01.ㅤ⛸️ ... DEVIL COLORED EYES
⛸️ … TRUST ME, THEN FALL
01. ‘DEVIL COLORED EYES’
© pizzastri, 2024.
Sun Valley, Estados Unidos
12 de março de 1991.
CASSANDRA NÃO ERA O TIPO DE PESSOA que costumava viver no limbo da incerteza. Na maioria de suas decisões, ela tinha plena convicção que as escolhas eram feitas corretamente, sem que precisasse ficar se martelando em busca de possibilidades que poderiam acontecer ou não. Portanto, dormia tranquila, sabia de suas escolhas.
Entretanto, desde o fracasso que enfrentou nos Pan-Americanos, aquele sono gostoso que ela tinha tanto carinho, parecia não existir mais. Além de ter sido sua última competição como patinadora individual ── marcado por um surto descomunal de raiva ── ela tinha tomado a fria e ‘sábia’ decisão de tentar dar uma chance a alguém.
E não é nem necessário dizer que aquela decisão estava tomando conta de seus pensamentos a todo momento. Aquela sensação tão incomum da incerteza na tomada de decisões, resolveu alugar um lugarzinho singelo e estranhamente insuportável na cabecinha perturbada de Cassandra Kennington. Seus dias agora amanheciam cinzas, suas tardes seguiam monótonas, e suas noites finalizavam com um tempero ácido de “eu não sei se tomei a decisão certa”.
O medo de ser enganada de novo já estava enfaixado com dezenas de fitas esparadrapo em torno de seu coração. Tirar provavelmente a sucumbiria em um colapso capaz de gerar uma parada, até porque o maldito coração se alimenta pelo medo. O medo é o principal alimento de pessoas machucadas.
── O que fazem aqui?
── O velho ainda não morreu, Cassie. A casa ainda segue sendo de todos.
Parada no meio da escadaria amadeirada da mansão de seu pai, Cassandra solta um suspiro cansado ao dar de cara com metade de seus irmãos e primos vagando livremente pelo recinto. De início ela estranha, até porque das diversas casas que seu velho tem, espalhadas pelos Estados Unidos, qual o sentido de irem justamente para Sun Valley? Ao menos estava nevando para que pudessem dar a desculpa de aproveitar o clima gélido da cidade.
Mas não é preciso pensar muito antes de ligar os pontos. Antes de sair de Nova Iorque, Cassandra se lembrava muito bem do burburinho rolando à solta pelo jornal. Não era somente seu fracasso que estava chamando atenção, mas sim pelo fato de que ── magicamente ou não ── houve uma medíocre tentativa de furto ao testamento de seu pai. Seus irmãos eram tudo, menos anjos pobres e indefesos. Logicamente havia dedo deles, principalmente após saberem que o patriarca descartou a antiga versão, e agora todos pareciam curiosos o suficiente para descobrir o que de fato mudou.
── E você, Cassandra? ── sua irmã mais velha, Calliope, indaga com um sorrisinho cínico. Ela segurava uma garrafa de vinho caríssimo, provavelmente da coleção da adega de seu pai. ── Não aguentou lidar com as críticas e resolveu fugir? Típico de mimadinha.
Cassandra, da forma mais honesta possível, gargalhou ao terminar de descer as escadas. Ela conseguia sentir o triunfo de Calliope se esvaindo pelos ares, mas antes que, de fato, pudesse deixar o recinto, para no lugar e se vira com uma expressão arteira no rosto.
── Seu marido continua comendo nossa tia?
Os Kennington eram pura fachada. O sobrenome, renomado por todo o estado, no final servia apenas de manto para desviar atenção das terríveis pessoas que o utilizavam. Magnatas de personalidade podre; no final todos sabiam muito bem que ninguém ali se salvava. Nem mesmo Cassandra. Eram todas almas condenadas à queimar no quinto dos infernos.
( . . . )
Los Angeles, Califórnia.
11 de março de 1991.
── Vou te ver de novo?
Nicholas para no lugar, terminando de afivelar o cinto em sua calça de tons beges. O sorriso vagabundo surge no canto dos lábios, com intuito de jogar o máximo de charme para a mulher que estava despida na cama do hotel, o encarando com tanto desejo que lhe restava chorar. Ele se aproxima até estar perto o suficiente do rosto dela, testando os limites da tensão sexual na brisa da manhã.
── Não, meu doce.
E se afasta, jogando o sobretudo pelos ombros e deixando o quarto numa curta fração de segundos. Seu empresário já lhe aguardava, portando uma carranca de desgosto por ter escutado coisa até demais somente naquela manhã. Nicholas poderia ser considerado um homem silencioso, mas não diria o mesmo das mulheres que ele costumava comer.
── Eu falei que estávamos atrasados, Nicholas.
── O avião não vai sair sem nós, Ansel. ── ele zomba do nervosismo do homem ao seu lado ── Espero de coração que compense essa proposta. Sendo sincero, ainda continuo achando uma ideia ruim. Atravessar o país para agradar uma perdedora.
── E eu espero de coração que você não abra a merda dessa boca na frente de Cassandra Kennington, Nicholas! ── O jovem patinador se diverte com o nervosismo de Ansel, sorrindo do mesmo modo que sorrirá para a desconhecida. ── A grana é boa, e a proposta também. Vê se não fode.
── Eu não menti. Ela é uma perdedora.
── Olha que coincidência, então ── Ansel o encara, com a voz borbulhante a deboche ── você também é.
O humor de repente sumiu, e internamente Ansel agradeceu a Deus por finalmente ter conseguido calar a boca daquele cara tão insuportável. Céus, só não largava mão de gerenciar sua carreira porque no fundo, bem lá no fundo mesmo, Nicholas não era esse babaca que costumava ser. Por incrível que pareça, ele tinha uma versão melhor de si mesma.
Uma versão melhor antes da fama, festa, mulheres e muito sexo. Uma versão que, atualmente, costumava aparecer somente na presença de sua família ── aqueles que Nicholas moveria o mundo para o bem deles, se fosse necessário.
Mas, sobre Nicholas Alexander ser um perdedor, não era mentira. Na ascensão de sua carreira, chegando extremamente perto de competições de elite, ele tem uma desagradável surpresa quando sua dupla repentinamente decide o abandonar. Então aquele cara que pouco a pouco chamava atenção pela sua face jovial, e por encantar qualquer um no programa curto de ‘Cisne Negro’, de repente perdeu os holofotes. Nicholas Alexander agora era um perdedor que não tinha dupla e muito menos atenção para chegar perto de competições mais renomadas.
Graças a fala de Ansel, ele se cala desde o momento que entram no carro, até o momento que chegam ao aeroporto para pegar um avião até Idaho, onde a negociação deveria acontecer. O máximo de palavras que escaparam dos lábios do patinador foram pequenas, como “sim” “tanto faz” “que seja”. Ansel comemorou internamente com um sorriso de felicidade. Definitivamente, aquela viagem de 9 horas foi uma das viagens mais calmas na vida em sua vida.
Só que, Nicholas calado significava apenas uma coisa; estava arrependido o suficiente de estar ali, duvidando das escolhas de sua vida e comparando o glamour que antes vivia pelos holofotes, com a dura realidade do apagamento de sua carreira. Só de pensar no nome de sua antiga companheira de pista, sua língua chegava a se dobrar para não xingá-la, como se somente ela tivesse culpa do fracasso que vivia, onde ninguém boa o bastante, era apta para ser sua nova dupla.
No fundo, mesmo com o orgulho estampado em sua testa, ele rezava para que Cassandra Kennington não fosse tão ruim como a mídia estava descrevendo. Ele já a vira antes, nas Olimpíadas de Inverno da Iugoslávia, com a antiga dupla. Para a primeira Olimpíada dela, uma medalha de ouro foi o suficiente para que os Americanos percebessem a jóia rara que tinham no país.
Só que quando abandonou a modalidade e seguiu para o Individual, Cassandra decaiu de uma forma nunca vista antes. Chegava a ser assustador comparar aquela alma vaga que ao menos conseguia se estabilizar no chão após dar um axel completo, com a verdadeira jóia rara que um dia já foi o maior orgulho dos Estados Unidos.
Nicholas não queria ser um fracassado igual ela atualmente era.
── Aqui sua chave ── Ansel para ao lado do patinador que estava aéreo nos próprios pensamentos, enquanto ele tentava equilibrar grande partes das malas sozinho ── Nada de mulheres e bebidas. Quero você inteiro amanhã naquela eletiva.
── Tá falando sério?
Ansel de repente arruma a postura.
── Pareço estar brincando, Nicholas?
── Não é como se uma cerveja pudesse me destruir até lá.
── Nada de bebidas, Nicholas. Eu estou falando sério ── o patinador bufa com a resposta, completamente birrento, mas aceita as condições ao tomar a chave das mãos de Ansel ── Eu não sou o cara que costuma ficar jogando as coisas na cara, mas dessa vez, eu peço que você pense antes de tomar qualquer decisão. Se quiser ter seu nome exposto nos jornais novamente e dezenas de repórteres se humilhando por uma entrevista, pense que fazer dupla com aquela mulher é uma das últimas oportunidades que você tem antes se afundar no fracasso de sua ignorância.
( . . . )
Na arena vazia, ‘Material Girl’ de Madonna era a trilha sonora que acompanhava os movimentos suaves dos patins de Cassandra no gelo. Enquanto seu corpo se movia tão levemente, quase como uma pena, sua boca deixava escapar xingamentos grotescos demais para uma manhã de uma quarta-feira qualquer, mostrando o quão irritada já estava em pouquíssimo tempo. Para Irina, aquilo era um comportamento normal. Portanto, pouco ligou.
Na realidade, fazia quase duas semanas que aquela estava sendo a rotina de Cassandra. Chegava até o centro de treinamento cantando pneus com sua lamborghini diablo, colocava os patins e seguia para a pista onde se encontrava com dezenas de patinadores os quais Irina havia convocado para o “teste”. Entretanto, nessas duas semanas, tudo o que disse a esses homens foram belos e rigorosos “não”. Havia alguns deles que ela até mesmo se recusou a compartilhar pista. Típico comportamento de mimada que adorava adorar decepcionar o outro para se ver bem.
De início, Irina mal deu atenção sobre as escolhas e palavras que Cassandra usava para recusar alguém, tendo em vista que haviam diversos queridinhos da América sonhando com a chance de ser dupla da jóia rara. Porém, a cada “não”, a lista diminuía, e aquilo significava que o tempo estava acabando, e as opções também. Se Cassandra continuasse daquele jeito, terminaria abandonando de vez o ramo da patinação artística.
── Não precisava chamar o coitado de pé torto ── Irina diz em voz alta, chamando atenção da Kennington que continuava a deslizar pelo gelo ── e também não preciso dizer que o tempo está acabando.
── Eu não gostei de ninguém. ── responde gesticulando exageradamente, um tanto quanto ignorante.
── Pois trate de gostar. A lista está acabando, Cassandra. Se você negar o último patinador, já era seu sonho estúpido de colocar mais uma medalha de ouro nesse pescocinho ── a velha cospe as palavras com certa ignorância ── Pode ter certeza que a última coisa a pendurar em volta de dele, vai ser uma placa escrito “fracassada”.
Um “filha da mãe” escapa bem baixo, quase inaudível até para ela mesma. O peito de Cassandra estava quente, pegando fogo; o ódio, a decepção e frustração lideravam o nível das queimadas que aos poucos terminava de incendiar seu orgulho já um tanto quanto ferido. Sua mandíbula tensa, mostrava o quão estressante era a situação. O quão vergonhoso era ter de aceitar tão pouco quando ela era muito mais. Cassandra precisava de um joalheiro bom, não de um bando de fracassados que não sabiam ao menos manter a postura diante da patinação.
Ela suspira antes de falar, enchendo o peito e empinando o nariz com mais uma dose de orgulho ── Bem, espero que o último patinador seja bom, então.
── Eu sou mesmo.
Abruptamente, Cassandra para no meio da pista quando a voz masculina, e desconhecida, ecoa alto o suficiente, ao mostrar que estava escutando a conversa recheada de farpas. De início ela não enxerga tão bem assim, precisando voltar a deslizar para perto das arquibancadas, onde o homem alto lhe encarava.
Irina joga a bituca do cigarro no chão, pisando em cima com sua bota caríssima da última coleção de inverno de Ann Demeulemeester. E logo após, ela olha por cima de seus óculos para as duas figuras que estavam a quase dez minutos atrasados. A velha ajeita seu sobretudo, não perdendo nenhum terço de sua elegância.
── Você deve ser Ansel ── encara primeiro o empresário que segurava algumas pastas, e lentamente seu olhar sobe até o rosto jovial e tentador do pecado que deveria ser o último patinador a realizar o teste para ser dupla de Cassandra ── e você… Nicholas. O cisne negro.
Nicholas sorri cínico, se aproximando o suficiente para apertar a mão dela ── Madame… ── murmura arrastado, quase rouco ── é um prazer estar aqui.
Cassandra encarava a cena com uma expressão séria. Seu corpo estava apoiado na barreira que dividia a pista das arquibancadas, e suas mãos brincavam umas com as outras para dispersar o pouco da curiosidade que havia sentido ao finalmente ter vislumbre completo do homem.
Nicholas Chávez era seu nome. Cabelos levemente bagunçados, corpo esbelto coberto pela camiseta que marcava seu abdômen magro e definido, e uma aura que a puxava para perto. Nicholas tinha aura de campeão, aura de cisne. Ele era um abismo perigoso que ameaçava aumentar de tamanho todas as vezes que o sorriso cafajeste tomava conta de seus lábios rosados.
── A senhorita deve ser a famosa jóia rara. ── a fala permanece saindo arrastada, e Cassandra se ergue ao perceber ele caminhando em sua direção ── nunca vi uma de perto.
Ele pega a mão da mulher; coberta pela luva de tons rosados, e lentamente a leva até os lábios, depositando um selar lento sem ao menos desviar seus olhos castanhos dos esverdeados de Cassandra. E ela, nem um pouco tocada por toda aquela falha tentativa de show pornográfico, somente puxa a mão de volta enquanto abre um sorriso malvado e profere com petulância:
── Espero que saiba o programa curto de ópera Carmen.
Nicholas não tira o sorriso do rosto.
── Se eu não soubesse, acredito que nem aqui eu estaria.
Ele observa com atenção quando Cassandra se afasta bruscamente, patinando até o centro da pista. E trocando um último olhar com Ansel, que parecia não saber muito bem o que dizer com aquela interação, Nicholas não perde tempo em tirar o protetor das lâminas de seus patins e deslizar pelo gelo, sentindo a sensação gostosa de desafio tomar conta de seu peito tal qual uma chama ardente do fogo do caos. A vontade de fazer sumir aquela expressão gananciosa do rosto de Cassandra, era o que o motivava a permanecer ali. E ele iria até o final agora que suas mãos apertavam a cintura da patinadora, já posicionada para o início daquele teste patético.
── Deixe-me cair e te mato.
⛸️ . . .ᐟ Eles todo pimposos assim, nem parece que no próximo capítulo já vão estar se xingando como se odiassem a décadas!
⛸️ . . .ᐟ Maior parte da história - me refiro aos treinamentos - se passarão em Sun Valley, em Idaho. Obviamente veremos os dois viajando para vários outros lugares, mas guardem esse local. Sabe aquela série Spinning Out? Peguei de la 😄
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