━━ 00. Prólogo.
Julieta Anne Fawley nasceu em 17 de abril de 1990, na Irlanda, seu pai a chamou de Jules muito antes de colocar os olhos nela pela primeira vez. Ela não vai saber pronunciar 'Julieta' nos primeiros anos, ele argumentava. Eventualmente, foi assim que ela conheceu a si mesma, e foi como se apresentou a todos os outros também.
— Oi, eu sou Jules. — Deslizava facilmente em meio a um sorriso infantil de dentes faltando. Seu pai sempre ergueu um polegar em aprovação, sempre sorrindo de volta com excitação.
Rowan Fawley sempre foi um homem idealista, fantasista até. Ele a rega de histórias sobre o destino, o parentesco e amor a serem encontrados. Jules acha que seria impossível que ele não o fizesse, como um homem intrinsecamente preso no ideal de almas gêmeas, tendo encontrado e se casado com a sua, seguindo a tradição de seus pais e avós.
— Minha Jules, meu raio de sol, não há nada mais poderoso do que o encontro de duas almas. — Ele sussurra para ela todas as noites, fielmente, como uma história de ninar antes que ela durma.
Sua mãe, Agnes, uma profunda admiradora de William Shakespeare, usava o apelido da filha com muito menos frequência. Julieta, sua mãe dizia, é um nome suave, que traz a sensação de conforto e maciez. Talvez os nomes tivessem algum poder afinal, porque suas definições sempre refletiram a personalidade fácil e agradável de Jules.
— Julieta, eu levei sete meses para escolher seu nome, não o abrevie o tempo todo. — Agnes repetia, semanalmente, em uma exasperação carinhosa.
As semelhanças de Jules com sua mãe começavam e terminavam nos aspectos físicos; nos cachos caóticos em tons de amarelo que emolduravam seu rosto corado; olhos amendoados, cor de avelã, tão quentes e calorosos quanto uma tarde ensolarada; e o sorriso largo que enrugava os cantos dos olhos e iluminavam toda sua expressão.
Agnes era muito mais realista do que o marido, e Jules não se parecia com nenhum deles nesse aspecto. Ela os ama incondicionalmente, isso é um fato, mas não lhe animou totalmente estar posicionada em nenhum dos extremos entre o idealismo fantasioso de seu pai e o realismo amargo da mãe. No caso de Jules, sua fé em almas gêmeas nunca ultrapassou a percepção de que poderia nunca vir a encontrá-la, mesmo que desejasse de todo o coração.
— Você pode viver facilmente sem sua alma gêmea. — Afirmou Agnes, decidida a manter os pés de sua filha no chão.
Ela não estava errada. Foi a primeira em cinco gerações a encontrar sua alma gêmea, e isso permitiu que ela convivesse com muito mais casais comuns do que com aqueles ligados pelo destino.
— Mas você vai desejar não precisar. — Sussurrava Rowan todas as vezes, com um olhar afetuoso para sua esposa, nunca ofendido ou chocado com suas palavras.
Eles eram um contraste gritante, meio arrebatador também, mas que, surpreendentemente, funcionava. Por mais dura que Agnes pudesse ser, nunca ficou em dúvida o quanto ela amava Rowan, e Jules se pegou pensando, mais de uma vez, se almas gêmeas eram sempre opostos tão óbvios.
A alma gêmea de Jules devia ser tão quieta, reservada e tímida quanto o possível, se levasse em conta que eles seriam tão opostos quanto seus pais. Sua alma gêmea não sorria tanto, talvez não tão explicitamente, podia ser tão amigável e receptivo quanto um porco-espinho, e dificilmente devia falar mais do que poucas duas palavras a cada cinco minutos. Isso foi o mais longe que Jules chegou ao pensar em alguém tão diferente de si mesma.
— Opostos não, raio de sol, apenas complementares. — Seu pai a corrigia pacientemente. — Claro que existem por aí uma gama de almas gêmeas semelhantes, mas nada é certo quando se trata de destino. Talvez vocês tenham muito mais a aprender um com o outro do que gostos a compartilhar.
Jules amava e ainda ama seu pai, mas, por um lado, suas palavras sobre almas gêmeas passam a machucar quando, aos sete anos, ela o perde e um acidente de carro. Quando sua mãe começa a afundar na própria dor de sua alma despedaça, Jules passa a temer um pouco a ideia de amar alguém tão profundamente.
— A dor não vai embora, nunca e de maneira alguma, e você sabe que precisa conviver com isso, ou terminar de uma vez. — Jules sabe que nunca devia ter ouvido essas palavras de sua mãe, principalmente porque foram ditas na privacidade de uma sessão de terapia. Mas ela ouviu, e nunca aprendeu a esquecê-las.
A dor, amarga e crescente, alcançou Agnes violentamente através dos anos, de forma que nunca chegaria até Jules. Ela sempre amaria seu pai, e nunca deixaria de sentir falta de todas as coisas boas sobre ele. Mas ela percebeu que nunca sentiria o mesmo vazio que foi deixado em sua mãe.
Jules não aprende a esquecer as palavras de seu pai até dois anos depois da morte dele, quando outro homem tenta preencher o espaço na vida de Agnes e aplacar sua dor. As previsões de Rowan se tornam nada mais do que noções fantasiosas quando sua esposa, deixada para trás com um coração partido, aceita um novo marido alcoólatra que não era, e nunca poderia ser, sua alma gêmea.
Conseqüentemente, ela não se lembra das palavras do pai até seus treze anos de idade, quando algo um pouco mais extraordinário do que ligações de alma passa a se enrolar em sua existência.
Julieta Fawley nasceu em abril, com um pai profundamente otimista, uma mãe menos do que romântica e uma modificação fisiológica em sua constituição genética. A última parte, no entanto, é algo que ela nunca teria imaginado, se tivesse sido perguntada.
Mutante, é como são denominadas as pessoas como ela. São humanos que expressam o gene X, que basicamente codifica uma proteína que, por sua vez, produz sinais químicos para todo o corpo, induzindo a mutações em outros genes. Era apenas uma cascata química muito radical, com resultados que variavam de pessoa para pessoa.
Mutações com maiores efeitos eram raras, e é por esse motivo que a evolução levava um longo tempo e novas características simplesmente não surgiam do nada. Foi por isso que Jules levou treze anos para descobrir que sua vida seria um pouco menos normal do que ela pensava.
Mesmo sob o controle de suas habilidades, ainda era muito opressor passar mais de um minuto com o homem rude e preconceituoso que achava que podia substituir seu pai em qualquer aspecto. Ele nunca poderia.
Nolan nasceu quando Jules tinha quinze anos, e ela o chamou de Nemo. É bem mais fácil pra ele aprender, ela assumiu de maneira tranquila, o que sua mãe aceitou com um sorriso surpreendentemente fácil. Ele tinha três anos quando começou a pedir histórias para dormir.
— Eu sei, é confuso, Nemo. Mas um dia você vai ter idade suficiente pra que eu te explique tudo sobre almas gêmeas. — Ela sabe que essa era uma coisa que seu pai teria dito, então se ressente um pouco quando, em uma noite, sua mãe ouviu suas palavras.
Agnes sorriu, no entanto, para a completa surpresa de Jules.
— Você é igualzinha ao seu pai. — Ela murmurou de volta, sua expressão iluminada com algo que Jules nunca achou que voltaria a ver. A genuína felicida no rosto de Agnes parecia ter sido trazida direto do tempo onde Rowan ainda era vivo.
Jules foi regada com uma nova nuance de esperança. Sua mãe podia existir sem sua alma gêmea, ela precisava querer viver, e talvez ainda quisesse.
Nemo tinha quatro anos, no aniversário de vinte de Julieta, quando a mãe deles martelou o último prego no caixão de seu casamento. Seu marido, Andrew Collins, era completamente infeliz com a mutação de Jules, e nunca se impediu de deixar claro o quanto detestaria que seu filho fosse igual a ela.
— Você sabe, o gene X é normalmente herdado da mãe, e nós temos a mesma, então... — Jules comentou casualmente, não perdendo a chance de um sorriso petulante e ácido na direção do homem. — não se surpreenda tanto, cara.
Jules esperava muitas coisas depois de sua réplica venenosa, mas nenhuma delas se comparava ao que veio logo depois dos berros de Andrew.
— Se você está tão disposto a odiar tudo o que for diferente, mesmo que isso inclua seu próprio filho e a minha filha, então é melhor fazer isso bem longe de nós. — Agnes praticamente rosnou de volta, calando Andrew implacavelmente enquanto ele parecia decidir se ela falava sério. — Fora da minha casa, agora!
Jules finalmente entende, no momento em que Andrew bate a porta da frente com tanta força, o que seu pai dizia sobre os complementos. Rowan era gentil demais para dizer qualquer coisa daquele tipo sem antes tentar um diálogo pacífico. Agnes parecia querer tirar o couro de Andrew com as mãos durante a discussão. Decididamente, os dois ainda teriam terminado essa situação da mesma forma, expulsando aquele homem terrível de suas vidas.
— Sabe, Julieta, tem uma razão para eu nunca ter ajudado seu pai a instigar suas esperanças por esse único dia específico. — Agnes achou esse um assunto prudente durante o café da manhã. Nemo ainda estava adormecido em seu próprio quarto. — A chance é muito maior de que não aconteça absolutamente nada quando você fizer vinte e quatro anos. Eu nunca quis que você se machucasse com a frustração.
— Eu sei. — Jules sorriu em resposta, sem nenhum calor real por trás. — Estou ciente, mãe, e vai ficar tudo bem.
Talvez fosse verdade. Mas, Deus, como ela gostaria que não fosse. Talvez, mais do que qualquer outro resultado, Jules temia o nada. O que era perfeitamente possível, porque muitas pessoas simplesmente não foram destinadas à outras. Na verdade, almas gêmeas eram muito menos comuns do que qualquer pessoa gostaria de admitir.
Em muitos casos, almas gêmeas tinham mais de vinte quatro anos de idade de diferença entre si. Uma pessoa poderia passar a vida toda acreditando que sua outra metade não existia, e então conheceria outras pessoas, se casaria, formaria uma família, apenas para descobrir, décadas depois, que sua alma gêmea nasceu tarde demais.
Nas circunstâncias mais tristes, almas gêmeas conseguiram se encontrar no leito de morte, apenas para saber que nunca tiveram ao menos uma chance. Nas mais injustas, a morte os separou antes que se encontrassem.
Se nada acontecesse quando Jules fechasse os olhos às 23:59 do dia 16 de abril, ela saberia que nunca fora destinada, ou que sua alma gêmea seria vinte e quatro anos mais nova, ou que já partiu dessa vida. Então sua infância inteira seria nada mais que a esperança frustrada por algo que ela nunca teria.
Se não houvesse nada, ninguém, ela temia que as palavras de seu pai nunca passassem disso; histórias para dormir.
❛ Ninguém me chama de 'raio
de sol' desde que eu tinha
sete anos. Gosto de como
soa quando você diz ❜
—— F. Julieta, 2024.
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