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Como as estrelas perseguem o sol
Pela colina brilhante, eu irei conquistar
O sangue corre profundamente
Algumas coisas nunca dormem
Passava das quatros horas da madrugada quando Cecília Walsh chegou no covil dos cavalheiros de São Cristóvão, também conhecido como seu "lar doce lar". A casa de madeira com dois andares e aparência abandonada estava localizada no meio da floresta que rodeava a Universidade de Belgrave, local perfeito para ficar de olho nos membros da Ordem Hermética da Rosa azul e não chamar atenção desnecessária para os membros excêntricos que habitam a residência, principalmente quando esses resolvem discutir entre si em suas formas animalescas.
Segurando as sandálias pretas de salto agulha em uma das mãos e a bolsa carteira no sovaco, ela abriu a porta tentando fazer o mínimo possível de ruídos. Apesar de Cecília ser uma criatura noturna e não ser mais considerada como uma prisioneira dos Cavalheiros há muitos séculos, havia passado do horário combinado para estar no covil, podendo dar brecha para que os amigos imaginassem que saiu em caçada sem a devida autorização.
Ela estava prestes a subir as escadas para ir direto ao próprio quarto quando sentiu uma bufada de ar quente na nuca, fazendo com que os cabelos castanhos balançassem e caíssem na frente dos ombros.
— Merda! — Sussurrou ao fechar os olhos apertados por alguns segundos antes de virar na direção do responsável pelo bafo quente — Tundra...
No fundo Cecília não estava surpresa com a aparição do gigantesco Lobisomem ao invés de Hamish, o cavalheiro que portava sua pele. Por fazer parte da equipe dos Cavaleiros de São Cristóvão á quase dois séculos, ela desenvolveu uma forte ligação com os Lobisomens, aprendendo a comunicar-se com as peles e criando um vínculo rápido com os portadores das mesmas, os quais mudaram com o decorrer das décadas devido aos perigos do ofício.
A criatura de aproximadamente dois metros de altura urrou pela segunda vez, obrigando Cecília a fechar os olhos e fazer careta por causa da lufada de ar quente recebida diretamente no rosto. Qualquer outra pessoa teria desmaiado de medo ou corrido ao ver as presas ameaçadoras próximas da face, porém ela estava acostumada com aquele tipo de recepção durante seus atrasos noturnos, permanecendo parada no lugar e com os batimentos cardíacos na mesma constância.
— Boa noite para você também. — Disse Cecília afastando o lobisomem com a mão esquerda, descendo os poucos degraus que havia subido e rumando para a sala principal, sendo seguida pela criatura — Antes que lata ou tente me morder, aviso que não matei ninguém, apenas me perdi no horário. E eu sei que tenho aula amanhã, não vou faltar no meu primeiro dia de faculdade, principalmente agora que, finalmente, consegui me inscrever nessa bosta de Universidade com um currículo falso descente. Agora tem como liberar o Hamish? Preciso de um drink antes de dormir.
— Deveria ter avisado — Reclamou Hamish, o cavaleiro escolhido por Tundra, após se destransformar e assumir sua bela forma humana. — Ao menos ligasse de volta.
— Ai está o meu peladão! — Zombou Cecília estendendo a manta do sofá para o rapaz despido, o qual pegou levemente irritado e enrolou ao redor da cintura, cobrindo suas partes — Acabou a bateria do meu celular.
— Onde esteve afinal? — Perguntou Hamish indo para trás do bar e colocando dois copos vazios em cima do balcão.
— Estava tendo um festival de bandas do outro lado da cidade, uma amiga minha conseguiu uns ingressos porque ia tocar. — Ela moveu os ombros com desdém e se jogou de costas no sofá.
— Uma amiga sua? — Perguntou Hamish arqueando uma das sobrancelhas e aproximando da amiga com dois copos cheios de bebida nas mãos. — Lilith sabe disso?
— Sei do que? — Perguntou Lilith Bathory ingressando na sala de estar, seus olhos estavam inchados e a bochecha levemente amassada.
Dona de belos cabelos negros e expressões de poucos amigos, Lilith era a única mulher na equipe atual dos Cavalheiros de São Cristóvão, sendo uma das responsáveis para cuidar da alimentação da vampira e proteger do mundo dos usuários de magia negra. Apesar de Cecília não possuir muita aproximação com os usuários anteriores da pele de Timber, ela criou um vínculo rápido com a morena quando a mesma foi escolhida para fazer parte da matilha.
A jovem mulher era sua melhor amiga, elas possuíam muitos gosto em comuns e o péssimo hábito de utilizar o sarcasmo como forma de proteção. Lilith era umas das poucas pessoas com quem Cecília conseguia ser ela mesma, principalmente por ela nunca ter olhado para a vampira de maneira diferente depois de vê-la se alimentar das suas vítimas, e nem a temido em seus piores dias, quando a "comida" estava escassa e os cavalheiros temiam que Cecília avançasse em inocentes quando saia sozinha para espairecer.
— Lilá tem uma amiga roqueira — Ironizou Hamish arqueando as sobrancelhas.
— Ela pode ter outras amigas, mas só uma alma-gêmea, que no caso sou eu — Disse Lilith se jogando na poltrona vazia.
— Verdade — Assentiu Cecília depois de beber um pouco do Whisky puro servido pelo amigo.
— Como assim "Verdade"? Eu sou o que? — Randall ingressou na sala e estar com expressões cansadas, assim como Lilith ele havia acordado a pouco tempo graças aos rugidos de Tundra.
— Sei il mio sciocco — Falou Cecília em italiano.
— Awn! Amo quando me ofende em italiano — Ironizou Randall sentando no braço da poltrona ao lado de Cecília e a abraçando com força pelos ombros, fazendo com que os outros rissem baixo. — Só por isso vou te colocar com uma pessoa bem legal no dormitório.
— E quem disse que vou dormir na faculdade? — Perguntou Cecília fazendo careta com a ideia de ficar dentro do Campus ao invés do covil onde estava acostumada. Todos olharam na direção de Hamish, o qual sorria por trás do copo — Hamish Duke...
— É só por algumas semanas, Lilá — Disse o líder dos cavalheiros com a sombra de um riso debochado estampado na face — Talvez assim aprenda a seguir os horários.
— Pelo amor de qualquer coisa. — Ela desvencilhou do abraço do Randall, levantando abruptamente do sofá enquanto gesticulava irritada — Não pode estar falando sério.
— Não foi a primeira vez que chegou atrasada essa semana — Disse Hamish decidido da sua escolha. — E ficar no campus é uma ótima oportunidade para tentar ingressar na Ordem.
— Eles não irão me convocar, já tentamos isso cinquenta anos atrás — Reclamou Cecília gesticulando na direção de Hamish com o copo na mão. — É muita exposição, Hamish.
Durante as férias de verão, Cecília confinou para Randall um dos planos que havia montado a pouco mais de cinquenta anos para acabar com a Ordem Hermética da Rosa azul. Ela ingressaria na universidade munida de nome falso e notas altas, tentado assim chamar atenção daqueles que convocavam os novos membros da Ordem, conseguindo se infiltrar na mesma, aprendendo os seus segredos enquanto destrói cada um dos membros.
Infelizmente o plano da vampira acabou indo para o ralo, pois nem ao menos foi aceita para fazer parte do quadro de alunos da seleta universidade de Belgrave. Entretanto Randall havia aprimorado o plano de Cecília durante o tempo livre e, com ajuda de Hamish, conseguiu a inscrever como bolsista na faculdade. Agora, para o plano seguir como planejado, ela teria de dar o seu melhor durante as aulas e chamar atenção dos convocadores, demonstrando potencial para ser um membro da Ordem.
— Você nem foi aceita na matrícula — Disse Lilith ajeitando os cabelos — Dessa vez vai fazer parte dos estudantes, será uma vampira com ensino superior.
— As chances são grandes de conseguir ingressar na Ordem e ruímos com ela de dentro para fora — Falou Randall confiante de que o plano daria certo.
— E se não der certo? Vamos esperar mais cinquenta anos outra vez? Terei de fazer mestrado e doutorado? — Perguntou Cecília balançando a cabeça negativamente — Quem garante que serão vocês os portadores das peles? Quem garante que eu estarei viva daqui cinquenta anos?
— Hum... Sua imortalidade? — Randall franziu o cenho, estando confuso com a última pergunta.
— Eu não sou imortal! — Urrou Cecília levemente irritada — Sou eterna.
— E qual a diferença? — Insistiu Randall.
— Meu Gandalf! — Cecília virou o conteúdo do copo e pousou o mesmo sobe a bancada — Bambino vivo eternamente desde que ninguém me mate. Ainda tomo dano e sangro. E se sangro significa que morro, tudo que sangra é possível de matar.
— Por isso precisa agir como estudante normal. — Hamish aproximou de Cecília e a abraçou por trás — Não chamar atenção.
— Não chamar atenção? — Cecília fechou a mão e o socou com força no braço — Serei obrigada a andar com roupas de manga comprida, vou ser a única gótica naquela merda de campus.
— Na verdade, isso tem bastante — Disse Lilith apontando para Randall, o qual concordou com a cabeça. — Vai se enturmar rapidinho.
— Eu odeio vocês — Cecília balançou a cabeça negativamente enquanto fazia caretas — Sério! Vocês são os piores cavalheiros que poderiam existir.
A irritação da vampira não tinha tanto a ver com o fato de estar indo para a universidade, mas ter que dividir dormitório com outra pessoa. Devido a sua criação, desde a infância até toda vivência com os cavalheiros, Cecília não era o tipo de pessoa que sabia dividir os pertences ou atenção. Assim como toda pessoa mimada, gostava de ter as coisas somente para si e reclamava quando não tinha suas vontades atendidas. Era ela a responsável por dar a última palavra, em escolher os sabores da pizza, em dividir as atividades e outros pequenos detalhes, as vezes chegava a ultrapassar as ordens do líder dos Cavalheiros, sendo poucos aqueles que tenha obedecido.
— Superamos os cavaleiros dos anos sessenta? — Perguntou Hamish sarcástico, assistindo Cecília se afastar da sala e fazendo outro drinque para si.
— Vocês superar os cavalheiros dos anos de mil oitocentos e sessenta! — Gritou Cecília das escadas.
— Eu disse que ela ia ficar puta em ficar no campus — Disse Lilith suspirando quando ouviu a porta do quarto da vampira bater com força no andar superior. — Conheço a Cecy!
— Todo mundo sabia — Disse Hamish dando com os ombros — Mas vai ser mais seguro para Lilá ficar no campus, pelo menos até os novos acólitos serem escolhidos.
— Vocês acham que ela pode ser escolhida? — Perguntou Randall olhando para cada um dos membros da matilha. Hamish e Lilith trocaram olhares e permaneceram em silêncio, preferindo ignorar a pergunta do amigo — Estou perguntando sério, minhas chances com a Cecy estão em jogo.
— Zero vezes zero é zero — Ironizou Lilith com desdém, fazendo Hamish rir e Randall fazer caretas com o desprezo. — Sciocco, vocês nunca vão acontecer. Ela te vê como um irmão mais novo idiota.
— Há! Há! — Randall cruzou os braços na frente do corpo — Foi ela que te disse isso?
Da mesma maneira que havia feito durante a pergunta relacionada ao plano repaginado do Randall em utilizar Cecília como isca para se tornar uma futura acólita, Lilith trocou olhares sarcásticos com Hamish, preferindo o silêncio ao invés de responder a pergunta do amigo.
— Ela disse? — Insistiu Randall relaxando os braços e olhando indignado da Lilith para o Hamish.
— Bom, vou dormir. Amanhã tenho que estar cedo na universidade, devemos fazer o mesmo — Disse Hamish desconversando para a infelicidade do moreno.
— Também vou dormir, estava tendo um sonho bom antes de vocês me acordarem — Disse Lilith espreguiçando o corpo depois de levantar do sofá.
— Vocês são os piores amigos que uma pessoa pode ter — Reclamou Randall assistindo os companheiros se afastarem, o deixando sozinho na sala vazia e mal iluminada.
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