007. Então é assim?
Antes de entrar na casa do tenente, a sargento parou na porta e soltou o seu cabelo para arrumá-lo. Enquanto refazia o seu coque, sentiu os olhares das pessoas ali dentro caindo sobre si.
Giovanna entrou logo atrás.
— Pessoal, essa é a Cindy — falou. — Ela veio conhecer vocês e vai me ajudar com alguns casos.
— Prazer em conhecê-los… — Diante do silêncio do pessoal, a sargento se pronunciou. — Para alguns, é claro.
— Você é a namorada da Giovanna? — Júlio reparou bem nela enquanto perguntava. A sargento voltou a sua atenção ao rapaz de cabelo vermelho.
— Sou sim. E espero que você não seja cúmplice do espertinho que ousou dar em cima da minha namorada, ou senão as coisas vão feder pro seu lado também.
Embora ela estivesse falando de forma irônica e a policial soubesse disso, Cindy soou absurdamente séria para aqueles que não a conheciam. Resultado das aulas de teatro que fazia toda quarta-feira depois da aula, ainda na escola. A sua frase fez o Júlio arregalar os olhos.
— Não, não sou — em seguida, ele se virou para o Bento. — Assume o seu B.O., japonês!
— E-eu mudei de ideia — a voz do outro saiu trêmula. Porém, ele encarava Cindy de forma constante.
E ela o encarou de volta. Um sorriso ladino surgiu em seus lábios.
— E espero que tenha mudado mesmo — ela levou a canhota até a altura da barra da sua blusa e a ergueu um pouco, apenas para deixar à mostra e bem claro que também andava armada. — Ou senão não queira imaginar o que pode acontecer contigo.
O japonês engoliu em seco. Por mais que a sargento estivesse falando de forma irônica, para ele ela soava o mais natural possível.
Como se fosse uma espécie de relâmpago, antes que a asiática conseguisse abaixar a blusa novamente, Giovanna foi rápida o suficiente para tomar o revólver alheio da sua cintura. Com ele em mãos, ela o desarmou, igual fez com o seu anteriormente. E diante do seu ato, obteve uma encarada negativa de Cindy.
— O que foi? — Giovanna perguntou para ela, com indiferença. — Enquanto eu desarmei o meu assim que cheguei aqui, você está usando o seu para assustar os meninos! Meio imprudente, não acha?
— Não, não acho — a outra deu de ombros.
Giovanna revirou os olhos.
— O Samuel tem medo de arma.
— Ah, tem, é? — A sargento encarou o baixista de forma debochada. De fato dava pra perceber em seu olhar que ele estava assustado com a presença dela. E ficou mais assustado ainda quando ela se aproximou dele e colocou uma de suas mãos sobre o ombro do rapaz. — É verdade?
Com muita dificuldade, o baixista dos Mamonas Assassinas consentiu com a cabeça. O seu ato arrancou mais um sorriso irônico da sargento, que disse:
— Eu quero te fazer uma pergunta: é verdade que era o seu seu celular que foi encontrado ligado no avião?
Ele quase recuou. Engoliu em seco mais de uma vez. Entretanto, antes que pudesse pensar em uma possível resposta mentirosa, se lembrou de que tinha assumido a verdade para Giovanna e o melhor seria não arriscar contar uma mentira para a namorada dela. Afinal, ele já estava encrencado mesmo.
— É sim — respondeu, receoso. — Você vai me prender?
A expressão da sargento foi de séria para debochada.
— Não, não vou — ela falou. — Por mais que essa seja a minha vontade, eu tenho mais amor ao meu emprego. E além do mais… — Ela fez uma breve pausa para suspirar. — Tem um porém: fui eu quem encontrei o seu telefone. Até agora só eu e a Gigi sabemos. E a gente não vai contar para os nossos superiores, desde que isso nunca mais se repita.
Em um instante, o olhar assustado do baixista deu lugar à um sorriso largo. Agora ele encarou a sargento com uma expressão alegre e aliviada.
— Eu prometo que não deixarei mais isso acontecer!
— E eu acho bom — a oficial saiu de perto do garoto e foi para o lado da policial. — Porque se alguém descobrir isso, nós estaremos encrencadas por você.
— Todo mundo aqui promete ficar calado sobre isso? — Giovanna perguntou e obteve um "uhum" afirmativo uníssono como resposta.
— Ótimo — depois da resposta, Cindy disse. — Pois bem, terminem de comer logo porque vim levar você e você para a casa — em seguida, ela apontou para o roadie e o segurança da banda.
— Ei! — Assim que ela terminou a sua fala, a voz do Dinho pôde ser ouvida. — Mas eu sou primo desse mané aqui — como estava ao lado do roadie, ele deu uma cotovelada neste. — Eu não deveria ir com ele?
— Pois é, seria mais inteligente, não? — Agora que ele tocou em tal assunto, Giovanna se virou para a garota com tal questionamento.
— Não seria — e a sargento respondeu totalmente serena. — Eles não moravam juntos antes do acidente. Só o reaparecimento já vai ser em dose dupla para as famílias Alves e Reoli, vocês por acaso querem matar seus pais do coração? Tem que ter tato!
Dinho pareceu pensativo.
— É, por um lado ela tá certa — Samuel disse. — Ficamos anos "fora", agora que a gente "voltou" as pessoas já devem ter se acostumado com a nossa ausência! E nos rever vai ser chocante para eles.
— Finalmente você pensou em alguma coisa né, cabeção? — Júlio disse e Samuel deu de ombros.
— Tanto faz.
— Tá bom — dessa vez, quem se pronunciou novamente foi Giovanna. Ela levantou o seu olhar para Cindy. — Você disse que tinha "dois pesos e meio" para me livrar. Não está se esquecendo de nada?
— Pois além de chata, você vai mesmo ser tão ingrata? — A sargento a encarou também, com uma expressão fechada.
— Eu não sou ingrata! — E a policial protestou.
— Pois eu acabei de te livrar de dois e é me cobrando mais que você me agradece?
— Mas eu não estou cobrando! Você só tem que cumprir com o que prometeu!
— E você tem noção de que estou te fazendo um favor e que não esqueci o que eu prometi?
Desta vez, vendo que não tinha mais argumentos, a policial se deu por vencida erguendo as duas mãos, mas não sem antes deixar uma última alfinetada no ar:
— Marrenta.
E diante de tais palavras, um sorriso cínico brotou nos lábios da sargento.
— E você gosta, que eu sei.
Giovanna quis bufar e bater os pés, mas se conteve. Elas duas olharam para a mesa novamente e notaram que a sua pequena discussão atraiu os olhares de todos os homens ali presentes.
— O que foi? — A policial perguntou para eles, fazendo a maioria voltar os seus olhares para a comida às suas frentes. Exceto Samuel.
— Vocês brigam assim o tempo todo? — O baixista, que a policial já notou que não sabia esconder as suas confusões, perguntou à elas duas, arrancando um riso das garotas.
— A gente troca farpas — Cindy respondeu. — Mas não é por isso que deixamos de gostar uma da outra.
— Entendi… — Antes de voltar a comer, ele encarou as duas como se estivesse processando a informação.
Enquanto esperava os dois que estava interessada em levar para as suas casas terminarem de comer, Cindy se voltou para a policial. Se aproximou tanto dela que Giovanna pensou que seria beijada. Mas não. Cindy colocou as suas mãos sobre a cintura e a encarou.
— O "meio peso" era o Bento — falou, surpreendendo a garota e atraindo o ouvido atento do guitarrista, que mesmo que estivesse na mesa com os outros garotos, não conseguiu evitar de prestar atenção nas meninas quando o seu nome foi citado. — Você não conseguiu falar com a família dele, certo?
— E como você sabe? — Giovanna ergueu uma de suas sobrancelhas.
— Porque eu tenho a mesma descendência que eles — a outra respondeu calmamente. — E conheço alguns da família dele pessoalmente.
— Por que você não me disse isso antes? Teria sido mais fácil conversar com eles!
Agora o Bento estava mais atento do que antes na conversa, mesmo sem falar nada.
— Primeiro, porque a maioria da família dele não fala português; segundo, porque você não me pediu ajuda para isso; e terceiro, porque eles geralmente não conversam com estranhos!
Agora a policial não pôde deixar se bufar de frustração. Cindy estava certa em tudo!
— Mas eu não sou estranha! — Ela protestou de novo. — Eu até mandei mensagem para o sobrinho dele, porém não obtive uma resposta até agora!
— De qual sobrinho você está falando? Do Fernando ou do Alberto?
— Do Alberto.
— Então você pode até pegar um banquinho para sentar e esperar, porque aquele ali é carne de pescoço de peru.
Com a última frase alheia, Giovanna ficou confusa e fez uma careta.
— "Carne de pescoço de peru"?
— É. Fui até Minas Gerais esses dias investigar a causa de um acidente e acabei pegando as gírias dos mineiros.
— Enfim — ainda que tenha achado inusitado o jeito de falar da outra, Giovanna preferiu voltar ao assunto de antes. — Então o que eu devo fazer?
— Eu vou com você até a casa da dona Toshiko levando ele. Mas com ela teremos que ter muito cuidado, porque já é uma senhorinha de cem anos.
— A minha mãe já tem cem anos?
Essa última frase foi do guitarrista, que não conseguiu se segurar mais apenas ouvindo a conversa. Ele desviou o foco das garotas para si. Então Cindy confirmou com a cabeça.
— A sua mãe já é alguém bem frágil, Bento. Nós vamos ter que tomar muito cuidado com ela, até porque, até onde eu sei, ela é a única que ainda não aceitou totalmente a sua morte.
— E como você sabe disso? — Agora o tom do guitarrista foi de desconfiança. E com razão. Giovanna também começou a se questionar como a menina sabia tanto sobre a mãe dele.
Cindy tirou as mãos da cintura antes de responder.
— Eu tenho uma gatinha de estimação — ela disse. E era verdade, Giovanna se lembrou que Cindy tinha mesmo uma gata chamada Marie. — Uma vez ela machucou a pata e eu precisei levá-la ao veterinário. Esse veterinário precisou dar pontos nela. Eu só vim a descobrir que ele era o seu irmão, Chikara, no dia que fui levá-la para retirar os pontos. O seu sobrinho mais novo, Alberto, que você ainda não conhece mas que agora sabe que ele tem o mesmo nome que você, estava lá na minha frente na fila de espera, também com um bichinho esperando para ser atendido, então a gente começou a conversar para descontrair e meio que ficamos amigos — ela fez uma pausa na fala para conseguir respirar direito. — Aí ele me contou que era sobrinho do veterinário, que era o seu irmão, logo ele era o seu sobrinho. E ainda me disse que eu era uma das poucas pessoas que ele já conversou que não sabiam deste fato. Eu fiquei com tanta vergonha que não esqueci mais!
Era notável que sim, porque a esta altura, as suas bochechas estavam começando a ficar coradas só de lembrar e contar a história. Então, antes que o guitarrista ou qualquer outra pessoa conseguisse dizer algo, a sargento se pôs logo a dar um ponto final para aquela lorota.
— Como ficamos amigos, seus parentes me convidaram para ir até a sua casa algumas vezes, assim como eles também já foram na minha.
— Entendi… — Ele ficou claramente perplexo, assim como Giovanna. Esta se pôs a falar novamente:
— Então isso quer dizer que você os conhece… — Seu raciocínio fez com que Cindy resmungasse um "sim…?" bem baixinho em sua direção. — Então você pode levá-lo para a casa também!
— Não é bem assim, amor — a asiática lançou um olhar bem confuso para a outra. — Olha, a dona Toshiko é bem velhinha… Isso quer dizer que seria mais fácil e seguro eu tentar ir até a casa dela ter uma conversa e tentar prepará-la para a notícia. Mas, mesmo assim, ainda pode ser um baque enorme.
A policial não teve nem o que responder neste caso. Mais uma vez, a Cindy marcou um ponto. Restou à Giovanna apenas abaixar a cabeça e concordar.
Ficou combinado que Cindy, então, daria um jeito de comparecer à clínica de Chikara, dessa vez para tentar ver se seria convidada até a casa dos Hinoto de novo. Então, assim que os dois que eram do interesse dela na casa do tenente terminaram de lanchar, ela os guiou até o seu carro e os pediram que a esperassem lá dentro. Eles fizeram, e assim que entraram no automóvel, ela se voltou para a policial, portando um sorriso ladino nos cantos dos lábios.
— O que foi? — Giovanna perguntou. — Não vai os levar embora?
— Sem um segundo beijinho antes? — A sargento fez cara de ofendida enquanto se aproximava da policial. Esta última revirou os olhos em sinal de reprovação.
— Você está falando sério?
— E por que não estaria? Nós não somos "namoradas" agora?
Cindy deu uma boa ênfase na palavra "namoradas", atiçando Giovanna.
— A gente precisa conversar antes, e você sabe disso.
— Ah, Gigi, não seja tão careta… — À medida que ela se aproximava da policial, ia colocando suas mãos por entre o peito alheio e os ombros, sabendo que tal ato surtiria um efeito em Giovanna. — Não foi você quem me beijou mais cedo?
— Você gosta de me encurralar, não é? — Mesmo que ela não quisesse, acabou entrando no joguinho da sargento e envolveu as suas mãos ao redor da cintura alheia, trazendo-a para mais perto de si.
Foi Cindy quem tomou partido dessa vez. Ela selou os lábios da policial de maneira demorada antes de se aprofundar para um beijo. Entretanto, ambas as duas foram interrompidas antes do previsto por palmas. O medo de terem sido flagradas se apossou de seus corpos e elas se afastaram repentinamente, olhando na direção da possível "platéia".
Se tratava do próprio tenente George. Ele estava fardado e portando uma expressão séria e nada contente com o que via. Ambas as garotas o encararam com uma face assustada.
— Olha o que estou vendo — ele se pronunciou diante de um sorriso sarcástico. — Então quer dizer que a minha casa virou poleiro?
Diante de tal comentário, Giovanna cerrou os pulsos. Ela tinha para si que não deixaria que o seu superior estragasse mais uma vez o seu relacionamento com Cindy, então olhou de soslaio para ela. No entanto, a asiática parecia estar prestes a enforcar o tenente. Ela respirava profundamente, e a policial soube que não precisaria de muito mais para que ela estourasse e perdesse totalmente a paciência.
— Cindy, eu acho melhor você ir embora… — Giovanna chegou perto da garota e sussurrou, na intenção de fazê-la mudar de ideia.
— Você não vai me fazer afastar dela mais uma vez! — Cindy, entretanto, ignorou a fala da policial e partiu para cima do tenente. Giovanna, por outro lado, não foi mais rápida, mas conseguiu a segurar e evitar que ela batesse nele. — Seu homofóbico!
— Cindy… — A policial, ainda assim, tentou dialogar com a sargento. Porém, dessa vez, o seu tom estava firme.
— Eu, homofóbico? — O tenente foi sarcástico. — Você não sabe que não pega bem vocês ficarem se pegando dentro de casas alheias? Aliás, em momento nenhum eu te convidei para vir aqui!
— Eu vim por uma questão de trabalho! — O tom da sargento, por outro lado, se alterava cada vez mais.
— Trabalho? Eu não te vi trabalhando — e ele a continuava provocando. — Parece que o seu conceito de trabalho é diferente do meu!
— Cala a boca!
— Você me mandou o quê?
Diante da resposta da sargento, o tenente se irritou de verdade e deu um passo à frente. Embora não fosse possível saber quais eram as verdadeiras intenções dele com Cindy, Giovanna se colocou no meio dos dois e empurrou o seu superior para longe da outra garota.
— Escuta aqui — ela o fitou portando fúria no olhar. — Independente do meu relacionamento com a Cindy, ela veio até aqui me ajudar com o trabalho que era para você estar fazendo! Eu pedi a ajuda dela!
A garota se aproximou bastante dele, a ponto de criar tensão. O seus pulsos estavam cerrados, e ela não fazia questão de esconder a vontade que estava de bater no tenente.
— Eu não vou deixar que você fale assim com ela — continuou falando. — E eu espero que você se acostume com a presença dela, porque enquanto eu estiver nessa Terra, a Cindy estará comigo. Eu fui clara?
Ele não respondeu nada, apenas a encarou com uma expressão de superioridade. E nojo. Parecia que ele estava repudiando ser dirigido com tais palavras, como sendo um superior de Giovanna.
— Quer saber de uma coisa? Eu vou embora — as palavras de Cindy serviram para desviar o foco da tensão entre os dois policiais para si. — Só volto quando este cuzão estiver ausente.
E dito isso, ela saiu dali. Entrou no seu carro — aonde os seus acompanhantes a esperavam —, deu partida e saiu.
Quando se viu sozinha com o seu superior, Giovanna o encarou com uma expressão de desprezo antes de dar meia-volta e voltar para a sala na qual os pilotos e os membros da banda ainda estavam. Quando apareceu na porta, todos os olhares se voltaram para ela.
— Arrumem as suas coisas — ela disse. — Eu vou levar vocês para o meu apartamento.
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