08. E quando as estações mudarem.
Julieta estava nos Estados Unidos desde os sete anos. Logo depois da morte de Rowan, sua mãe a levou para morarem mais perto dos avôs paternos, a última família de sangue que restava. Os parentes de Agnes eram muito distantes, mesmo seu irmão acabou não aparecendo mais que uma vez por ano antes, hoje em dia nem isso. Foram apenas as duas por longos dois anos, até que Agnes achou ter encontrado o amor de novo.
Nunca um amor como Rowan. Não. Aquele espaço vazio na alma dela jamais seria preenchido novamente. Mas ela pensou que seu coração merecia uma segunda chance.
Que engano. A única boa resultante daquele relacionamento, foi Nolan.
Jules se lembra com perfeição de como foi conhecê-lo pela primeira vez. Quando ela finalmente se sentiu pronta para deixar a Mansão X, três anos depois de chegar lá, e passar um feriado com sua família, Nemo estava no colo de sua mãe, esperando nos portões. E foi como olhar as estrelas. Julieta nunca achou que amar pudesse ser tão sufocante, não até que o bebê de poucos meses fosse para seus braços e suas mãos pequenas e fofas se apertassem na blusa que ela usava.
Não importava que ele tivesse os olhos do pai, ou que carregaria o sobrenome dele, Julieta amaria aquele menino com todas as forças, e dedicaria tudo o que tinha a torná-lo um ser humano muito melhor do que o sangue que ele carregava. Afinal, metade dele também era uma metade que Jules carregava.
Ela esteve fora durante toda a gravidez, praticamente isolada do mundo, sua mente soterrada em auto-aversão e remorso, perdida em seus esforços para entender e lidar com sua mutação. Mas ali, quando ele se abraçou a ela como se fosse o melhor lugar para estar, quando dormiu por todo o caminho de volta e só acordou quando ela o deitou no berço, Jules percebeu que todo o tempo e distância não fizeram diferença.
Nemo esperava por ela, sua irmã, sem nem mesmo saber quem ela era. Ele nasceu, cresceu e esperou, até que ela estivesse pronta para alcançá-lo, até que se sentisse confortável para ficar.
E agora, com sua alma-gêmea sendo quem é, e com Julieta sabendo o quê sabe, ela se sente profundamente grata por ter aprendido antes esse tipo de paciência e altruísmo, por ter vivido o outro lado disso. Porque ela entende com facilidade a necessidade em correr na direção oposta e em se esconder, a tendência destrutiva de se punir por algo que não estava em seu controle. Ela o fez antes, e sabe que James está fazendo agora.
E enquanto tudo o que ela quer e correr até ele, abraçar seu corpo ferido e sussurrar para sua mente quebrada que tudo ficaria bem, ela sabe que isso nunca ajudaria. Jules quer segurar James contra ela, quer prometer que nada, nada, vai machucá-lo sem passar por ela antes, e ela quer cumprir essa promessa. Por Deus, o mundo inteiro queimaria antes que qualquer coisa pudesse machucar aquele homem de novo.
Isso é tudo o que ela quer. Mas é tudo o que ela não pode fazer. Ainda não.
James, a mente confusa, o corpo perdido em um tempo que não é o seu, precisava de tudo, merecia tudo, exceto ficar preso de novo. E se isso significava que Jules precisava soltar aquele laço até perdê-lo de vista, ela o faria.
Faria, e ficaria de bom grado ali, esperando, ansiando pelo dia em que ele surgiria no horizonte, o dia em que ele estaria pronto para ficar. Nesse dia, ela voltaria a segurar o laço com toda a força.
Mesmo que leve a vida toda, Jules ficaria feliz se James também pudesse encontrar esse sentimento em algum lugar, de alguma forma.
Então, ela pega o que pode no momento, e tenta concentrar toda sua existência em seguir em frente, continuar vivendo enquanto James vive, enquanto ele descobre como é viver de novo.
É o certo, ela repete diariamente, convencendo a si mesma que precisa manter aquela distância entre os dois, para o bem dele.
— Você não se esqueceu da noite do karaokê, certo? — É o questionamento de Chloe que a puxa para fora de suas divagações barulhentas e torturantes. Jules desvia os olhos das verduras na tábua de corte, só então percebendo a força excessiva aplicada em seu aperto no cabo da faca. Ela coça a garganta, afrouxando os dedos.
— Não mesmo. — Responde com brandura, um pequeno sorriso enérgico surgindo em seu rosto. — Eu ainda preciso irritar Robin com meu repertório de músicas antigas e bregas.
Chloe sorriu e riu, gesticulando com a faca de pão, apenas para adicionar um pouco de drama em sua declaração:
— E lá vai ela cantar Abba até que nossos ouvidos doam.
Jules a olhou imediatamente, falsa ofensa sombreando todo seu rosto.
— Você disse que adorava Abba. — Ela retrucou, apontando um dedo acusatório.
— Eu diria qualquer coisa, você é minha chefe.
Bufando, Jules se virou se volta para seu trabalho, ouvindo Chloe rir do outro lado da cozinha. Ela sabia que não era genuíno. Dificilmente qualquer um naquela cozinha a bajularia e, e fizessem, aquilo nem mesmo chegaria perto de aquecê-la.
Talvez por isso sua relação era tão límpida e estável, a honestidade que não se davam ao trabalho de mascarar, o respeito mútuo e a afeição que despendiam nos momentos certos. Um bom exemplo era a noite de karaokê, uma vez por mês, que se tornou um hábito há mais de um ano.
Will frequentemente levava sua esposa, quando Tessa conseguia conciliar com seus turnos no hospital veterinário, e Jules simplesmente amava quando isso acontecia. Tessa era uma mulher muito divertida, com um senso de humor afiado e uma tendência a envergonhar seu marido com suas escolhas sugestivas de músicas.
Logan e Chloe eram cantores horríveis, mas eles nunca diriam não para a bebida. Inegavelmente, o álcool tornava suas músicas cantadas em dupla ainda piores e mais engraçadas. Logan também se aventurava em dancinhas ridículas enquanto cantava, e Chloe quase nunca conseguia terminar as letras, porque estava ocupada se acabando de rir.
Robin não era um cantor medíocre, e suas escolhas nunca decepcionavam. Jules se lembra de ter entrado em estado de frenesim quando ele performou Toxic no mês anterior. Se ela gritou e aplaudiu a cada passo, perfeitamente coreografado, isso já é outra história.
Mas é claro que nenhum deles perdoaria o fato de que Julieta, absolutamente a melhor cantora entre todos eles, surpreendentemente afinada e envolvente, resgatava uma música mais antiga que a outra, noite após noite. Ela parecia empenhada em fazer cada um no bar se sentir completamente velho cada vez que percebiam conhecer todas as letras. Como quando ela cantou Dancing Queen no aniversário de Tessa.
Ela não podia evitar, uma parte de sua alma era extremamente velha.
— Estou brincando, Jules. — Chloe falou suavemente. — Adoro suas músicas ultrapassadas, elas me levam em uma viagem de nostalgia.
Jules sorriu, olhando sobre o ombro.
— Você soa como meu avô quando fala assim. — Ela zomba com um pouco de diversão perversa.
— Eu te odeio. — Chloe bufa. — Sério, você é uma pedra no meu sapato.
Rindo, Julieta balança a cabeça, habilmente girando a faca entre os dedos antes de deslizá-la no faqueiro. Ela se vira secando as mãos em um pano de prato, e se apoia com o quadril contra a mesa de aço inoxidável.
— Vamos lá, você sabe que isso é o que mais gosta em mim. — Ela pisca para a outra mulher, que aperta os lábios em falso desgosto.
— Seu desaforo? — Sugere.
— Meu charme. — Jules corrige com uma piscadela atrevida.
— Você é um porre.
Jules não consegue evitar, ela gargalha do fundo de seu peito, jogando a cabeça para trás e apertando os olhos, ouvindo Chloe resmungar sobre seu descaramento óbvio.
✦ . ・゚ .
— Nemo, recolha essa bagunça porque eu preciso pôr a mesa do jantar. — Agnes grita na base da escada, e a resposta de Nolan vem quase um segundo depois, um abafado "estou indo" antes de um ruído de seus passos no andar de cima.
Jules riu, fechando a porta atrás de seu corpo e deslizando o casaco para fora dos ombros enquanto faz seu caminho para a sala.
— Boa noite. — Ela cantarolou, se inclinando para beijar a bochecha da mãe quando passa por ela.
— Oi, querida. — Responde a mais velha, jogando o pano de prato sobre o ombro. — Vai tomar banho antes do jantar?
Jules resmunga, alcançando uma uva na fruteira, sem cessar seus passos, e coloca a fruta na boca.
— Pode ser. — Ela responde, antes de mastigar e engolir. — Que bagunça é essa? — Gesticula apontando para a mesa na sala de jantar, a madeira rústica e polida agora coberta por pequenas peças e restos do que um dia parece ter sido uma torradeira.
— Seu irmão comprou essa coisa em um bazar de garagem e agora está desmontando pra fazer uma arma de batatas. — Explicou Agnes com um suspiro cansado. Jules riu, de verdade, cutucando algumas peças.
— Esse garoto é uma figura. — Ela diz entre risos.
— Que bom que pensa assim. — Sua mãe sorriu cinicamente, passando por ela para entrar na cozinha. — Porque ele queria desmontar seu despertador também.
Jules arqueou as sobrancelhas.
— Ele não tem um despertador? — A resposta não foi nada além de um resmungo vindo de sua mãe, que parecia absolutamente resignada aos esquemas de Nolan.
Jules apenas balançou a cabeça, fazendo uma nota mental para pedir que o irmão fique longe de suas coisas. Ela entra na cozinha, mastigando outra uva, e o cheiro de assado impregna em suas narinas, que se dilatam para respirar mais fundo. Só agora ela percebe o quanto está com fome, tendo pulado o jantar no trabalho porque estava ocupada formulando e escrevendo o novo cardápio.
Mas não é só o cheiro de peixe assado e batatas que chama sua atenção, e sim o buquê de flores coloridas e perfumadas sobre a ilha de pedra. Ela sente sua mandíbula frouxa na visão.
— Que lindas. — Deixa escapar enquanto se aproxima para observá-las melhor dentro do vaso de vidro.
— Gostou? — Agnes pergunta, seu olhar cheio do mais puro reconhecimento e curiosidade. — Chegaram pra você.
Jules ergue a cabeça em um estalo, seus olhos procurando por qualquer sinal de engano ou exagero em sua mãe. Não há nada além de expectativa e curiosidade.
— Tem um cartão. — Ela aponta, e Jules deixa seu olhar cair entre as flores, pairando sobre um cartão de papel amarelado preso na fita que amarra os caules.
Ela o pega entre os dedos, analisando a pequena legenda que descreve os significados de cada flor no buquê. Campânulas roxas são um sinal de gratidão, muitas vezes significando um "muito obrigado"; Anêmonas indicam a intenção de dar o primeiro passo em direção ao outro; Violetas brancas podem significar que uma promessa está sendo feita. Jules suspira, e seus lábios tremem quando ela observa o contraste suave de branco, rosa e roxo nas flores.
Quando abre o cartão, finalmente, entende perfeitamente tudo o que aquele gesto significa para ela, para eles.
Até algum dia, boneca.
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