𝚘𝚗𝚎

Suas unhas faziam um barulho repetitivo enquanto você batia freneticamente com elas na capinha do seu celular, ainda sentada em um banco na praça principal de Tokyo, esperando pelo seu melhor amigo. Por mais que você não ficasse usualmente nervosa em encontrar com ele, sabia como ele vai reagir quando descobrir para onde vocês iriam e o porquê.

Já estava pensando em dar meia volta, ligar para ele e avisar que estava tudo cancelado, quando ouviu aquela voz familiar de sempre:

— Ei, [Nome] — Kazutora gritou, do outro lado da praça, fazendo vários olhares pairarem sobre vocês dois, deixando suas bochechas completamente vermelhas.

— Não grita, idiota — Você sussurrou, assim que ele chegou perto o suficiente.

— Foi mal — Por mais que tentasse, você nunca conseguia resistir quando o garoto de cabelos pretos falava com essa carinha de triste, fazendo você dar um sorriso involuntário. Isso foi o suficiente para arrancar um sorriso dele também, que não demorou muito para se sentar ao seu lado no banco — Mas, e aí, vai me dizer pra onde que a gente vai?

— Pro salão — Respondeu, inocente, já se levantando, sem olhar para o rosto de Kazutora, já conseguindo imaginar a expressão de indignação dele.

— Me chamou até aqui pra ir com você na porra de um salão de beleza?

É.

— Essa sua carinha fofa não vai colar dessa vez — Ele disse, depois de um suspiro cansado, também se levantando do banco — E você vai fazer o que lá?

— Cortar o cabelo — Deu de ombros.

— Eu achei que você tava pensando em deixar ele crescer.

— Desisti da ideia — Mas, por mais que você fosse boa em mentir para os outros, nunca tinha conseguido mentir para seu melhor amigo.

Kazutora estava ao seu lado desde que você conseguia se lembrar. Ainda quando eram crianças, só se desgrudavam um do outro quando ele ia sair com os outros amigos, que você nunca chegou a conhecer. Ele foi, com certeza, o motivo de você não entrar em colapso quando os seus pais morreram em um acidente de avião, deixando você completamente sozinha. Ainda que tivesse ajuda da assistência social para manter o seu flat e pagar sua faculdade, o vazio enorme que se formou em sua vida só conseguiu ser preenchido por ele.

— Se você me disser que vai cortar o cabelo por causa dele, eu vou ficar puto — Kazutora disse, olhando sério no fundo de seus olhos.

Você desviou o olhar. Sabia que era errado fazer esse tipo de coisa só por causa de um namorado. Principalmente levando em consideração que Kazutora odiava o seu namorado, com todas as forças. Mas, mesmo assim, ainda estava disposta a fazer isso.

— Talvez? — Sua reposta saiu mais com um tom de pergunta, arrancando mais um suspiro frustado do seu amigo.

— Aquele puto não te merece.

— Já pedi pra parar de chamar ele assim.

— É inevitável — Ele disse, soltando uma risada irônica e dando de ombros — O cara não te valoriza em nada, só faz colocar defeito em você, te põe pra baixo todos os dias e você faz tudo por ele.

— Também não é assim...

— É exatamente assim — Kazutora lhe interrompeu, ainda sério — Eu só vou com você porque eu tô ligado que você vai passar a tarde lá na loja dos gatos e eu só te vejo de novo no domingo.

— Já te disse o quanto você é incrível hoje? — Você brincou, conseguindo quebrar a expressão séria dele e fazer o garoto dar um sorriso involuntário.

— Você é foda, não consigo nem passar um minuto sério.

Você agarrou o braço do mais velho, enquanto soltava uma gargalhada divertida. Os melhores momentos do seu dia eram, com toda a certeza, quando você estava ao lado dele. Ainda que muitas pessoas sempre vissem vocês como um casal, vocês sempre se consideraram como irmãos. Kazutora é a família que você perdeu quando era ainda muito nova.

Mesmo quando você começou a namorar, alguns meses atrás, sua relação com ele não foi muito afetada, tirando o fato de que eles não se suportavam. Kazutora sempre deixou claro que odiava o jeito como ele lhe tratava e, de fato, você sempre sentiu insegurança em relação a isso, mas acabou se convencendo de que, com o tempo, ele mudaria, o que nunca aconteceu.

Já seu namorado, tinha um ciúme inexplicável do Henemiya. Você nem o culpava, já que você era até próxima demais do garoto com uma tatuagem no pescoço, mas, mesmo depois de namorar seis meses com você, ele ainda não havia se convencido de que Kazutora não passava de um amigo.

Infelizmente para você, não queria abrir mão de um namoro que já estava acomodada, mas nunca largaria a conexão que tem com o Henemiya por nada nesse mundo.

— Já que eu tô aqui, acho que vou pintar as unhas de preto, o que você acha? — O garoto ao seu lado perguntou, assim que vocês passaram pelas portas automáticas do salão.

— Acho uma boa.

O cheiro de produtos e de cabelo queimado por causa da chapinha invadia as suas narinas intensamente. Você realmente detestava ir no salão, mas queria testar algo novo para ver se ele, finalmente, te notava.

Não precisaram passar nem cinco minutos esperando e já foram direcionados para as cadeiras mais para dentro do estabelecimento. Um homem loiro cuidava dos seus cabelos, enquanto uma mulher pintava as unhas de Kazutora.

Sem nenhuma surpresa, todos os funcionários do salão ficaram encantados com o Henemiya. De verdade, seu amigo sempre foi extremamente carismático e sempre roubava a atenção e carinho de todos por perto, além de acharem uma graça como ele não tinha problema nenhum em pintar as unhas simplesmente porque quis.

— Acabei — O cabeleireiro disse, fazendo sua atenção se desviar do amigo, que contava algumas histórias de vocês quando crianças, para o loiro atrás de você — O que achou?

Você arqueou levemente as sobrancelhas quando viu o próprio reflexo no espelho. Acabou deixando que ele cortasse um pouco demais, mas não conseguiu evitar de percebe o quão linda você tinha ficado com esse corte.

Um assovio masculino chamou sua atenção, fazendo você revirar os olhos quando percebeu que se tratava de Kazutora. Mas, mesmo assim, um sorrisinho bobo se formou em seus lábios, enquanto sua autoestima estava sendo elevada em 100%.

— Ficou uma gata, mana — Ele disse, se levantando e mostrando as unhas pintadas para você — Gostou?

— Gostei — Você respondeu, completamente sincera, cerrando os olhos para conseguir enxergar melhor — Na real, nada fica mal em você.

— Eu sei, eu sou perfeito — O comentário dele fez você revirar os olhos, mas arrancou risadas das outras pessoas por perto.

Você foi até o caixa e pagou por vocês dois, ainda que Kazutora ficasse reclamando o tempo todo, dizendo que ele quem iria pagar os dois. Mas, as unhas ainda não completamente secas impediram ele de tentar qualquer coisa.

— Quer que eu te deixe em casa? — Ele perguntou, quando vocês saíram do salão e começaram a andar pelas ruas movimentas de Tokyo.

— Não precisa, seu apartamento fica do outro lado.

— Você vai pra loja de gatos mais tarde, né?

— Não é "loja de gatos" — Você corrigiu, depois de uma risada leve — É um petshop específico para gatos.

— Ou seja, uma loja de gatos.

Você riu e bateu de leve no ombro dele, que acabou caindo na gargalhada. Durante um pequeno trecho do caminho, vocês andaram lado a lado, conversando sobre o que fariam no final de semana.

Como sempre, ele teria uma festa para ir, com os amigos da faculdade. Mesmo toda vez insistindo horrores para você ir, sua resposta sempre era a mesma: não. Kazutora tinha esses amigos já fazia um bom tempo e você nunca nem viu o rosto de nenhum deles. Não era por falta de insistência dele, mas sim porque você não achava que o estilo de vida excêntrico deles combinava com você.

Então, enquanto seu melhor amigo estaria curtindo em uma festa no sábado, você provavelmente ficaria em casa assistindo filmes sozinha ou, se seu namorado não fosse para o bar beber com os amigos, poderia ficar na casa dele. Pelo menos, Kazutora sempre reservava os domingos inteiros para ficar com você, independente do que iriam fazer.

Quando chegaram no metrô, você se despediu do mais velho com um beijo na bochecha e pegou uma linha diferente da dele. Durante o trajeto, se sentou em uma das cadeiras e, involuntariamente, começou a alisar os fios do seu cabelo, agora completamente hidratados e bem mais curtos do que antes. Uma leve insegurança começou a tomar conta de você quando parou para pensar que, talvez, ele não fosse gostar tanto assim.

Mas, nem teve muito tempo para pensar nisso, já que foi avisado no alto-falante que sua parada estava próxima. Já se levantando, você esperou a porta automática se abrir para sair de lá e fazer a pequena caminhada até o seu apartamento.

O prédio não era nem um pouco grande, mas era o que a assistência social conseguia cobrir mais o dinheiro que você conseguia com o trabalho no petshop.

Assim que subiu as escadas até chegar no segundo andar, entrou no corredor das portas dos apartamentos, esboçando um sorriso feliz quando viu seu namorado encostado na parede, ao lado da sua porta.

— Oi, amor — Você falou, levemente surpresa, já que não esperava o loiro ali — Eu vou trabalhar hoje.

— Onde é que você tava? — Kisaki lhe interrompeu, brutalmente, tirando os olhos mortos da tela do celular que tinha em mãos e lhe encarando, com total indiferença — 'Tô te ligando faz uns vinte minutos.

— Eu saí com o Kazutora.

— Esse cara de novo — Ele reclamou, suspirando fundo e revirando os olhos, claramente irritado — Abre logo essa porta. Vim buscar minha carteira que eu esqueci aí ontem.

— Certo — Respondeu, se apressando em fazer logo o que ele tinha pedido — Depois que eu largar do trabalho a gente podia sair pra jantar.

— Hoje não vai dar — O loiro respondeu, quase sem deixar você acabar de falar — Vou sair com os meninos.

— De novo?

— É.

Um pequeno silêncio pairou entre vocês, enquanto ele entrava na sua sala e ia até o seu quarto, passando poucos segundos lá, só o suficiente para pegar a carteira. Você permanecia perto da entrada, ansiosa, esperando que ele notasse seu cabelo novo.

— Pelo menos, a gente pode tentar sair no sábado, então — Você insistiu, com um sorriso bobo no rosto.

— Acho que também não vai dar — Kisaki respondeu, já andando em direção à porta — Mas eu te aviso qualquer coisa.

O homem já estava quase fora do seu apartamento, tendo passado por você sem nem lhe cumprimentar, só parando de andar quando você falou.

— Você notou alguma coisa diferente em mim?

Sem pressa, ele se virou, com o olhar ainda morto e indiferente, como se essa fosse a pergunta mais idiota que ele já tinha ouvido.

— Sei lá, [Nome] — O loiro falou, sem passar muito tempo analisando — Acha mesmo que algum homem repara nessas coisas? — Você tentou ao máximo não transparecer a decepção evidente que estava sentindo — Vou indo agora, beleza? Mais tarde eu falo contigo.

E fechou a porta, sem mais nem menos.

Seus olhos ainda passaram um tempo encarando a porta por onde ele tinha passado, completamente perdida em seus pensamentos. A autoestima que Kazutora tinha elevado em 100% foi totalmente destruída em questão de segundos. A mudança no seu cabelo não tinha sido pequena o suficiente para ele não perceber sem você falar. Mas, mesmo você falando, ele não tinha nem notado.

Patético — Você sussurrou, enxugando as duas lágrimas pesadas que rolaram pelas suas bochechas, indignada com o fato de ter feito isso por causa dele, que nem sequer notou uma diferença.

Você sabia que não devia ligar para isso, mas doía o fato de seu próprio namorado não lhe ajudar a se sentir bem consigo mesma.

Passou ainda um tempo encarando o celular, querendo ligar para Kazutora e desabafar com ele, mas sabia que ele estaria com os amigos agora e não queria incomodar ele com seus problemas fúteis. Por isso, apenas engoliu a decepção e se arrumou logo para o trabalho, pulando o almoço, sem nem um pingo de fome.

O expediente que você passava no petshop era um dos seus momentos preferidos no dia. Ter algum bichinho de estimação em casa daria muito trabalho, além de você não ter tempo e passar a maior parte do dia fora. Sem contar que Kisaki odiava gatos e sempre deixou muito claro que pararia de ir na sua casa se você adotasse algum deles.

Por isso, o tempo que tinha para brincar com os filhotes, organizar a loja, atender os clientes e cuidar dos animais era bem precioso para você. Além disso, você sempre se deu muito bem com o seu chefe, mesmo que ele passasse pouco tempo na loja.

— Boa tarde — Você falou, assim que passou pela porta do petshop, para Emma, a garota que trabalhava um turno antes do seu.

— Boa tarde, [Nome] — Ela tirou o avental e o jogou para você, que pegou sem dificuldades — Eu já coloquei a comida deles agora se manhã, aí você bota de novo só quando tiver indo embora.

— Certo. Até segunda!

A loira acenou animadamente para você, saindo da loja logo em seguida. Você colocou o avental e foi brincar um pouco com os gatos na área de trás da loja, onde tinha um playground só para eles, já que a política de gaiolas não era adotada pelo seu chefe.

Toda vez que o sino da porta tocava, você ia para a parte da frente da loja, atender aos clientes. Por mais que o petshop fosse pequeno, vários clientes frequentavam o estabelecimento e sempre cumprimentavam você da forma mais simpática possível. A maior parte deles era cliente fiel e vinham com frequência comprar os produtos para seus animais, mas alguns novos apareciam de vez em quando.

Já estava no final do seu expediente quando o sino tocou mais uma vez. Você estava ajoelhada, com um filhote em seu colo, atiçando ele com uma pena, brincando com ele. Assim que ouviu o som, pegou o bichinho com as mãos e o colocou delicadamente no playground, que tinha uma cerca que os impedia de passar para a frente da loja.

— No que posso ajudar? — Você perguntou, mas, assim que colocou os olhos no cliente, já sabia o que era.

Você conhecia relativamente bem o homem alto, de cabelos longos e escuros que passava pela porta. Como sempre, as íris cor de bronze dele prenderam o seu olhar por alguns segundos, mas nada que você não conseguisse se recompor com facilidade. Ele usava uma camisa listrada, cinza e preta, de mangas longas, relativamente folgada, com uma calça jeans clara, também folgada.

Keisuke Baji sempre vinha no petshop toda sexta-feira, no final do seu expediente, trazendo os gatos que encontrava na rua ou para comprar comida para os que tinha em casa. Como de costume, ele estava carregando uma gaiola relativamente grande, com nenhuma dificuldade.

— Encontrei três na rua ontem — Ele falou, assim que colocou a peça de metal em cima do balcão — Um deles tem uma coleira com o nome, mas não tem o número dos donos.

— Vou pedir pra divulgarem nas redes sociais do petshop — Você falou, abrindo a gaiola e tirando os felinos de lá. Dois deles ainda eram filhotes e o com coleira já era adulto. Separou os mais novos para dar as vacinas deles e preencher o formulário, para se alguém quisesse adota-los depois. O mais velho deles você colocou direto no playground, mas escreveu em um post it se lembrando de tentar achar os donos dele — Obrigada de novo por trazer eles aqui.

— Relaxe — Baji respondeu, prendendo os cabelos longos em um rabo de cavalo alto — Me vê dois pacotes de ração também, por favor.

— Daquele que você sempre compra?

— Esse mesmo — Um pequeno sorriso se formou nos lábios dele, mostrando os caninos pontudos que ele tinha, que sempre lhe chamaram tanta atenção.

Você assentiu com a cabeça e se apressou em ir pegar os pacotes nas prateleiras atrás do balcão. Não tinha muita dificuldade em fazer isso, já que pegava esses sacos de ração todos os dias, mas, assim que ouviu a voz de Keisuke falando atrás de você, quase deixou o que tinha na mão cair.

— Seu cabelo ficou bonito assim.

Devagar, tentando parar de arregalar os olhos, você se virou para ele, que mexia em alguns brinquedos de gato em cima do balcão, distraído.

— O que? — Você perguntou, com medo de ter ouvido errado, atraindo a atenção dele para sua direção novamente.

— Você cortou o cabelo, não foi? — Ele esperou uma confirmação sua com a cabeça, antes de continuar — Só disse que eu gostei dele assim — Disse, dando de ombros — Combinou com você.

— Obrigada — Você respondeu, com certa dificuldade, mas com um sorriso involuntário nos lábios.

Acabou conseguindo colocar as sacolas em cima do balcão e passou o código de barras na registradora. Como de costume, o moreno pagou a mais e se recusou a receber o troco, dizendo que era parte da doação para ajudar a loja, mesmo que ele já doasse uma boa quantia de dinheiro por fora.

Você não sabia quantos gatos ele tinha, mas tinha consciência de que deveriam ser, pelo menos, uns quatro para comerem tanto quanto ele compra comida.

— Obrigada, Baji — Agradeceu como fazia com todos os clientes, dando a sacola, com os sacos de ração dentro, para o moreno, com o típico sorriso carismático de atendente.

— Seu nome é [Nome], não é? — Você assentiu, levemente impressionada que ele sabia seu nome, levando em consideração que você só o havia falado uma vez, a mais de quatro meses atrás — Me chama de Keisuke.

Antes de lhe dar tempo para raciocinar, o moreno pegou a sacola de suas mãos e virou de costas, saindo da loja sem se virar para trás. Você ainda tinha a boca meio aberta e olhar fixo em um ponto na porta, perdida em seus pensamentos.

Involuntariamente, uma de suas mãos foi parar no seu cabelo, alisando os fios, agora curtos. Só que, dessa vez, nenhuma insegurança se passava pela sua mente.

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