04. Ainda me assombrando.



19 de Maio, 2006

Imóvel e em silêncio, a única coisa que Ashlyn pode ouvir é sua respiração suave se misturando aos ruídos da floresta, seus irmãos e pais se assemelham a estátuas de mármore, completamente paralisados e atentos. Com cada um deles voltado para uma direção diferente da mata, é difícil que qualquer coisa passe despercebida, por menor e mais insignificante que seja.

— Tem certeza que a viu aqui, Alice? — Carlisle pergunta suavemente.

— Ela está quase aqui. — É a resposta de Alice que faz Ash trincar os dentes com força e contrair os punhos. Ela olha sobre seu ombro direito, encontrando o olhar de Emmett com seu próprio brilho de desafio. Ele sorri pra ela, os dentes perfeitamente brancos alinhados em uma perversidade infantil. — À sua esquerda!

Em um milésimo de segundo, todos dispararam a correr na direção apontada por Alice, com Emmett e Ashlyn, que estavam mais próximos da trilha, liderando a perseguição. As pernas de Emmett são maiores, e isso o deixa com uma breve vantagem sobre a irmã, mas Ashlyn é ágil e graciosa de uma maneira sobrenatural, desviando e saltando dos obstáculos na trilha como se o caminho tivesse sido gravado em seu âmago. Não leva muito tempo para que o par de irmãos esteja ombro a ombro.

Victoria está menos de dois metros à frente deles, e Ashlyn pode sentir o cheiro almiscarado e selvagem da vampira ruiva. Incomoda seu olfato de uma maneira que a faz torcer o nariz.

Emmett estende a mão a centímetros do ombro de Victoria, mas antes mesmo que ele possa tocá-la, ela habilmente se esquiva e o joga por cima do ombro na direção de uma árvore. Ashlyn cerra os dentes, olhando adiante para checar Emmett, sem nunca parar de perseguir seu alvo.

— Não o meu irmão, sua vaca. — Grunhe a Cullen mais nova, estendendo a mão no exato momento em que Victoria salta sobre a margem do lago, seus dedos se enroscando em alguns fios do cabelo ruivo com força o suficiente para arrancá-los.

— Ash, não! — Jasper agarra a cintura de Ashlyn com os braços antes que ela possa saltar atrás de Victoria.

— Ela está no território deles agora. — Carlisle aponta, e é quando Ashlyn, confusa, vê um par de lobos gigantes começarem a perseguir Victoria na margem oposta do riacho.

— Mas que p... — Ash engasga, mal piscando quando ela e a família voltam a correr praticamente lado a lado com os lobos, separados apenas pela água corrente. — Por que ninguém me disse que os lobos voltaram?

— Nós meio que esquecemos esse detalhe. — Carlisle responde casualmente, levando Ashlyn a rosnar com os dentes cerrados.

— Que detalhezinho bobo. —Ela zomba com sarcasmo.

Ash odiava ser a última a descobrir as coisas importantes.

Victoria salta outra vez para fugir das garras dos lobos, deslizando por pouco para longe de uma mordida poderosa. Jasper alcançou Ash e Emmett durante a corrida, atrás da nómade com pouquíssima desvantagem. Avançando na direção da mata, Victoria parece fazer uma escolha arriscada quando usa as árvores como obstáculos para atrasá-los.

Franzindo as sobrancelhas, Ash se dá conta do que ela pretende fazer e, ao invés de persegui-la, continua correndo na margem do rio, brevemente conscientes dos vultos animalescos ao seu lado, separados apenas por alguns metros de água corrente. Ela vê quando Jasper tenta atacar Victoria, e a vampira se esquiva outra vez.

Agora, Victoria tem apenas Emmett atrás de si, com o restante da família sendo deixada para trás, e parece óbvio que ela vai escapar. Correndo novamente na direção do riacho, ela só precisa pular outra vez, e então desaparecer naquele lado da fronteira.

Acontece no segundo em que Victoria salta sobre a água, Emmett salta também, e tudo o que Ash consegue fazer é gritar:

— Emmett!

Antes que os pés de Emmett possam tocar o lado proibido do tratado, um lobo cinza se choca contra ele ainda no ar, fazendo com que o impacto jogue o vampiro dentro do riacho. Tremendo e rosnando, Emmett emerge da água com nada além de fúria em seu rosto, seus olhos não deixando a silhueta de Victoria até que ela desapareça novamente entre as árvores.

O lobo cinza está na frente dele em uma posição defensiva, rosnando profundamente de volta e exibindo uma fileira de enormes dentes pontiagudos.

Sem pensar sobre, Ashlyn salta na água logo atrás de Emmett, estendendo a mão e agarrando o antebraço dele em um aperto firme, ignorante ao verdadeiro perigo que os lobos representam, ou apenas não se importando muito com o fato.

— Em, chega. — Ela diz suavemente, os olhos azuis treinados no lobo cinza, atenta à óbvia ameaça crescente. — Victoria escapou, já era.

Emmett, encharcado dos pés à cabeça e claramente frustrado, olha para sua irmã mais nova com uma expressão aborrecida. Ela não tem certeza se ele está com mais raiva do lobo ou de Victoria.

— Droga! — Emmett sacode os braços de um jeito que espirra água para todo lado, e cerra os dentes ao olhar novamente para o lobo.

— Vamos embora, agora mesmo.— Ash exige de maneira bastante petulante, consciente de que é uma atitude infantil, mas também um método que sempre funcionou com Emmett.

Em reposta ele se vira quase imediatamente, pegando Ash pela mão antes de puxá-la para a margem, mantendo seu corpo cuidadosamente entre ela e os lobos que ainda os observam do outro lado do riacho. Nesse momento Ashlyn não reclama da superproteção, porque honestamente está feliz em tirar seu irmão dali antes que a situação fique realmente feia.

Além disso, ela ficará muito satisfeita em se livrar de suas roupas encharcadas.





          Mais tarde no mesmo dia, Ashlyn se encontra confortavelmente aconchegada em sua nova cama, em seu novo quarto. Previsivelmente, sua família não a designou para um mero quarto de hóspedes, claro que não.

Assim que ela deixou Forks, mais de um ano atrás, Alice rapidamente tirou tudo o que restava de suas coisas do quarto que ela dividia com Edward, as levou para o grande cômodo no sótão, cujo três das quatro paredes eram feitas inteiramente de vidro, e esse se tornou seu novo quarto, com todas as suas coisas, e ainda mais do que ela se lembra de ter deixado para trás.

Mas o melhor, sem dúvida, é sua cama, com novos lençóis, novos travesseiros, e com nenhum cheiro além do amaciante caro da lavanderia. Apenas alecrim, capim-limão, e nenhum Edward.

Céus, Ash acha que pode passar dias e noites apenas se enrolando nas roupas de cama macias.

— Apreciando as acomodações? — Rosalie pergunta, os braços cruzados sobre o peito enquanto atravessa o batente da porta. Ash resmunga, sequer se dando ao trabalho de erguer o rosto do travesseiro de seda egípcia onde o enfiara minutos atrás.

— Se eu morrer, por favor, me coloquem pra descansar bem aqui. — Ela diz com um longo suspiro de satisfação.

— Eu tinha esquecido como você pode ser dramática. — Rindo, Rosalie a empurra levemente pra conseguir algum espaço para se deitar ao seu lado.

— É um dos meus muitos charmes. — Ashlyn pisca os olhos infantilmente, sorrindo com bom humor. Rosalie se deita de lado, dobrando o braço embaixo de si para apoiar o rosto na palma de sua mão.

Ela está sorrindo, e Ash franze as sobrancelhas em suspeita.

— O que foi?

— Você parece bem. — Rosalie diz, encolhendo os ombros casualmente. — Sabe, mais como você mesma e menos como...

— Uma ex-esposa amargurada?

Apesar do tom de zombaria na voz de Ashlyn, Rosalie percebeu imediatamente o brilho sombrio que atravessou seu olhar por um breve segundo.

— Amargura não combina com você, Ash. — Rose diz com convicção. — Eu não esperei que você fosse voltar cheia de rancor e melancolia, mas também não achei que você seria tão... tão você, a pessoa que você era antes de se apaixonar por ele. Tão livre, sem medo de dizer ou ser algo que pode desagradar alguém. Você é só...

— Eu? — Ashlyn sorri em provocação.

— Viu só? É isso que eu quero dizer. — Rose apontou rapidamente em forma de acusação.

— Tá legal, eu confesso. — Ashlyn ergue as mãos em rendição. — Ser uma mulher solteira de 87 anos desperta o pior de mim. — Rose ri, estapeando o braço de Ash suavemente.

— Para com isso.

— Eu falo sério. Veja que moderno meu novo corte de cabelo. — Ela joga o cabelo sobre o ombro com um gesto de mão para enfatizar suas palavras. — O carro lá fora? Que coisa de jovem rebelde. E eu ainda nem mencionei minhas saias.

— O que tem suas saias?

— Estão tão curtas que eu não posso usar nem mesmo como toalha de mãos. — Rose gargalha, jogando a cabeça para trás contra o travesseiro. Ashlyn riu também, contagiada pela diversão de sua cunhada. — E sabe qual a melhor parte?

— Qual? — Rose pergunta, sua crise de risos controlada e apenas um largo sorriso no rosto.

— Eu tô adorando essas coisas. — Ash admite.

— Bem... é um lindo carro.

— Eu sabia que você ia gostar.

— E seu cabelo está ótimo, combina com seu rosto e faz seus olhos parecerem jóias. — Rose pega um mecha do cabelo de Ash quando diz, e a mais nova sorri brilhantemente.

— Não é? — Ela se anima.

— E não conta pro seu irmão que eu falei isso, mas você precisa manter as mini-saias. — Rose diz com veemência.

— Fico uma grande gostosa com elas, certo? — Ashlyn mexe as sobrancelhas com bom humor.

Rosalie zomba.

— Você é uma grande gostosa, Ash. — Afirma a loura.

Sorrindo docemente, Ash se move até estar deitada com a cabeça contra o estômago de Rose, os braços cercando a cintura da mais velha.

— Sabe que você é a melhor irmã do mundo, não sabe?

O sorriso de Rose se ilumina ainda mais enquanto ela envolve a cabeça de Ashlyn protetoramente contra si.

— É, eu sei.





          Leva um dia até que a paz e harmonia interior de Ashlyn sejam finalmente interrompidas. As 24 horas mais curtas e que lhe fariam mais falta pelas próximas semanas.

Edward e Isabella retornam à Forks no domingo, dia 20, e exatamente às oito da noite ele entra pela porta da frente da casa dos Cullen, felizmente sozinho.

Ash está no topo da escada, segurando na mão esquerda um baralho de cartas que fora buscar para jogar com Rosalie e Jasper, completamente congelada no lugar.

Ela não está surpresa em vê-lo, pois ouviu sua chegada antes mesmo que ele passasse pela porta. Sua surpresa é por não sentir o disparar de seu coração sob as costelas, ou as borboletas no estômago, como costumava ser.

Ele está ali, em toda sua glória imortal, olhando para ela do fim das escadas e parecendo ironicamente como um filme de romance adolescente. O homem que ela amou pela maior parte de sua existência, quem ela costumava achar a mais linda das criaturas que já caminhou sobre a Terra.

E agora, no entanto, Ashlyn não pode deixar de perceber que ele é apenas mais pálido do que ela se lembrava.

— Você voltou.

Não brinca, Sherlock. Ela pensa, mordendo a língua para não deixar que a primeira coisa que vá dizer a ele depois de meses seja um comentário sarcástico.

— Essa é minha casa também, Edward. — Ashlyn diz, descendo o restante das escadas enquanto embaralha habilmente as cartas. — E minha família está aqui, então...

O entendimento está escrito no rosto de Edward antes mesmo que Ashlyn possa concluir sua frase.

— Eu sei disso, é só... — Ele hesita, seus olhos dourados desviando para o chão de maneira castigada. — bom ver você.

Ashlyn acena suavemente com a cabeça, um sorriso apático repuxando os cantos de seus lábios.

— É, eu acho que sim. — Ela dá de ombros, girando nos calcanhares e saltitando até a sala onde seus irmãos a esperam, ansiosa para escapar daquela estranha situação.

O amor de sua vida de repente se tornara um estranho, alguém com quem ela mal conseguia interagir apesar de conhecer tão bem quanto a si mesma.

As reviravoltas que a vida pode dar.

Mas se estiver sendo honesta sobre isso, a desconfortável e curta conversa com seu ex-marido foi a situação menos desagradável de sua semana.

Edward não voltou a se aproximar, sabiamente evitando pairar ao redor de Ashlyn de qualquer forma que pudesse incomodá-la. Ela tinha quase certeza de que ele estava evitando seus pensamentos também, o que apreciou silenciosamente.

Foi agradavelmente reconfortante descobrir que a presença dele era incapaz de abalar seu espírito. Ela passa os próximos dias ao lado de sua família, se distraindo com banalidades, conspirando, rindo e matando a saudade acumulada. O ar na casa parece leve e descontraído.

Exceto, é claro, por Edward.

Ao que parecia, ele não achou prudente contar à sua namorada sobre verdadeiro motivo de tirá-la às pressas de Forks, mantendo-a ignorante ao fato de que ela — ainda — é o alvo de uma vampira nômade sociopata.

Ashlyn não sabe, e genuinamente não está interessada em saber, como Isabella acabou descobrindo de qualquer forma assim que retornou à cidade. O que ela sabe, e o que Edward é incapaz de manter oculto em sua carranca e constantes resmungos, é que agora a humana o está evitando com bastante veemência.

Uma coisinha realmente irritante.

E então, no último dia daquele mês, a maturidade e o autocontrole de Ashlyn são novamente postos à prova quando ela descobre uma nova... aquisição no quarto que ela costumava compartilhar com Edward.

Ela não pretendia ver, nem pensou antes de olhar para dentro do cômodo enquanto caminhava pelo corredor, a maldita porta apenas estava aberta no momento errado.

Uma cama.

Edward nunca precisou delas, só adquiriu uma quando começou a se relacionar intimamente com Ashlyn, e quando ela foi embora, a cama também se foi.

Mas ali estava, grande e com dossel, uma cama de casal que Edward compartilharia com outra pessoa.

Por mais inútil que seja negar a realidade, Ash simplesmente se recusa a pensar sobre isso, ou sequer considerar que Edward tenha... não, ela não quer imaginar, e definitivamente não quer saber.

Ela sai dali o mais rápido e naturalmente que consegue, decidida a ignorar o que viu, pelo bem de sua sanidade. Edward tem o direito de fazer o que quiser, com quem quiser, e onde quiser.

Ele não é mais o marido dela. Ele não é dela.

Surpreendentemente, essa conclusão não dói tanto quanto costumava.






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