𝐭𝐡𝐢𝐫𝐭𝐞𝐞𝐧, trust
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Mikey conseguia ouvir os gritos da torcida e o som da banda, mesmo com as paredes de concreto do corredor em que se encontrava. O seu time estava a poucos metros atrás de si, as conversas pareciam ensurdecedoras, a ansiedade deles parecia uma radiação, reverberando em cada célula do corpo do capitão, que o instigava a ficar em uma luta contra si mesmo, marcando como as últimas semanas tinham sido um completo desafio.
— Respira — uma voz ecoou ao seu lado e, ao virar o rosto, encontrou Kazutora — Respira, Mikey.
O loiro sentia um peso no peito, mas tentou, ouvindo a respiração falhar na primeira tentativa. Continuou tentando, com Kazutora ali, ao seu lado, até que finalmente conseguisse respirar fundo, até mesmo pareceu sentir o oxigênio voltando a entrar direito dentro do próprio corpo.
— Vai dar certo.
— Kazutora...
— Vamos lá, Mikey — Kazutora tentou forçar um tom de voz mais leve — Só confia no que estou falando.
— Esse é o problema — respirou fundo mais uma vez, desviando o olhar para encarar o capacete nas mãos — Eu confio em você, mas não mais em mim.
Kazutora se viu sem palavras, totalmente desconcertado. Mikey sempre foi uma das pessoas mais confiantes que conheceu, é praticamente natural confiar nele, principalmente em campo, quando a clássica frase é dita: "Ninguém que está atrás de mim irá perder". Porém, entendia toda essa confusão e a dúvida que agora praticamente rondava o loiro dia e noite.
Ele não está bem, o seu rendimento em campo não está mais perfeito, e isso o assusta, não conseguir entregar o que sempre prometeu. Além disso, a conversa que Scott teve com ele, Kazutora e Baji ainda estava ressoando dentro dele, principalmente pela importância que o jogo teria para o trio, já que Jackson Miller estava nas arquibancadas.
O novo treinador do Los Angeles Rams tinha decidido de última hora assistir o primeiro jogo do time e, agora, ele não tinha mais somente a figura de Mikey em mente, mas também os outros integrantes do trio de ouro, estando interessado em uma das melhores combinações de jogadores dos últimos anos no futebol universitário. Por isso, Mikey estava sentindo uma pressão maior do que o normal, já que por ser o quarterback, aquele que define as jogadas dentro do campo, tinha o desempenho de seus amigos em suas mãos.
Se fosse em uma outra situação, com ele não tentando se livrar de vez das drogas, ele não estaria tão nervoso, mas com o próprio corpo o testando, tudo fica ainda mais difícil.
Kazutora sabia que Mikey estava nervoso, com a mente em completo funcionamento, poderia até mesmo considerar que saía fumaça da cabeça do capitão, mas então algo apareceu no campo de visão do moreno. Deixou o próprio capacete no chão e tomou o de Mikey, o girando, de forma que uma assinatura muito específica aparecesse.
"Shinichiro Sano".
— O futebol apareceu na sua vida por causa dele — Kazutora falou, mostrando a assinatura para Mikey — E também continuou por ele. Sei que se o Shin estivesse aqui, muita coisa seria diferente, mas, ao mesmo tempo, tenho certeza de que ele estaria ali fora apoiando você, tanto no próprio futebol quanto no que você está passando. Talvez eu esteja sendo muito prático e direto, mas mesmo que você não confie em si mesmo no momento, tem umas quarenta pessoas aqui atrás, e eu me incluo nesse grupo, que confiam. Mesmo que não pareça, sempre confiei nas suas decisões em campo, e não vai ser agora que não vou.
Mikey encarou o amigo por longos segundos, antes de pegar de volta o capacete estendido em sua direção, nunca tinha se sentido tão estranho ao segurar o objeto, na maioria das vezes era reconfortante usar algo dado pelo irmão, mas hoje a situação estava diferente, talvez porque nunca tinha se sentido tão inseguro na vida. A falta de uma momentânea euforia, ou até mesmo a certeza de alguma coisa corroendo suas veias, o destruía por dentro, mas ali estava Kazutora, ainda esperando uma resposta e se preparando para assumir a função de ajudar a mascarar as possíveis falhas de Mikey em campo.
O capitão nunca conseguiria agradecer o suficiente.
— Muito obrigado, por tudo — foi como um sussurro, mas para Kazutora foi o suficiente.
— Me agradeça na final quando estivermos levantando aquela taça juntos.
O sorriso competitivo de Kazutora estava ali e Mikey se permitiu rir e receber um empurrão de leve do moreno, logo sentindo a mão de Baji em seu ombro esquerdo.
— Preparados para acabar com aqueles caras? — perguntou, terminando de se aproximar.
— Com toda a certeza. E eu ainda estou um pouco mais motivado hoje — Kazutora comentou, colocando o capacete.
— Por que?
— Vamos dizer que apostei vinte dólares com a Maddy que faço três touchdowns hoje.
— Acho que vou te ajudar a ganhar essa aposta — Mikey comentou e Kazutora riu.
— Sinta-se livre pra me fazer correr que nem um louco.
Os três começaram a rir e Mikey se viu, pela primeira vez nessas últimas horas, realmente se sentindo bem, nem que seja por míseros segundos. Está sendo um dia cheio, repleto de pequenos desafios e o maior de todos estava ali, atrás das portas metálicas que o separavam do campo, mas ele não estaria sozinho.
O loiro se virou na direção do seu time, andando os poucos metros que os separavam, sabendo que Baji e Kazutora estavam logo atrás. Os jogadores foram parando de conversar ao notarem a presença dos três, os encarando com atenção.
— Eu sei que as últimas semanas não foram fáceis e que eu não tenho realmente sido o melhor capitão, mas, daqui poucos instantes, vamos ter o nosso primeiro jogo — Mikey começou a falar, sentindo cada batida de seu coração e segurando com uma certa quantidade de força o capacete — Essa temporada vai ser a última pra mim e também para outros integrantes, então acho que também é o início de uma longa despedida.
— Não vem querer me fazer chorar agora, Mikey — Ash reclamou e o loiro riu alto, balançando a cabeça em negação.
— Então já vai se preparando pro meu último discurso.
Agora foi a vez do ruivo rir, junto com outros integrantes do time, e Mikey sorriu ao ver todas aquelas pessoas na sua frente.
— Não foram poucas vezes que estivemos aqui, nesse mesmo corredor, prestes a entrar em campo. Tivemos muitas memórias e desafios nos últimos anos, derrotas, vitórias, as saídas dos nossos veteranos e também a entrada dos novatos, que vão receber o legado da nossa história daqui alguns meses. Agora, vamos iniciar mais um ciclo, uma nova fase, e eu sei muito bem que todo mundo quer repetir o que fizemos no ano passado, uma sequência de vitórias do início ao fim. Porém, para isso, vamos ter que nos esforçar ainda mais, nos dedicar ainda mais. Nós fomos quase que um milagre no ano passado, nós fizemos história, e agora vamos adicionar ainda mais capítulos a ela! Vou até aproveitar e usar a frase que o nosso querido Baji sempre diz — Mikey deu um leve empurrão no amigo, que riu — Nós vamos entrar em campo e acabar com aqueles caras!
O time reagiu, também gritando em animação, e, naquele momento, ao se sentir empurrado para um abraço em grupo completamente desajeitado, por causa do pouco espaço, Mikey se viu rindo e gritando junto com os seus amigos. Ele se divertiu nesses segundos de uma pura algazarra, com certeza uma das melhores partes do esporte, o companheirismo que surgia. Por momentos como esse, que Mikey se via ainda mais determinado, principalmente por querer ficar limpo o mais rápido possível.
Ele precisa voltar a ter confiança em si mesmo, confiar no próprio corpo, para poder aproveitar de verdade o seu último ano com todas aquelas pessoas.
— Espero muito que estejam pensando em gastar toda essa energia em campo — a voz firme de Scott se fez presente e o treinador apareceu na ponta do corredor, junto com parte da equipe técnica.
— Não se preocupe, treinador. Tá tudo no esquema — Baji o respondeu — Até o Kazutora tá motivado hoje.
— Estou presenciando um milagre? — Scott provocou e Kazutora somente revirou os olhos, enquanto o resto do time praticamente gargalhava — Quem é o responsável por essa benção?
— A irmã dele, apostou vinte dólares que ele faz três touchdowns.
— Acho que vou entrar nessas apostas também.
— É sério, treinador? — Kazutora reclamou, o que fez Scott rir e terminar de se aproximar, se colocando entre o moreno e Mikey.
— Vale tudo quando se trata em te fazer ficar competitivo.
O Hanemiya se viu revirando os olhos mais uma vez, o que divertiu Scott internamente. Não é como se ele não se esforçasse, não ganhou fama e notabilidade sem motivo, mas com certeza o seu potencial seria ainda muito melhor caso tivesse a mesma intensidade que Baji, por exemplo.
— Bem, acho que você já fez o seu discurso — o treinador falou para Mikey, que assentiu com a cabeça — Então acho que me resta só me dizer mais algumas coisas. Estamos treinando para momentos como esse há muito tempo, vocês sabem todas as nossas jogadas, sabem a estratégia que vamos adotar esse ano, então não tem porque se desesperar ou achar que não conseguem vencer. Nós somos considerados uma nova potência na Costa Oeste e vamos continuar sendo, esse vai ser o legado desse time. O jogo que vai se iniciar vai ser o nosso primeiro passo na concretização do nosso novo patamar.
O time estava sério, absorvendo as falas de seu treinador e ouvindo o som da banda diminuir ao fundo, estavam prestes a entrar.
— Mãos no centro! — Scott falou e o time se ajeitou da melhor forma que podiam, estendo mãos para um último momento de concentração — O que vamos fazer lá fora?!
— Vencer!
— O que vamos fazer lá fora?! — o treinador gritou mais alto.
— Vencer! — o time respondeu com ainda mais intensidade.
As mãos foram levadas para cima, junto com gritos animados, e um arrepio se passou por todos aqueles que estavam naquele corredor, não sendo somente os jogadores do time. A equipe de líderes de torcida tinha chegado ali também, depois da própria reunião, com as últimas mensagens e correções de Olívia, também é uma noite extremamente importante para eles.
— Sempre me impressiono com isso — Olívia confidenciou para Senju, ao observar o grande abraço em grupo dos jogadores.
— O que?
— Como o esporte une as pessoas — a mais velha sorriu, começando a andar em direção ao marido.
Senju se viu parada por alguns segundos, observando o time se dispersar e abrir espaço para que a equipe da platinada pudesse passar, já que é uma tradição eles puxarem a fila de entrada dos jogadores em campo. A capitã respirou fundo antes de começar a andar em direção a todas aquelas pessoas, cumprimentando aqueles que conhecia no meio do caminho, até chegar nele.
— Você está maravilhosa — Mikey disse, nem ligando para a possibilidade de alguém ouvir.
— Eu queria poder dizer o mesmo, mas o amarelo realmente não é a sua cor — a platinada provocou, apontando para a calça do uniforme.
— Isso é sério, princesa?
Senju riu da cara indignada de Mikey e entrou no modo "foda-se" ao terminar a distância entre eles e ficar na ponta dos pés para o abraçar, passando os braços pelo pescoço do mais alto. Ele não soube reagir de primeira, sentindo o olhar de mais de 50 pessoas sobre si, levemente chocadas pelas interações entre os dois capitães, mas ele simplesmente não ligaria mais isso, se tinha alguém olhando ou não.
Retribuiu o ato na mesma intensidade, a abraçando pela cintura e erguendo a platinada alguns centímetros do chão, não conseguiria colocar em palavras o tanto que estava querendo falar com ela antes de jogar.
— Eu decidi umas coisas hoje — ela falou contra o ouvido dele.
— Quais?
— Bem, a primeira é que eu não ligo mais pra se alguém estiver olhando a gente.
— Acho que essa já é bem visível — Senju riu, levantando o pescoço de forma que o seu rosto ficasse de frente com o de Mikey.
Os integrantes de ambas as equipes se afastaram dos dois e estavam evitando ao máximo não olhar, já que parecia que ambos queriam pelo menos um pouco de privacidade, mas era quase que inevitável os olhar. O fato de que os dois capitães não se davam muito bem era algo considerado como uma verdade absoluta, mas muitos já suspeitavam que os dois ficavam, um boato que circulava em muitas rodas de fofoca. Por isso, até mesmo Baji e Kazutora se surpreenderam um pouco ao verem Senju simplesmente abraçar Mikey na frente de todo mundo.
Durante essas últimas semanas, foi claro como ambos tinham se aproximado e que pareciam estar em um processo de assumirem e rotularem de verdade o que tinham, mas só agiam dessa maneira na frente dos amigos e não tão em público assim. Porém, é simplesmente muito bom poder ver que eles estavam expondo isso e não mais escondendo o que sentiam um pelo outro, algo que o próprio Kazutora teria que aprender a fazer em algum momento.
— E a outra é que para você me beijar hoje, tem que ganhar o jogo.
— Isso é você tentando me motivar?
— Deu certo?
— Sem sombra de dúvidas.
Senju voltou a rir e sentiu ser colocada de volta no chão, com a diferença de altura sendo evidenciada. A platinada olhou para o rosto de Mikey, percebendo as diferenças do passar das últimas semanas, mas não deixou que isso fosse exposto, o sorriso prevaleceria no rosto dela.
— Sei que hoje não vai ser um jogo muito fácil, mas saiba que vou estar ali, em todos os segundos, torcendo por você.
— Essa é uma das poucas certezas que eu tenho.
A platinada não conseguiu conter um suspiro e fechou os olhos quando sentiu a testa de Mikey ser encostada contra a dela, ele ainda não tinha colocado o capacete, diferente de seus companheiros de time, que já estavam completamente prontos. Tinha uma sensação diferente agora em relação ao objeto, que tinha ganhado de presente do irmão mais velho quando tinha sido aceito na UCLA, se sentia levemente estranho, principalmente ao se comparar com o "Mikey de 18 anos" que tinha recebido tal presente.
O Mikey que ainda tinha Shinichiro.
— Gostaria de evidenciar que odiei uma das suas decisões.
— É? — Senju conteve a vontade de rir — Qual delas, Manjiro?
— Caralho... — ele resmungou, afastando o rosto e apoiando uma das mãos na bochecha esquerda da platinada, a observando abrir os olhos — Quero muito te beijar agora.
— Ganhe o jogo que eu te garanto isso.
— No meio do campo? — Mikey perguntou e Senju se viu surpresa pela ideia.
— No meio do campo.
— Agora sim eu faço essa vitória acontecer.
Senju simplesmente ria, o som preenchendo o peito de Mikey com uma tranquilidade que não sabia que poderia sentir, principalmente antes de um jogo. Ela sabia que ele já traria essa vitória sem esse estímulo e mesmo não estando na sua melhor forma, não desistiria de tentar jogar o máximo que conseguiria.
— Eu realmente não queria atrapalhar os pombinhos, mas a hora de entrar está chegando — a voz de Olívia os interrompeu e Senju pensou que Mikey se afastaria dela, mas a mão dele somente saiu da bochecha da capitã e foi na direção da cintura da mesma.
— Você me deve trinta dólares, querida — Scott se aproximou, completamente sorridente.
— Não me lembre disso.
— Espera... — Senju falou, interligando os pontos — Vocês apostaram sobre a gente?!
— Eu apostei que vocês ficariam ainda esse ano e a Olívia só depois da formatura.
— E pensar que os treinadores se divertem com as nossas vidas — Baji comentou, arrancando risadas de todos.
— É literalmente acompanhar um reality show ao vivo! — Olivia argumentou — Me diz se tem uma coisa melhor do que isso.
Senju simplesmente balançou a cabeça em negação, enquanto Mikey se divertia com as provocações que Scott fazia em relação a esposa, simplesmente é hilário como o casal funcionava. O momento de descontração acabou durando pouco tempo, um funcionário da administração do estádio chegou, abrindo passagem pela enorme quantidade de pessoas e se posicionou ao lado da porta metálica, que dava diretamente ao campo.
Um ar mais sério começou a tomar conta do lugar e todos foram se posicionando em seus respectivos lugares na fila, com parte da equipe de torcida na frente, sendo liderados por Senju, e o resto atrás de todos os jogadores, fechando a formação. Antes que as portas se abrissem e eles se deparassem com uma multidão de pessoas, completamente eufórica pelo início de uma nova temporada, que tinha grandes promessas de ser histórica, Senju se virou na direção de Mikey com um sorriso que ficaria gravado na mente do loiro eternamente.
"Boa sorte, Manjiro" — foi o que ela disse, somente mexendo os lábios e isso inflou o peito de Mikey, que assentiu, sorrindo fraco de volta.
O loiro respirou fundo mais uma vez e colocou o capacete na cabeça, dando uma última ajeitada no próprio uniforme, conferindo se tudo estava no lugar. Ele teria que tentar ao máximo se manter firme no jogo e ele tentaria por todas as pessoas que estavam ao seu redor e que dependiam das decisões dele.
Com um sinal do funcionário do estádio, as portas se abriram e o grupo foi recebido pelos gritos de uma multidão.
(...)
Um jogo de futebol americano tem a duração de uma hora, dividido em quatro partes de 15 minutos chamados de quartos, de forma que tenha um intervalo de 12 minutos entre o segundo e o terceiro. O esporte em si é uma luta de determinação de território, de forma que o time que está com posse da bola tenha quatro tentativas para conquistar uma distância de dez jardas, uma distância de aproximadamente 9 metros. Caso o time não consiga, dentro dessas quatro tentativas de suprir a distância, a posse da bola vai para o outro time, mas se conseguir, se mantém avançando até a endzone, a zona destacada no fundo do campo.
O vencedor é aquele que faz mais pontos, de forma que uma linha de estratégia deve ser montada, tanto para a defesa quanto para o ataque. Exige muita leitura de jogo e uma grande concentração e tomada de decisões corretas, de forma que o time funcione, avançando e marcando pontos ou se mantendo firme, segurando o ataque do time adversário.
No momento, o time da UCLA está em uma situação considerada extremamente delicada. O placar está marcando 14 x 0 para o time adversário, simplesmente dois touchdowns já tinham acontecido e Mikey não poderia estar mais nervoso. Ash, que é um dos defensores, conseguiu interceptar um dos passes do quarterback dos Falcons e abriu um pouco de margem de espaço para que o time pudesse se ajustar.
A equipe de ataque estava entrando em campo e Mikey conseguia sentir as mãos tremendo até ir para a sua posição, ele tinha 40 segundos para decidir o que deveria fazer. O cérebro dele, ao contrário do coração, estava devagar e confuso, a quantidade de informação que tinha acabado de acontecer tinha o colocado em um estado de completa confusão. Não tinha nem 15 minutos de jogo e eles já estavam com uma diferença de dois dígitos.
O olhar do loiro foi para atrás de si, somente 20 jardas separavam o time adversário da endzone, se ele errasse o passe e eles recuperassem a bola e marcassem um touchdown, simplesmente o placar iria para 20 x 0 e ainda tinha as duas possibilidades de pontos extras que eles poderiam tentar marcar. O capitão estava entrando em uma própria espiral, mas Kazutora estava ali e, se precisasse, carregaria o jogo nas costas.
— Recue o máximo que puder e lance a bola o mais forte que conseguir — o Hanemiya disse, completamente sério, se colocando na frente do capitão como uma rocha.
O time encarou os dois, confusos pelo receptor estar determinando a jogada e ainda com o risco da defesa adversária ouvir.
— Brandon, Charles e Miles — Kazutora os chamou — Quero vocês tentando ao máximo abrir caminho pra mim.
— Você vai tentar fazer um touchdown de 80 jardas? — Brandon tomou coragem e perguntou, levemente chocado, mas o olhar que recebeu do vice-capitão disse tudo.
— Eu vou fazer um touchdown de 80 jardas — afirmou e bateu duas palmas fortes — Mande a bola que eu vou pegá-la.
Mikey só conseguiu assentir e viu o melhor amigo se afastar e se colocar na posição, com Brandon e os outros o seguindo logo atrás.
— Tá tudo bem, Mikey? — Baji perguntou, preocupado, da sua posição logo atrás da do quarterback.
Faltavam dez segundos para o apito.
— Sim — a voz saiu falha, mas o capitão se viu respirando fundo e entrando em posição para receber a bola do central — Eu vou recuar ao máximo para lançar a bola pro Kazutora, preciso que me cubram.
A ordem ressoou para os jogadores da linha de frente, que assentiram em concordância, mesmo que o plano parecesse ainda um pouco absurdo. O campo de futebol americano possui 120 jardas, sendo 20 delas separadas para as duas endzones, cada uma com 10. Assim, Kazutora tinha mais da metade do campo para percorrer e, para isso, Mikey teria que ganhar tempo e ser protegido pelo time para conseguir fazer um lançamento decente, algo que ele estava falhando nos treinos.
O apito do juiz foi como um estrondo nos ouvidos do capitão e quando sentiu a bola ser colocada em sua mãos, foi como se o peso do mundo estivesse ali.
Na sua frente, uma confusão de corpos se formou e ele só conseguia recuar, indo para trás o máximo, mas ele estava com o time de ataque, mesmo que seus jogadores fossem bons, a defesa não era perfeita, existiam falhas, então, quando percebeu, já via o time adversário correndo na sua direção.
Ele não poderia deixar que pegassem a bola de volta, seria praticamente como decretar a derrota do time.
Foi então que colocou o ar para dentro dos pulmões e confiou em Kazutora.
O lançamento não tinha sido perfeito, mas a força colocada nele compensou tudo, quase como se fosse um foguete, Mikey não é considerado um dos melhores quarterbacks da temporada sem motivo.
O número 18, ou mais conhecido como Kazutora Hanemiya, estava correndo, até sentiu uma certa dor nas coxas pela explosão de velocidade que forçou o seu corpo a ter e, mesmo que tivesse uma muralha na sua frente, ele não pararia. Brandon e os outros, definidos para abrirem o caminho, perceberam isso e estavam tentando acompanhar o ritmo e seguir com toda a garra a função que tinham recebido, eles iam, com toda a determinação do mundo, abrir caminho para o touchdown de 80 jardas.
Kazutora olhou por cima do ombro e viu a bola se aproximar cada vez mais e aquele sorriso competitivo surgiu no rosto dele.
Mikey tinha colocado um pouco de força demais, por causa do desespero pelo avanço do time adversário, o moreno teria que ficar ainda mais rápido.
Foi nesse momento, quando simplesmente Kazutora ficou ainda mais rápido, que o estádio foi a loucura, ele ia conseguir completar o passe.
Um salto, extremamente preciso e impulsionado pela velocidade, foi feito e o número 18 pegou a bola no ar, chegando ao chão quase que derrapando, por pouco ele mesmo não saiu rolando. Apoiou uma das mãos no chão, servindo de suporte para o corpo e se ajeitou, voltando a correr, mesmo que conseguisse ver, pela visão periférica, que um defensor adversário estava vindo com toda a força em sua direção.
Porém, nada, absolutamente nada, iria o impedir de fazer esse touchdown, ele ganharia esses seis pontos.
Foi aí, nesses metros finais, que o estádio ficou em silêncio, em choque.
Uma jarda tem um pouco menos que um metro, é até considerada uma distância pequena, mas quando se multiplica por 80 e ainda coloca obstáculos no meio, é algo que se torna absurdo, mas não impossível.
A multidão foi à loucura, parecia que o estádio inteiro tremia, você mesma estava pulando e gritando completamente eufórica, comemorando com os seus amigos.
Kazutora tinha marcado o touchdown.
O touchdown mais lindo que você já tinha visto na vida.
O Hanemiya mal tinha percebido que tinha chegado na endzone, marcando os seis pontos que mudariam completamente não só o rumo do jogo, mas até mesmo o olhar que as pessoas teriam sobre ele. Quando Brandon chegou, o abraçando e o erguendo do chão, foi o momento em que percebeu que tinha conseguido e um grito da mais pura sensação de vitória saiu pela garganta.
No meio daquele mar de pessoas do time, que vieram o parabenizar pelo touchdown, o olhar do moreno só procurava por Mikey e o encontrou correndo em sua direção. Deu dois tapinhas leves no ombro de Brandon e o atacante o colocou de volta no chão, a tempo do quarterback poder abraçar o seu melhor amigo.
— Eu disse que você podia confiar em mim — mesmo ainda recuperando o fôlego, Kazutora conseguiu falar e recebeu um abraço ainda mais apertado.
— Você é a pessoa mais foda que eu conheço.
A risada do moreno ecoou e Mikey terminou o abraço, encarando o rosto de Kazutora por trás das grades de proteção.
— Nós vamos levantar aquela taça juntos mais uma vez — foi a única coisa que o Hanemiya disse, apoiando a mão direita no ombro do capitão, que assentiu.
— Nós vamos vencer esse jogo.
Agora, não era só Kazutora que tinha um sorriso competitivo no rosto, o time inteiro tinha. Esse touchdown, completamente absurdo, tinha dado o gás e motivação que os jogadores precisavam para continuar, além de também dar um recado para o time adversário. Não é muito difícil perceber que Mikey não está em um bom jogo e claro que é extremamente determinante o papel de um quarterback para o sucesso de um time, mas no caso do número 12 do UCLA Bruins, ele tinha pessoas que estariam com ele e o ajudariam.
A ideia de fazer essa jogada, simplesmente desafiar a probabilidade de um touchdown de 80 jardas, tinha sido na base da mais pura intenção de Kazutora mostrar para Mikey como tudo daria certo. Eles poderiam ter feito uma outra estratégia, ter tentado forçar uma passagem com Baji ou até mesmo com passes curtos e aliviar a distância da endzone aos poucos. Porém, não teria o mesmo efeito, não transmitiria a mesma confiança.
Agora, Baji e o resto do time também estavam completamente animados, loucos para receberem uma bola, avançarem as jardas e conseguirem ainda mais pontos.
Todos estavam motivados e nada, absolutamente nada, os impediria de vencer.
O time de ataque começou a caminhar para as suas posições, seguindo as indicações do juiz para recomeçar, mas agora estando em vantagem na posse da bola.
Nesse momento, nessa caminhada já com um certo gosto de vitória, que uma foto extremamente bonita foi tirada por uns dos fotógrafos de uma das emissoras de TV que estavam transmitindo o jogo.
Capitão e vice-capitão, andando lado a lado, liderando o caminho, com os outros nove jogadores do time atrás deles, com o número 18 passando o braço direito pelos ombros do número 12. Uma cena que poderia ser considerada comum, mas a importância desse momento foi quando ambos levantaram os seus braços livres, com as mãos fechadas em punho, e os jogadores atrás dele seguiram o gesto.
Essa foto estamparia a capa das mais diversas matérias do mundo esportivo no dia seguinte.
Você assistiu a cena da arquibancada com os olhos completamente marejados, uma lágrima solitária inclusive escorreu pela sua bochecha. Não teria palavras para descrever o tanto que estava arrepiada, completamente imersa no que tudo isso tinha significado. Muitos pensariam que essa jogada teria sido um ato arriscado do time, uma forçação de passagem, mas você entendia Kazutora como ninguém, tinha percebido a conversa dele com Mikey.
Não precisou pensar muito para compreender o que tinha acontecido e sentia o coração bater forte dentro do peito, com a confirmação de que Kazutora é a pessoa mais foda que já tinha conhecido na vida e que demonstrava todos os dias como poderia ser a rocha que os amigos precisavam. Todos poderiam confiar nele, principalmente você e Mikey, e ele nunca deixaria alguém na mão.
— Vamos continuar na ofensiva — a voz de Mikey se fez presente e os jogadores prestaram atenção — Eu vou, mais uma vez, mandar a bola pra você, Kazutora, precisamos fazer com que a defesa deles se locomova pra nossa direita. Quero colocar o Baji pra correr também e virar esse jogo até o segundo quarto.
— Esse é o nosso capitão! — Miles falou, animado, e Mikey balançou a cabeça em negação, depois de deixar um suspiro escapar.
— Peço desculpas por estar vacilando com vocês.
— Todos possuem dias ruins, capitão. Não esquenta com isso, nós sabemos que você pelo menos tá tentando.
O loiro passou os olhos por todos os integrantes do time que estavam em campo e sorriu, batendo duas palmas, os fazendo entrar em posição. Agora, ele estava no jogo e usaria a confiança que sentia em relação a Kazutora para seguir em frente.
Faltavam poucos segundos para o apito voltar a soar e foi aí que o loiro olhou para a lateral do campo e encontrou Senju, que já o olhava. Ela sorria, completamente radiante pela conquista dos pontos, e foi aí que Mikey percebeu que queria que esse sorriso se propagasse infinitamente, porque é uma das coisas mais lindas que ele já tinha visto. Além disso, algo que ele tem completa noção é que quando ele estivesse completamente sóbrio, esse mesmo sorriso iria se tornar constante e até mais fácil.
Nas últimas semanas, a platinada tinha sido o apoio que ele precisava para se manter firme nisso, principalmente quando os calafrios, causados pela necessidade de usar qualquer coisa, apareciam dentro do corpo. Ele faria tudo por aqueles que estavam ao seu redor, pelas pessoas que mereciam o ver sóbrio, como a sua irmã gêmea, que estava sentada, completamente vidrada em cada movimento do mais velho por exatos seis minutos.
— O que nós viemos fazer?! — Mikey gritou e escutou Baji gritar em animação atrás de si.
— Vencer!
— O que vamos fazer?!
— Vencer! — o time respondeu.
O apito soou mais uma vez e a bola estava em campo, o jogo tinha voltado e, mesmo com os erros que apareciam, o time estava ao lado de Mikey e continuaria até o fim. Ele é um ótimo capitão, sempre ouviu e se importou com as opiniões de todos, praticamente como se fosse até mesmo um técnico, sempre dando dicas e se mantendo presente na vida de todos. Mesmo que seus companheiros não soubessem necessariamente o que estivesse acontecendo com ele, não cederiam e continuariam demonstrando apoio.
O tempo passou e quando viram o apito do fim do segundo quarto tinha soado e agora o jogo estava 22 x 14, cortesia de mais um touchdown feito por Kazutora e dois por conta de Baji. O time estava entrando nos trilhos, o próprio Mikey estava ficando mais focado a cada minuto que passava, o corpo em movimento, os hormônios sendo produzidos, ele estava funcionando.
Estava se sentindo bem.
— Eu vou definitivamente fazer a sua irmã apostar cada vez mais com você — Scott falou para Kazutora, que simplesmente se permitiu rir.
O time estava concentrado nas laterais do campo, eles teriam doze minutos de intervalo e o moreno estava com as mãos apoiadas no joelho e o capacete já jogado no chão, simplesmente precisava respirar pra aguentar o próximo tempo, já que eles começariam com a bola mais uma vez.
— Acho que vou começar a apoiar isso porque assim ganho mais dinheiro.
— Mas eu estou falando sério, Kazutora — o tom de voz do homem estava completamente sério — Aquilo foi incrível.
— Obrigado, treinador.
Scott tinha praticamente caído de joelho no chão quando viu aquele touchdown, simplesmente absorvendo a loucura que Kazutora tinha decidido fazer. Algumas descidas depois, o treinador tinha pedido tempo, simplesmente tinha que abraçar o receptor o mais forte que conseguia. Aquele tinha sido o maior lance do jogo até agora e todos sabiam que não teria algum melhor do que aquele, simplesmente impossível.
Além disso, a performance de Mikey tinha melhorado muito.
— Mikey — Scott o chamou — Vem comigo.
O loiro atendeu o pedido e se sentou em um dos bancos destinados à equipe ao lado do mais velho, que pegou a clássica prancheta, vasculhando as várias páginas rabiscadas.
— Agora no final, você fez com que a atenção deles para Kazutora de propósito, certo?
— Isso, precisava abrir espaço pro Baji e pro Nathan.
— Ótimo, mas vamos ter que mudar um pouco as coisas. Eles notaram o padrão e provavelmente não vão cair no próximo truque.
— Mas ao mesmo tempo eles também não vão tirar os olhos dele.
— Exato, principalmente porque eles agora sabem o tanto que o Kazutora consegue correr.
Mikey assentiu e perguntou com o olhar se podia pegar a prancheta e Scott a passou, junto com a clássica caneta de cor vermelha. O capitão procurou uma folha branca e começou a automaticamente rabiscar as posições, junto com as setas de algo que estava planejando a uma certa quantidade de tempo.
— E se nós usarmos o meio?
— O meio?
— Então, se eles vão dar atenção para o Baji, o Nathan e o Kazutora, o meio vai ficar mais vazio. Se eu fizer o lançamento para o Brandon, com ele correndo no meio, e o Miles e o Charles como suporte, talvez consigamos garantir uma boa distância de primeira.
— Estava com saudade disso.
— O que?
— Saudade da sua mente aqui.
Mikey não conseguiu sustentar o olhar e se remexeu um pouco desconfortável no banco, ele realmente não queria ter essa conversa com Scott.
— Olha, treinador... Eu realmente...
— Não quero que você se explique pra mim, pelo menos não agora — Scott logo o interrompeu — Só estou dizendo que estava com saudade de te ver assim, determinado, com a mente em campo. Faço a mínima ideia do que está rolando na sua cabeça, mas tenho noção que a sua vida não é o conto de fadas que muita gente pensa. Eu sei que tem momentos difíceis que surgem, eu já tive a sua idade, sei do tanto de merda que acontece quando somos jovens, mas, ao mesmo tempo, preciso do meu jogador em campo. É o seu último ano, Mikey, quero que aproveite.
O mais novo só conseguiu assentir, liberando o ar que nem tinha percebido que tinha segurado.
— Eu também quero conseguir aproveitar, treinador, não tenha dúvidas disso — Mikey quase sussurrou e se levantou — Eu só vou no banheiro e aí eu já passo a estratégia para o pessoal.
— Não se preocupe com isso — Scott respondeu, notando o rosto do capitão tencionando a cada segundo — Eu mesmo vou explicar.
— Obrigado.
Mikey praticamente correu pra longe dali, tirando o capacete no meio do processo, e andando em direção a saída que dava acesso aos banheiros reservados para os jogadores. Era uma área restrita, com seguranças na entrada que dava para o campo e na que era na direção do estádio. Além disso, não tinha a presença da mídia, então o loiro se permitiu simplesmente deixar que o peso que estava nos seus ombros o tomasse e se apoiou em uma das paredes do corredor, encarando o teto.
Estava dando tudo certo, então por que estava tão paranóico?
Tinha acabado de planejar uma jogada e que foi apoiada pelo próprio treinador, então por que estava duvidando mais uma vez de si mesmo?
Mikey está cansado disso, de não sentir mais confiança em nada no que faz, como se precisasse estar chapado para ter alguma certeza na vida, o que não é uma completa mentira. Porém, ele não queria mais isso, queria ser o Mikey de verdade, aquele que não precisava de substâncias químicas pra poder sorrir e se manter em pé durante o dia.
Simplesmente queria poder ser ele mesmo, sem a máscara que as drogas colocavam nele.
— Nunca pensei que te veria tão pra baixo enquanto tá ganhando alguma coisa.
Os olhos de Mikey arregalaram, a mão direita se tencionou, segurando com mais força a grade do capacete.
Ele deveria estar maluco, escutando vozes.
Quando ele abaixou o rosto e virou na direção da dobra do corredor, que vinha do estádio, encontrou a pessoa que ele menos esperava encontrar.
Izana estava bem ali, a poucos metros de distância, com os braços cruzados na altura do peito.
Já faz quase um ano que eles não se viam, na última vez literalmente trocaram socos. Afinal, segundo as palavras do mais velho, ele não estava honrando a vida de Shinichiro e sim sujando a imagem do irmão.
— O que você tá fazendo aqui?
— Assim, estou em um estádio de futebol. Acho que assistir o jogo seria a opção correta.
— Não é isso que eu quis dizer — Mikey resmungou, se desencostando da parede — Como conseguiu entrar aqui?
— Esqueceu que temos o mesmo sobrenome?
— Não esqueci, Izana, mas parece que você sim. Não fui eu quem disse que não éramos mais irmãos.
O de olhos roxos sentiu o "tapa" do irmão mais novo, por quase cinco anos, mas não se permitiu transparecer. Não mostraria essa vulnerabilidade.
— O que veio fazer aqui? — Mikey perguntou, mais uma vez.
— Conversar.
— Sério?! E tem que ser agora?! — a voz do loiro já tinha se tornado mais alta — Você não vem atrás de mim por quase um ano, simplesmente some da porra da minha vida, não me chama pra passar o Natal com você, mas agora, na merda de um dos dias mais difíceis da minha vida, quer conversar?!
Izana deu um passo para trás ao praticamente sentir no ar a intensidade da raiva de Mikey. Tem muito tempo que eles não conversam direito, falam sobre o que estão sentindo, então finalmente ouvir o que estava acontecendo no coração do irmão é uma situação completamente diferente e algo que ele não estava preparado para ouvir.
— Mikey...
— "Mikey" o meu caralho! Eu sei de todas as merdas que eu fiz, não ache que eu não tenha noção de todas elas, principalmente as que se referem a você e a Emma. A minha mente me lembra todo santo dia do que deixei de fazer em relação a vocês dois, principalmente na época que estávamos literalmente no fundo do poço, mas agora, eu realmente estou tentando consertar os meus erros e não estou com paciência para ouvir você falando pra mim que eu "cago" pro Shinichiro.
— Eu não ia falar isso pra você.
— Não? — Mikey riu, completamente ácido — Você fala isso pra mim há quase quatro anos, Izana.
— Não — o de cabelos brancos reafirmou e ousou começar a andar na direção do irmão, que sentiu o corpo tensionar com a aproximação.
— Então o que você veio falar?
— Eu ia perguntar por que você não está jogando como sempre jogou.
— O que?
— O Kakucho sempre assiste aos seus jogos. Inclusive, ele que me convenceu a vir assistir aqui hoje — confessou — Então acabava que sempre via um pouco, você não está jogando como antes.
— Eu sei, pode ter certeza disso — Mikey respondeu seco e ameaçou a se virar, com a mais pura intenção de se afastar.
— Por que? Por que não está jogando como antes?
— Essa é uma conversa que eu não quero ter com você, Izana.
— Eu quero saber o porquê, Mikey. Por que não está jogando como antes?
— Já falei que não quero conversar sobre isso com você.
— E eu não saio daqui até saber o porquê — Izana se manteve firme, inabalável — Desistiu de superar o Shinichiro?
Uma pergunta simples e sobre um assunto que nunca foi novidade pra ninguém, Mikey até mesmo tinha afirmado isso em rede nacional, depois de ter ganhado a final do campeonato do ano passado. Os olhares sobre o loiro se intensificaram ainda mais depois dessa declaração ousada, mas é a mais pura verdade, ele quer superar o legado do irmão.
Porém, quando essa mesma pergunta é feita por alguém como Izana, a situação é outra, principalmente porque o de olhos roxos nunca apoiou tal coisa, quase como se negasse que futebol pudesse ser alguma coisa na vida de alguém. Logo, Mikey sentiu o seu peito inflar, completamente cheio de todos os ressentimentos que sentia em relação ao irmão mais velho.
Ele sabia que já tinha vacilado com Izana várias vezes, a última festa de aniversário de um dos irmãos mais velhos de Senju dizia tudo. Porém, ele não conseguiu conter a raiva e a irritabilidade que apareceu dentro do peito. Quando viu, tinha empurrado Izana contra a parede e estava com a mão livre segurando firme o suéter preto de gola alta que o irmão usava.
— Não ouse achar que sabe de alguma merda que tá rolando na minha vida! — Mikey praticamente gritou, a voz até ecoou um pouco pelo ambiente vazio.
Os olhos de Izana estavam arregalados, encarando a feição furiosa de Mikey, e, por um momento, pensou ter visto Shinichiro ali, eles eram tão iguais que chegava a ser doloroso.
— Por que? — foi corajoso ao perguntar — Por que não está jogando como antes, Mikey?
O loiro sentia a raiva queimar e apertou um pouco mais o suéter na mão, poderia rasgar o tecido se forçasse mais um pouco, porém, uma pequena luz de racionalidade apareceu dentro da mente de Mikey, se perguntando uma coisa importante: "Por que Izana quer saber tanto sobre isso?".
O aperto da mão afrouxou e Izana presenciou a transformação da expressão facial de Mikey, de uma raivosa para uma séria, que quase chegava a um nível de desconforto. O mais velho só tinha visto essa expressão uma única vez no rosto do irmão, no momento em que os médicos falaram que a lesão de Shinichiro não tinha tratamento que pudesse o colocar em campo novamente.
— Porque esse sou eu tentando ficar sóbrio, Izana.
Mikey não ousou ficar mais tempo ali, na presença do irmão, simplesmente o soltando e voltando na direção do campo, sendo recebido por um time que perguntou na hora onde ele estava. Respondeu que tinha ido no banheiro e na hora Baji fez uma piada completamente idiota sobre isso, o que fez o loiro rir um pouco e também levantar o dedo no meio para o amigo.
Kazutora notou como algo realmente tinha acontecido nesses minutos que Mikey tinha sumido depois de falar com o treinador, mas ele não iria perguntar, principalmente pelo fato de estar estampado na cara do capitão como ele não queria que tocassem nesse assunto. O moreno se permitiu, então, se aproximar e ficar ao lado dele, enquanto o show de intervalo das líderes de torcida estava sendo preparado. A equipe da Bowling Green tinha acabado de se apresentar e agora era vez da UCLA mostrar o que estava preparando para esse ano.
Enquanto isso, Izana estava praticamente estático, apoiado na parede como se fosse a única coisa que o sustentasse em pé, Mikey tinha soltado uma bomba no colo do meio-filipino. Essa não é a resposta que ele esperava, na verdade, queria ouvir.
Durante os dois primeiros quartos, o Kurokawa realmente tinha se concentrado na figura de Mikey, notando como o desempenho dele não estava no padrão de sempre. Antes da morte de Shinichiro, Izana ia em todos os jogos de Mikey, desde o fundamental até um dos primeiros já na UCLA, ele sabia muito bem o estilo de jogo do caçula. Porém, hoje está diferente até demais e isso mexeu com algo dentro de Izana.
Ele tinha pensado em muitas possibilidades, principalmente a ideia de que talvez Mikey tivesse se desencantado de vez pelo futebol, mas não que pudesse ser algo envolvendo drogas. Ele imaginava que o irmão só exagerava em festas, algo que não fosse constante, situações muito específicas.
Dessa forma, para que Mikey dissesse que estava tentando ficar sóbrio, significava que existia um grau de vício no meio e isso foi como um soco no estômago, o que Izana tinha perdido da vida do irmão nesses quase quatro anos longe?
Estava tão desconcertado que mal percebeu o celular tocando na calça, foi atender a ligação quase no último toque.
— Alô?
— Izana! Onde você está? — reconheceu a voz do marido.
— Eu me perdi procurando o banheiro, já estou voltando.
— Está tudo bem? — Kakucho perguntou, preocupado, conseguia entender Izana como ninguém.
— Não sei, realmente não sei.
— Como assim?
— Já estou voltando.
Kakucho olhou o celular, encarando a tela, que indicava a chamada encerrada e suspirou, algo muito importante tinha acontecido, conseguia sentir.
— Está tudo bem com o Izana? — Emma perguntou e o mais velho levou o olhar até a cunhada.
— Não sei te dizer, Emma — suspirou — Realmente não sei.
— Eu não sei se estou pensando demais ou tendo impressões precipitadas, mas acho que sei onde ele está.
— O que?
— Qualquer um que tem o sobrenome "Sano" tem grande influência no mundo do futebol, independente de quem seja.
— Sim, mas o que isso tem haver?
— Acho que ele foi atrás do Mikey — Emma respondeu, ainda meio incerta com a própria ideia.
— Por que acha isso?
— Não sei como explicar direito, mas eu sinto que foi isso. Sabe, já invadi o campo muitas vezes durante os jogos do Mikey, principalmente nos intervalos — Emma explicou, sorrindo fraco ao se lembrar de tais momentos — É só falar quem eu sou para os seguranças e eles liberam a minha passagem. Comentei sobre isso com ele no Natal, ao explicar uma foto que tinha mostrado, mas não sei se ele realmente fez isso.
— Olha eu também não sei o que pensar, mas se for isso, ele usa a memória boa que ele tem de uma forma maravilhosa.
Emma acabou rindo do sarcasmo de Kakucho e levou o olhar na direção do campo, vendo a equipe de torcida terminar a posição e o narrador que tinha no estádio fazer a chamada para a apresentação. É uma situação complexa, ela não sabia como a situação da própria família poderia ser resolvida, mesmo que seja uma das únicas coisas que ela realmente se segura.
Ser a única garota dentro dos quatro irmãos sempre fez com que uma série de situações acontecessem com ela, mas de longe uma das melhores foi a união que os outros três tinham quando se tratava dela. Emma tem lindas lembranças de quando era criança, como tudo era quase que um conto de fadas e ela era princesa daquele reino, mas nem tudo que é bom dura pra sempre, a vida gosta de fazer esse tipo de situação com as melhores pessoas.
— Está tudo bem? — Kakucho logo perguntou, quando viu Izana se aproximar.
— Vamos conversar sobre isso em outro momento — foi a resposta dada e Emma notou como isso não era um bom sinal.
— Oi, Izana — a loira cumprimentou o irmão, que notou a presença da mais nova e forçou um sorriso, a abraçando.
— Oi, maninha. Como você está?
Emma conteve a vontade de suspirar ao ver como Izana não iria realmente contar por onde esteve, então se limitou a conversar amenidades com ele e Kakucho, tudo para ter pelo menos uns minutos com ele. Desde que os dois se mudaram para San Diego, junto com mais dois amigos, Haruchiyo e Kokonoi, para abrirem o restaurante, começaram a se ver cada vez menos e isso doía, passaram tantos anos juntos que parecia que havia uma nova barreira entre eles.
O show da equipe de torcida acontecia logo abaixo deles, ao som de um remix de Collard Greens, Kendrick Lamar, e até mesmo pararam de conversar quando as acrobacias começaram, simplesmente perfeito. Tudo estava simplesmente perfeito, principalmente a figura de Senju, que estava no centro da formação, sendo a união perfeita de graciosidade e ferocidade.
Maravilhosa é com certeza a palavra que todos estavam pensando ao vê-la, agora, no topo de uma pirâmide. Olívia com certeza tem em mãos um dos diamantes mais bonitos do mundo cheer bem na palma da mão.
— Me lembro de você sendo líder de torcida no ensino médio — Izana comentou para Emma, que sorriu pela lembrança.
— Realmente foi uma época bem legal.
— Sempre me perguntei porque você não continuou sendo aqui.
— Não é pra mim, é uma vibe totalmente diferente do ensino médio. Mesmo que tivesse as competições e tudo, aqui o nível é outro e eu não me vejo fazendo algo assim.
— Acho que entendi o que você quer dizer.
— Pro Draken foi a mesma coisa envolvendo o futebol. Ele jogou até o ensino médio, mas ele não se via jogando na universidade.
— Vou ser sincero e dizer que realmente não combina com ele — Emma riu da constatação e concordou com a cabeça.
— Você falou com ele, né? — a pergunta pegou Izana levemente desprevenido.
— Do que você está falando?
— Não minta pra mim, Izana... Principalmente quando envolve vocês dois.
O de cabelos brancos suspirou e acompanhou com o olhar Senju ser jogada pra cima, girando no meio do ar, e ter como resposta os gritos da torcida.
— Falei, fui impulsivo em ir atrás dele.
— Vou ter que concordar — Izana revirou os olhos.
— Não foi como eu pensei que seria, principalmente por ele estar tão diferente.
— Como assim diferente?
Por Emma fazer essa pergunta, o mais velho não demorou a entender que ela não sabia, não tinha conhecimento da busca de Mikey pelo estado de sobriedade.
— Vai conseguir a resposta pra isso quando conversar com ele.
— Você é a segunda pessoa que me falou hoje que tenho que conversar com ele.
— Quem foi a primeira?
— A [Nome].
Izana assentiu, tendo na memória a última vez que vocês dois tinham se visto, na festa de aniversário de Haruchiyo. Entre todos os irmãos Sano, ele é o que você é menos próxima, principalmente por ele ser naturalmente mais reservado, mas também por você ser o escudo de Mikey pra quase tudo. Desde que se conheceram, vocês eram unha e carne, juntos para qualquer coisa e com o tempo isso se destacou ainda mais e Izana não conseguia entender direito de onde vinha a sua lealdade, principalmente quando tinha que lidar com as atitudes do loiro.
Porém, ele sabia muito bem que você é um caso a parte em relação a todas as pessoas do mundo, é compreensiva e acolhedora demais.
Com a apresentação da equipe de torcida chegando ao fim, as pessoas começaram a voltar para os seus respectivos lugares, animados para o resto do jogo que parecia prometer muito mais. Assim, Emma se despediu rapidamente de Izana e Kakucho, não queria perder um segundo sequer do jogo, principalmente por ver como Mikey tinha melhorado a performance no segundo quarto.
No campo, a situação de ansiedade está praticamente igual a das arquibancadas, os jogadores já se preparavam para entrar, Mikey sentia o nervosismo voltar, principalmente depois da conversa com Izana.
"Você desistiu de superar o Shinichiro?".
Não, ele não tinha desistido, queria isso mais que tudo, mas parecia que esse objetivo estava a um longo oceano de distância, longe de uma realidade que ele poderia alcançar.
— Ei! Tá tudo bem, Manjiro? — a voz de Senju o tirou da correnteza de pensamentos e se viu encarando aqueles olhos, que tinha momentos que eram azuis e outros que eram verdes.
Um caleidoscópio que ele é completamente apaixonado.
A platinada tinha ido até a lateral do campo, depois da apresentação, na mais pura intenção de conversar com Mikey antes dele voltar a jogar, torcia para que o ritmo do segundo quarto se mantivesse.
— Tá sim, sabe, o jogo vai voltar.
— Você realmente não vai me falar o que tá rolando? — ela cruzou os braços na altura do peito e Mikey suspirou, deixando um beijo na testa dela em seguida.
— Eu quero ter essa conversa com você, mas mais tarde. Pode ser?
— Pode, só seja sincero, tanto comigo quanto com você. Ok?
— Ok.
— Boa sorte, Manjiro — ela disse, sentindo as bochechas queimarem quando ele a beijou na bochecha.
Estava se sentindo como uma daquelas protagonistas adolescentes das comédias românticas que vivia assistindo com você no dormitório.
— Obrigado, princesa. Inclusive, você estava maravilhosa na apresentação.
— Nada diferente do esperado — um sorriso convencido apareceu no rosto da capitã, um que Mikey achou extremamente atraente.
— Já falei como eu quero te beijar? — ele reclamou, enquanto colocava o capacete e Senju riu.
— Já.
— E você não vai fazer nada?
— Não — sorriu, travessa, e começou a se afastar, andando de costas — Ganhe o jogo e a gente conversa sobre isso!
Mikey balançou a cabeça em negação, ainda desacreditado, mas avançou, entrando mais uma vez no gramado, sendo seguido pelo seu time. Agora, são eles que estão em vantagem e isso com certeza é decisivo para o destino do jogo.
— Vamos continuar na ofensiva? — Brandon perguntou e Mikey assentiu com a cabeça.
— Vamos aumentar a margem, precisamos construir um jogo consistente com isso.
— Entendido.
— Vamos começar com o que o treinador explicou? — foi a vez de Miles questionar.
— Não, essa vai ser guardada pra depois. Vamos primeiro testar a defesa deles e ver se estão seguindo o que estamos pensando.
— Então vai nos usar como isca? — Kazutora perguntou, apontando pra si mesmo, Baji e Nathan.
— Assim, se você quer colocar nesses termos...
— Idiota — o moreno reclamou, mas sorriu de canto, tinha gostado da estratégia — Por mim tudo bem, vamos fazer funcioar e ganahr esse jogo. Inclusive, preciso de um lançamento pra mais um touchdown, quero meus vinte dólares.
— Cara, vou achar que o seu ídolo é o Tio Patinhas, porque não é possível.
— Cala a boca, Baji!
— Mas eu sei que eu tenho razão!
— Você pode usar isso pra uma das noites de powerpoint.
— Você é um gênio, Nathan! — Baji exclamou, como se tivesse ouvido a coisa mais inteligente do mundo, o que fez com todos rissem, incluindo Kazutora, mesmo que tenha revirado os olhos antes.
O time tem uma tradição de, às vezes, se reunir em alguma das fraternidades que os membros fazem parte e fazerem noites de powerpoint, com temas completamente aleatórios e muita cerveja.
Simplesmente uma forma de se distrair das obrigações com o time e a própria faculdade, mas que com certeza rendia altas risadas e memórias, como o dia que Mikey defendeu que um dia ainda vai acontecer uma revolta das batatas, você até mesmo participou dessa noite como convidada especial para o debate sobre o tema.
Com certeza foi uma das noites que você mais tinha rido na vida.
O juiz voltou para o gramado e os 40 segundos para organização do time começaram a ser contados e Mikey respirou fundo, batendo duas palmas para o time voltar em posição.
— O que nós vamos fazer?! — o capitão gritou.
— Vencer!
— O que nós vamos fazer?!
— Vencer!
"Por que você não está jogando como antes, Mikey?".
A voz de Izana ecoou pela cabeça do loiro nos últimos segundos que ele tinha e algo se acendeu dentro do capitão.
Ele não queria mais jogar como antes.
Ele quer jogar com confiança de novo?
Claro que sim, mas, agora, ele quer confiar em si mesmo e não em algo sintético.
Mikey quer ser ele mesmo de novo e ele vai tentar de tudo pra conseguir isso.
O apito voltou a ser soprado e a bola estava mais uma vez nas mãos dele e o lançamento para Kazutora estava sendo preparado.
Mikey se esforçaria ainda mais porque, agora, ele tinha algo para demonstrar.
Ele não precisava jogar como antes para conseguir o que queria.
Ele poderia voltar a ser ele mesmo, se encontrar, e superar Shinichiro.
Além disso tudo, ele estaria livre e poderia finalmente viver de verdade.
Oi gente! Tudo bem com vocês?
Sério, esse capítulo foi uma montanha-russa de emoções com certeza foi um dos meus favoritos de escrever e tbm um dos maiores (ainda tô chocada por ele ter 9k de palavras)! Eu AMO o personagem do Mikey e a evolução constante que ele está tendo, muito o meu protegido
Além disso, simplesmente Kazutora sendo foda pra krl, amo um homem, pqp 🛐
Bem, espero que tenham gostado! Não se esqueçam de votar e de comentar (AMO ler o feedback de vocês)!
Até a próxima! ♥︎
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