07. Me tire desse desastre.
2 de Junho, 2006
Cinco segundos, é o tempo necessário para redefinir toda a existência de alguém, apenas cinco segundos. Dadas às circunstâncias Ashlyn saberia disso melhor que qualquer um, é claro.
Entretanto, ela não percebeu naquele momento, não totalmente, o quão drasticamente sua vida estava prestes a mudar apenas por aquele breve evento de cinco segundos. O contato visual foi tudo o que bastou para selar seu destino.
Tudo o que ela vê, no entanto, é a estranheza sutil no comportamento do lobo. Primeiro é alguma coisa na feição dele, o modo como seu focinho se retrai para esconder suas presas, o rosnado morre no fundo de sua garganta, substituído pelo silêncio ensurdecedor, e de repente ele parece completamente perturbado com a presença dela.
Ashlyn franze as sobrancelhas, confusa diante da reação dele. Ela esperava qualquer coisa da espécie dele, menos aquilo, o notável sofrimento em seus olhos enquanto eles se encaram no infinito espaço de dois metros.
— Foi uma piada. — Ela sente a necessidade de se justificar, sabe-se lá por que razão. — Eu sei que não violei o acordo, só estava quebrando o gelo.
No momento seguinte Ash desejou não ter dito nada, porque o lobo parece ter sido castigado por suas palavras, seu corpo estremecendo enquanto ele recua com as orelhas caídas e um ganido doloroso, quase como se ela o estivesse esbofeteado.
Ashlyn estava pronta para se desculpar, honestamente culpada por, talvez, tê-lo ofendido de alguma forma. Porém ela não tem essa chance, as palavras ficando perdidas em algum lugar entre sua mente e a boca quando ele simplesmente foge para dentro da mata. Leva apenas um milésimo de segundo, e então Ash está encarando apenas o espaço vazio que antes o lobo ocupava, os olhos fixos nas marcas que suas patas deixaram para trás na terra.
Suspirando profundamente, Ash se vira e nada lentamente de volta para a margem, sem nenhuma pressa de retornar à realidade. Ela passa os dedos pelo cabelo molhado, cansada demais para se deixar pensar muito no que acabou de acontecer.
Ainda assim, Ashlyn é incapaz de apagar o evento de sua mente durante todo o trajeto que faz de volta para casa, fazendo o maior dos esforços para ignorar o fato de que alguma coisa parece ter esmagado seu coração dentro do peito. Ela não correu, decidindo se demorar o máximo que podia pelo caminho, o sol prestes a nascer quando finalmente ela avistou a imponente estrutura de madeira e vidro entre as árvores.
Ela ainda pode ouvir as batidas de um único coração ecoando de algum lugar no segundo andar, chegando à conclusão de que a humana, possivelmente, ainda dormia no quarto que costumava ser seu.
De um modo um tanto assustador, isso não a afeta. A única coisa em seus pensamentos nesse momento é o par de olhos quentes e escuros que iluminavam a feição da criatura mais extraordinária que ela já vira na vida, a lembrança vívida de seu cheiro hipnozante, e a persistente sensação de necessidade.
Ashlyn sente como se nunca devesse tê-lo deixado partir, como se cada célula de seu corpo precisasse da presença dele, o lobo que ela sequer sabe quem é. Ela não entra em casa, sentido-se enjoada e com as pernas fracas, mal percebendo quando tomou a decisão de sentar nos primeiros degraus da entrada principal, descalça e ainda encharcada de água.
Ash é uma mulher esperta, sempre foi, do tipo que percebe as coisas sem que lhe precisem ser explicadas. Ela sabe, de uma maneira intrínseca e dolorosa, que seu destino fora traçado para se cruzar com o dele, o companheiro que fora criado para ela, seu inimigo natural.
Não há uma única grama de diversão na ironia dessa situação, é apenas triste, injusto e, de certa forma revoltante. É um grande desastre prestes a acontecer, uma queda inevitável que não vai levá-los a lugar algum além do fundo do poço.
Ash quer gritar até que sua garganta doa de esforço, chorar de frustração e, possivelmente, bater em uma árvore até arrancá-la da terra. Ainda assim, ela não faz nada disso.
"Que século infernal", é tudo em que ela pensa enquanto permanece ali, imóvel sob a chuva torrencial que começa a cair, o rosto completamente em branco e os olhos melancólicos tomados pela mais profunda resignação.
Afinal, ela já deveria ter se acostumado.
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— Ela não parece bem. — Rosalie sussurra, espiando discretamente por trás da soleira da porta. — Já faz uma hora que está parada encarando a mesma árvore.
— Talvez esteja apenas pensativa. — Esme argumenta, também aos sussurros, as sobrancelhas franzidas em uma preocupação óbvia enquanto encara as costas de sua filha mais nova.
Ashlyn chegou em casa quando já amanhecia, encharcada dos pés à cabeça e com um rosto apático, ela não disse uma única palavra enquanto subia as escadas e entrava em seu banheiro, onde levou mais uma hora no banho antes de sair. Ela não se deu ao trabalho de secar ou pentear o cabelo, apenas se enfiou em um par de calças de pijama de seda e um suéter de Emmett, calçou botas de pelúcia e caminhou até a varanda do terceiro andar, onde se sentou em uma cadeira confortável e passou a fitar as árvores.
Isso foi a quatro horas atrás, e ninguém se aproximou desde então, concluindo que ela precisava de espaço e silêncio. Alguns deles até mesmo pensaram que sua atitude de devia ao fato de Isabella estar dormindo junto de Edward apenas alguns metros de distância.
Mas mesmo quando a garota acordou, quando sua movimentação e as batidas de seu coração ecoaram pela casa para qualquer audição sobrenatural reconhecer, Ash não reagiu à sua presença. Ela continuou na mesma posição, olhos vidrados e mandíbula cerrada, enquanto Edward dava o café da manhã de Isabella e depois a levava para a escola.
Ash não se mexeu quando, ao que todos puderam ouvir, Edward beijou a garota humana dentro do carro dele, ela não piscou e nem respirou quando ouviu seu ex-marido dizer que amava outra pessoa.
— Tem alguma coisa errada. — Rosalie disse decisivamente, a postura mudando quando ela tomou a decisão de ir até lá e, possivelmente, obrigar Ashlyn a reagir.
Ela não tem tempo pra isso, no entanto, quando Jasper passa em sua frente com passos muito calmos, os ombros tensos e o rosto franzido. O mais velho dos irmãos se coloca na frente de Ashlyn, cobrindo seu campo de visão, e se abaixa cautelosamente em um joelho, os olhos dourados reluzindo em algo que Rosalie não conseguia compreender, um tipo de reconhecimento quase imperceptível.
Jasper está olhando para Ash e apenas para ela, para o sofrimento transbordando de seus poros, para a dor e o medo que se agarraram em seu coração imortal, e ele a entende. Ele não precisa saber o que a machucou tanto, não ousa pedir por uma explicação para o quê, em sua concepção, não pode ser explicado.
Ele apenas sente tudo o que ela está sentindo, como sempre foi e sempre será, e isso é o bastante.
Não há uma troca de palavras, apenas compreensão, e no espaço de uma respiração Ash se lançou para frente nos braços de seu irmão, deixando que ele a envolvesse física e emocionalmente, seu maravilhoso dom acalmando os sentimentos ruins que a envolveram nas últimas horas. Ela fecha os olhos, guardando para si mesma as lágrimas que pretendiam cair, e permite que Jasper faça o necessário para livrá-la de qualquer emoção, até que seu peito fique, felizmente, vazio.
É apenas temporário, ambos sabem que os sentimentos retornaram na mesma intensidade no momento em que Jasper para de usar seu poder nela. Ainda assim, por agora, um curto momento de paz é melhor do que paz alguma.
A dor em seu peito não desaparece por completo, no entanto, ainda estará ali para incomodá-la continuamente a cada segundo pelo resto de seus dias, o sentimento de ser destinada a alguém que está fadado a desprezar sua existência.
— Quando quiser...
— Não quero falar sobre isso. — Ash o interrompe antes mesmo que ele possa completar a frase.
— Se quiser... — Ele se corrige pacientemente. — estarei aqui.
Ashlyn balança suavemente a cabeça antes de descansar a bochecha contra o peito do irmão, os braços dele ainda ao redor de seu corpo enquanto ele a segura o mais firme que pode.
E justo quando as coisas começavam a melhorar para Ash, o mundo parece prestes a desabar outra vez.
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