17 - not afraid anymore.







Capítulo dezessete,
im not afraid of you anymore.














O sol da tarde banhava a varanda desgastada da casa dos Maybank, lançando sombras difusas sobre o motor desmontado e as ferramentas espalhadas no chão de madeira velha. Uma música antiga, abafada e rouca, tocava em algum rádio velho, misturando-se ao som da brisa que balançava as árvores ao redor. JJ hesitou na porta, respirando fundo. Seu coração batia acelerado no peito enquanto seus olhos encontravam a figura do pai. Luke estava sentado na varanda, mexendo nas entranhas de uma moto. Seus dedos ásperos trabalhavam com precisão, mas seus olhos cansados e vazios mal notaram a presença do filho.

JJ se aproximou devagar, engolindo em seco, como se cada passo fosse mais pesado que o anterior. Ele carregava uma sacola cheia de notas amassadas, fruto de um golpe perigoso. As lembranças do traficante e dos 25 mil dólares roubados ainda queimavam na sua mente, mas ele precisava que aquilo desse certo. Pela primeira vez, ele queria que o pai sentisse orgulho dele.

— Pai... — JJ murmurou, a voz falhando na tentativa de soar confiante.

Luke continuou mexendo na moto, sem levantar os olhos. JJ respirou fundo, tentando reunir coragem. Ele jogou a sacola sobre a mesa improvisada ao lado do pai, e o som das cédulas pesadas pareceu ecoar pela varanda.

— Consegui o dinheiro — JJ anunciou, mais firme desta vez.

Luke finalmente parou o que estava fazendo e se virou lentamente. Ele olhou para JJ com uma mistura de ceticismo e desdém.

— Ah, é? — Ele arqueou uma sobrancelha. — Só acredito vendo.

Com um movimento brusco, JJ abriu o zíper da sacola e empurrou-a na direção do pai, exibindo os maços de notas. Luke puxou um dos pacotes, girando-o entre os dedos, e a expressão cética deu lugar a algo próximo de orgulho.

— Muito bem, garoto. Finalmente. — Um sorriso raro cruzou seus lábios, quase paterno.

JJ prendeu a respiração por um instante, sentindo o peso da esperança. Aquele era o momento que ele sempre quisera. Finalmente, ele tinha feito algo que faria o pai se orgulhar.

Luke soltou uma risada baixa, sacudindo a cabeça enquanto contava mentalmente as notas. — Acho que ainda tá rolando a liquidação de barcos lá no Guff... Estão praticamente de graça.

O sorriso de JJ vacilou, e ele piscou, confuso.

— Pai... Isso é pra pagar a dívida. A gente usa isso pra fazer a coisa certa dessa vez. Por favor...

A expressão de Luke endureceu num piscar de olhos, apagando qualquer traço de orgulho. Ele fechou o zíper da sacola e, sem cerimônia, enfiou-a dentro de um cooler amassado no canto da varanda.

— Isso aqui não vai pra polícia, não. — Ele fechou a tampa com um estalo seco. — Vou levar pro Sul e triplicar.

— Pai, não... — A voz de JJ tremeu. — A gente tem que pagar a dívida! Isso é sério!

Luke se aproximou, o rosto voltando a exibir aquele olhar cruel e arrogante.

— Depois de tudo que você fez, vai tentar me ensinar alguma coisa? — Ele rosnou, parando tão perto que JJ podia sentir o cheiro de álcool impregnado na sua pele.

O coração de JJ disparou, e todas as memórias dolorosas voltaram à tona: as noites em que apanhava sem razão, os momentos de humilhação. Sua respiração ficou mais curta, e ele baixou o olhar, lutando contra a vontade de se encolher.

Luke sorriu de canto, um sorriso cruel. — Quer brigar comigo? Hein?

A raiva explodiu dentro de JJ. Ele sentiu o calor subindo pela espinha, queimando cada parte de si. Sem pensar, ele avançou, puxando o cooler para tentar pegar o dinheiro.

— O que você pensa que tá fazendo, moleque? — Luke agarrou JJ pelo braço e o empurrou com força, jogando-o contra a parede da varanda.

JJ cambaleou, mas não caiu. A dor no corpo era abafada pela fúria.

— A gente precisa desse dinheiro! — JJ gritou, sua voz rouca de desespero. — Eu fiz isso pra gente sair dessa!

Luke gargalhou, um som seco e debochado. — Você fez isso pra você. Não acha que vai resolver meus problemas, né? Sabe quanto você me custa, moleque?

Com a raiva fervendo, JJ tentou avançar de novo, mas Luke foi mais rápido. Ele acertou um soco no estômago do filho, fazendo-o dobrar de dor.

— Levanta! — Luke rosnou, enquanto JJ se esforçava para ficar de pé, respirando com dificuldade.

JJ sabia que não podia vencer fisicamente, mas ele não ia desistir. Não dessa vez. Ele se jogou contra o pai, tentando segurá-lo pelos ombros, mas Luke o derrubou com facilidade, prendendo-o no chão e apertando seu pescoço.

— Você não me deu nada! Não me deu nada além de uma vida de merda!. — JJ gritou, as palavras saindo entrecortadas pela falta de ar.

Com um impulso desesperado, JJ deu uma cotovelada no rosto do pai. Luke cambaleou para trás, e os dois se desequilibraram, atravessando a porta de tela e caindo no quintal.

No chão de terra batida, JJ se levantou primeiro. Seus punhos tremiam, mas ele não hesitou. Com toda a força que tinha, começou a socar o pai, liberando anos de dor e mágoa em cada golpe.

Eu não tenho mais medo de você. — Ele chorou, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto sujo.

Ele agarrou uma chave de fenda que estava caída ao seu lado e a ergueu sobre o pai, ofegante, as mãos trêmulas. Por um momento, tudo ficou em silêncio, exceto pela música distante e pelo som da respiração pesada dos dois.

JJ hesitou. Seu corpo pedia vingança, mas sua mente sabia que, se cruzasse aquela linha, nunca mais voltaria atrás. Ele deixou a chave de fenda cair no chão, o som metálico ecoando no ar parado.

Ainda ofegante, JJ enxugou o rosto com a manga da camisa. Ele se abaixou, pegou o cooler com o dinheiro e deu as costas para o pai, que continuava no chão, imóvel e derrotado.

Sem olhar para trás, JJ atravessou o quintal, sentindo o peso do cooler e levando o dinheiro embora. A música antiga continuava tocando na varanda destruída, como uma lembrança melancólica do passado que ele finalmente deixava para trás.









John B estacionou a kombi ao lado da estrada, o som do motor parando em um soluço suave. Mackenzell subiu sem hesitar, jogando a mochila no banco ao lado e se acomodando atrás do casal, enquanto Sarah se inclinava para frente no assento do passageiro, ajustando o espelho retrovisor para espiar a amiga.

— Tem certeza de que quer ir? — Sarah perguntou, o tom preocupado, mas tentando soar casual. — Se quiser, a gente pode ficar por aqui mais um pouco.

— Não, tá tudo bem. — Mackenzell respondeu, a voz baixa. Ela forçou um sorriso que não chegou aos olhos.

A porta da kombi fechou com um estalo, e o motor voltou a ronronar enquanto John B dirigia para fora do estacionamento do The Wreck. No banco de trás, Mackenzell se encolheu, abraçando os joelhos contra o peito. O barulho dos pneus na estrada não fazia nada para silenciar seus pensamentos. Eles voltavam para JJ como um ciclo inevitável. Ela odiava como sua mente sempre encontrava o caminho de volta até ele, mesmo quando tentava não pensar.

Ela sabia que estava sendo paranoica, mas não conseguia evitar. O desaparecimento dele estava martelando em sua cabeça, uma mistura de preocupação e culpa que a deixava inquieta. JJ era um problema, mas era o problema dela.

Ele sempre acabava se metendo em encrenca por conta dos outros, e dessa vez, tinha sido por ela. Tudo porque, em vez de dizer a verdade e deixar Rafe pagar pelo que tinha feito com Pope, ela ficou em silêncio. JJ levou a culpa. E agora ele estava fora do radar depois de roubar a porra de um traficante pra pagar a dívida que ele o fez ter.

"Como eu ia saber que ele ia aceitar a culpa?" A pergunta ecoava na cabeça dela como uma desculpa inútil. Não importava. Nada daquilo mudava o fato de que ele sempre bancava o herói e, depois, fazia a maior burrada de todas. Como naquele verão.

Os pensamentos a puxaram de volta para as lembranças da kombi no verão anterior, onde tudo parecia mais fácil. As noites escondidas pelo Cut, onde podiam ser apenas eles dois, longe das expectativas e das divisões entre Kooks e Pogues. Eles não namoravam — não oficialmente. Mas aquilo não era só uma fase qualquer. Eles tinham gravado os nomes na porta da kombi. Isso significava alguma coisa no mundo dele, não significava?

Ela ainda se lembrava do calor das mãos dele, mesmo que tivessem tremido de nervosismo na primeira vez que ficaram juntos. Quando ela perdeu a virgindade. O espaço era apertado, a situação desajeitada, mas JJ a tratou com uma delicadeza inesperada. Ele sempre parecia tão durão, mas, naquela noite, mostrou um lado dele que poucas pessoas conheciam. Foi uma transa cheia de risos e tropeços, mas também cheia de carinho. Mackenzell corou ao lembrar da forma como ele a olhou depois, com um sorriso bobo e sincero, dizendo que realmente gostava dela.

Então, duas semanas depois, tudo desmoronou. Seu pai descobriu, e ela foi forçada a cortar todos os laços com os Pogues. Foi um término rápido e doloroso, e ela não teve coragem de explicar nada para JJ. A última conversa deles ainda doía como uma ferida aberta.

Eu vou me mudar. — Mackenzell tinha dito naquela noite na praia, com a pose arrogante de Kook que ela usava como escudo. JJ estava confuso e machucado, tentando entender o que estava acontecendo enquanto a puxava para um canto para conversar.

O quê? Como assim, Ell? — Ele segurou o braço dela, não forte, mas com urgência, como se aquele contato físico fosse impedir a realidade de mudar. — Você tá me dizendo que vai embora?

Mackenzell desviou o olhar, o corpo tenso, mas sua pose de Kook impenetrável estava ali, firme. Era como se tivesse colocado uma máscara para se proteger.

É isso. — Ela deu de ombros, forçando uma neutralidade que não sentia. — Meu pai quer que eu e a Ambrie moremos um tempo com o Mason.

Um tempo? — ele perguntou semi cerrando os olhos — O que quer dizer com "um tempo"?

Um tempo. — ela disse tentando manter a voz firme. Querendo deixar claro que era algo indeterminado.

O peito de JJ apertou, como se tivesse levado um soco direto na alma. Ele tentou manter a voz estável, mas ela quebrou na última sílaba.

Então... é isso? Você tá terminando comigo?

Ela hesitou por um segundo, o suficiente para ele perceber que, no fundo, ela também estava sofrendo. Mas Mackenzell era orgulhosa demais para deixar isso transparecer.

— A gente nem tava namorando, JayJ. — A resposta dela saiu fria, mas seus olhos brilhavam em conflito. Ela não acreditava naquela mentira, mas precisava dizer aquilo em voz alta. Era uma forma de se convencer.

JJ recuou um passo, como se tivesse levado um golpe invisível. A dor foi instantânea, como se algo tivesse se partido dentro dele. Ele tentou rir, mas o som saiu fraco, quase desesperado.

É, claro. A gente não namora.  — Ele passou a mão pelo rosto, sentindo a aspereza dos anéis contra a pele. — Então eu fui só a porra de um brinquedo pra você, né? — Ele disse, a voz cheia de rancor. — Um experimento. Ver como seria enrolar a porra de um Pogue. Seus amigos devem estar rindo agora, não é?

O que? — sua voz saiu mais fina, com a ofensa que a surpreendeu — JJ, espera, não é assim... — Ela tentou segurá-lo pela camiseta, mas ele se afastou.

Esquece. Vai pra porra da Inglaterra. — Ele disse, o maxilar apertado de raiva antes de desaparecer na multidão da festa.

Agora, no banco de trás da kombi, Mackenzell passou as mãos pelo rosto, tentando empurrar a memória para longe. Mas não conseguia. As palavras dele ecoavam como um peso que não ia embora. A culpa e a saudade a consumiam, uma mistura amarga que a fazia querer sair correndo e, ao mesmo tempo, nunca mais se mover.

— Ell? — Sarah chamou suavemente, tirando-a de seus pensamentos. — Você tá bem?

— Tô. — Mackenzell mentiu, forçando um sorriso fraco.

A verdade era que não estava nada bem.

A música alta se misturava com o barulho das ondas, e as risadas dos Kooks enchiam o ar, mas Mackenzell estava distante, isolada no meio da festa. Ela acendia um cigarro atrás do outro, como se a nicotina pudesse segurar as lágrimas que insistiam em arder nos olhos.

Cada tragada era uma tentativa desesperada de afastar a ansiedade que corroía seu peito, mas nada parecia funcionar. Ao redor dela, seus amigos riam, bebiam e viviam como se não houvesse peso algum no mundo, enquanto ela se sentia presa em uma bolha, deslocada e solitária.

O maço de cigarros chegou ao fim antes que a noite acabasse. As conversas ao seu redor se tornaram um ruído insuportável, e seus pensamentos se voltaram para ele. JJ.

Ela sabia que ele estava em algum lugar do outro lado da praia, afundado em álcool e fumaça. Era assim que ele lidava com a dor — se destruindo em silêncio, longe de todos, para que ninguém o visse chorar. Era como ele sempre fazia. E agora, ela sentia que havia sido a responsável por mais essa ferida.

Foi quando o viu. Ele estava sentado perto da fogueira, um pouco afastado dos outros, o olhar perdido na dança das chamas. O boné estava enfiado de qualquer jeito na cabeça, e a camiseta larga estava amassada. Mesmo à distância, ela sabia que ele estava completamente chapado.

Mackenzell respirou fundo antes de se aproximar, cada passo pesado. JJ percebeu quando ela se aproximou, e no momento em que seus olhos encontraram os dela, ele revirou os olhos, soltando um sorriso amargo e cheio de desgosto. Era um sorriso que dizia tudo.

Sério, Ell? — A expressão dele era pura frustração.

Ela sentiu o peso das palavras não ditas. Ele não precisava perguntar. O olhar dele dizia: Você já acabou comigo. E agora? O que mais você quer?

Sem falar nada, Mackenzell se sentou ao lado dele no tronco, sentindo a madeira fria e áspera sob as pernas. Ela olhou para as chamas por um instante antes de falar, tentando quebrar o silêncio que os sufocava.

Você não acha que fumou demais, não?

JJ soltou uma risada curta e sarcástica, sem nem olhar para ela.

Virou a porra da minha mãe agora?  — Ele disse, tragando a ponta do baseado sem pressa, a voz arrastada e amarga. — Você ta acabando com esse maço. — ele acusou, apontando pra sua mão

Mackenzell suspirou, mas não recuou. — Eu só... Quero que você saiba que não quis dizer aquilo.

— Eu sei bem o que você quis dizer.

— Disse aquilo porque achei que era o melhor pra gente. — ela disse fungando, sabendo que não conseguiria se conter mais. Ela só tinha dezesseis anos, e ela sabia que nunca mais sentiria algo assim por ninguém na vida.

Ela queria poder dizer "Foda- se, JJ. Quero ficar com voce, nesse fim de mundo que é Outer Banks, pra sempre." Mas aquilo nunca foi a praia dela.

JJ finalmente virou o rosto na direção dela, a expressão carregada de raiva e decepção.

Melhor pra gente? Ou melhor pra você? Porque você vai sair daqui, Ell. Vai pra porra da Inglaterra e viver sua vidinha perfeita de Kook. E eu? Eu fico aqui. Preso nessa merda de vida. Isso já tava claro desde o começo, eu que fui idiota.

Jay... Não faz isso ser assim, por favor... — Ela engoliu em seco, a voz falhando um pouco. — Eu amo você.

JJ congelou. As palavras dele sumiram. O mundo ao redor pareceu parar. Ninguém nunca tinha dito isso a ele antes. E agora que ela disse... Ele não fazia ideia do que responder. Por um momento, tudo o que ele sentiu foi medo e raiva misturados, e ele não conseguiu conter.

Não fala isso. — A voz dele era baixa, mas havia um peso nela ele parecia nervoso, desconcertado. — Não fala isso...

Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas Mackenzell não desviou o olhar. — Eu tô falando sério, JJ. — ela estava tão assustada quanto ele. Era a primeira vez que dizia aquelas palavras em voz alta.

Ele balançou a cabeça, tentando se afastar da intensidade daquilo. — Não fala essa porra, não.

— JJ...

— Não fala. — ele disse enrijecendo a postura, se tornando mais frio de novo — Não fala, porque eu não amo você.

Você não quer dizer isso. — Ela enxugou o rosto rapidamente, como se pudesse esconder o quanto aquilo a estava destruindo. — Você tá chapado demais, tá bom? Eu vou embora... Eu te mando mensagem amanhã, e a gente conversa... Realmente resolve isso...

JJ soltou uma risada curta e amarga, como se aquilo fosse a maior piada do mundo. — Não, Ell. Não bota a culpa na porra da maconha. Eu não te amo. Eu não amo você, Mackenzell. — ele disse, enfatizando a última parte com raiva e tristeza acumulada na garganta, como se engolisse o choro — Vai pra porra da Inglaterra. Faz o que você quer fazer... E me deixa em paz.

Ele deu outra tragada longa no baseado, soltando a fumaça lentamente, como se isso pudesse dissipar a dor que crescia dentro dele.

Mackenzell sentiu o peito apertar como se alguém tivesse arrancado o ar dos seus pulmões. Aquelas palavras a atingiram como facas afiadas, e ela finalmente cedeu ao que estava segurando a noite toda.

As lágrimas escorreram livres, silenciosas. Ela se levantou devagar, como se seu corpo estivesse mais pesado do que nunca.

Tudo bem... — A voz dela saiu fraca, quase inaudível, enquanto ela se afastava.

JJ ficou parado, olhando para as chamas da fogueira, tentando não pensar no fato de que ele a deixou ir embora. Tentando não pensar no quanto aquelas palavras tinham sido mentira. E no quanto, agora, ele nunca teria coragem de desfazê-las.

E enquanto a festa continuava ao redor deles, com música e risadas que pareciam de outro mundo, Mackenzell desapareceu na escuridão da noite, levando com ela o pedaço do coração de JJ que ele nunca mais teria de volta





O motor da Kombi gemeu enquanto John B freava bruscamente para não atropelar a moto que surgiu do nada. O som da derrapagem ecoou pela estrada de terra, fazendo a Kombi balançar. Dentro, Mackenzell estava furiosa, batendo os pés impacientemente contra o assoalho.

— Puta merda! — ela bufou, olhando pela janela. — Que porra é essa?

Antes que ela pudesse abrir a porta, Sarah a segurou pelo braço.

— Espera, deixa que eu resolvo isso. — Ela respirou fundo, como se estivesse se preparando para enfrentar um furacão.

Sarah saiu da Kombi, mas não demorou nem dois segundos para Mackenzell perder a paciência e seguir atrás dela. A porta se fechou com um estalo alto, e o vento jogou areia nos pés delas enquanto o barulho do motor da moto ainda vibrava na noite.

Rafe estava lá, descendo da moto com uma fúria contida, arrancando o capacete da cabeça e jogando-o no chão. Seus olhos estavam arregalados, a pupila dilatada, e o cheiro de álcool e maconha era forte. Ele estava fora de si, mas ainda tinha aquele sorriso sacana no rosto.

— Olha só quem tá aqui, toda perfeitinha. — Rafe cuspiu as palavras enquanto ajeitava o cabelo suado.

— Pera aí, você tá chapado? — Sarah se colocou entre ele e a Kombi, empurrando-o pelo braço para afastá-lo da vista de John B.

Rafe riu, sem dar a mínima para a irritação da irmã.
— Ah, qual é, Sarah. Só tô tentando cuidar da minha irmãzinha... e da porra da minha namorada! — Ele apontou para Mackenzell, que imediatamente virou o rosto, enojada. — Que é ingrata como sempre.

— Como sempre, né? — Sarah disparou, furiosa.

Rafe deu um passo à frente, o sorriso sumindo do rosto. — Escuta aqui, eu soube da sua invasão a domicílio.

— Do que você ta falando? — Sarah gritou com ele, os dois brigando pra ver quem tinha a voz mais alta

— Porra, Sarah! O cara que vocês roubaram não é qualquer um. Ele é perigoso, muito perigoso.

— É, eu sei disso, Rafe! — Sarah rebateu, impaciente.

Antes que Sarah pudesse falar mais alguma coisa, Mackenzell deu um passo à frente, a raiva pulsando dentro dela. O cheiro de gasolina e fumaça da moto se misturava ao gosto amargo que subia pela sua garganta. Ela estava farta.

— Você não entende, você sabe o que o papai vai fazer quando souber disso? Hein? Que a filinha dele tem saído por aí roubando?

— Isso não é da sua conta, Rafe! — Sarah tentou interromper, mas Rafe não deixou passar. — Você diria pra ele se não tivesse sido expulso!

— Voce não entende! É isso que ele faz, eu atrasei um pagamento e ele fez isso comigo! — ele gritou, mostrando o braço queimado pra sarah, pra que ela se assustasse

— Você sabe o que ele fez comigo! — Rafe gritou. — Você tava lá, Mackenzell! Você viu!

Ela avançou mais um passo, os punhos cerrados e a voz trêmula de raiva.

— Ele fez isso porque você roubou o dinheiro dele pra comprar essa moto estúpida, Rafe! Se eu soubesse disso, eu nunca teria...

Rafe deu um sorriso sarcástico, os olhos brilhando com um prazer doentio.

Ele se virou diretamente para Mackenzell, o olhar frio e calculista, como se tivesse guardado aquilo por dias, esperando o momento certo para jogar na cara dela.

— Por que você não pega o ouro que tá debaixo da sua cama e entrega pra ele, hein? Vê se assim a gente não fica quites dessa vez.

— O quê? — Sarah parou, perplexa. — Ouro? Como assim ouro?

Rafe deu um passo à frente, com aquele sorriso venenoso que ele sempre guardava para os momentos em que queria destruir alguém.
— Ah, Mackenzell não te contou? — Ele deu uma risadinha debochada. — Sua amiga tá guardando um pedaço do ouro de vocês debaixo da cama.

Mackenzell congelou por um momento, o sangue esquentando no corpo, mas ela não ia recuar agora.
— Não é assim, Sarah. Eu não...

— Você contou pra ele? — Sarah gritou no rosto dela irritada, mas mais que isso, completamente decepcionada

— Ela me contou. — Rafe interrompeu, triunfante, como se tivesse vencido uma guerra silenciosa. — Claro que contou. Não é, Kenzell? A gente tava lá, e você só... se abriu.

— Você é um desgraçado, Rafe! — Mackenzell explodiu, avançando contra ele.

— É mesmo? — Rafe zombou, erguendo o braço para mostrar a queimadura. — E isso aqui, Kenzell? Isso foi você. E lembra o que você fez depois? Beijou essa merda, achando que ia resolver alguma coisa. Como se um curativo fosse apagar a porra do que aconteceu.

Ela olhou para a marca no braço dele, e a memória daquele momento veio à tona, clara como o dia. Ela tinha tentado cuidar dele, fazer com que ele se sentisse melhor. E agora ele estava jogando isso na cara dela, como se fosse uma piada cruel.

— Seu babaca! Eu te contei porque eu quis ajudar. — ela gritou o empurrando pra trás, tentando o afastar dela — Eu não sabia da sua moto idiota! Se eu soubesse eu não...

— Nunca teria o quê, Kenzell? Me ajudado? Vai dizer que você não sabia que eu era assim?

— Vai se foder, Rafe! — Mackenzell gritou, a voz finalmente quebrando.

Sarah se colocou entre eles, tentando segurar o irmão e impedir que ele avançasse ainda mais.

— Acabou, Rafe! Vai embora antes que faça mais merda!

Mas ele apenas riu, como se toda a confusão fosse uma grande piada, pegou o capacete e o jogou no chão, com um estrondo seco.

— Agora é assim, é? — ele disse, agora encarando Mackenzell de cima a baixo

— É! Agora é. — ela gritou o empurrando pra longe dela — A gente terminou, Rafe! Some daqui! — ela gritou o vendo se afastar de leve, rindo, mesmo que seu olhar fosse cheio de ódio

— Terminou? — ele perguntou com um sorriso no rosto — Não lembro de ter te pedido em namoro.

— Vai se foder, Rafe! — Sarah gritou, defendendo a melhor amiga fazendo o mais velho recuar pra perto da moto e pegar o próprio capacete de volta

— Um dia, eu vou ser dono dessa porra toda e você vai voltar rastejando pra me agradecer.

— Com certeza, deixa eu anotar a porra da minha agenda. — Sarah gritou outra vez, sem medo nenhum do irmão — Seu psicopata!

— Vai voltar implorando — ele disse encarando Mackenzell, que engolia o choro com tudo o que ele tinha dito.

O barulho ensurdecedor da moto de Rafe desapareceu no horizonte, deixando apenas o eco do motor e uma nuvem de poeira para trás. Kenzell ficou parada, os olhos presos na direção por onde ele sumiu, o peito subindo e descendo rapidamente. Ela tentou respirar fundo, mas tudo o que vinha era um aperto esmagador.

Ela estava chorando.
Estava chorando na frente de Sarah de novo, o que era estranho de acontecer duas vezes na mesma semana.

Ela pressionou as mãos contra o rosto, como se pudesse impedir as lágrimas de caírem, mas era inútil. Um soluço escapou e ela fechou os olhos com força, os ombros tremendo.

— Eu... — Kenzell virou-se para Sarah, tentando falar entre os soluços que rasgavam sua garganta. — Eu sinto muito, Sarah... Eu juro, eu não sabia que era de propósito... Eu... eu sou uma idiota.

Sarah, ainda processando o que tinha acabado de ouvir, piscou algumas vezes, a expressão passando rapidamente da surpresa para algo mais próximo de compreensão. Ela se aproximou, tocando o braço de Kenzell com delicadeza.

— Por que você escondeu isso de mim? — perguntou Sarah, os olhos suavizando, mas a traição ainda evidente.

Kenzell engoliu em seco, tentando encontrar uma maneira de explicar sem se afundar ainda mais.

— Eu... eu só peguei uma pepita. Só uma. Achei que... — A voz dela tremeu, e ela respirou fundo para continuar. — Achei que ajudaria ele... O cara parecia perigoso e... eu não sabia que o Rafe tinha feito isso de propósito.

Os soluços a interromperam, e ela levou as mãos ao rosto de novo, lutando para se recompor.

— Eu só queria ajudar... Eu não queria ferrar com tudo.

Sarah suspirou e puxou Kenzell para um abraço apertado, segurando-a com força como se quisesse transmitir que estava tudo bem, mesmo que ainda houvesse muito a resolver.

— Ei... Vai ficar tudo bem. — Sarah murmurou perto do ouvido dela. — Mas agora a gente precisa pegar esse ouro de volta. A gente resolve isso, Kenzell.

Kenzell afundou o rosto no ombro de Sarah, os soluços sacudindo seu corpo enquanto toda a culpa e a vergonha saíam com cada lágrima.

John B se aproximou com cuidado, as mãos enfiadas nos bolsos e o olhar atento.

— Eu ouvi tudo. — Ele falou baixinho, sem raiva, apenas com compreensão.

Kenzell se afastou do abraço de Sarah, enxugando o rosto rapidamente com as mãos trêmulas. A vergonha subia como uma onda, queimando suas bochechas.

— Me desculpa, John B... — sussurrou Kenzell, a voz cheia de arrependimento. — Eu devia ter contado.

John B deu um sorriso pequeno, o tipo de sorriso que dizia que ele entendia, que estava tudo bem.
— Já foi, Ell. A gente conserta isso. Sabe se alguém além do Rafe viu? Ou sabe do ouro? Você contou pra ele onde a gente encontrou?

— John B! — Sarah disse tentando amenizar o interrogatório

Kenzell assentiu, ainda se sentindo pequena diante dele.

— Não... Eu não disse nada, ele não sabe, eu... vou buscar. Agora mesmo.

— Eu levo você. — John B se ofereceu, gentilmente.

Kenzell balançou a cabeça rapidamente, a vergonha impedindo-a de aceitar a ajuda.

— Não... Eu consigo sozinha. Eu... Eu vou pra casa e encontro vocês no Castelo.

Antes que John B pudesse insistir, ela virou-se e saiu correndo. Seus pés batiam contra o chão de terra, e o vento cortava seu rosto molhado pelas lágrimas que ainda teimavam em cair. Correr era a única coisa que ela conseguia fazer naquele momento – fugir, não apenas para pegar a pepita, mas para tentar se livrar do peso esmagador da culpa.











Mackenzell revirava o próprio quarto pela segunda, terceira, talvez quarta vez. Cada gaveta aberta, cada canto inspecionado, mas a pepita de ouro não estava em lugar algum. Ela arrancou o colchão da cama novamente, sentindo as palmas das mãos suarem enquanto levantava a armação com esforço. Nada. Só poeira e o vazio a encarando.

— Não... não pode ter sumido... — sussurrou para si mesma, o pânico começando a tomar conta.

Ela correu para o closet enorme, jogando cabides e caixas para todos os lados, mas sem sucesso. O tempo parecia se arrastar enquanto ela refazia mentalmente cada movimento dos últimos dias. A respiração dela começou a falhar, como se o ar do quarto tivesse se tornado rarefeito. Precisava saber se alguém tinha pegado o ouro.

Com dedos trêmulos, pegou o telefone e ligou para Ambrie, mesmo sabendo que a irmã mais nova raramente atendia de imediato. Após alguns segundos de toque, a voz impaciente de Ambrie surgiu do outro lado.

— O que foi, Kenzell? Tô ocupada.

— Ambrie, você pegou o ouro que tava debaixo da minha cama? — perguntou diretamente, tentando não soar desesperada.

— Do que você tá falando? — Ambrie resmungou, a irritação evidente na voz. Kenzell podia ouvir o som abafado de risos e a voz de Pope ao fundo, o que só a deixou mais ansiosa.

— Tô falando sério! Você pegou, sim ou não? — insistiu, ignorando o nó que se formava em sua garganta.

Ambrie bufou baixinho, claramente tentando disfarçar a conversa.
— Não, Kenzell! E você tá atrapalhando meu encontro com o Pope.

— Eu não tô achando a pepita. — Mackenzell confessou, apertando os olhos fechados como se aquilo fosse impedi-la de surtar.

— Pergunta pra Maria. Vai ver ela achou enquanto limpava. — Ambrie sugeriu, já impaciente. — Agora me deixa em paz, tá?

A linha ficou muda antes que Kenzell pudesse responder. Ela olhou em volta para a bagunça que havia feito no quarto, mas não tinha forças para arrumar nada. Em vez disso, simplesmente calçou os tênis e saiu em direção à casa da piscina, onde os empregados costumavam ficar. Se Maria tivesse achado o ouro, poderia salvar o dia.

Ela mal tinha atravessado o corredor quando deu de cara com o pai. Ele estava parado ali, impecável em um terno bem ajustado, com um olhar calculado que a deixou desconfortável.

— Com pressa, Kenzell? — perguntou, o tom suave, mas cheio de segundas intenções.

Ela tentou manter a compostura, esboçando um sorriso apressado.
— Oi, papai... — murmurou, desviando para sair de perto dele.

Mas ele se moveu na mesma direção, bloqueando sua passagem como se não tivesse pressa alguma.
— Aonde você vai?

— Vou falar com Maria... pedir umas meias. Acho que ela não passou por aqui ainda. — Kenzell inventou, a mentira saindo de forma automática.

O pai arqueou uma sobrancelha, um sorriso quase paternal surgindo em seus lábios.
— E depois disso? O que você vai fazer?

Ela hesitou por um segundo, sentindo o coração acelerar.
— Vou... na Sarah. Ela não tá bem desde o Topper, sabe como é.

Ele a observou em silêncio por um instante, os olhos atentos a cada pequeno gesto dela.
— Você também não está, certo? Depois do que aconteceu com o Rafe. — Ele fez uma pausa, como se a pergunta fosse inocente, mas havia algo nas palavras dele que a deixou desconfortável. — Você não tá... saindo com ele de novo, tá?

— Não. Claro que não. — respondeu rápido demais, um peso estranho se instalando em seu peito.

O pai inclinou ligeiramente a cabeça, como se estivesse tentando ler os pensamentos dela.
— Você sabe que eu só quero o melhor pra você, né? Me preocupo quando você sai por aí sem dizer aonde vai.

Kenzell tentou desconversar, mas ele não lhe dava espaço para respirar.
— A Sarah precisa de mim. Ela tá passando por um momento difícil.

— E você? — Ele deu um passo mais perto, a voz suave, quase doce. — Não acha que também tá?

Cada palavra dele parecia envolver Kenzell em uma teia de manipulação silenciosa. Ela tentou se desvencilhar, mas a sensação de que havia algo mais naquelas perguntas a perturbava profundamente.

— Papai... eu realmente preciso ir. — ela disse, tentando manter o tom casual.

— Claro. — Ele sorriu de forma afável, mas os olhos não acompanhavam. — Só quero que saiba que, se precisar de qualquer coisa... ou se tiver algo pra me contar, eu tô aqui.

Ela assentiu, um pouco rápido demais, e passou por ele com passos apressados. Não fazia ideia de que ele sabia exatamente o que ela procurava e que, naquele momento, a pepita de ouro estava guardada no escritório dele, longe do alcance dela.

O pai de Mackenzell cruzou os braços, ainda bloqueando sua passagem. Ele ajeitou a gravata com um gesto preguiçoso, um leve sorriso despontando nos lábios, como se soubesse de algo que ela não.

— Sabe, estive conversando com o Ward esses dias... — começou, em tom casual demais para ser apenas uma conversa. — Ele anda um pouco preocupado com a Sarah. Acha que ela está se aproximando demais do John B.

Mackenzell tentou não demonstrar surpresa, mas sentiu o estômago revirar. Claro que o Ward notaria.

— E, bem... Mesmo que ele esteja dando abrigo pra aquele garoto, não acha certo a filha dele ficar se esgueirando por aí com um Pogue. — Ele fez uma pausa estratégica. — E você... sabe de alguma coisa sobre isso?

Mackenzell deu um pequeno passo para trás, tentando fingir desinteresse.
— Não faço ideia do que o Ward tá falando. Mas, pra ser honesta, acho o John B um ótimo garoto. Melhor que o Topper, com certeza.

O sorriso do pai diminuiu, e ele semicerrrou os olhos, desconfiado. A defesa rápida dela não passou despercebida, embora ele não deixasse isso transparecer completamente. Ele sabia que Mackenzell andava com os Pogues — sabia de tudo, na verdade. Só não precisava que ela soubesse disso.

— John B é amigo daquele Pogue... — Ele a observou cuidadosamente. — Aquele que te deflorou?

O termo fez o estômago dela virar. Seu corpo congelou por um instante, mas ela se obrigou a manter a compostura. Engolindo em seco, disse, com a voz um pouco tensa:

— Não. Não sei. Mal falo com o John B.

— Certo... Ótimo. — O pai dela murmurou, como se acreditasse nela, mas ambos sabiam que ele não.

Houve um momento de silêncio desconfortável antes de Mackenzell se forçar a falar, tentando parecer que estava do lado dele.

— Se quiser, posso tentar falar com a Sarah sobre isso. — Sua voz soou falsamente neutra, mas ela ofereceu um sorriso ensaiado. — Ver se descubro algo pra você contar pro Ward...

O pai dela ergueu uma sobrancelha, claramente intrigado com a proposta. Era difícil dizer se ela estava sendo uma cúmplice leal ou apenas jogando seu próprio jogo. Talvez as duas coisas. O quanto mais ele achasse que ela permanecia do lado dos Kooks, melhor para ela. Pelo menos até conseguir convencer John B de que seu pai era confiável.

O pai de Mackenzell não respondeu de imediato. Apenas deu um sorriso enigmático, como se tivesse achado curioso o quanto ela estava disposta a colaborar.

— Isso seria... muito útil. — disse finalmente, com um leve aceno de cabeça. — Mas cuidado, querida. Às vezes, estar nos dois lados pode ser perigoso.

Mackenzell forçou outro sorriso e assentiu, embora soubesse que ele a estava observando como um predador espreita sua presa. Quando ele finalmente saiu do caminho, ela respirou fundo, aliviada. Precisava sair dali antes que ele conseguisse arrancar mais alguma coisa dela.

Com passos rápidos, ela seguiu em direção à casa da piscina, sua mente já planejando o próximo movimento.

Mackenzell chegou à casa da piscina com passos rápidos e pesados, o coração batendo forte no peito. Maria, a empregada, estava no pequeno pátio, dobrando algumas toalhas, alheia à tempestade interna que a jovem carregava.

— Maria, preciso falar com você. — Mackenzell disse, direto ao ponto, com uma urgência que fez a mulher levantar a cabeça rapidamente.

— Claro, senhorita Kenzell. O que houve?

— Você viu alguma coisa diferente no meu quarto? Quando você limpou? — Mackenzell cruzou os braços, batendo o pé no chão. — Qualquer coisa.

Maria franziu a testa, confusa.
— Não... Não vi nada, senhorita.

Mackenzell cerrou os punhos, sentindo a impaciência crescendo como um fogo dentro dela.

— Não minta pra mim. Eu sei que você esteve lá. Se achou alguma coisa, eu preciso saber agora.

O tom afiado e grosseiro surpreendeu Maria, que arregalou os olhos.

— Eu juro, senhorita, não peguei nada. Eu... — A voz dela começou a vacilar, e ela apertou as mãos nervosamente. — Eu não roubaria nada de vocês.

A mulher ficou claramente abalada, as lágrimas ameaçando surgir enquanto sua respiração ficava curta.

— Por favor... eu não fiz nada de errado, juro.

Mackenzell, ainda tomada pela frustração, viu o desespero nos olhos da mulher e foi como se um balde de água fria a atingisse. Ela sentiu a culpa crescer dentro de si, tomando o lugar da raiva irracional.

— Maria... — Mackenzell soltou um suspiro cansado, esfregando o rosto com as mãos. — Desculpa. Eu não devia ter falado assim. Eu só... tô desesperada.

Maria assentiu, enxugando rapidamente os olhos com o dorso da mão.

— Tudo bem, senhorita. Eu entendo.

— Não, não entende não. — ela disse passando a mão no rosto, arrependida de como tinha tratado a mulher. Merda, ela não conseguia ser gentil nunca? O que a fazia ser sempre uma escrota?

Mackenzell deu um passo para trás, ainda vazia e frustrada por não ter encontrado a pepita. Ela olhou ao redor, como se a resposta estivesse escondida ali, à vista de todos.

— De novo, desculpa. — murmurou, virando-se para sair.

Enquanto caminhava de volta para casa, com as mãos vazias e a cabeça fervendo, uma única pergunta ecoava em sua mente: Onde aquela maldita coisa estava?








Mackenzell estava sentada no banco do motorista da velha caminhonete de Mason, os pés balançando enquanto a lua iluminava fracamente o caminho de pedras mal asfaltado do Cut. O cheiro de couro envelhecido e poeira tomava o interior do veículo, e ela apertava o celular entre as mãos, perdida em pensamentos. A picape azul-clara estava parada há tanto tempo que os pneus precisaram de ar antes de sair, e uma camada fina de sujeira cobria a lataria. Ainda assim, era melhor do que a sucata que Pope tinha sugerido usar para retirar o ouro do poço.

Ao manobrar a caminhonete até a casa de Pope, Mackenzell sentiu a tensão no peito crescer. A voz de Kiara ecoava em sua mente, trazendo de volta a conversa que ainda a incomodava.

Você tem uma caminhonete aí na sua garagem de mil carros? — Kiara havia provocado, com aquele sarcasmo leve que só ela sabia usar.

Mackenzell revirou os olhos com a lembrança. Eram só sete carros: o dela, o de Ambrie, o de Mason, dois dos empregados e os dois do pai. A diferença financeira entre ela e Kiara não parecia tão absurda assim, mas o casamento da mãe de Kiara com um Pogue complicava tudo na cabeça dela.

Podemos usar a picape de Mason, desde que não arranhe nem nada. Ele é maníaco com esses carros. — Ela se lembrava de ter dito com um misto de cautela e desdém.

Então, na linha, ela desabafou com um tom ansioso:
Guardei uma pepita do ouro em casa... e sumiu. Agora não sei o que fazer. John B já sabe. Em vez de termos milhões, temos milhões menos três quilos.

O silêncio de Kiara na outra ponta foi curto e, quando ela respondeu, foi direto ao ponto:

A gente só tira da sua parte, Ell. Não é grande coisa.

Mackenzell apertou o volante ao se lembrar daquilo. Era fácil dizer que não era grande coisa quando não era você que havia perdido ouro.

Eu tenho uma parte? — Ela provocou, tentando aliviar a tensão.

Kiara riu baixinho.
Cala a boca.

A risada ainda ressoava em sua mente quando Kiara saiu do banco de trás, puxando a mochila para o ombro enquanto Pope a esperava com duas caixas. Mackenzell respirou fundo, empurrando para longe a preocupação com o ouro perdido. Não havia tempo para aquilo agora.

Ela desceu do carro e pegou uma das caixas das mãos de Pope, que estavam cheias de cordas e outros equipamentos da loja do pai dele. Silenciosa, cumprimentou os dois e caminhou para a traseira da caminhonete, abrindo a tampa e ajudando a carregar as coisas.

Ambrie estava ali também, ao lado de Pope, parecendo desconfortavelmente à vontade com o grupo. Mackenzell, sem pensar muito, deixou um beijo rápido na cabeça da irmã antes de continuar guardando as caixas. Pope e Ambrie trocaram sussurros cúmplices antes de se afastarem, indo em direção à frente do carro.

Antes que Kiara se juntasse aos dois, Mackenzell segurou seu braço e perguntou, em um sussurro:

— Então... ela tá nisso agora? — Ela indicou Ambrie com um leve movimento de cabeça.

— Me diz você. Ela é sua irmã. — Kiara deu de ombros, como se não fosse um grande problema.

— Eu sei... — Mackenzell murmurou, incerta. — Só não sei se faz sentido.

Kiara nunca entendia totalmente a dinâmica entre Mackenzell e Ambrie. Em um momento, pareciam melhores amigas; no outro, duas estranhas. Os irmãos Kook eram uma confusão por natureza, e Kiara sabia que não seria a única a achar isso.

— Relaxa. A parte dela vai sair da do Pope. — Kiara disse com um sorriso reconfortante, passando a mão pelo braço de Mackenzell como se isso resolvesse tudo.

— Ela era a única que sabia do ouro. — Mackenzell murmurou, olhando para Kiara de forma sugestiva.

— Pois é. —  Kiara estreitou os olhos, como se o óbvio tivesse acabado de se revelar. — Ela... e o Rafe Cameron.

— Você acha que ele...? — Mackenzell hesitou.

— Perguntou pra ele? — Kiara arqueou as sobrancelhas. — Não? Então relaxa, Ell.

O apelido inesperado fez Mackenzell esboçar um sorriso relutante. Kiara deu um beijo rápido na testa dela e se afastou, pronta para o próximo passo do plano.

— Vamos pro Castelo e pegamos nosso ouro. Depois, tudo isso acaba. Tá bom?

— Tá bom. — Mackenzell murmurou, mais para si mesma do que para Kiara, enquanto contornavam a caminhonete e se preparavam para seguir em frente.






Quando chegaram em frente ao castelo, Mackenzell saiu do carro com agilidade, pronta para ajudar Pope a descarregar as coisas. A noite era silenciosa, com apenas o vento leve soprando pelas árvores ao redor, e a estrutura abandonada do castelo parecia ainda mais sombria sob a luz fraca da lua.

— Alguma notícia do JJ? — Kiara perguntou do banco de trás. Mackenzell a encarou pelo retrovisor com pesar nos olhos

— Nenhuma. — ela disse dando de ombros e desviando o olhar dos olhos censuráveis de Kiara —
E eu acredito que eu seja a última pessoa que ele queira por perto agora. Já que foi culpa minha tudo isso.

— Não foi. — Pope disse com um sorriso pra Kenzell — JJ é assim, ja ja ele aparece.

Pope abriu a porta do passageiro e olhou para as três, reiterando o plano que já havia repetido várias vezes no caminho. Ele tinha uma necessidade quase obsessiva de organizar tudo perfeitamente.

— Precisamos terminar isso antes da minha entrevista amanhã. — Ele ajeitou a mochila nas costas enquanto falava. — Então vamos nos concentrar.

Mackenzell observou o nervosismo dele com uma ponta de empatia. Colocou a mão em seu ombro, tentando aliviar a tensão que ele carregava.

— Eu sei — respondeu com suavidade, embora não estivesse certa se conseguiria transmitir tranquilidade. — Vai dar tudo certo. — ela sorriu.

Pope sempre parecia ansioso demais, como se sua mente nunca desligasse. Pensava em tudo. O tempo todo. E era isso que o fazia brilhante, mas também o deixava à beira do colapso.

Ele indicou os papéis de cada um com a voz firme, como se já houvesse definido a estratégia perfeita.

— John B e JJ vão para o poço. Você desce lá e ajuda, e Sarah e Kiara cuidam do transporte.

Mackenzell assentiu, absorvendo as instruções, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Ambrie interveio, o sorriso leve brincando nos lábios.

— E eu? — perguntou com curiosidade, lançando um olhar divertido para Pope, como se esperasse que ele lhe desse uma tarefa importante.

Mackenzell estreitou os olhos para a irmã, a irritação pulsando em cada fibra de seu corpo. Odiava ver Ambrie ali, tão à vontade entre os Pogues, como se aquele fosse o lugar dela. Sendo ela mesma. Sendo Pogue. Sendo o que Mackenzell jamais conseguiria ser de verdade.

Porque estava ali, no Castelo, de salto alto. Ela tinha se esquecido desse detalhe, estava tão acostumada a usar que a lembrança de que a casa de John B mal era asfaltada não tinha passado pela própria cabeça quando saiu correndo de casa. Patética.

— Talvez você devesse estar em casa. Dormindo. — Mackenzell lançou a provocação, as palavras carregadas de veneno.

Ambrie sorriu, mas seus olhos não acompanharam o gesto. Havia algo frio e distante naquele olhar, como se ela estivesse jogando um jogo silencioso que Mackenzell não conseguia entender completamente.

Kiara, percebendo a tensão, cutucou Mackenzell de leve, como quem a chama à razão.

— Ell...

Mackenzell mordeu a língua, mas manteve o olhar fixo na irmã. Pope ajeitou a mochila mais uma vez e, tentando retomar o controle da situação, olhou para Ambrie com um sorriso meio forçado.

— Você pode ficar com o transporte. No caso, nosso transporte. Dirigir a picape e garantir que tudo corra bem.

Ambrie arqueou uma sobrancelha, como se a tarefa lhe parecesse um prêmio de consolação. Antes de aceitar, lançou um olhar afiado para Mackenzell, o tipo de olhar que só duas irmãs sabiam decifrar — uma mistura de desafio e desprezo silencioso.

— Ou — Mackenzell acrescentou, com um meio sorriso venenoso — você pode ficar em casa, despistando o papai.

Ambrie retribuiu o sorriso, mas o brilho nos olhos dela era gélido, uma ameaça velada. O mesmo olhar que o pai delas costumava lançar quando queria impor sua vontade sem precisar levantar a voz.

— Talvez — Ambrie disse calmamente, com um tom que soava quase casual, mas carregava a intensidade de um aviso perigoso. — Se Pope ainda achar que vale a pena despistar.

O ar pareceu pesar entre elas por um momento. Mackenzell sentiu o coração apertar no peito, a raiva misturada com uma pontada de culpa. Ambrie era como um reflexo dela mesma, uma sombra daquilo que ela evitava encarar.

Kiara suspirou e deu um passo para frente, quebrando o clima tenso.

— Vemos isso amanhã, sim? — ela disse, atravessando a briga e a tensão entre as irmãs — Vamos pegar essas caixas.

Pope e Kiara foram até a parte de trás da picape, o chão de pedrinhas estalando sob os pés enquanto se moviam em silêncio. Eles pegaram as últimas caixas, e Pope fez um rápido inventário mental, conferindo se não haviam esquecido nada. A picape balançava levemente conforme ele retirava uma das caixas maiores.

— Bom, temos um guincho. — Ele disse casualmente para Kiara, ajeitando o peso nos braços. — Aquela lata velha carregava uns noventa, cento e trinta quilos. Essa aqui deve pegar muito mais.

Kiara deu um risinho curto, como se aquilo fosse um típico comentário de Pope — prático e preciso, como sempre. Ela pegou a última caixa e parou por um segundo antes de chamar por ele.

— Pope. — A voz dela soou mais suave dessa vez, o que fez com que ele se virasse, curioso.

— O que foi? — Ele perguntou, franzindo a testa.

— Obrigada. — Kiara disse, o olhar firme e sincero.

— Pelo quê? — Pope ergueu uma sobrancelha, sem entender exatamente o que ela queria dizer.

— Por nos deixar lá. — Ela deu de ombros, hesitante. — E por meio que obrigar a gente a fazer as pazes... Eu, Sarah e Kenzell.

Pope sorriu de lado, carregando aquele ar tranquilo que sempre mantinha, mesmo em situações tensas.

— Quem disse que foi ideia minha? — Ele perguntou, a expressão carregada de uma leve provocação.

Kiara soltou uma risada baixa, balançando a cabeça.

— Não sei, eu só...

Antes que pudesse completar a frase, uma luz forte acendeu do nada, iluminando toda a extensão do jardim mal cuidado de John B. A claridade súbita invadiu o espaço como um holofote, fazendo todos se encolherem por reflexo.

Mackenzell, que estava segurando uma das caixas com ambas as mãos, deu um pequeno salto de susto, o coração disparando.

— Mas o que...? — Ela exclamou, olhando em volta, a caixa quase escorregando dos dedos.

Pope e Kiara também ficaram paralisados por um momento, trocando olhares confusos.

— O que é isso? — Ambrie perguntou, tentando enxergar além do brilho intenso. — A casa dele era colorida assim da última vez ou...

— Não. — Mackenzell negou — Não era.

Pope estreitou os olhos, colocando a mão sobre a testa para tentar enxergar melhor na direção da luz.

Com as caixas ainda em mãos, o grupo avançou pelo jardim mal cuidado de John B, seguindo a luz que piscava entre o verde alto e desordenado. A sensação de alerta fazia cada passo soar mais pesado, como se a noite tivesse se tornado mais densa e silenciosa ao redor deles. Kiara e Pope iam na frente, atentos, enquanto Mackenzell e Ambrie seguiam logo atrás, tentando entender de onde vinha aquela luminosidade.

Mackenzell sentia o peso da caixa aumentar, seus braços começando a doer enquanto os olhos vasculhavam o jardim. De repente, um som suave de água borbulhando e risos abafados chegou até eles, e foi nesse momento que ela viu. Seus dedos escorregaram, quase deixando a caixa cair no chão quando seus olhos pousaram na cena bizarra.

Ali, no meio do caos do quintal, JJ estava completamente à vontade dentro de uma banheira, ofurô. A banheira brilhava com luzes coloridas e amareladas, piscando de maneira quase hipnótica, como uma festa particular que só ele parecia entender. Ele usava apenas um calção de banho, com óculos escuros cobrindo os olhos, e girava uma taça de champanhe entre os dedos, como se estivesse em uma celebração particular no paraíso.

Mackenzell ficou paralisada por um momento, encarando aquilo com uma mistura de descrença e irritação. Algo estava profundamente errado. E a certeza disso veio quando percebeu que aquela banheira era mais cara do que a que ela tinha em casa.

— Que... diabos é isso? — Mackenzell finalmente conseguiu dizer, a voz carregada de confusão, enquanto largava a caixa no chão com um baque surdo.

JJ, imperturbável, abaixou os óculos escuros apenas o suficiente para olhar para ela por cima da lente, exibindo um sorriso relaxado.

— Bem-vindos ao cu do gato! — Ele disse, erguendo a taça num brinde improvisado, como se aquela fosse a coisa mais natural do mundo. — Quem quer uma bebida?

Kiara bufou, levando as mãos à cintura.

— JJ, você tá falando sério? Isso é pra valer? — Ela perguntou, incrédula, enquanto olhava ao redor, ainda se ajustando à visão surreal das luzes e da banheira.

Pope balançou a cabeça devagar, lutando para não rir da cena.

— Como você conseguiu essa coisa? — Ele perguntou, colocando a caixa cuidadosamente no chão ao lado da de Mackenzell.

— Achei por aí. — JJ respondeu, encolhendo os ombros com indiferença. — Foi uma espécie de... oportunidade única, entende?

— Oportunidade única? — Ambrie repetiu, cruzando os braços, desconfiada. — JJ, essa banheira vale uma fortuna.

— É, e tá valendo cada centavo, olha só. — Ele abriu os braços, como se quisesse exibir o cenário luxuoso ao redor. — Vocês deviam experimentar. A água tá perfeita.

Mackenzell passou a mão pelo rosto, frustrada.

— Quanto você gastou nisso, Jay? — Mackenzell perguntou respirando fundo, como se implorasse pra que aquilo fosse uma piada de mal gosto.

Pope e Kiara continuaram parados, olhando para JJ como se ele tivesse enlouquecido de vez. O som dos jatos estourando na água e das luzes piscando de forma quase estroboscópica criava uma atmosfera bizarra e desconfortável. As boias dançavam na superfície, uma com formato de coqueiro flutuando lentamente enquanto segurava um copo quase vazio.

— Acho que tem um jato na minha bunda. — JJ comentou entre risos, dando um gole direto da garrafa de champanhe, esquecendo completamente do copo na outra mão. As palavras saíram arrastadas, carregadas de uma embriaguez óbvia.

— JJ! — Pope insistiu, cruzando os braços, a expressão já no limite da paciência. — Aonde foi parar todo o dinheiro?

JJ deu de ombros, piscando preguiçosamente atrás dos óculos escuros, claramente fora da realidade.

— Bom... — ele murmurou, com a voz ligeiramente arrastada. — Contando com o gerador, o combustível e a entrega expressa... quase toda a grana.

— Tudo? — Pope perguntou, pasmo, trocando olhares com as outras. — Você gastou mais de vinte e cinco mil dólares em um dia?

— Espera, vinte e cinco mil? — Ambrie repetiu, atônita, como se não acreditasse nas palavras dele.

Mackenzell ainda estava em silêncio, os olhos fixos em JJ. Havia algo mais acontecendo. Ela conhecia aquele olhar dele — o mesmo que surgia quando ele estava afundando, tentando esconder alguma coisa por trás do riso e das atitudes impulsivas. E aquilo ali, essa banheira iluminada no meio do quintal, era um sintoma claro de que ele estava quebrando por dentro de novo. Não era só um surto qualquer de inconsequência, como quando ele havia roubado dinheiro no passado. Não... isso era mais profundo.

— Dinheiro na mão é vendaval. — JJ cantou, rindo alto e ajustando os óculos escuros sobre o nariz. — Mas qual é, pessoal! Olhem isso! — Ele apontou para a banheira, como se exibisse uma conquista épica. — A melhor massagem a jato que se pode ter, foi o que me disseram.

Kiara cruzou os braços, o rosto sério e incrédulo, como se não acreditasse no que estava vendo. A expressão dela era pura irritação. Mackenzell continuava de boca aberta, sem palavras.

— O que foi, Ell? — JJ a provocou, aquele mesmo tom insolente que ele usara na noite em que eles terminaram. A mesma expressão de autossabotagem mascarada por um sorriso. — Não posso ter um pouco de luxo na vida? Um pouco do que você tem?

Mackenzell apertou os lábios, tentando manter a calma, mas a irritação borbulhou até transbordar.

— Claro que pode! — ela explodiu de repente, jogando os braços para o alto. — Se eu soubesse que queria tanto uma banheira, eu te levava lá pra casa, Jay! Mas a questão não é essa!

— Ah, qual é, você não entende! — JJ retrucou, tirando os óculos com impaciência e revirando os olhos. — Foram anos contando moedas, gente... — Ele olhou para Pope e Kiara, e a frustração transparecia em seu rosto. — Quero dizer, só se vive uma vez, não é?

Por um momento, sua expressão vacilou. Ele fungou discretamente, mas Mackenzell viu. Ela reconheceu aquele olhar vazio e triste que ele tentava esconder. Isso partiu algo dentro dela, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, JJ se endireitou, afastando a melancolia com um riso forçado.

— Quer saber? Chega dessa merda sentimental. Entrem no Cu do Gato! — Ele disse rindo alto, apontando para a banheira.

— No quê? — Kiara perguntou, franzindo o cenho em pura confusão.

— No Cu do Gato! — JJ repetiu, gargalhando sozinho como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo. — Foi assim que eu a batizei.

Ele esticou a mão para um dos botões na lateral da banheira, animado.

— Espera! — JJ disse com um brilho nos olhos. — Esqueci de mostrar isso!

Assim que ele apertou o botão, várias luzes ao redor da banheira começaram a piscar em sincronia, alternando cores vibrantes e ofuscantes. Os jatos de água dispararam com força, espirrando para todos os lados, molhando quem estivesse perto demais. As boias giraram na superfície da água, enquanto JJ ria como uma criança no meio da bagunça.

— Tá vendo? — ele exclamou, batendo a mão na beirada da banheira. — Isso é que é viver, pessoal!

Pope estava em choque, segurando a caixa como se fosse seu último fio de sanidade. O peso das decisões ruins e das escolhas erradas pairava no ar.

— Isso mesmo, modo balada, bebê! — JJ riu, levantando a garrafa de champanhe para o alto, como se fosse um troféu de uma batalha perdida.

— Você tá me zoando? — Pope perguntou incrédulo, a incredulidade transparecendo em seu rosto. — Você podia ter pagado a indenização!

— Ou doado pra uma caridade! — Kiara gritou, cruzando os braços, a frustração transbordando no rosto.

— JJ, a dívida com o Topper! Era só ir na polícia e resolver isso! — Mackenzell exclamou, a voz carregada de desespero e culpa. A sensação de responsabilidade a consumia, como se o desastre que estavam vivendo fosse, de algum modo, responsabilidade dela também.

JJ fechou os olhos e esfregou o rosto com as mãos, como se o peso de tudo estivesse finalmente caindo sobre ele. Sua postura, antes brincalhona, parecia ruir aos poucos.

— Ou podia ter ajudado a gente a comprar os equipamentos pra tirar o restante do ouro de lá! — Pope continuou, furioso. — Mas não, você joga tudo fora numa banheira!

A raiva dele era um reflexo do ódio que sentia por coisas mal feitas e improvisadas, e JJ era o mestre da desorganização. Na cabeça de Pope, aquilo não fazia sentido nenhum — gastar tudo de forma tão inconsequente.

— Querem saber? — JJ finalmente gritou, a voz ecoando no jardim, antes de se levantar bruscamente.

Assim que ele ficou de pé, todos pararam. A visão foi um choque. O corpo dele estava coberto de hematomas escuros e doloridos. Roxos enormes se espalhavam pelo tronco e pela barriga, e algumas das marcas pareciam inchaços tão profundos que distorciam a pele. Mackenzell colocou a mão na boca, horrorizada, sentindo o coração afundar no peito. Não era apenas uma briga qualquer — alguém o tinha espancado brutalmente.

— Eu não paguei nada. Eu comprei uma banheira! — JJ gritou, o peito arfando enquanto ele apontava para a água. — Comprei uma banheira pros meus amigos!

A voz dele quebrou no final da frase, e a dor que ele estava segurando finalmente começou a transparecer. Mackenzell sentiu os olhos se encherem de lágrimas, um nó apertando sua garganta.

— JayJ... — ela murmurou, hesitante, sem conseguir tirar os olhos das marcas em seu corpo. O arrependimento caiu sobre todos eles como um peso insuportável.

JJ riu amargamente, balançando a garrafa em mãos enquanto as lágrimas ameaçavam cair.

— Querem saber? Danem-se os amigos. — Ele soltou uma risada entrecortada, claramente abalado, enquanto tentava disfarçar a tristeza com sarcasmo. — Comprei uma banheira pra minha família!

— JJ... — Mackenzell tentou novamente, mas sua voz falhou. O calor das lágrimas escorreu pelo rosto, misturando-se à água ao seu redor.

— Cara, eu comprei isso tudo pra vocês! — JJ gritou, gesticulando de forma errática, tentando esconder o choro que já escapava. — Vocês não entendem? Eu fiz isso pra gente!

— JJ, que diabos aconteceu? — Kiara perguntou, a voz falha, quase chorando também ao perceber o quanto ele estava quebrado.

— Olhem isso! Vejam isso tudo! — JJ deu uma volta dentro da banheira, os jatos ainda espirrando água colorida ao redor dele. — Isso não é o bastante? Não é legal?

A exaustão emocional dele era quase palpável, e Mackenzell sentiu que precisava fazer alguma coisa. Sem pensar duas vezes, ela arrancou os sapatos e subiu no deque, a madeira fria sob seus pés. Algo dentro dela gritava que não podia deixá-lo sozinho. Não dessa vez.

— JJ... — ela repetiu seu nome, como se aquilo fosse o suficiente pra que ele realmente se abrisse e doesse o que tinha acontecido.

— Não! — JJ apontou para ela, a voz embargada de choro. — Pare de ser emotiva. Tá legal? Quero dizer, ela até que é maneira, não é? Só venham se divertir...

Ele riu de forma amarga, se virando um pouco para longe, mas agora era possível ver que as costas dele também estavam marcadas com hematomas profundos. Mackenzell ignorou o aviso dele e continuou em frente, entrando na banheira sem hesitar. A água fria subiu até sua cintura, mas ela não se importou. Tudo o que importava era ele.

Ela o puxou para perto, envolvendo-o em um abraço apertado. No mesmo instante, JJ se agarrou à cintura dela, finalmente desabando. Ele chorou, o corpo tremendo em seus braços enquanto todo o peso das últimas horas — talvez dos últimos anos — desmoronava sobre ele.

Eles se seguraram como se precisassem daquilo há muito tempo. Ele desabou contra o pescoço dela, chorando e murmurando, e Mackenzell não conseguiu conter as lágrimas que escorriam pelo seu rosto.

— Eu não consegui... — ele disse soluçando — Eu não aguento mais ele... — Ele chorou alto enquanto ela o segurava. Ele falava do próprio pai, o monstro que tinha feito aquilo com ele. Mackenzell passou a mão pelos cabelos dele, tentando afagá-lo, tentando acalmá-lo, enquanto beijava sua cabeça, desejando poder aliviar toda a dor que ele sentia.

— Eu ia matá-lo. — Ele sussurrou culpado, e naquele momento, Pope e Kiara entraram na banheira rapidamente, abraçando-o, ficando os quatro em um abraço apertado, enquanto Ambrie ainda parecia estática no lugar, se sentindo mal por achar que não merecia estar ali, vendo aquele momento de vulnerabilidade, ainda mais por não ter intimidade com eles.

Pope olhou para trás, chamando Ambrie com o olhar, e ela foi.

Eles se abraçaram enquanto, no meio do abraço, JJ tinha o rosto contra o corpo magro de Mackenzell, a envolvendo como se tivesse medo de a perder de novo.

— Eu só queria fazer a coisa certa... — ele chiou, completamente culpado, e Mackenzell beijou seu rosto, segurando-o com mais força.

— Eu sei, eu sei... — ela disse, apertando-o ainda mais contra si, desejando que o conforto dela fosse suficiente para curar suas feridas — Eu sei...















_____________
10.200 palavras.

Acho que esse foi o capítulo mais difícil de se escrever.
Loucura n sei nem oq dizer.
Essa cena da banheira é mt pesada pra mim.
Eu tava a mt tempo guardando o término deles, e acho q coube bem nesse cap ne?
Comentem oq acharam!
Até o próximo.
Bj bj
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