Mas eu confiava na intuição da Raquel, e eu iria fazer o que ela pediu. Só que eu me assustei com a forma como ela ficou ao me passar a ordem. Ela nunca tinha ficado tão hipnotizada antes.
— É sério, Gio — agora ela olhou para mim. — Aquela voz está sussurrando de novo e eu acho que é uma espécie de chamado. Vá logo!
Chamado? Era sério?
Eu me assustei mais ainda com a sua frase. Não quebrei o nosso contato visual no momento em que me afastei dela para abrir as portas dos carros, chamar todo mundo pra fora e dizer:
— Me sigam.
Estranhamente calados, os mamonas e os pilotos me seguiram. Raquel e o tenente os acompanharam por último.
No momento em que abri o portão de entrada do prédio e quase todo mundo entrou, percebi que a minha prima havia ficado para trás. Nisso eu parei para procurá-la e a encontrei parada na entrada, olhando ao redor.
— Você não vai entrar? — Perguntei-lhe.
A sua resposta demorou.
— Tem algo aqui.
Nessa hora o tenente a pediu licença e entrou na sua frente. Era o mínimo, né? Se realmente houvesse algo ali, ele, como o policial que estava atoa no momento, deveria protegê-la.
Ainda assim a Raquel insistiu em sair de trás dele para procurar a tal "coisa". Ela olhou ao redor da entrada e não encontrou nada. Por fim olhou em uma das direções de entrada do Parque Cecap, uma das quais eu e o tenente ainda não tínhamos olhado. Nisso a sua feição mudou completamente: passou de curiosa para assombrada.
— Gio… — Ela me chamou. — Corre. São paparazzis.
Para não rir da sua fala, eu tive que chegar ao seu lado para conferir com os meus próprios olhos aquela informação. Paparazzis? Logo no Cecap?
Infelizmente a história que eu julgava ser absurda era verdade. Carregando máquinas fotográficas de todos os tamanhos e estilos diferentes, uma multidão de pessoas que brincavam de bancar os jornalistas vinham correndo na nossa direção.
Eu segurei no braço da minha prima e a arrastei para trás de mim. Nisso eu a saí empurrando para dentro do prédio e quando chegamos, me virei para os meninos e os mandei correrem. Eu ia ficar para trás com o tenente para o ajudar a conter a multidão quando ele me barrou e fez um sinal para que eu corresse também. Nesse caso eu nem o questionei antes de obedecê-lo.
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