06. A grandeza do inevitável.



30 de Maio, 2006

          — De jeito nenhum. — Ashlyn nega, uma expressão verdadeiramente ultrajada adornando suas feições.

— Vamos, Ash, por favor. — Alice implora, juntando as mãos na frente do corpo em um gesto de prece. — Vai ser divertido.

— Enfiar um atiçador de lareira no meu estômago seria mais divertido.— Rindo secamente, a mais nova lança à Alice um olhar perplexo. — Isso é absolutamente ridículo, Alice.

— Não é, não. — Alice insiste. — Você é parte dessa família tanto quanto o resto de nós, sua presença é crucial pra todos nós.

Rolando os olhos, Ashlyn murmura:

— Você diz como se esse fosse um caso de vida ou morte.

— Vai ser se você não colaborar. — Alice sibila entredentes.

— Está me ameaçando, gnomo? — Ashlyn ergue uma sobrancelha perfeitamente arqueada em desafio. — Isso desfavorece muito sua argumentação.

Alice bufa.

— Ashlyn, ela não é uma má pessoa.

— Em que momento eu sugeri que ela seria? — Pergunta Ashlyn com um sorriso sarcástico. — Só porque não quero ir a uma festa do pijama com a atual do meu ex-marido, não significa que eu despreze a existência dela.

— Quando você diz dessa forma, soa exatamente como se desprezasse a existência dela.

— Você está delirante, Alice. — Tomada pela frustração, Ashlyn se levanta do sofá e desvia de Alice para sair do cômodo. — Não tenho planos de jogar a garota de um penhasco, mas também não seremos melhores amigas. Fazer parte da mesma família não significa que eu preciso amá-la ou até mesmo gostar dela, então é melhor você superar isso.

Os resmungos frustrados de Alice podem ser ouvidos por todos na casa pelos próximos quarenta minutos, o que não é uma surpresa para nenhum deles. Alice Cullen raramente recebia um 'não' como resposta, exceto quando se tratava de Ashlyn, uma das únicas pessoas no mundo que não cediam sob a coerção da vampira vidente.

Era de conhecimento geral que o fato de Alice nunca ter sido capaz de prever nada relacionado a Ashlyn dificultou um pouco a conexão entre elas. Ash era a única coisa em toda a família que permanecia constantemente oculta nas visões, e não saber das coisas era simplesmente assustador para Alice.

E enquanto foi extremamente simples e rápido formar laços com quase todos os Cullen, a relação de Alice com Ashlyn continuou a ser humanamente complexa através dos anos.

Exatamente como agora, quando uma conversa se tornou uma discussão porque Alice não pôde prever a reação de sua irmã mais nova em relação ao seu convite.

Ashlyn era, apesar de tudo, o que os Cullen tinham de mais próximo da humanidade. E Alice às vezes se esquecia como era ser humana.





Já era esperado que, como criaturas imortais que precisam manter certa discrição, os Cullen fossem habilidosos em contar mentiras e sustentar papéis. Ash já perdeu as contas de todas as vezes que ela e sua família recomeçaram a mesma vida do zero, de novo e de novo.

Rosalie e Jasper facilmente passam por gêmeos, Edward é o único filho biológico de Carlisle, Emmett e Ash são sobrinhos de Esme, ambos adotados pelo jovem casal, assim como Alice. A mesma história há décadas, apenas sendo contada a pessoas diferentes.

Agora, no entanto, com todas as mudanças recentes, e devido ao fato de que, aparentemente, os Cullen ainda passariam algum tempo em Forks, a narrativa sofreu grandes baques.

Ashlyn e Edward romperam seu namoro, e então a garota se inscreveu para um intercâmbio na Escócia, onde finalizaria seus estudos até a faculdade.

Uma mentirinha fácil e inofensiva.

Em vários momentos, Ash desejou que essa mentira fosse a verdade, com certeza teria doído menos.

Por um lado era simplesmente um alívio que ela não precisaria passar mais tempo que o estritamente necessário ao redor de seu ex-marido e a criança humana com quem ele está envolvido. Por outro é extremamente aborrecedor saber que ela não se livraria deles nem em sua própria casa, onde inevitavelmente passaria a maior parte do tempo até as férias de verão.

Afinal, ela não poderia ser vista por ninguém conhecido se quisesse realmente sustentar aquela historinha.

Duas longas semanas, é só o que ela precisa aguentar até a formatura de seus irmãos e, em teoria, a sua própria.

Ashlyn não fez muitos planos há longo prazo. Para ser honesta, ela queria apenas ficar na companhia de sua própria família depois de tantos meses se aventurando sozinha pelo mundo. Eles nem precisavam fazer nada de especial, apenas estarem juntos era o suficiente para preencher os espaços vazios no peito de Ash.

Pouco tempo havia se passado em comparação com a eternidade, e mesmo assim ela quase se esqueceu de como era seu cotidiano, em como cada uma daquelas pessoas, ao seu próprio modo, tornavam seus dias melhores.

Não importa que a maior parte de sua vida seja invenção, Ash não trocaria nada daquilo por uma realidade entediante.

— Ela não tem más intenções, sabe disso, não é? — Ash bufa ruidosamente para a pergunta de Emmett, seus passos pesados levantando poeira ao longo da trilha.

— De boas intenções o inferno está cheio. — Ela resmunga, desviando o olhar para longe de seu irmão mais velho enquanto ele a encara persistentemente. — Posso sentir seu olhar me queimando, Em.

— Juro que não estou te julgando. — Ele se justifica rapidamente. — Por meses tudo o que eu fiz foi me colocar no seu lugar, tentei imaginar como seria pra mim se Rose me deixasse por outra pessoa. — Ashlyn ergue o olhar.

— E chegou a que conclusão?

— Que eu não teria sido nem metade do quão forte você é. — Ele admite, o sorriso leve em seu rosto contrastando fortemente com a convicção em sua voz. — Com toda a honestidade, acho que nenhum de nós seria, e é por isso que você é a fodona da família.

Ash gargalha genuinamente, rolando os olhos com carinho para seu irmão doce e altruísta, antes de saltar nas costas dele e se agarrar a seus ombros. Sem vacilar nem mesmo um milímetro, Emmett continua a caminhar com a irmã mais nova pendurada nele como um bicho preguiça.

— Nós dois sabemos que isso não é verdade, mas obrigada assim mesmo. — Ela diz com bom humor.

— É verdade pra mim, e minha opinião é a única que importa.

— Isso não é meio tendencioso da sua parte?

— Eu sou tendencioso, principalmente quando se trata de você. — Emmett admite sem vergonha alguma. — Quem não gostar pode vir falar comigo pessoalmente. — Para enfatizar suas palavras, o vampiro estala as juntas dos dedos dramaticamente.

Sorrindo, Ash inclina a cabeça e deixa seu rosto pousar no ombro de Emmett, apenas silenciosamente reivindicando seu direito de usá-lo como meio de transporte pelo resto da caçada.

Ele permite, é claro, que ela faça o que bem entender.





1 de Junho, 2006

         Ashlyn estava caminhando sozinha desde o pôr do sol, nos arredores de casa, apenas vendo o tempo passar e evitando ao máximo a garota humana que, à essa altura, deveria estar dormindo enroscada no corpo gélido de Edward.

Já foi estranhamente perturbador descobrir a cama de casal que agora ocupava seu antigo quarto com o ex-marido, a última coisa que ela precisa é vê-los dormindo juntos.

Honestamente, Ash preferia passar a noite pendurada de cabeça para baixo em uma árvore, como um morcego, do que escutando a respiração de Isabella apenas um andar abaixo do seu, e sabendo que seu frágil coração humano era tudo o que importava para Edward.

Além disso, ela realmente gostava de estar na floresta durante a noite, o escuro e o silêncio absoluto que transmitiam uma estranha sensação de pertencimento, como se fosse um mundo totalmente diferente do que era durante o dia, um onde ela, uma criatura da noite, se sentia a vontade para expressar sua verdadeira natureza.

Ash sequer calçou os sapatos quando saiu de casa, seus pés estavam em contato com o chão e ela podia sentir cada pedra, cascalho e poça de água pelo caminho, gravando detalhe por detalhe de todos os lugares por onde pisou até alcançar as margens da nascente do rio, há quilômetros de sua casa.

O céu estrelado oscilava acima de sua cabeça e a luz prateada da lua refletia na água corrente. Como uma mariposa atraída pela luz, Ashlyn se vê pairando em direção às águas, as mãos se movendo quase de maneira automática quando ela puxa seu moletom com capuz para fora do corpo, restando apenas um par de leggings e uma regata azul-escura.

Ela ainda consegue sentir uma última brisa de vento frio soprando em seu rosto antes de mergulhar o corpo inteiro na água, os olhos bem fechados e os pés tocando as pedras lisas nas profundezas do lago.

Talvez um minuto tenha se passado, talvez cinco ou dez, até que Ashlyn finalmente impulsiona o corpo para emergir da água gelada, puxando uma lufada de ar fresco para seus pulmões. Então ela percebe que a floresta já não tem o mesmo cheiro. Pinheiro e terra molhada estão sobrepostos por uma camada quase palpável de um aroma adocicado e refrescante que abala todos os seus sentidos apurados.

Ela acha que seu coração parou pela segunda vez quando, acima dos ruídos da floresta e da água batendo nas pedras, um grunhido estremecedor ecoa em seus ouvidos e faz seu peito tremular.

Ashlyn abre os olhos, e o azul brilhante se fixa na criatura de pé na margem, a figura se inclinando em sua direção com todos os dentes afiados totalmente a mostra em meio a um rosnado ameaçador. Cada traço de suas feições caninas são a mais perfeita imagem do perigo que ele representa para ela e, mesmo assim, Ash não consegue recuar.

Ela não se lembra da última vez que viu algo tão impressionante quanto ele. Seu pêlo é escuro e avermelhado, aparenta ser macio ao toque, suas patas poderiam cobrir o rosto dela inteiro se assim ele quisesse, e as garras longas perfuram violentamente a terra onde ele está de pé. E os olhos dele...

Ashlyn olha no fundo daquele par de olhos castanhos e aquecidos, e ele devolve seu olhar. E bem ali, ela percebe que está no limite da linha do acordo — exatamente onde os Cullen conheceram a matilha de Ephraim Black décadas atrás —, cara a cara com a raça inimiga.

O lobo diante dela poderia muito bem tentar arrancar sua cabeça agora e, mesmo assim, essa possibilidade não a impede de repuxar o canto dos lábios em um meio sorriso quase sarcástico.

— Eu violei o tratado?






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