07. I love, i love you
O suor escorria pelo meu rosto enquanto eu ajustava a postura, preparando-me para mais um golpe. Minhas mãos doíam, os músculos doíam, tudo doía, mas eu não parava. Cada movimento era carregado de uma raiva que não conseguia dissipar. O treino era minha única válvula de escape, e, naquele momento, Elliot era quem estava no caminho.
Ele estava na minha frente, ofegante, com uma expressão de puro cansaço. Eu sabia que estava exagerando, mas não me importava. Minha raiva precisava ir para algum lugar, e ele era o alvo mais próximo.
— De novo! — Gritei, posicionando-me para mais um ataque.
Elliot ergueu os braços, hesitante, tentando se defender, mas meu chute passou pela guarda dele e acertou seu ombro. Ele cambaleou para trás, soltando um gemido abafado, mas eu não parei. Avancei com uma sequência rápida, e ele caiu de joelhos no tatame.
— Lauren! — Kumiko gritou ao longe, mas eu só conseguia ouvir o som do meu próprio sangue pulsando nos ouvidos.
Minha mente estava em outro lugar, muito além daquele dojo. Tudo o que eu conseguia pensar era nele. Eli. O maldito do moicano.
Eu imaginava como ele devia estar agora, provavelmente com a cabeça baixa, a confiança destruída. Antes, ele desfilava com aquele moicano ridículo, cheio de si, achando que era invencível. Mas agora? Aposto que nem conseguia se olhar no espelho.
A ideia me dava uma satisfação estranha e sombria, mas também um incômodo inesperado. Porque, por mais que eu odiasse aquele garoto, a ideia de alguém do Cobra Kai tocando nele... Aquilo me deixava furiosa.
A memória era vívida. Quando vi Yelena voltando do que parecia uma batalha, eu soube que algo tinha acontecido. E então ela contou, com seu tom casual e irritante, que encontrou Eli sendo atacado por Robby, Kyler e os outros. Eu deveria ter rido. Eu deveria ter achado engraçado, mas, em vez disso, algo queimou dentro de mim.
Como eles ousaram? O Cobra Kai tinha o hábito de ultrapassar limites, mas mexer com Eli? Isso era algo que eu queria fazer. Só eu tinha o direito de humilhá-lo.
— Está me ouvindo, Lauren? — A voz de Kumiko me trouxe de volta à realidade.
Elliot ainda estava no chão, respirando com dificuldade. Eu pisquei algumas vezes, tentando afastar a névoa de raiva que me envolvia.
— Sim, sensei — Murmurei, curvando-me brevemente antes de me afastar.
Ela me lançou um olhar de advertência, mas não disse mais nada. Eu sabia que estava no limite.
Enquanto pegava minha toalha e limpava o suor do rosto, minha mente continuava voltando para ele. Eli. Aquele garoto tinha se tornado uma obsessão incômoda.
Eu imaginava a cena repetidas vezes. Ele, no tatame, tentando manter aquela pose durona enquanto eu o puxava pelo moicano e o arrastava na frente de todos. Mas agora, o moicano não existia mais. Eles tiraram isso dele. E, de alguma forma, isso me incomodava mais do que deveria.
Eu queria vê-lo novamente, mas não para lutar. Eu queria ver o estrago, a humilhação, mas também... Não sei. Talvez fosse só curiosidade.
— Lauren, está tudo bem? — Yelena perguntou, aproximando-se.
— Tudo. — Respondi rapidamente, ajustando meu cabelo e tentando parecer despreocupada.
Ela arqueou uma sobrancelha, claramente não convencida, mas não insistiu.
Terminei o treino com movimentos precisos, quase automáticos. Cada golpe no ar parecia direcionado a um fantasma, uma memória que eu não conseguia apagar. E, no fundo, eu sabia que precisava encontrá-lo novamente. Não para lutar, não para brigar, mas porque algo dentro de mim precisava de respostas.
Eli Moskowitz, o falcão. Ele estava vivendo de graça na minha cabeça, e eu odiava isso tanto quanto o odiava.
Soltei meu cabelo em um gesto rápido, deixando os fios caírem soltos pelos ombros. Era estranho. Fora do habitual. Sempre os mantinha presos em um rabo de cavalo, tenso como eu. Talvez fosse um reflexo de como me sentia agora, desarmada, vulnerável de uma forma que eu odiava admitir.
Ajeitei minha mochila sobre um ombro e passei pela porta do dojô. Mikan estava ali, como sempre, me enchendo de perguntas.
— Onde você vai? Por que soltou o cabelo? Está tudo bem? — Ele disparava como uma metralhadora.
Não respondi. Não tinha paciência para aquilo agora. Apenas o encarei por um segundo, o suficiente para ele recuar com um resmungo, e continuei andando. Yelena me olhou com um misto de curiosidade e preocupação, mas, para minha sorte, não perguntou nada.
O ar da noite era fresco, mas não conseguia me acalmar. Cada passo na calçada parecia pesado, como se eu estivesse indo para uma batalha. Eu não sabia exatamente o que esperava dessa "reunião", mas sabia que precisava encarar Eli. Ele estava se tornando um espinho cravado na minha mente, um incômodo constante que não saía, não importava o quanto eu tentasse.
Cheguei à pista de skate e olhei ao redor. O lugar estava vazio, como eu esperava. Sempre ficava assim depois das 19h30. A maioria das pessoas tinha outras coisas para fazer, casa, escola, amigos. Eu não tinha nada disso agora, ou melhor dizendo, eu escolhi não ter, apenas para vir até aqui e bem, descobrir se ele realmente vai ter coragem de dar as caras.
Sentei-me na borda de uma das rampas, deixando a mochila de lado. O vento balançava meus cabelos, uma sensação que deveria ser agradável, mas não era. Minhas mãos estavam entrelaçadas, inquietas, enquanto eu esperava.
Eu nem sabia o que faria quando ele aparecesse. A ideia de estar cara a cara com ele novamente me fazia sentir uma mistura de raiva e... Algo mais. Algo que eu não queria nomear.
Fechei os olhos por um momento, tentando acalmar os pensamentos. Mas a imagem de Eli continuava voltando. Ele, naquela lanchonete, confiante, arrogante, com aquele maldito moicano. E agora? Ele estava diferente, muito provavelmente. Eu sabia disso. Algo nele havia mudado, e isso me irritava mais do que eu podia entender.
O som de passos me tirou dos pensamentos. Abri os olhos e olhei na direção de onde vinha o barulho. Eli estava lá, com um capuz cobrindo a cabeça, as mãos nos bolsos. Ele parecia hesitante, quase como se estivesse se perguntando por que havia vindo.
E, por um segundo, eu também me perguntei isso. Mas era tarde demais para voltar atrás. Ele estava aqui. E, de alguma forma, eu sabia que essa conversa, ou seja lá o que fosse isso, seria um ponto sem retorno. Eu abaixei o olhar, decidindo exatamente o que faria, porque eu parecia mais perdida do que de fato, determinada.
A voz dele me pegou desprevenida, mesmo que eu já esperasse algo do tipo. "Princesinha de Okinawa," ele disse, com aquele tom provocativo que eu conhecia tão bem, embora estivesse mais abatido. Meus músculos ficaram tensos no mesmo instante, mas minha curiosidade foi mais forte.
Levantei o olhar e o vi parado a poucos metros, com um capuz escondendo o que antes era seu símbolo de orgulho. Algo no jeito que ele estava me irritava profundamente, não pela provocação em si, mas pela hesitação por trás dela. Ele não era mais o mesmo Eli que andava por aí com aquele maldito moicano e um sorriso arrogante.
Levantei-me rápido, os pés praticamente me levando até ele antes que eu pudesse pensar. Quando cheguei perto o suficiente, ele recuou, dando um passo para trás. Eu só franzi o cenho, ignorando o movimento dele, e puxei o capuz sem pedir permissão.
— O quê...? — Ele começou a protestar, mas já era tarde demais.
E então eu vi. O cabelo dele estava raspado, um buzzcut bem curto. Sem o moicano, sem aquela confiança estampada como uma bandeira de guerra. Segurei o rosto dele com as mãos, quase sem perceber o que estava fazendo. Seus olhos arregalaram, e ele gaguejou.
— O que você tá fazendo?
— Quieto – Ordenei, minha voz firme, quase fria. — Só quero ver o nível do estrago.
Passei os olhos pelo rosto dele, agora tão exposto. Ele parecia tão... Vulnerável. Era estranho vê-lo assim. Soltei suas bochechas e dei um passo para trás, suspirando enquanto tentava organizar os pensamentos caóticos na minha cabeça.
– Sabe – Comecei, meio hesitante —, de perto, até que ficou bem melhor assim.
Ele riu, mas foi uma risada amarga, sem humor de verdade.
— Tá falando sério? É por isso que me chamou aqui? Só pra mais uma humilhação?
Eu o encarei, surpresa com a amargura na voz dele.
— Não sei — Respondi, a verdade escapando antes que eu pudesse pensar em algo melhor. — Eu... Realmente não sei, mas...
O silêncio caiu entre nós por um momento, pesado como uma tempestade prestes a estourar. Eli cruzou os braços, me encarando com um olhar desconfiado.
— Mas o que, Lauren? — Ele insistiu.
Respirei fundo, tentando organizar os pensamentos confusos.
— Quando pensei em te chamar, só... Acho que eu só queria lutar com você. Queria acabar com você no tatame, mas agora... Agora parece que seria inútil. Como se tivesse sido em vão.
Ele deu um passo na minha direção, a expressão dele uma mistura de cansaço e desafio.
— Então é isso que você quer? Bem, vou te poupar do trabalho. Não vou mais competir.
As palavras dele me atingiram como um soco.
— Como é que é? — Perguntei, incrédula.
— Você ouviu. Eu já perdi tudo, Lauren. Não vou competir no All Valley. Não faz mais sentido.
Uma risada amarga escapou de mim antes que eu pudesse conter.
— Não mesmo, Eli. Você não pode desistir só por causa de um moicano idiota. Como se um corte de cabelo fosse definir quem você é.
Ele piscou, parecendo genuinamente surpreso.
— Não é só o cabelo...
— Não importa o que seja – Interrompi, me aproximando dele. Eu vi quando ele engoliu em seco, um movimento quase imperceptível. — Você me disse que me destruiria no tatame, lembra? Então é bom não quebrar essa promessa, porque eu quero ver isso acontecer. Quero pagar pra ver.
Ele balançou a cabeça, murmurando algo baixo.
— Você é maluca.
Dei de ombros, deixando um sorriso cínico surgir.
— Talvez. Mas, por enquanto, tem algo que você pode fazer pra compensar tudo isso.
Ele franziu os lábios, desconfiado.
— O quê é agora?
— Um milkshake – Declarei, cruzando os braços.
— Um milkshake? — Ele repetiu, claramente confuso.
— Sim. Você me deve um. Da primeira vez que nos encontramos, era essa a ideia, lembra? Mas eu te derrubei no gelo antes que você pudesse oferecer.
Ele soltou uma risada seca.
— E agora quer que eu pague um milkshake?
Dei de ombros, tentando parecer mais casual do que realmente me sentia.
— É o mínimo que você pode fazer, considerando o desastre que foi naquele dia, principalmente por você ter me tratado como segunda opção. Que ridículo.
Ele ficou em silêncio por um momento, provavelmente tentando entender se eu estava falando sério ou não. Eu mesma não sabia direito. A verdade era que tudo ainda me irritava, ele, a situação, a sensação de que algo maior estava fora do meu controle. Mas, de alguma forma, pedir aquele milkshake parecia a única maneira de tornar tudo um pouco mais... Suportável.
Seguimos em silêncio por um tempo, os passos ecoando na calçada quase deserta. A noite estava fria, mas nada que realmente me incomodasse. Eu não sabia bem por que, mas aquele silêncio começou a me irritar. Não que eu estivesse confortável antes, mas agora parecia insuportável.
Olhei de canto para ele, com o capuz ainda cobrindo o cabelo raspado, o rosto meio escondido nas sombras, ele insistiu em esconder o cabelo de novo, como se ele tivesse um terceiro olho bem no meio da cabeça, eu não via motivos para tanta vergonha, não estava ruim. Aquilo me deu um nó no estômago. Não de pena, mas de pura frustração. Eu não sabia exatamente o que esperava desse encontro, mas definitivamente não era isso.
— Quem foi? — Perguntei, quebrando o silêncio de repente. Minha voz soou mais dura do que eu pretendia, mas não me importei.
Ele me lançou um olhar de soslaio, hesitando por um momento.
— Quem fez isso? — Insisti, apontando vagamente para o capuz dele.
Ele soltou um suspiro pesado, como se aquilo fosse o maior esforço do mundo.
— Robby Keene — Disse, quase num sussurro.
Eu franzi o cenho, o nome ecoando na minha cabeça. Claro que tinha que ser ele.
— Quem mais estava junto? — Continuei, tentando controlar o tom da minha voz.
Ele parou de andar por um instante e me olhou, claramente irritado.
— Por que você se importa? — Ele perguntou, o tom ácido. — Não era isso que você queria? Me ver humilhado? Que diferença faz quem estava lá?
As palavras dele me atingiram como uma bofetada, mas não recuei. Pelo contrário, dei um passo à frente, parando na frente dele. Ele tentou desviar o olhar, mas não deixei.
— Não, Eli — Disse, minha voz mais baixa, embora carregada de firmeza. — Eu queria ser a única responsável por isso. Eu queria que fosse eu. Não outros idiotas qualquer.
Ele piscou, claramente confuso com minha resposta, mas não disse nada. Aproveitei o silêncio para continuar.
— E além disso, já tenho uma mágoa bem grande com o Cobra Kai. Destruí-los só vai facilitar as coisas pra mim. E não sou só eu. Yelena e Mikan também os odeiam. Keene já tá no topo da nossa lista negra.
Ele continuou me olhando, mas parecia estar digerindo as palavras. Suspirei, voltando a andar, mas parei de novo ao me dar conta de algo.
— E tira logo esse capuz — Disse, me virando para ele.
— O quê? — Ele perguntou, franzindo o cenho.
– O capuz – repeti, cruzando os braços. — O cabelo tá ótimo, Eli. Não tem por que esconder.
Ele virou o rosto, quase como se estivesse se protegendo de mim, e murmurou baixo.
— Ainda não tá o mesmo...
Revirei os olhos, impaciente.
— Você tem razão. Não tá o mesmo. Tá melhor — Rebati, sem hesitar. Dei um empurrão leve no ombro dele, tentando tirar aquele ar abatido dele. — Agora para de drama e anda logo. Estou começando a ficar com sede de milkshake.
Ele bufou, mas foi mais como um suspiro exasperado.
— Você é muito irritante... E confusa. — Disse, revirando os olhos.
Um sorriso satisfeita surgiu no meu rosto antes que eu pudesse conter.
— Eu sei — Respondi, voltando a andar.
Ainda senti o olhar dele em mim por um momento antes de ele me seguir. Não sei exatamente o que eu estava tentando fazer ou provar. Ainda estava irritada com tudo. Com ele. Comigo. Com o Cobra Kai. Mas, por algum motivo, ver Eli assim, tão... Vulnerável, só me dava mais raiva deles. E mais vontade de arrumar tudo isso de alguma forma.
Pelo menos, um milkshake seria um começo.
Entramos na lanchonete, e assim que a porta se fechou atrás de nós, não consegui conter o fluxo de memórias. Foi aqui, exatamente aqui, que tudo começou entre nós. A mesma lanchonete. A mesma vibração de noite fria. E, ironicamente, a mesma mesa de canto. A diferença era que, naquela dia, Eli estava no auge de sua confiança irritante, com aquele moicano chamativo e o ego maior do que o próprio All Valley. Mas agora... Agora ele parecia outra pessoa. Quieto, estático, quase como uma sombra do garoto que eu queria arrancar do tatame pelos cabelos.
Me sentei primeiro, jogando minha mochila de qualquer jeito no banco ao meu lado. Peguei o cardápio e comecei a folheá-lo, mais por distração do que por interesse. Eli sentou-se em silêncio à minha frente, o capuz ainda escondendo parte do rosto, os ombros curvados de um jeito que não combinava com ele. Era estranho. Irritante. Como se algo estivesse fora de lugar, e eu não soubesse como consertar.
Olhei por cima do cardápio e o vi ali, tão imóvel, que parecia uma estátua. Respirei fundo, fechando o cardápio com um estalo.
— Você sabe — Comecei, cruzando os braços sobre a mesa —, da última vez que nos sentamos em uma mesa assim, você estava se gabando de como era incrível e de como eu não me arrependeria de ter saído com você.
Ele levantou o olhar, finalmente. Sua expressão era difícil de decifrar, mas claramente havia irritação ali.
— E agora — Continuei, inclinando-me ligeiramente para a frente —, onde foi parar toda aquela confiança, hein?
Ele me encarou por um momento, depois revirou os olhos, jogando-se contra o encosto da cadeira.
— Ainda está aqui — Murmurou. — Só... Não dá pra impressionar com esse cabelo.
— Ai, que drama — Rebati de imediato, jogando as mãos para o alto. — Você está claramente mais gato com esse corte. Jura que acha que não vai atrair olhares assim?
O choque estampado no rosto dele foi quase cômico.
— O quê? — Ele perguntou, como se não tivesse entendido o que eu disse.
Dei de ombros, voltando à minha postura relaxada.
— É só a verdade — Respondi, simplista. — Essa sua baixa autoestima está me tirando do sério.
Ele me olhou de um jeito diferente, como se tentasse decifrar minha intenção, antes de balançar a cabeça lentamente.
— Você e Yelena são mesmo amigas — Comentou, com um sorriso de canto. — São bem parecidas.
Ergui as sobrancelhas, surpresa.
— E por quê acha isso?
Ele deu de ombros, apoiando o cotovelo na mesa e o rosto na mão.
— Ela disse a mesma coisa sobre o cabelo. Como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Soltei uma risada breve, mas genuína.
— Alguém que não as conheça bem poderia interpretar isso como um flerte, sabia? — Ele riu baixo, sacudindo a cabeça. — Se bem que... Se isso fosse flerte, vocês duas já perderam a sanidade, então.
Eu dei uma risadinha baixa, balançando a cabeça e me recostando no banco.
— O dia que eu ou Yelena flertarmos com alguém, pode ter certeza, Eli, o mundo provavelmente vai estar acabando.
Ele deu a primeira risada verdadeira da noite, e aquele som, tão raro e sincero, me pegou de surpresa.
— Vocês duas são umas megeras de ferro — Ele disse, ainda rindo.
— Megeras? — Perguntei, arqueando uma sobrancelha.
— Sim — Ele respondeu, ainda com um sorriso. — Não sei como alguém consegue sobreviver lidando com vocês duas.
A provocação dele me fez sorrir de volta, mas algo dentro de mim mudou. Não sabia exatamente o quê, mas talvez... Talvez fosse a ideia de que, finalmente, havia algo do Eli que conhecia há meses atrás ali. O garoto que eu odiava com tanto fervor, mas que, de alguma forma, me fazia sentir viva cada vez que discutíamos.
Era estranho. Eu ainda estava irritada, confusa e cheia de questões que não sabia como resolver. Mas, naquele momento, o riso dele parecia menos uma afronta e mais... Uma reconexão. E, por algum motivo, isso me deu vontade de continuar ali, naquele canto da lanchonete, por mais um pouco.
Eli finalmente quebrou o silêncio novamente, me pegando desprevenida.
— Sabe que a gente não vai se enfrentar diretamente no tatame, né?
Franzi o cenho, incrédula.
— Como é?
Ele suspirou e apoiou os cotovelos na mesa, como se estivesse prestes a me dar uma explicação de algo óbvio.
— Aqui na Califórnia, pelo menos, as coisas funcionam assim, garotas lutam contra garotas, e garotos contra garotos. Não tem essa de lutas mistas ou lutas de equipe. É tudo duelo direto por categoria masculina ou feminina. E ainda tem a divisão por idade.
Fiquei olhando para ele por alguns segundos, tentando absorver aquilo, mas foi impossível não rir, desacreditada.
— Você tá me dizendo que eu vim pra cá cheia de expectativas pra, no fim das contas, lutar em um sistema limitado desse jeito?
Ele deu de ombros, como se não fosse culpa dele.
— É como funciona por aqui.
Balancei a cabeça, ainda tentando processar.
— Na Rússia — Comecei, apoiando as costas no banco —, onde eu estava morando por um tempo graças ao meu dojô, as coisas eram completamente diferentes.
Ele ergueu uma sobrancelha, curioso.
— Diferentes como?
Sorri, lembrando-me das competições que participei.
— Era como uma guerra. Os torneios eram quase sanguinários. Muitos golpes que aqui são considerados ilegais lá eram permitidos. Claro, existiam categorias, mas eram por faixa, não por idade ou gênero. Era simples, se você era do mesmo nível técnico, lutava. Não importava se era garoto ou garota, se tinha 13 ou 20 anos.
Eli parecia absorver aquilo, mas então comentou, com uma ponta de sarcasmo.
— Então imagino que isso deve ser frustrante pra você.
Soltei um riso seco.
— Bastante. Até porque nenhuma garota aqui conseguiu me causar tanto desprezo a ponto de eu realmente me sentir motivada a ser impiedosa.
Ele arqueou a sobrancelha de novo, como se eu tivesse dito algo que o intrigou.
— Então eu te causei desprezo?
Assenti, dando de ombros.
— Causou.
Ele soltou um suspiro, parecendo surpreso e um pouco desconcertado.
— Nossa. Bem direta você.
— Só pra constar — Acrescentei, inclinando-me levemente na direção dele —, isso foi porque, de alguma forma, você conseguiu chamar a minha atenção. Então não precisa se sentir tão ofendido.
Ele revirou os olhos, mas um sorriso pequeno surgiu no canto dos lábios.
— Vou tentar levar isso como um elogio, então.
– Ótimo. — Respondi seriamente, voltando a me recostar no banco.
Ficamos em silêncio por alguns segundos antes de eu respirar fundo e mudar de assunto.
— Yelena provavelmente vai desmaiar Tory Nichols no tatame.
Ele arqueou a sobrancelha novamente, claramente curioso.
— Por quê?
— Porque elas têm uma rixa bastante palpável. — Revirei os olhos. — E quem começou com isso foi Tory, na cabeça dela. Ela pegou birra de mim só porque eu sou da mesma equipe da Yelena.
Eli deu um sorriso enviesado.
— E o que você acha da Tory?
Soltei uma risada curta.
— Tory? Ela é só mais um obstáculo que eu preciso superar. Definitivamente não é a oponente mais ameaçadora que já enfrentei.
Ele assentiu, mas havia algo em sua expressão que indicava que queria perguntar mais. Fiquei esperando, mas ele apenas deu um sorriso pequeno, sem dizer nada.
Algo naquele momento me deixou estranhamente confortável. Talvez fosse o fato de estarmos tendo uma conversa normal, sem as provocações habituais. Ou talvez fosse porque, pela primeira vez, Eli parecia... Amigável. Menos arrogante, mais acessível.
E isso me confundia. Mais do que eu estava disposta a admitir.
O milkshake chegou, servido com um canudo colorido e aquela camada generosa de chantilly no topo, mas, diferente do esperado, ele não trouxe alívio ou descontração. Pelo contrário, o silêncio voltou a se instaurar entre nós, denso e desconfortável. Peguei o copo e comecei a beber, concentrada no sabor doce e gelado, como se aquilo fosse suficiente para silenciar o tumulto que acontecia na minha cabeça.
Toda essa situação era estranha. Bizarra, na verdade. Por que, afinal, eu mandei Eli vir aqui? Só porque rasparam o moicano dele? O que eu queria provar? Quando o fiz, tinha certeza de que brigaria com ele, colocaria para fora toda a irritação que ele me causava desde o dia em que nos conhecemos. Só que, quando o vi com aquele capuz, tão deslocado, algo mudou.
Não consegui brigar. E isso me irritava mais do que qualquer outra coisa.
Olhei para ele rapidamente, mas ele estava igualmente em silêncio, mexendo distraidamente no copo com o canudo. Não havia a usual arrogância nele. Nenhuma provocação, nenhuma tentativa de mostrar o quanto ele era incrível. Era como se aquele golpe no shopping tivesse quebrado algo mais do que o cabelo dele. Talvez algo nele e... Em mim também?
Esse pensamento me enojava.
Desde o dia daquela briga, onde ele estava onde não devia, na hora errada, ele conseguiu encontrar em mim uma brecha que não existia antes. Eu não era vulnerável. Não queria ser. Mas lá estava ele, sentado à minha frente, como uma lembrança viva de que, talvez, eu tivesse baixado a guarda.
Minha mente estava uma bagunça. A voz de Yama ecoava com força, como uma espécie de mantra cruel: "Implacável. Impiedosa. Se não for assim, não conquistará nada. Será rebaixada. Será esquecida."
Eu já me sentia assim, rebaixada e esquecida. Sempre fui assim na minha própria casa. Papai sempre gostou mais do Jean. Isso era evidente, mesmo que ninguém dissesse. Pior, Jean achava o contrário. Ela dizia que papai me favorecia, mas como podia? Ele me abandonou antes de abandonar Jean. Sempre fui a errada, a que foi embora, a que "desistiu" da família.
Eu sabia o que minha mãe e Jean pensavam de mim. Que eu tinha largado tudo para viver um sonho ridículo. A verdade? Eu não vivi sonho algum. Só sobrevivi. Na Rússia, o karatê foi tudo o que me restou. Yama, Kumiko, Yelena, Mikan... Foram eles que me moldaram. Cada golpe, cada palavra dura, cada treino exaustivo. Eles me ensinaram a ser fria. A ser forte. A fechar qualquer porta que levasse a sentimentos fracos.
E agora, aqui estava eu. Sentindo algo que não deveria por Eli. Algo como empatia.
Não era permitido sentir isso. Não depois que Yama deixou claro que Eli era só um obstáculo no meu caminho. Uma peça no tabuleiro que precisava ser derrubada se eu quisesse alcançar o xeque-mate.
O peso dessas palavras caiu sobre mim de repente. Era sufocante.
— Preciso ir embora — Murmurei, minha voz mais baixa do que pretendia.
Eli levantou o olhar, confuso.
— O quê? Tá brincando, né? — Ele parecia irritado. — O milkshake acabou de chegar.
Deslizei meu copo na direção dele, sem conseguir encará-lo nos olhos.
— Que fique de brinde.
Levantei antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa, pegando minha mochila rapidamente e saindo. As palavras dele ficaram para trás, mas meu coração batia pesado enquanto eu caminhava para longe da lanchonete.
Não olhei para trás.
Minha mente estava bagunçada demais. Meus pensamentos pareciam gritos caóticos que se entrelaçavam, me puxando para um abismo de confusão. Tudo o que eu sabia era que precisava sair dali. Organizar tudo isso. Retomar o controle antes que fosse tarde demais. Porque, no fundo, eu sabia, o que quer que estivesse acontecendo comigo... Era perigoso, e eu precisava cortar o mal pela raiz antes que começasse a tomar o controle da minha restante sanidade.
Obs: A mão defeituosa, que ódio 😭
Obra autoral ©
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