𝗔𝗿𝗿𝗼𝗴𝗮̂𝗻𝗰𝗶𝗮
Então, quer dizer que Kiyoko Shimizu estava morta? A única coisa que eu poderia dizer nesse momento, se Deus me perdoasse, era até que enfim isso aconteceu.
Naquele momento, parecia ter um peso morto, literalmente, sendo tirado de mim e eu só podia me sentir extasiado com aquilo. Minha expressão estava fechada, séria que nem eu ficava em minhas aulas, deixando os alunos recuados, mas infelizmente isso nunca tinha funcionado com Shimizu, esse deveria ser um dos motivos por que eu, Ushijima Wakatoshi, comecei a desgostar tanto dela.
Talvez tenha sido o desgosto tão claro por Kiyoko que tenha me botado nessa situação, vendo os demais convidados irem embora diante dos meus olhos, enquanto eu ficava para trás com a palavra 'suspeito' pairando sobre mim.
Cheguei a pensar, por algum tempo, enquanto não chegava a minha vez de ser interrogado, se de alguma forma não tinha sido eu mesmo que botou um fim naquela vadia. Como no clássico literário 'O Médico e o Monstro', talvez tenha deixado a faceta do Dr. Jekyll para trás, o lado bondoso e são, e deixado inconscientemente o Mr. Hyde entrar para dentro de mim e feito tamanha maldade que somente alguém obscuro pudesse fazer.
Esse pensamento quase me fez sorrir ali, eu teria encontrado uma certa satisfação em fazer aquilo, mesmo sem sequer me lembrar do ato, porém uma outra vez tive que conter o sentimento de felicidade.
Estava em uma cadeira, em frente a um detetive prestes a interrogar a mim, qualquer brecha poderia me incriminar e apesar de estar satisfeito com esse crime, que até onde eu sei não foi cometido pelas minhas mãos, não poderia demonstrar isso de forma alguma. Se eu deixasse significaria fim de jogo para mim.
Eu e o detetive, Akaashi se me lembro bem, estávamos diante de um tabuleiro imaginário de xadrez, onde em apenas um movimento errado eu poderia perder a rainha e assim deixar o meu rei completamente exposto, para o detetive explorar a brecha aberta como bem entendesse. Esse rei simbolizava algo dentro de mim, uma coisa que não poderia ser descoberto pelo o homem à minha frente, se descobrisse seria um xeque-mate.
ㅡ Eu sou só um professor, me lembre o que estou fazendo aqui mesmo? ㅡ Foi o que eu falei, tentando elaborar um mapa mental do que exatamente estava acontecendo em toda a situação.
Tentava pensar qual motivo, em especial, me fazia permanecer sentado nessa cadeira. Eu tinha um bom advogado, poderia ligar para ele e dizer que viesse até aqui na mansão me representar, ficar calado é resguardo até a sua chegada. Porém, a verdade é que eu me sentia desafiado naquele interrogatório e nunca fui de fugir de um desafio tentador.
ㅡ Todos são suspeitos, o senhor não é diferente ㅡ a expressão do detetive não mudou nem por um segundo, seria difícil sair dessa intacto.
Eu não concordava com a sua fala, presenciei uma certa discussão e poderia dizer com veemência: existem pessoas piores para ele se preocupar. Não era eu apenas um professor? Pelo menos, é assim que eu tinha de fazer parecer, guardar todo o ódio e rancor dentro de mim.
ㅡ Bem, só via a vítima, que Deus a tenha, poucos dias da semana e em poucas horas, um dever meu como um professor ㅡ cruzei as pernas, tomando uma pose cada vez mais séria. ㅡ Uma obrigação, não consigo me ver como um suspeito.
Aquele jogo começou suave, apenas movemos os nossos peões lentamente, como uma dança despretensiosa a qual nem ligamos. Mesmo que a verdade esteja escondida em nossa mente, bolando diversas estratégias para sair como o vencedor.
Mas foi quando a postura dele se ajeitou, se tornando reta e invejável é que eu percebi que tínhamos, de fato, iniciado o jogo. O detetive estava prestes a fazer sua primeira jogada ofensiva contra mim.
ㅡ O senhor diria que têm lapsos de memórias? ㅡ Um questionamento a queima-roupa, nem sobrando tempo sequer para respirar e aliviar o pouco da ansiedade que começava a surgir.
A pergunta foi certeira atingindo um lugar doloroso dentro de mim, aquilo não passava da mais pura verdade, mas como o detetive pôde descobrir em tão pouco tempo? Somente o meu psicólogo sabia dessa exata informação, algo que me perseguia desde pequeno. Às vezes, me via dormindo na cama e acordando no quintal da casa, de repente estava escovando os dentes e no outro segundo já estava na terceira aula do meu dia. Aquelas perdas de memórias não pareciam ter uma explicação lógica, talvez um gatilho ativasse tudo aquilo e eu permanecesse em uma inércia, protegido pela minha própria mente para não ter que sofrer.
A situação apenas parecia piorar em minha mente ao lembrar que um dos meus alunos tinha estado nessa sala antes de mim.
Isso definitivamente me assustou, agora eu só conseguia pensar se o detetive sabia disso, ele também poderia saber da outra coisa? Me sentia como uma raposa que tinha acabado de ser encurralada pelo seu caçador, mas não deixaria a situação me dominar e deixar toda a astúcia que possuo de lado.
Entretanto, eu não podia negar que tinha perdido a minha rainha, agora as torres teriam que dar conta do recado. Mas o meu rei . . . definitivamente estava em xeque.
ㅡ O silêncio me diz que sim ㅡ a voz dele me chamou a atenção outra vez. ㅡ Quer me dizer mais sobre a sua relação com a vítima?
ㅡ Já informei ser apenas o professor, nada além disso.
ㅡ O senhor teria algum problema com ela? ㅡ O famoso jogo de perguntas em um interrogatório, isso quase me fazia revirar os olhos com o tédio.
ㅡ Não vejo motivos para isso ㅡ menti com o maior fingimento que conseguia, queria ter um daqueles lapsos de memórias agora, sabia que o meu outro lado saberia lidar melhor com isso do que eu mesmo.
ㅡ E como vai a sua tese, professor?
Foi inevitável a forma que a minha mandíbula travou, como se fosse um instinto dentro de mim e a minha cabeça começou a perder o sentido, a visão ficando turva, enquanto a mente começava a se nublar. A minha memória viajou para alguns dias atrás, eu estava no meu escritório na faculdade, aquele não era apenas um dia normal e sim um bastante especial para mim.
Não tinha como eu estar menos feliz naquele momento, minha tese tinha sido publicada há uma semana e estava sendo aclamada pelos leitores, esse foi um grande marco na minha carreira e isso era inegável. Uma xícara de café estava em minhas mãos, enquanto eu estava sentado na cadeira, olhando através das lentes do meu óculos para a paisagem cinzenta do lado de fora, aquele seria um dia nublado, aparentemente, e eu gostava desse tipo de clima.
O telefone começou a tocar, um som estridente que fazia a minha cabeça doer, mas aquilo sempre fez com que eu apenas atendesse mais rápido as ligações. Não foi diferente daquela vez, quando botei o telefone contra a minha orelha e saudei a pessoa do outro lado da linha.
ㅡ Senhor Ushijima ㅡ eu conhecia aquela voz muito bem, era do redator que tinha aceitado publicar a minha tese. ㅡ Temos um assunto para ser discutido. ㅡ A seriedade em sua voz, fez as minhas sobrancelhas se franziram.
ㅡ Aconteceu algum problema?
ㅡ Achei que tinha deixado claro o quanto o nosso jornal era sério ㅡ a voz carregava repreensão, isso apenas me deixava confuso.
ㅡ Nunca duvidei disso. Mas não estou entendendo onde quer chegar com isso, senhor ㅡ tentei buscar algumas resposta para o turbilhão de perguntas que começavam a surgir em minha mente.
ㅡ Se fazer de desentetido não é o seu tipo, professor ㅡ tentei falar algo, mas rapidamente fui interrompido. ㅡ Imagina a minha surpresa quando vieram apontar os diversos erros em sua tese. Ainda mais, vindo de uma aluna sua, no fim acho que o senhor deveria ser o aluno e não o professor.
Humilhado. Foi assim que me senti após ouvir aquelas palavras, eu tinha revisado a tese palavra por palavra, linha por linha e parágrafo por parágrafo, não tinha como estar errado. Definitivamente, aquele foi o trabalho da minha vida, eu não podia ter errado, aquilo não chegava nem a ser uma possibilidade.
ㅡ Quem? ㅡ Foi a única coisa que conseguiu sair dos meus lábios, ansiando pela resposta.
ㅡ Isso é realmente relevante?
ㅡ Quem?! ㅡ esbravejei outra vez, batendo com o punho contra a superfície da mesa de madeira.
ㅡ Kiyoko Shimizu, senhor.
Ignorei a voz com medo, aquela era aúnica resposta que precisava no momento e foi como um apagão, e a próxima coisa da qual me lembro é de estar no corredor, segurando a bendita pelo pescoço, enquanto ainda podia sentir a raiva pulsar por dentro de mim. O meu primeiro instinto foi soltar Kiyoko enquanto a observava correr pelo corredor vazio, mas algo dentro de mim gostou daquilo e queria ter continuado o que o lado obscuro tinha começado.
A forma que as coisas acontecem chega a ser engraçada, assim pensei comigo mesmo, olhei para o copo de vidro, onde antes tinha água, estraçalhado no chão. Aquilo me fez perceber que eu não estava mais dentro da minha própria lembrança e sim apenas vislumbrando o meu presente. Eu não sabia o que tinha feito e muito menos o que eu disse, mas quando olhei para o detetive a minha frente percebi em seu olhar, quaisquer chances que antes eu tinha de me livrar do cargo de suspeito agora tinham ido embora.
ㅡ Acho que isso é tudo ㅡ o detetive disse a mim, mas eu estava atordoado demais para retrucar qualquer outra coisa.
Eu havia perdido aquele jogo.
Xeque-mate.
Um outro lapso de memória violento foi o que aconteceu, bastou apenas alguns minutos sendo refém de mim mesmo, para me colocar como o suspeito número um.
Todos no fim tinham um Mr. Hyde dentro de si e o meu, bom, parecia ser o pior entre a multidão de outros.
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