10. Vivendo como renegados.





          — Onde está meu irmão? — A voz de Jules reverbera agressivamente quando ela perfura o diretor com seu olhar mais afiado.

— Senhorita Fawley, precisa entender que o comportamento de Nolan...

— Corte essa porcaria! — Jules praticamente rosna essas palavras, um brilho ameaçador cruzando seu rosto bonito. — Eu sei muito bem o que está acontecendo aqui, senhor. — O homem não pode deixar de se encolher para a forma como ela disse aquilo, com tanto desprezo e nojo. — Um garoto mais velho intimidou meu irmão repetidas vezes, e ele fez exatamente o que lhe foi recomendado, procurou um adulto, procurou você. Você sabia que meu irmão foi provocado, ofendido e humilhado, enfiado em um armário, e trancado em um ônibus durante uma excursão, e tudo o que fez foi dizer pra ele relevar a situação! — Enumerando cada caso, Jules não deixa de se culpar silenciosamente por deixar tudo isso acontecer bem embaixo do seu nariz.

Nemo nunca lhe disse nada, uma única palavra. Ele tentou lidar com a situação, escondeu isso dela, porque achou que poderia resolver sozinho. Ela não sabe porquê ele fez o que fez, mas seu coração se quebra um pouquinho mais cada vez que pensa em seu garoto passando por tudo isso.

— Tentamos ensinar os garotos a lidarem com coisas como a intimação de maneira madura, conversando e fazendo as pazes. — Inesperadamente, o homem ainda tentou algum tipo de justificativa à seu favor. Jules riu secamente. — O outro garoto tem tantos problemas em casa...

— Está me dizendo que relevou o bullying ao meu irmão, porque o outro garoto tem problemas pessoais? — Jules se inclinou suavemente para frente, suas unhas pintadas de azul-turquesa cravando na madeira dos braços da cadeira. Ela parecia prestes a pular sobre a mesa, com aquelas mesmas unhas enfiadas no rosto dele. — Essa escola tem todos os recursos para cuidar desse caso. Poderiam apoiar o Nolan e dar suporte emocional e psicológico ao outro garoto. Eu pago isso aqui, e pago caro, senhor, por tudo o que vocês tem no maldito currículo. A porcaria de uma equipe inteira de pedagogos, psicólogos infantis e terapeutas ocupacionais, e está me dizendo que deixar uma criança sofrer bullying era a melhor maneira de lidar com os traumas e bloqueios de outra criança?

O homem teve o pressentimento de que qualquer coisa que viesse a dizer seria a resposta errada. Então, espertamente, ele fechou a boca, apertando os lábios enquanto se inclinava para trás em sua cadeira, esperando que isso colocasse a maior distância possível entre si mesmo e a mulher furiosa.

— Não pense, nem por um minuto, que isso acaba aqui, senhor. — Ela disse, baixo e lentamente, uma promessa fria. — Eu vou ficar feliz em divulgar pra quem quiser ouvir o tipo de tratamento que uma escola tão cara e renomada como essa tem a oferecer. E acredite em mim, eu gosto muito de falar. — Empalidecendo, ele teve a decência de parecer assustado e envergonhado. — Voltarei amanhã pra buscar o histórico escolar e a transferência de Nolan. Agora chame meu irmão pra que eu possa tirar ele desse inferno de lugar.

E assim foi feito, nem cinco minutos se passando até que Jules estivesse saindo do escritório para encontrar seu irmão na sala de espera. Nolan tinha suas mãos enfiadas nos bolsos do casaco e os ombros encolhidos, os cachos negros caiam na frente de seus olhos e, mesmo à distância, ela podia ver um rastro de lágrimas em seu rosto, e o nariz vermelho provando o quanto ele já havia chorado.

Julieta poderia ter socado o queixo do diretor nesse exato momento, mas não estava disposta a lidar com um processo de agressão. Então ela apenas se adiantou na direção de Nemo, pegando sua mão com um aperto suave, e puxando-o através dos corredores. Por todo o caminho, nenhum deles disse uma palavra, embora Julieta tenha praguejado mentalmente alguns palavrões bem criativos.

Era certo que ela sempre fora muito dócil em um aspecto geral, poucas coisas lhe tirando seu comportamento afável e gentil. Aquele pequeno espaço de fúria e agressividade não era um lugar onde ela caía com frequência.

Exceto quando se tratava de Nolan e sua mãe e, mais recentemente, de James Barnes.

Quando se tratava de qualquer um deles, Jules percebeu que seu lugar habitual era aquele onde ela rosnava e mostrava os dentes para qualquer um que ousasse um olhar torto. Essa era a única forma que ela conhecia para lidar com a raiva cega que corria em suas veias cada vez que algo apenas ameaçava uma dessas três pessoas.

Nesse caso, não havia espaço para diálogo, e talvez fosse melhor deixar objetos afiados bem longe dela.

— Jujuba, você está brava? — Foi a voz quebrada de Nolan que lhe puxou do lugar sombrio para onde ela deixou sua mente vagar. Imediatamente, Jules congelou seus passos, no meio do estacionamento, sua mão ainda firmemente agarrada à do garoto, e se virou para enfrentá-lo.

— O quê? — Ela ofegou, seu coração se partindo quando Nolan não levantou o olhar para encará-la de volta. Então, ela entendeu que sua fúria silenciosa deu ao irmão a impressão errônea de que ela estava assim por causa dele. — Oh, Nemo. — Jules respirou, suavizando em todos os sentidos, sua mão livre subindo para segurar o rosto do menino. — Não é com você que estou brava.

Ele, finalmente, ergueu o rosto, lágrimas se acumulando novamente em seus olhos castanhos.

— Verdade?

Jules suspirou, seu polegar escovando uma lágrima que escorreu na bochecha de Nolan, sentindo que poderia chorar com ele. Mas isso poderia ficar para depois, agora sua prioridade era provar que ele não era o problema, e nunca seria.

— Como eu poderia ficar brava com o meu peixinho? — Ela brincou, tocando a ponta do nariz dele com o indicador. Nolan esboçou um meio sorriso. — Você não fez nada de errado, Nemo.

— Eu machuquei o Tucker. — Ele retrucou. Jules sacudiu a cabeça, imaginando que esse deveria ser o nome do outro garoto.

— Você se defendeu de um agressor. — Jules corrigiu, resoluta. — Antes de qualquer coisa, você tentou lidar com a situação da maneira mais adulta. E, quando não foi mais possível, você o parou, impediu que ele continuasse te machucando. Admitir o que fez foi ainda mais maduro. — Ela sorriu para ele, apenas um sorriso de canto, orgulhosa, mas contida. — Seu único erro foi não ter me procurado antes.

— Não queria te preocupar. — Nemo murmura, encolhendo os ombros. — Achei que com o tempo ele fosse parar.

— Nemo, eu sempre vou me preocupar com você, e independente disso você precisa me procurar quando algo te machucar. — Ela argumenta incisivamente. — Um valentão na escola é apenas uma coisa, e muitas outras podem acontecer enquanto você estiver crescendo. Então promete que vai me contar quando qualquer coisa estiver errada?

Nemo assentiu, meio incerto, e recebeu um levantar de sobrancelhas em resposta. Então, suspirando, ele afirmou:

— Eu prometo.

— De dedinho? — Jules lhe estendeu seu mindinho, e Nemo sorriu abertamente agora, entrelaçando seu dedo ao dela. — Perfeito. — Ela reflete seu sorriso brilhante, seu rosto novamente iluminado com aquele brilho amável.

Quem dera Jules pudesse dizer que as surpresas desse dia tivessem acabado por ali. No caminho para casa, Nolan finalmente reuniu coragem para contar à sua irmã sobre outra coisa que esteve lhe incomodando nos últimos dias.

— Ei, Jujuba.

— Sim?

— Sou um mutante como você.

Jules só pode agradecer por ser uma motorista habilidosa, pois foi apenas isso que a impediu de perder o controle do carro.

Aquela foi uma semana interessante para todos eles, que não apenas enfrentaram judicialmente a antiga escola de Nolan por negligência, como também aprenderam sobre as recém-descobertas habilidades do menino. No Instituto, Hank oficialmente confirmou a manifestação do gene 'X' em Nemo.

Aparentemente, Agnes realmente carregou o gene, apesar de nunca ter manifestado. Jules aprendeu que o destino é mesmo uma vaca. Andrew Collins a desprezou por tantos anos por sua mutação, e agora o filho dele estava prestes a embarcar na mesma jornada de autoconhecimento que ela fizera anos atrás.

A mutação de Nemo foi um pouco menos expressiva que a de Julieta. Ele conhecia a mutação de sua irmã, então quando seus próprios eventos estranhos começaram, ele não se apavorou. Algumas mutações são desencadeadas por fortes emoções que causam avalanches químicas poderosas, então ele sabia que se desesperar apenas pioraria tudo.

As habilidades de Nolan se revelaram pouco a pouco, como as informações estranhamente aleatórias que ele parecia adquirir simplesmente do nada, o conhecimento sobre coisas das quais ele nunca tinha ouvido falar antes, e lembranças que ele nem sabia que tinha.

Xavier lhe explicou que ele apenas estava recebendo informações de maneiras diferentes, não naturais. Enquanto a maioria das pessoas precisa procurar por informações, ou perde boa parte de suas memórias mais antigas, Nolan pode simplesmente alcançar e absorver conhecimento, mesmo sem intenção, e suas lembranças nunca estão fora de alcance. Era chamado de Percepção Extrassensorial.

No fim daquele mês, Nolan estava inscrito no Instituto Xavier, dividindo quarto com um menino que podia levitar todos os seus móveis, e definitivamente muito mais feliz do que já esteve em sua antiga escola.

Ele estava feliz em ser como sua irmã. Ele não percebia ainda o quê realmente significava ser um mutante. Mas Jules sabia, é claro, que à partir daquele momento Nolan era como todos eles, um renegado.


✦ . ・゚ .


Essa não é uma atividade muito saudável, Jules sabe disso e continua repetindo para si mesma. Mas é meio impossível deixar ir agora.

Olhando para os arquivos Hydra impressos e espalhados ao seu redor no tapete do quarto, todos os inúmeros post-its coloridos brilhando à vista, Jules sabe que deveria deixar isso pra lá, que quanto mais longe ela vai, mais difícil se torna sair desse emaranhado. E chame isso de um senso de justiça irrefreável pelos horrores que sua alma gêmea viveu nas mãos daquelas pessoas, mas Julieta simplesmente não consegue esquecer o assunto.

De acordo com o que ela conseguiu até agora, Hydra e Shield praticamente se fundiram um ao outro décadas atrás, logo após a segunda ser fundada. Foi como se a ameaça Hydra fosse eliminada apenas para ser inserida dentro da própria Shield, como um parasita, uma infecção. Claramente, a infecção se alastrou incontrolavelmente, porque nem metade da Shield permaneceu intocada pelos ideais da organização facista.

Após a Segunda Guerra, a Operação Clipe de Papel recrutou mais de mil cientistas e engenheiros da Hydra para o que se tornaria Shield, em um esforço para fortalecer as defesas dos Estados Unidos. O mais notável entre eles foi Arnim Zola, que se tornou um dos principais cientistas na pesquisa Tesseract. Com tanto controle sobre a pesquisa de armas da Shield, Zola foi capaz de salvar lentamente a Hydra da obscuridade e silenciosamente tecer uma teia de agentes duplos que operariam de dentro da Shield para as gerações futuras.

Um desses agentes duplos passou a liderar a Shield: Alexander Pierce. Ele eventualmente nomeou Nicholas Fury como Diretor da Shield, usando-o como bode expiatório para decisões das quais Fury nem mesmo estava ciente. Pierce também tinha controle direto sobre o Soldado Invernal, que fora criado por experimentos realizados em James Barnes por Arnim Zola.

Jules fez sua lição de casa.

E ela só pode pensar que Zola e Pierce devem agradecer por já estarem mortos, pois não existem palavras para descrever o que ela faria se algum dia os encontrasse.

Alguns outros não deram a mesma sorte. Ela tem em mãos uma pilha generosa de arquivos sobre pessoas diretamente ligadas ao programa Soldado Invernal, a maioria sendo procurada, investigada ou acusada à essa altura. Muitos deles iriam pra prisão, se não morressem resistindo.

Ninguém tem dúvidas de que os mais valiosos receberão uma segunda chance, uma condicional ou algo do tipo. Deus sabe que os americanos adoram ter controle sobre tudo e todos.

Honestamente, Julieta tem preocupações maiores nesse momento do que o ego dos estado-unidenses.

Nas semanas que sucederam a visita aos seus avós, sua atitude de resgatar os arquivos Shield lançados na internet foi parcialmente impulsiva. Ela não estava planejando ir tão fundo. Mas então Nolan foi para o Instituto, sua mãe pegou muito mais plantões no hospital, e ela recebeu suas duas semanas de férias semestrais.

Alguém já lhe disse uma vez que ociosidade tende a ser um perigo para pessoas hiperativas.

Ela meio que concorda agora.

Descriptografar todos eles levou um pouco mais de tempo do que ela teria adivinhado, ou desejado. Eram muitos. Mesmo assim, Jules sabe que poucas pessoas no mundo conseguiram ao menos metade do que ela fez.

Bem, ela imagina que nem todos eles fossem um X-Men aposentado. Agora ela sente que pode culpar seu treinamento pelos próximos pensamentos paranóicos que entraram.

A influência da Hydra nas últimas décadas foi muito além da Shield e seus agentes. Eles moldaram o século à sua vontade, manipulando os dois lados do tabuleiro para fazer parecer que haviam heróis e vilões, os bons e os maus, quando a verdade é que, àquela altura, eram uma coisa só.

Jules já viu isso antes, e ela sabe que esses arquivos não cobrem nem metade do que a Hydra tem feito. Cientistas, engenheiros e espiões podem ser só a ponta do iceberg.

Parlamentares, talvez? Senadores, Governadores, Deputados, até o Presidente? Líderes religiosos, empresários, executivos, cada pessoa que pode ter sido influenciada por um discurso convincente, uma promessa de ser parte indispensável dessa nova ordem, ou apenas proteção, a garantia de que não seriam tocados.

Pensar no Projeto Insight, e nos porta-aviões que por um momento estiveram prestes a eliminar milhões de pessoas de uma única vez, causa um embrulho no estômago de Jules.

A infecção Hydra se espalhou muito além da Shield. Pode ser impossível reverter os efeitos.

E então, Jules pensa em James outra vez, tendo lido ao menos quatro vezes os arquivos do programa Soldado Invernal, e agora plenamente consciente do quão longe eles foram com o homem. Ainda assim, ela tem certeza que seu conhecimento teórico não chega nem mesmo perto do horror real que Barnes vivenciou.

Um vislumbre da sala de criogenia atravessa seus olhos por um momento, e ela joga os arquivos para o lado como se esses tivessem lhe ofendido pessoalmente. Seu estômago embrulha e ela decide que precisa parar por hoje, antes que vá longe demais e seu sono seja outra vez assombrado pelas lembranças do incidente de seus vinte e quatro anos.

Desviando da bagunça em seu tapete, Jules se levanta e caminha para fora do quarto, ajustando as mangas do cardigan de lã para cobrir seus braços da brisa fria entrando pelas janelas. Ela se sente sobrecarregada com seus próprios pensamentos e paranóias, e não quer mais do que uma xícara de café e uma soneca.

Contraditório, não?

A cafeína nunca funcionou muito bem pra Julieta. Foi o mesmo que uma xícara de chá de camomila. O que, nesse momento, não parece ser tão ruim também.

Jules está prestes a entrar na cozinha quando o som da campainha a faz parar em seus rastros. Por um momento, ela gira nos calcanhares e franze o cenho, pensando em quem poderia ser à essa hora de uma segunda-feira.

E então, a percepção de que dia era hoje. Vinte e quatro dias exatos desde a entrega do último buquê de flores. Há um leve salto em seus passos quando ela volta a andar, dessa vez em direção à porta da frente.

Normalmente, Jules confere pelo olho-mágico antes de abrir a porta. Mas não havia necessidade quando ela já sabia exatamente o quê esperar do outro lado. Girando a maçaneta, ela abre a porta para ficar cara a cara com o já familiar entregador da floricultura.

Não há entregador. No lugar dele há um outro rosto muito familiar olhando para Jules.

— Charles?

Fitando o sorriso apologético no rosto de Charles, Jules teve a sensação de que suas férias estavam prestes a se tornar bastante interessantes.

Ah, cara...




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