08. Shut up and drive
Soltei uma risada indignada, o tipo que você solta quando não acredita no que acabou de acontecer. Quer dizer, quem faz isso? Ela simplesmente se levanta, do nada, solta um "que fique de brinde" e vai embora. Eu fiquei ali, parado, olhando para a porta balançar depois que ela saiu, tentando processar o que tinha acabado de acontecer.
Lauren.
Ela era a pessoa mais estranha que já conheci.
De alguma forma, ela conseguiu me deixar mais confuso do que já estava, e olha que eu estava num momento particularmente bagunçado da minha vida. Primeiro, ela me manda aparecer aqui como se fosse a coisa mais urgente do mundo, parecendo que ia acabar comigo na base da porrada, o que, conhecendo ela, era bem possível. Mas então, quando me viu, ao invés de me destruir, ela parecia... Compreensiva? Tipo, compreensiva mesmo.
Era estranho.
Ela insistiu pra eu tirar o capuz, disse que meu cabelo estava melhor agora — melhor, sério? — e até parecia irritada com o fato de eu ter desistido de lutar. Como se importasse. Mas, no meio de toda essa confusão de palavras e atitudes, ela decidiu que a melhor solução era ir embora. Assim, sem explicação.
Eu revirei os olhos e soltei um suspiro enquanto pegava o copo dela. Se ela acha que vou deixar isso aqui como "brinde", está muito enganada. Eu que paguei, afinal, então é mais do que justo. Levei o canudo à boca e tomei um longo gole. Chocolate com chantilly. Claro que ela escolheria o mais doce possível.
Por um momento, fiquei olhando para o copo vazio que ela deixou para trás e me peguei pensando no motivo de ela ser tão... Irritante. Ela era como um enigma mal resolvido, como se cada palavra que saísse da boca dela fosse projetada para mexer comigo de algum jeito. Talvez fosse a intensidade dela. Sempre parecia que ela estava prestes a explodir, e eu nunca sabia se era de raiva ou de alguma outra coisa que ela mesma não entendia.
E agora, mesmo com toda aquela irritação que transbordava dela, havia algo ali... Algo que parecia genuíno. Ela não queria que eu desistisse. Não sei se era por orgulho próprio ou porque, de alguma forma, ela realmente se importava. Talvez fosse uma mistura das duas coisas. De qualquer jeito, não fazia diferença.
Porque no momento em que ela saiu pela porta, irritada e confusa como sempre, eu tive certeza de uma coisa, eu vou competir.
Não por mim. Não pelo Cobra Kai.
Por ela.
Porque, por mais que ela seja irritante, confusa, explosiva, ou o que for, eu quero provar algo para ela. O quê? Não faço ideia. Talvez só queira mostrar que eu ainda tenho algo para dar. Que o que aconteceu no shopping, o corte de cabelo, ou qualquer outra coisa, não me definem.
Ou talvez eu só queira vê-la com aquela expressão de descrença novamente quando eu der um chute perfeito no tatame e vencer.
Mas, sinceramente, pensar muito sobre isso só me dá mais raiva. Ela me deixa assim. Furioso. Confuso. Instigado.
Soltei um suspiro longo, bebendo mais um gole do milkshake que deveria ser dela. No fundo, talvez tenha sido até melhor ela ter ido embora. Assim, não preciso passar mais raiva hoje. Porque uma coisa é certa, eu definitivamente não preciso mais vê-la. Ou pelo menos é isso que eu continuo repetindo para mim mesmo.
Terminei o milkshake, deixando o copo vazio sobre a mesa. Não sei se o doce aliviou ou piorou minha irritação, mas pelo menos o barulho constante da lanchonete estava começando a me deixar impaciente. Peguei o dinheiro e deixei sobre a mesa, sem nem olhar para trás, saindo direto pela porta. Precisava de ar. Precisava me afastar daquele ambiente onde ela simplesmente se levantou e foi embora, me largando ali sem explicação nenhuma.
A calçada estava silenciosa, o frio da noite começava a bater, e eu puxei o capuz de volta para a cabeça enquanto caminhava na direção do estacionamento. A sensação de vazio que ela deixou ali comigo ainda estava pulsando, como uma batida incômoda no fundo da mente. Por que ela fazia isso? Por que ela conseguia me irritar tanto? Era como se ela tivesse descoberto todos os botões que me desestabilizavam e soubesse exatamente como apertá-los.
E então eu a vi.
Lá estava ela, no estacionamento. Só que ela não estava sozinha.
Lauren estava entrando no carro de alguém. E não qualquer carro, um conversível, reluzente, impecável, com rodas que provavelmente valiam mais do que a minha autoestima naquele momento. Aquele tipo de carro que grita eu sou o cara em neon.
O dono do carro? Claro, era o idiota asiático que sempre estava grudado nela e naquela garota russa, Mikan. Não que eu soubesse o nome dele por interesse, mas era impossível não notar quando eles estavam sempre juntos. Ele era mais velho, óbvio, com aquele ar confiante de quem tinha tudo no lugar e sabia disso. Eles estavam rindo e conversando, parecendo absolutamente despreocupados, como se o mundo girasse em torno deles e eles não tivessem um problema sequer.
E Lauren... Estava rindo também.
Era um riso genuíno, leve, diferente da forma como ela normalmente falava comigo. Comigo, sempre tinha um tom de provocação ou irritação, como se tudo que eu fizesse ou dissesse fosse alguma piada interna que só ela entendia. Mas com ele, ela parecia... Diferente.
Meus passos pararam, e eu fiquei ali, congelado na calçada, assistindo à cena. Ela entrou no carro, ainda sorrindo, e ele deu a volta, entrando pelo lado do motorista. O som do motor arrancando soou como um lembrete de que esse cara, com seu conversível de luxo e sua confiança impecável, tinha tudo que eu não tinha.
A raiva veio em seguida.
Não era ciúme. Não podia ser. Não era como se eu me importasse com quem ela andava ou com quem ela saía. Isso era problema dela. Mas a ideia de que ela talvez estivesse me usando como algum tipo de muleta emocional, só porque estava esperando por outro cara... Isso me irritava.
Quer dizer, talvez fosse uma vingança. Eu já tinha feito isso com ela antes. Eu sabia que tinha sido um idiota naquela época, provocando-a no gelo, tentando provar alguma coisa que nem eu mesmo sabia o que era. Mas agora? Agora parecia que os papéis tinham se invertido.
E eu odiava isso.
A pergunta que não queria calar era, por que isso estava me incomodando tanto?
Ela era irritante, confusa e sempre parecia determinada a me deixar sem palavras ou sem chão. Era lógico que ela teria outras pessoas ao redor dela, pessoas que se encaixavam melhor no mundo dela. Eu não tinha nada a ver com isso. E, mesmo assim, o pensamento dela rindo com ele, de uma forma que nunca ria comigo, fazia meu estômago revirar.
Eu soltei um suspiro longo, tentando me convencer de que isso não significava nada. Que ela não significava nada. Ela era só mais uma pessoa no meu caminho, como tantas outras, certo?
Mas enquanto eu me virava e continuava andando pelo estacionamento, algo me dizia que essa resposta não era tão simples assim.
⋆౨ৎ˚ ⟡˖ ࣪
Eu estava no dojô Miyagi-Do, finalmente sentindo aquele conforto familiar de estar onde eu pertencia. Era engraçado como o karatê, apesar de todas as porradas – físicas e emocionais – sempre acabava me puxando de volta. Depois de conversar com Demetri, percebi que eu precisava disso. Precisava da rotina, dos treinos, da camaradagem da equipe, e, principalmente, precisava de uma chance de provar para mim mesmo que não era o tipo de pessoa que desistia tão fácil.
E claro, para o gostinho de Lauren, eu lutaria.
Mesmo que não fosse diretamente com ela, ainda havia algo muito satisfatório em saber que eu enfrentaria alguém do dojô dela no All Valley. Era quase como se cada chute e soco que eu acertasse no meu oponente fosse um recado indireto para ela. Um eu estou aqui, e eu sou bom o suficiente.
Demetri estava comigo, me ajudando a repassar alguns katas. Ele sempre foi o tipo de amigo que não pega leve, nem mesmo quando sabe que eu estou tentando me recuperar de algo.
— Você já errou esse movimento umas três vezes, cara. — Ele comentou, cruzando os braços e olhando para mim como se fosse meu sensei particular.
— Tá, e você é um expert agora? — Retruquei, me posicionando de novo. — Relaxa, eu só preciso de mais uma repetição.
— Mais uma repetição é o que você disse cinco minutos atrás. — Ele respondeu, com aquele tom que só ele sabia fazer soar ao mesmo tempo irritante e engraçado.
Apesar da provocação, o treino estava indo bem. Meu corpo estava voltando ao ritmo. Minhas pernas se moviam com mais fluidez, e a sequência dos katas já estava quase automática. Era bom sentir isso de novo, controle, precisão, confiança.
E então veio a cereja no bolo, Jean.
Jean, a irmã de Lauren, era tão diferente dela que eu quase não conseguia acreditar que as duas eram da mesma família. Ela era gentil, tranquila, e tinha aquele jeito calmo que te fazia querer ser amigo dela. Talvez fosse por isso que ela era tão bem-vinda no Miyagi-Do. Enquanto Lauren parecia carregada de energia elétrica, Jean era como uma brisa fresca.
Ela estava conversando com Sam e Daniel, rindo de algo, mas acabou se aproximando de nós depois de um tempo. E foi assim que eu descobri uma informação que, por algum motivo, me deu um tipo de satisfação estranha.
Mikan. O asiático irritante do conversível.
De acordo com Jean, Mikan não era só um lutador qualquer, ele era algo como um instrutor no dojô deles, provavelmente porque tinha 23 anos e mais experiência do que os outros. Isso, por si só, já fazia sentido. O cara tinha aquele ar de superioridade que me dava nos nervos.
Mas o que realmente me pegou foi outra coisa que Jean mencionou casualmente.
"Ah, e ele tá interessado na Yelena. Você sabe, a amiga russa da Lauren."
Yelena.
Eu não sei por que isso me surpreendeu tanto, mas a ideia de que Mikan e Lauren não tinham aquele tipo de conexão me fez sentir... Melhor. Como se uma pedra que eu nem sabia que estava no meu peito tivesse sido retirada.
Não que eu estivesse interessado. Claro que não. Lauren era um tornado ambulante, e eu já tinha drama suficiente na minha vida. Mas saber que ela via Mikan como um irmão mais velho, e não como algo mais, era um alívio inesperado.
Demetri percebeu minha expressão e ergueu uma sobrancelha.
— O que foi? Parece que acabou de ganhar na loteria ou algo assim.
— Não é nada. — Murmurei, tentando não sorrir muito. — Só... Tô tranquilo.
— Tranquilo, claro... — Ele respondeu, mas deixou passar, voltando a demonstrar o próximo kata.
E eu continuei ali, focado nos movimentos, tentando não pensar muito sobre como essa informação me deixava satisfeito. Porque, no final das contas, eu estava exatamente onde precisava estar.
E no All Valley, eu mostraria isso, para Lauren, para mim mesmo, para qualquer um. Eu estava de volta. E estava pronto.
O treino estava no final, e Daniel estava passando por um último conjunto de movimentos básicos, mais como uma forma de reforçar a técnica do que de nos exaurir completamente. Eu segui os movimentos com atenção, tentando manter o foco, embora minha mente já começasse a vagar. Ainda era meio surreal estar de volta ao karatê depois de tudo o que aconteceu, mas pelo menos aqui, no Miyagi-Do, eu sentia que estava em um ambiente onde podia crescer. Isso me dava uma estranha sensação de pertencimento, mesmo quando eu ainda estava tentando me ajustar.
Assim que Daniel nos dispensou, Sam, sempre cheia de energia, anunciou algo que fez meu estômago afundar levemente.
— Ah, pessoal, só pra avisar! Hoje mais tarde vai ter uma festa na casa da Moon. Ela chamou todo mundo, menos, obviamente, a galera do Cobra Kai.
Festa na casa da Moon. Ótimo.
Demetri se virou para mim com aquela expressão que só ele conseguia fazer, um misto de empatia e sarcasmo.
— E aí, cara, encontrar sua ex e seu atual problema numa festa só parece o tipo de desafio que eu, sinceramente, odiaria enfrentar.
Eu respirei fundo e apertei minha garrafa de água com mais força do que o necessário, tentando ignorar o desconforto que suas palavras despertaram. Não que ele estivesse errado, porque definitivamente não estava. A ideia de estar no mesmo ambiente que Moon já era estranha o suficiente. Ainda sentia aquele peso de remorso sempre que pensava nela, especialmente na forma como as coisas terminaram.
Eu tinha sido um babaca. Não dá pra negar isso. Na época, eu estava no Cobra Kai, me achando invencível, e com isso veio a arrogância, a agressividade e... o Falcão. O eu que gostava de agir como se fosse maior e melhor do que todo mundo. E Moon, sendo quem ela era, viu através disso. Ela odiava o que eu estava me tornando, e ela estava certa.
Quando terminamos, foi um choque para mim, mesmo que eu devesse ter visto aquilo vindo. Foi um daqueles momentos em que você percebe, tarde demais, que perdeu algo bom porque deixou o pior de si mesmo tomar conta.
E agora, além disso, havia Lauren.
Lauren era um problema completamente diferente. Com ela, não era sobre arrependimento ou memórias dolorosas, era sobre frustração. Pura e simples frustração. Ela conseguia ser irritante só de existir, e ainda assim, de alguma forma, conseguia invadir minha cabeça. Como na lanchonete outro dia, quando ela agiu de um jeito tão confuso que eu ainda não tinha conseguido entender o que diabos aconteceu ali.
— Vai ser ótimo. — Falei para Demetri, forçando um tom casual enquanto pegava minha garrafa de água. Dei de ombros como se não estivesse nem aí, mas por dentro, eu já estava criando cenários na minha cabeça sobre como a noite poderia dar errado.
Moon provavelmente me trataria de forma educada, mas distante. Não que eu esperasse algo diferente, mas ainda assim, seria estranho. Ela sempre foi uma pessoa gentil, e isso só fazia meu remorso parecer ainda maior.
E Lauren...
Eu só esperava que ela não tentasse alguma coisa. Porque se ela decidisse me confrontar publicamente, como no dia no gelo, eu não ficaria parado. Ainda guardava rancor daquele momento, daquela humilhação. Até hoje eu podia ouvir as risadas, sentir a dor física e, pior, a dor do orgulho ferido.
Demetri deu um tapinha no meu ombro, puxando-me de volta para a realidade.
— Relaxa, cara. É só uma festa. No máximo, você vai tomar uns tapas verbais. Ou, quem sabe, Moon esteja pronta pra deixar tudo isso pra trás. E Lauren... Bem, ela é outra história.
— Você tem razão. — Respondi, bebendo um longo gole d'água antes de jogar a garrafa na mochila.
Eu não fazia ideia do que esperar daquela noite, mas uma coisa era certa, se Lauren achava que podia me derrubar de novo, ela estava muito enganada. Desta vez, eu estaria pronto.
Assim que todos começaram a sair do dojô, respirei fundo, jogando minha mochila sobre o ombro enquanto caminhava até minha moto no estacionamento. O sol da tarde estava começando a desaparecer, tingindo o céu com tons de laranja e dourado, mas eu não estava exatamente no clima para admirar o pôr do sol. Minha cabeça estava ocupada demais, e não era com o karatê, não era com o Miyagi-Do. Era com a festa.
Uma festa na casa da minha ex. Não exatamente o que eu chamaria de "noite dos sonhos".
Coloquei o capacete, subi na moto e liguei o motor, o ronco me trazendo uma breve sensação de normalidade. Sempre gostei da sensação de liberdade que vinha ao pilotar, o vento contra o corpo, a estrada sob as rodas. Mas hoje, nem isso estava ajudando a me distrair.
Meu objetivo era simples, chegar em casa, tomar um banho, e me arrumar decentemente antes de encarar o caos. E, é claro, não dar à Lauren nenhum motivo pra me tirar do sério. Essa garota... Era como se ela vivesse para encontrar pontos fracos, cavar feridas e cutucá-las até eu perder a paciência. Mas não hoje. Hoje, eu ia estar impecável.
Cheguei em casa e estacionei a moto, tirando o capacete e passando a mão pelo cabelo, ou pelo que restava dele. Ainda era estranho não sentir o moicano ali. Meu cabelo curto era... Diferente. Eu não estava completamente confortável com o visual ainda, mas tinha que admitir, a quantidade de vezes que ouvi Yelena e Lauren dizerem que estava "bem melhor" com o buzzcut me deu um pouco de confiança.
Essas duas eram como gelo puro, sinceras e diretas até demais. Se elas disseram que estava bom, provavelmente era verdade. Mesmo que, vindo delas, fosse difícil enxergar como um elogio genuíno e não como uma provocação disfarçada.
De qualquer forma, eu deixaria o cabelo crescer de novo. Isso era temporário. O moicano era parte de mim, e não ia desaparecer tão facilmente. Era só uma questão de tempo.
Entrei em casa, jogando minha mochila no chão do quarto antes de me encarar no espelho. Suspirei. Estava claro que eu precisava de um banho, mas além disso, eu precisava parecer bem. Não só para a Moon, embora fosse estranho saber que estaria na casa dela como um convidado comum e não como o ex-namorado problemático, mas para todos os outros. Especialmente para os Fierce Dragons.
E, claro, Lauren.
Não que eu estivesse tentando impressioná-la. Longe disso. Mas a última coisa que eu queria era dar a ela munição para zombar de mim. Porque ela faria isso. Ah, com certeza faria.
Entrei no chuveiro, deixando a água quente cair sobre mim enquanto tentava organizar meus pensamentos. Hoje seria minha chance de mostrar que eu estava bem, que eu não precisava de mais ninguém para me reconstruir. Que eu não era mais o Falcão de antes, mas que isso não significava que eu estava quebrado.
Saí do banho, vestindo uma calça jeans escura e uma camisa preta que acentuava meus ombros. Por cima, um moletom, já que lá fora parecia ventar. Algo simples, mas bem ajustado. Calcei minhas botas e passei os dedos pelo cabelo curto, ainda molhado. Não dava pra fazer muito com ele, mas pelo menos estava limpo e uniforme, o que já era um avanço.
Me olhei no espelho uma última vez antes de pegar minha jaqueta de couro. Ok. Estava pronto. Não perfeito, mas pronto. E isso era o suficiente.
Enquanto caminhava de volta para a moto, não pude evitar a sensação de que essa festa seria um teste. Talvez não fosse apenas sobre enfrentar Moon, ou Lauren, ou qualquer outra pessoa. Talvez fosse sobre enfrentar a mim mesmo, provar que eu podia estar nesse ambiente sem deixar o passado me dominar.
Liguei o motor da moto e respirei fundo.
— Vamos lá. — Murmurei para mim mesmo. — Hora de encarar a festa.
E com isso, acelerei, pronto – ou pelo menos tentando estar – para o que quer que viesse pela frente.
Assim que cheguei na festa, fui recebido pelo barulho da música alta, o brilho da iluminação colorida refletindo na água da piscina e o cheiro característico de álcool misturado com cloro. O ambiente estava lotado, mas não de um jeito sufocante, pelo contrário, a energia era até agradável.
E então, lá estava ela.
Moon.
Ela sorriu para mim de um jeito tranquilo, sem qualquer sinal de desconforto ou ressentimento. Como se eu fosse apenas mais um rosto familiar na multidão, nada mais do que um amigo. Foi estranho, porque parte de mim ainda esperava alguma reação diferente, algo que indicasse que ela ainda sentia alguma coisa. Mas não. Ela me deu um aceno casual e então se afastou, já de mãos dadas com outro cara.
Antes que eu pudesse processar completamente a cena, senti um braço ser jogado ao redor dos meus ombros.
— É, parece que ela superou mais rápido que você.
Demetri.
Revirei os olhos, balbuciando um irritado:
— Ah, dá um tempo, Demetri.
Ele ergueu as mãos como se não tivesse culpa de nada, mas então apontou com a cabeça para algum lugar do outro lado da festa.
— Mas convenhamos, há males que vêm para o bem. Olha só sua grande arqui-inimiga.
Meu olhar seguiu a direção que ele indicou, e foi aí que eu travei.
Lauren.
Ela estava ali, mas parecia... Diferente. Muito diferente.
Eu estava acostumado a vê-la sempre com aquela postura rígida e controlada, como se estivesse pronta para o combate a qualquer segundo. Sempre usando roupas escuras, neutras, sérias, o uniforme de alguém que não queria distrações, alguém que não se permitia nenhum luxo fútil. O cabelo dela estava sempre preso de maneira impecável, sem um fio fora do lugar, como se a menor desordem fosse um erro imperdoável.
Mas agora...
Agora ela estava usando um jeans que modelava seu corpo de um jeito casual, natural. A blusa era rosa, colada, de mangas compridas e com um detalhe levemente bufante perto das mãos, o que lhe dava um ar quase delicado. E o cabelo... Estava solto.
Nunca, em todo o tempo que conhecia Lauren, eu a tinha visto com o cabelo assim. Ondulado, caindo sobre os ombros, se movendo suavemente conforme ela gesticulava enquanto falava com alguém.
Ela parecia... Leve.
Tão diferente daquela garota que parecia feita de aço e gelo.
— Só cuidado pra não babar. — A voz de Demetri veio em tom de zombaria, me trazendo de volta à realidade.
Meu maxilar se contraiu, e eu soltei um suspiro irritado antes de resmungar.
— Cala essa boca, cara.
Sem esperar qualquer outra gracinha vinda dele, dei meia-volta e caminhei direto para a cozinha.
Eu precisava de uma bebida. Qualquer coisa que me fizesse apagar aquela imagem da minha mente. Porque, honestamente, aquilo estava me incomodando mais do que deveria.
A cozinha estava mais silenciosa que o resto da casa, o que foi um alívio imediato quando entrei. Peguei uma cerveja na geladeira sem pensar muito, apenas querendo algo para manter minhas mãos ocupadas. Mas antes que eu pudesse sequer abrir a garrafa, ouvi passos atrás de mim.
Moon.
Ela entrou no cômodo com aquela mesma leveza de sempre, o brilho suave nos olhos e um sorriso tranquilo nos lábios. Eu senti um incômodo imediato, mas não era exatamente pela nossa história. Não era pelo término, nem pelo que fomos. Era pelo fato de que, por algum motivo, ela parecia completamente indiferente.
E eu... Não sabia o que fazer com isso. Mas então ela falou, e suas palavras me pegaram de surpresa.
— Gostei do novo corte de cabelo. Você continua lindo, sabe disso, né?
Meu olhar subiu lentamente até o dela, surpreso. Por um momento, esqueci até de abrir a cerveja.
— Acho que sim... Valeu.
Moon riu baixinho, como se minha resposta tivesse sido engraçada de algum jeito. E então, antes que eu pudesse entender aonde ela queria chegar, ela disse.
— Estava com saudades.
Eu congelei e ela continuou.
— Fiquei sabendo que você saiu do Cobra Kai...
Apertei a garrafa de cerveja na minha mão e dei de ombros, tentando parecer casual.
— É... Eu sabia que não era o melhor lugar pra se estar. Então me juntei aos meus amigos.
Moon sorriu de um jeito que parecia genuíno, e, antes que eu percebesse, sua mão estava no meu ombro.
— A gente pode sair qualquer dia.
Franzi o cenho, confuso.
— Mas e aquele cara...?
Ela riu, me interrompendo com um aceno de mão.
— Ah, ele? Só um cara que conheci na festa. Não é nada. Nada como o que tivemos.
O tom da voz dela abaixou um pouco, o suficiente para eu entender o que ela estava tentando dizer.
Engoli em seco.
Por um instante, apenas um instante, eu hesitei.
Moon era incrível. Eu sabia disso. Passei tanto tempo querendo consertar as coisas entre nós, tentando voltar a ser o cara que ela queria que eu fosse, tentando fazer com que ela me enxergasse de novo. E agora... Agora ela estava bem na minha frente, deixando claro que ainda havia algo ali. Que talvez pudéssemos ter uma segunda chance. Mas, por algum motivo, eu simplesmente não consegui corresponder.
Apenas soltei um suspiro leve e disse.
— É... A gente marca qualquer dia.
O que era praticamente um não.
E então, antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, saí da cozinha. Meus passos estavam rápidos, mas minha mente estava um caos.
O que diabos eu estava fazendo?
Eu passei semanas remoendo o término. Me sentindo um idiota por tê-la perdido. Eu quase rastejei de joelhos para ter Moon de volta.
E agora que ela estava ali, disposta, aberta para uma conversa, para um talvez, eu simplesmente... Recusei?
Por quê?
Passei a mão no rosto, irritado comigo mesmo.
Algo estava errado. E o pior de tudo? Eu sabia exatamente o que estava acontecendo. Mas não queria admitir.
Joguei meu corpo no sofá, soltando um suspiro pesado. A festa continuava acontecendo ao meu redor, mas, para mim, parecia que tudo estava em câmera lenta.
Casais para todo lado.
Parecia até que a festa inteira tinha combinado de esfregar na minha cara o fato de que eu estava completamente sozinho.
Miguel e Samantha estavam juntos de novo, parecendo felizes como se nunca tivessem terminado. Demetri, o cara que eu nunca imaginaria envolvido romanticamente com alguém como Yasmine, estava claramente saindo com ela. E, sinceramente, aquilo ainda parecia um milagre difícil de acreditar.
Robby Keene estava ali também, e, pela forma como ele ficava perto de Yelena sem nunca realmente se aproximar, dava para ver que o cara estava em um dilema amoroso. Ele parecia um cachorro acuado, rondando ela como se estivesse esperando uma permissão para avançar.
E eu... Eu não podia negar que me sentia da mesma forma. O que me irritava.
Na verdade, me deixava louco.
Porque, ao contrário de Robby, que pelo menos sabia exatamente por quem estava se sentindo um idiota, eu estava tentando ignorar a verdade há dias.
Mas não dava.
Eu estava confuso. Mais do que gostaria de admitir. E era isso que me matava por dentro.
Passei a mão pelo rosto, frustrado, tentando afastar qualquer pensamento que me levasse de volta para aquele momento na cozinha com Moon. Para o fato de que eu simplesmente não quis aproveitar a chance de talvez recomeçar algo com ela. Para a razão de verdade que estava me deixando tão perdido.
Eu sabia o que estava acontecendo. Só não queria admitir.
Então fiz a única coisa que podia fazer, levei a garrafa de cerveja até a boca e tomei um longo gole, deixando o gosto amargo preencher minha garganta.
A música alta vibrava no ambiente, e eu me forcei a apenas aproveitar. Apenas esquecer. Ou pelo menos tentar.
No entanto, a música alta e a conversa animada ao redor da festa foram cortadas pelo som estridente das sirenes. Assim que ouvi alguém gritar "Ferrou, galera, todo mundo tem que sair agora!", meu corpo agiu no instinto.
Me levantei do sofá tão rápido que quase derrubei a garrafa de cerveja que estava ao meu lado e comecei a me mover em direção aos fundos da casa. Se tem uma coisa que aprendi depois de me meter em tantas confusões, é que não se espera para descobrir se a polícia está a fim de ouvir explicações.
Fui na direção da calçada onde minha moto estava estacionada, desviando das pessoas que corriam para todos os lados. Mas, no meio do caos, senti um impacto tão forte que me jogou no chão.
O choque me fez perder o equilíbrio completamente, e quando percebi, estava caído, de costas no chão. Com o corpo dolorido, ergui o olhar, pronto para soltar um xingamento para quem tivesse esbarrado em mim, mas as palavras ficaram presas na garganta quando vi quem era.
Lauren.
Claro que tinha que ser ela.
Suspirei, irritado, enquanto ela me empurrava com as duas mãos.
— Sai de cima! — Ela esbravejou, a voz cheia de impaciência.
Me levantei, batendo as mãos na roupa para tirar a poeira, e resmunguei:
— Você corre como uma estabanada.
Ela sequer prestou atenção em mim. Parecia aérea, o olhar dela varria o ambiente ao redor, como se procurasse alguém. Então, com uma expressão exasperada, passou a mão no rosto e murmurou para si mesma.
— Bem hoje que o Mikan resolveu não vir... E cadê a Yelena?
Eu cruzei os braços, um sorriso cínico no rosto. Apontei para frente, onde Robby Keene arrastava Yelena pela mão, os dois correndo na direção do carro dele.
— Serve ela? — Perguntei, o tom carregado de sarcasmo.
Lauren virou o rosto para me encarar, e a intensidade no olhar dela me fez dar um passo para trás instintivamente. Sabe-se lá o que essa garota é capaz de fazer. Ela não é só brava, ela é maluca.
— Você veio de carro? — Ela perguntou de repente, a voz carregada de urgência.
Franzi o cenho, confuso com a pergunta repentina, e respondi com o tom mais indiferente que consegui.
— Não, eu vim de moto. Tá logo ali.
E ela claro, não perdeu tempo.
— Ótimo — Disse, já começando a andar na direção da minha moto.
Eu corri na frente dela, me apressando para subir primeiro.
— Nem vem — Falei enquanto subia na moto e encaixava as mãos no guidão. — Não vou te levar.
Lauren parou ao meu lado, cruzou os braços e me lançou um olhar tão frio que me fez repensar minha decisão no mesmo instante. Mas o que ela disse a seguir foi o suficiente para me fazer engolir em seco.
— Se você não me deixar subir, eu te derrubo, subo na moto sozinha e ainda te deixo aqui pra ser preso.
O tom dela era tão sério que não dava para saber se ela estava brincando ou ameaçando de verdade. Suspirei, murmurando um xingamento baixo enquanto balançava a cabeça.
— Você é mesmo insuportável, sabia? — Resmunguei, me virando para ela. — Tá, sobe logo antes que eu me arrependa.
Lauren não perdeu tempo. Subiu na moto de um jeito ágil, como se já tivesse feito isso um milhão de vezes. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, senti os braços dela envolvendo minha cintura, o que me fez ficar imediatamente vermelho.
— Ei! Vai com calma, princesinha de Okinawa. Quer esmagar meus ossos? — Reclamei, tentando soar irritado, mas minha voz saiu estranha, como se eu não soubesse como lidar com aquilo.
Ela nem se deu ao trabalho de responder com calma.
— Cala a boca e pilota.
— O quê? — Perguntei, virando o rosto para ela, ainda meio atordoado.
— Acelera, imbecil! — Ela gritou.
Fiquei tão irritado com o tom dela que comecei a dizer algo, mas simplesmente engoli as palavras.
— Sua... — Murmurei entre dentes, antes de girar o acelerador e arrancar com a moto.
O vento frio da noite bateu contra o meu rosto enquanto eu acelerava pela rua, mas não foi suficiente para apagar o desconforto que eu sentia. O fato dela estar segurando firme na minha cintura fazia meu estômago revirar.
Eu não sabia se estava mais irritado com o jeito mandão dela ou com o jeito como meu corpo parecia reagir ao contato.
Definitivamente, Lauren era o tipo de problema que eu não sabia como lidar.
Dirigir de noite sempre teve algo de libertador. O vento frio cortando o rosto, o barulho do motor, a estrada escura à frente... Normalmente era algo que me acalmava. Mas hoje não estava funcionando. Como poderia, com ela sentada bem atrás de mim?
Assim que saímos da confusão da festa, aproveitei o silêncio para perguntar.
— Então, onde fica a sua casa?
Ela não hesitou em responder.
— É no prédio perto do estúdio de tatuagens, sabe onde é?
O prédio perto do estúdio de tatuagens. Claro que eu sabia. Como poderia esquecer? Foi lá que Yelena me ajudou a lutar contra aqueles idiotas do Cobra Kai quando rasparam meu moicano. Só de lembrar disso, meu estômago deu um nó.
Sem olhar para trás, perguntei.
— Vocês três moram juntos?
Lauren suspirou, o som carregado de cansaço.
— O dojô financiou o apartamento pra gente. Então, é o que temos. E, sinceramente, é mais do que suficiente. É um lugar espaçoso, o condomínio é bom, tem até uma área pra treinar.
Ela falou isso com uma naturalidade que me deixou desconcertado. Como se dividir um apartamento com Mikan e Yelena fosse a coisa mais normal do mundo.
— Claro, claro — Murmurei, tentando não parecer mais interessado do que deveria.
Por algum motivo, a ideia dela morando com outras duas pessoas me incomodava. Talvez fosse porque eu sabia que Mikan era praticamente um irmão mais velho pra ela, mas ainda assim... Não sei, era estranho. Morar com um cara que não é exatamente seu parente? Parece estranho.
Mas de repente, algo me tirou de todo e qualquer pensamento que vagava pela minha mente.
Enquanto eu dirigia, sentindo o vento contra o rosto e tentando afastar os pensamentos irritantes, senti algo que me fez quase travar. Lauren encostou a cabeça nas minhas costas.
O toque foi leve, quase imperceptível, mas foi o suficiente para bagunçar minha concentração. Meu coração disparou de um jeito que não fazia sentido, e, de repente, tudo ao meu redor ficou embaçado.
Eu sequer percebi que estava me aproximando de um cruzamento.
O som de Lauren gritando me trouxe de volta à realidade com um baque.
— Tá maluco?! O sinal fechou!
Só então percebi que havia passado direto pelo sinal vermelho.
Minhas mãos apertaram o guidão com força, e eu soltei o ar em um suspiro trêmulo, tentando parecer mais calmo do que estava.
— Foi mal — Murmurei, a voz mais baixa do que eu queria.
Lauren não respondeu. Ela apenas voltou a se ajeitar, mas ainda mantinha a cabeça levemente inclinada contra minhas costas, como se não se importasse com o erro estúpido que eu havia cometido.
Enquanto dirigia em direção ao prédio dela, tudo que eu conseguia pensar era no porquê de aquilo estar acontecendo comigo.
Por que logo ela?
Ela era o tipo de pessoa que eu nunca imaginei que me faria sentir... Qualquer coisa. Mandona, irritante, cheia de comentários sarcásticos e uma mania insuportável de me colocar no meu lugar. Mas, de alguma forma, essa combinação de defeitos parecia mexer comigo de um jeito que eu odiava admitir.
A cada esquina, eu me sentia mais tenso, com ela tão perto de mim, tão confortável, enquanto eu parecia à beira de um colapso interno.
Chegamos ao prédio mais rápido do que eu esperava. Estacionei a moto na frente e tirei o capacete, tentando esconder o rosto corado e o desconforto.
— Tá aqui — Disse, a voz saindo um pouco mais firme do que antes.
Lauren desceu da moto com a mesma agilidade que tinha quando subiu. E, por um breve momento, pensei que ela fosse apenas agradecer e entrar no prédio sem dizer mais nada. Mas, ao invés disso, ela parou, virou-se para mim e disse.
— Valeu pela carona.
Houve algo no tom dela, algo menos sarcástico e mais... Sincero.
E, como sempre, ela não esperou por uma resposta. Apenas virou as costas e entrou no prédio, deixando-me parado ali, no meio da noite, me perguntando o que, exatamente, ela estava fazendo comigo.
Ela já estava abrindo a porta do prédio quando eu senti o impulso sair. Foi como se meu corpo agisse antes que meu cérebro pudesse acompanhar.
— Espera aí! — Gritei, a voz saindo mais alta do que eu pretendia.
Lauren parou no meio do movimento e se virou devagar, com a expressão confusa. Ela abriu novamente a porta e me olhou, erguendo uma sobrancelha.
— O que foi?
Eu desliguei a moto e desci, quase tropeçando no próprio pé por causa da pressa. O que eu estava fazendo? Nem eu sabia.
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse pensar.
— Por que você fugiu aquele dia?
Ela franziu o cenho, cruzando os braços, claramente sem entender.
— O que?
Respirei fundo, tentando manter a compostura, e continuei..
— Na lanchonete. Você estava toda simpática, e, de repente, sumiu. Foi a consciência pesando por ter sido legal uma única vez na vida?
Por um momento, Lauren não disse nada. Mas então, pela primeira vez, eu vi algo diferente nela. Ela parecia desconcertada. Era sutil, mas estava lá.
Ela respirou fundo, colocando os braços atrás do corpo, e respondeu firme.
— E eu deveria ter compaixão pelos inimigos?
A palavra me pegou de surpresa. Franzi o cenho, confuso.
— Inimigos? Isso ainda é por causa da Jean...?
Antes que eu pudesse terminar, ela levantou a mão, me silenciando.
— Não. Eu apenas estou me colocando na posição de alguém que é da equipe rival. Espero que não tenha confundido as coisas.
Ela disse isso com uma firmeza quase ensaiada. E antes que eu pudesse responder, ela se virou novamente, pronta para entrar no prédio. Mas eu não ia deixar assim.
— E se eu tiver?
As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar.
Lauren parou no mesmo instante. Quando se virou para me encarar de novo, o choque estava claro no rosto dela.
— Como é?
Eu dei de ombros, fingindo uma calma que definitivamente não sentia.
— E se eu tiver confundido as coisas? Isso seria culpa sua por passar uma imagem tão errada.
A reação dela foi instantânea. Ela soltou uma risada curta, quase incrédula, e desceu alguns degraus, parando a uma distância considerável de mim. Mesmo assim, eu conseguia ver cada detalhe da expressão dela.
— Não deveria estar preocupado em reatar seu namoro com a vegana, em vez de se preocupar com as ideias erradas que passei?
O tom dela era puro sarcasmo, e aquilo me atingiu de um jeito que eu não queria admitir.
— Eu não te entendo — Disse, já irritado, gesticulando no ar. — Uma hora você parece se importar, e, de repente, age como uma babaca de novo!
Lauren colocou a mão no peito, num gesto exagerado de falsa empatia.
— Ah, sinto muito se machuquei seus sentimentos, Falcão.
O jeito que ela disse meu apelido, carregado de zombaria, me fez cerrar os punhos.
— Eu só estava tentando ser simpática porque você parecia em luto absoluto pelo cabelo. Isso não nos torna nada. Deixa de ser um bebê chorão e não fala mais comigo.
O tom dela era afiado como uma faca.
— Eu agradeço pela carona, mas, a partir de agora, não precisa mais se preocupar. Vou voltar a te tratar com indiferença, e você faz o mesmo. Simples. É mais fácil do que nos odiarmos, não acha?
Fiquei sem palavras por um momento. Não porque eu concordava, mas porque... No fundo, eu sabia que não queria isso. Só não sabia por quê.
Mas, em vez de admitir, eu ri. Um riso curto, cheio de cinismo, que parecia estranho até para mim.
— Ótimo — Respondi, subindo na moto.
Lauren me olhou, esperando por algo mais. Eu deveria ter calado a boca ali, mas, em vez disso, as palavras simplesmente saíram.
— Vai ser muito mais fácil fingir que você não existe. Se ferra também, Lauren. Você não é importante. Não é ninguém pra mim.
Eu disse isso enquanto ligava a moto e acelerava, praticamente fugindo dali.
Mas no segundo em que olhei pelo retrovisor e vi o rosto dela, algo dentro de mim quebrou. Lauren estava parada no meio da calçada, o olhar abatido e cheio de choque. Meus dedos apertaram o guidão com tanta força que doeu.
O que eu tinha acabado de fazer?
As palavras que saíram da minha boca foram mais cruéis do que eu pretendia. Mas, ao mesmo tempo, eu estava tão irritado, tão confuso. Ela me deixava assim, sempre. Uma mistura insuportável de raiva e... Outra coisa que eu não queria nomear.
Meu peito estava apertado enquanto eu dirigia. O vento cortava meu rosto, mas não fazia diferença. A única coisa que eu conseguia pensar era no olhar de Lauren, aquele último instante antes de eu ir embora.
Será que eu tinha ultrapassado o limite? Provavelmente. Mas, caramba, ela me irritou tanto. Ela sempre consegue. E o pior de tudo é que, mesmo enquanto eu fugia, eu já sabia que ia me arrepender.
Obra autoral ©
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top