11. Nervous wreck

❝ 𝖠𝗆𝗂𝗀𝖺 𝙡𝙞𝙣𝙙𝙖, 𝗊𝗎𝖾𝗆 𝗌𝖺𝖻𝖾
𝗎𝗆 𝖽𝗂𝖺 𝗏𝗂𝗋𝖺 𝖺𝗆𝖺𝖽𝖺 𝗺𝗶𝗻𝗵𝗮 ❞

Eu saí dali tão rápido que parecia que minhas pernas tinham decidido andar sozinhas. Minha mente estava uma bagunça completa, e tudo que eu conseguia pensar era, Como assim não é um encontro entre amigos? As palavras do Kenny estavam repetindo na minha cabeça como se ele tivesse sussurrado aquilo no meu ouvido de novo e de novo. Ele disse aquilo sério? Ou talvez só estava brincando? Mas, pela forma como ele parecia nervoso... Não, ele definitivamente estava falando sério.

Segurei o ar por um momento, tentando me acalmar, mas era inútil. Meus pensamentos corriam mais rápido do que meus passos. Quando percebi, já estava quase no quarteirão de casa. Me virei instintivamente para ver se Kenny ainda estava por perto, mas ele não estava. Graças aos céus. A última coisa que eu precisava agora era topar com ele no caminho de casa, considerando que nossas casas ficavam, basicamente, uma de frente pra outra. Eu estava tão envergonhada que seria capaz de entrar em casa correndo e me trancar no quarto pelo resto do dia.

Como ele conseguiu me deixar assim? Em apenas um mês... Um pouco mais de um mês, na verdade, Kenny tinha saído de ser o garoto que vivia com implicâncias para alguém que conseguia me desconcertar completamente. Mas não, isso não fazia sentido. Talvez ele tivesse se enganado, confundido tudo. Pode acontecer, certo? Às vezes, pessoas dizem coisas no calor do momento, sem pensar direito. Era isso. Só podia ser isso.

Mesmo assim, minhas mãos ainda tremiam um pouco enquanto eu olhava para a pulseira do Bob Esponja no meu pulso. Um encontro sério... Só de pensar nisso, meu estômago dava voltas, como se eu tivesse tomado o milkshake mais gelado do mundo de uma vez só. Passei os dedos pela pulseira, como se aquilo fosse me dar algum tipo de resposta ou, no mínimo, tranquilizar minha mente. Não funcionou. Pelo contrário, só me lembrou ainda mais da última meia hora que passamos juntos. O jeito como ele parecia nervoso, o jeito como ele falava comigo... Eu nunca tinha reparado antes, mas talvez ele realmente... Gostasse de mim.

Engoli em seco, sentindo meu rosto queimar. O que eu faria agora? Como eu encararia ele amanhã no treino? Eu ia chegar lá, e ele estaria lá, como sempre. Mas agora, saber que ele poderia gostar de mim mudava tudo. Como eu deveria agir? Como se nada tivesse acontecido? Como se eu não tivesse ouvido ele dizer aquilo? Ou, pior ainda, como se eu não tivesse dito que aceitava sair com ele? Ok, isso é muito complicado.

Soltei um suspiro pesado e virei a esquina, seguindo os passos com a mente divagando enquanto alguns vizinhos pareciam discutir, mas eu mal prestei atenção. Minha cabeça ainda estava presa no momento em que ele disse "não, Lizzie, não é um encontro entre amigos." Por que ele tinha que dizer aquilo? Por que ele não podia ter dito algo como "claro, é só um encontro de amigos, relaxa"?

Quase tropecei no meio do caminho, o que foi o suficiente para me fazer parar no caminho por momento, então avistei um banco e joguei minha mochila sobre ele antes de me sentar, segurando a pulseira com os dedos. Kenny estava confundindo minha cabeça, e eu odiava isso. Ele era meu amigo... Ou pelo menos era isso que eu achava. Agora, tudo parecia tão estranho, tão fora do lugar. Fechei os olhos, respirando fundo, tentando acalmar o turbilhão que era minha mente.

Amanhã. Amanhã eu ia vê-lo. E ia ter que agir como se tudo estivesse normal. Mas eu sabia que, no fundo, nada estava normal. Não depois disso.

Eu respirei fundo e me levantei, precisava voltar pra casa antes que escurecesse ainda mais. O caminho de volta para casa foi lento. Meus passos eram pesados, e minha mente ainda girava em torno de Kenny e o que ele tinha dito. Eu não queria topar com ele no caminho. Não hoje. Não agora. Eu provavelmente congelaria se o visse. Então, andei o mais devagar possível, tentando parecer distraída enquanto olhava para o céu escurecendo. Definitivamente não é um encontro entre amigos. As palavras ainda ecoavam, causando um aperto estranho no meu peito que eu não sabia bem como descrever.

Quando finalmente cheguei na frente da minha casa, olhei discretamente na direção da casa do Kenny. A luz da sala estava apagada, e ele não estava no quintal. Um pequeno alívio percorreu meu corpo. Ele já entrou. Um sorrisinho involuntário escapou de mim antes de eu balançar a cabeça, tentando afastar qualquer resquício de nervosismo. Isso é tão ridículo, pensei enquanto abria a porta de casa.

Mas o sorriso sumiu no mesmo instante em que meus olhos caíram na cena diante de mim. O chão da cozinha estava coberto de cacos de vidro, e havia sangue espalhado. Meu coração disparou, martelando no peito como um tambor descontrolado.

— Mãe?! — Gritei, o pânico tomando conta de mim enquanto corria para o corredor.

O som da voz do meu pai ecoava, alto e carregado de raiva, misturado com o choro baixo da minha mãe. Cada passo meu parecia pesar uma tonelada enquanto eu me aproximava. Quando finalmente vi os dois, minha mãe estava encolhida no chão perto da parede, com as mãos trêmulas tentando cobrir um corte no braço. Meu pai estava de pé, gesticulando agressivamente, cuspindo palavras que eu mal conseguia processar.

— Mãe! — Gritei novamente, correndo até ela com lágrimas já escorrendo pelo meu rosto.

— Tá tudo bem, Lizzie... Tá tudo bem... — Ela disse, a voz dela quase um sussurro enquanto tentava me afastar. — Foi só um acidente... Derrubei um copo, só isso. Vai pro quarto.

Mas eu não ia fugir dessa vez. Não mais.

— Não! — Gritei, a raiva fervendo dentro de mim enquanto me levantava. Me virei para o meu pai, que ainda estava gritando, apontando o dedo para a minha mãe. Meu corpo inteiro tremia, mas não de medo. Era outra coisa. Algo mais forte. — Fica longe dela!

Ele virou para mim com um olhar de puro desprezo.

— O que você pensa que tá fazendo, garota? — Ele cuspiu, as palavras impregnadas de veneno.

Antes que ele pudesse reagir, chutei a perna dele com toda a força que consegui reunir. Ele tropeçou, quase caindo, mas conseguiu se segurar na parede. Ele se virou para mim, os olhos estreitados de fúria.

— Sua...! — Ele começou, mas eu não deixei ele terminar.

Com rapidez, segurei o braço dele e o torci para trás, como Silver tinha me ensinado nos treinos. Ele gritou de dor, mas não durou muito. Ele era forte, mais forte do que eu, e conseguiu se soltar, me empurrando com força.

— Fica longe da minha mãe! — Gritei, a voz tremendo enquanto me posicionava de novo.

Ele pegou um pedaço de vidro do chão, os olhos dele brilhando com algo perigoso. Antes que eu pudesse pensar, ele veio para cima de mim. Desviei o máximo que pude, mas cada golpe parecia mais rápido que o anterior. Ele era mais forte, e eu estava começando a sentir o cansaço. Então, ele agarrou meu braço com força, me jogando contra a parede. A dor explodiu nas minhas costas, e um grito escapou de mim antes que ele agarrasse minha garganta.

Meu ar sumiu, e tudo o que eu podia fazer era me debater, tentando me soltar. As lágrimas queimavam nos meus olhos enquanto o pânico tomava conta de mim.

— Para! — Ouvi a voz da minha mãe, seguida pelo som de passos apressados. Ela tentou empurrá-lo, mas ele a acertou com um soco, e ela caiu no chão.

A visão da minha mãe caída no chão me encheu de uma força que eu nem sabia que tinha. Com tudo que me restava, consegui acertar o braço dele com um golpe rápido, o suficiente para fazê-lo gritar e me soltar. Cambaleei para trás, respirando com dificuldade, mas antes que eu pudesse me virar para ajudar minha mãe, senti algo frio e cortante no meu ombro.

O grito que saiu de mim foi involuntário, e minha mão automaticamente foi para o lugar onde o vidro havia cortado minha pele. O sangue escorria, quente e pegajoso, mas não importava. Eu precisava sair dali. Meu corpo agiu antes da minha mente, e corri para o meu quarto, trancando a porta atrás de mim.

Minhas mãos tremiam tanto que quase derrubei o celular ao pegá-lo. Meu primeiro instinto foi ligar para a polícia, mas parei. Eles nunca vinham rápido. Nunca se importavam com esse bairro. E mesmo se viessem, seria tarde demais.

Minha mente estava um turbilhão enquanto eu tentava pensar em alguém que pudesse me ajudar. Alguém que de fato fizesse algo. E então, um nome surgiu, claro como o dia, Terry Silver.

Ele sempre dizia que o Cobra Kai protegia os seus. E eu precisava de proteção. Precisava de ajuda.

Respirei fundo, digitando o número dele com dedos trêmulos. Ele tinha que vir. Ele iria vir.

⋆౨˚ ˖

Acordei com a luz entrando pela sala e uma dor latejante no ombro. Passei a mão pelo rosto, tentando despertar de verdade, mas meus olhos ainda estavam pesados, e minha cabeça parecia um turbilhão. Olhei ao redor, percebendo aos poucos onde estava, o sofá grande e macio, a decoração sofisticada e os móveis impecáveis da casa de Terry. Tudo parecia tão surreal que por um momento me perguntei se eu estava sonhando.

— Finalmente acordou. Está melhor? — Ouvi a voz calma e firme dele, e virei minha cabeça em direção à cozinha aberta. Lá estava Terry, de pé, com uma frigideira na mão, mexendo em algo. Ele parecia tão tranquilo que era quase perturbador, considerando tudo que tinha acontecido na noite anterior.

Subi as mãos até meus cabelos, tentando afastar os restos do sono, e murmurei.

— Que horas são?

Ele deu uma olhada casual no relógio na parede e respondeu.

— Duas da tarde. Você foi dormir muito tarde ontem, então achei melhor deixá-la descansar. Sei que tinha escola hoje, mas duvido que estivesse em condições de ir. — Ele pausou, me observando com um olhar avaliador antes de perguntar — Acha que pode treinar hoje?

Treinar. A palavra ecoou na minha mente por um momento enquanto eu tentava processar tudo. O treino deveria ter sido a última coisa na minha mente, mas, estranhamente, era exatamente o que eu queria. Balancei a cabeça, me levantando devagar do sofá. Meus movimentos ainda estavam lentos, como se meu corpo estivesse pesado.

Caminhei até a bancada da cozinha, apoiando-me nela por um momento antes de me sentar. Terry continuava a cozinhar, suas mãos ágeis enquanto ele transferia ovos e bacon para um prato. Eu o observava, tentando entender como ele conseguia ser tão calmo, tão centrado. Na noite passada, ele tinha sido o oposto disso. Ele...

Fechei os olhos por um segundo, tentando afastar a memória do meu pai sendo espancado. Terry tinha resolvido a situação do jeito dele, e embora eu estivesse grata, também havia algo profundamente perturbador em assistir aquilo. Ele o levou para a delegacia depois, mas não sei se isso era o fim de tudo. Minha mãe estava no hospital, sendo tratada pelos ferimentos, e eu não sabia o que aconteceria com ela depois.

— Eu quero me tornar mais forte — Disse de repente, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.

Terry colocou o prato na minha frente, sorrindo de lado como se esperasse exatamente essa resposta.

— Esse é o espírito — Ele respondeu, a confiança quase transbordando de sua voz. — O que aconteceu ontem foi difícil, mas também foi um teste. Você conseguiu se defender em algumas partes, mas... — Ele fez uma pausa, inclinando-se contra a bancada enquanto me olhava diretamente nos olhos. — Você viu que não foi o suficiente, não é?

Assenti em silêncio, pegando o garfo no prato. Apesar de tudo, meu estômago estava vazio, e os ovos com bacon tinham um cheiro delicioso. Dei uma mordida pequena, tentando encontrar algum conforto no gesto mundano de comer.

Mas não havia conforto. Tudo parecia sem gosto, sem vida. A comida não preenchia o vazio que eu sentia por dentro. Não era apenas a dor física do corte no meu ombro, agora coberto com um curativo limpo e profissional. Era algo mais profundo, uma dor que queimava no meu peito e fazia tudo parecer... Distante.

Eu olhei para o prato por um momento, então para Terry, forçando um pequeno sorriso.

— Obrigada — Murmurei.

Ele respondeu com um sorriso próprio, mas era claro que ele notava o que eu tentava esconder. A dor, o choque, a sensação de que algo dentro de mim tinha mudado para sempre.

— Você é forte, Lizzie — Ele disse, a voz baixa e séria. — E vai ficar ainda mais forte. Mas força verdadeira vem da determinação. Deixe isso alimentar você.

Minhas mãos tocaram o curativo no meu ombro, e eu soube que ele estava certo. A cicatriz que eu teria daquele dia seria um lembrete. Uma marca que eu carregaria para sempre, não apenas da dor, mas da promessa que fiz a mim mesma. Eu não ia ser fraca. Eu não ia deixar ninguém me ferir ou ferir minha mãe de novo.

— Vou treinar hoje — Fisse finalmente, com mais certeza na voz.

Terry sorriu, satisfeito, e deu um pequeno aceno.

— Bom. Terminamos o café, e então começamos.

Comi em silêncio, ainda sentindo o peso de tudo, mas algo dentro de mim começava a mudar. Eu não sabia exatamente o que o futuro reservava, mas sabia de uma coisa, eu ia lutar. Por mim, pela minha mãe, e por nunca mais ser alguém que só sobrevive.

Assim que terminei o café, Terry se levantou e foi até outro cômodo, voltando pouco depois com um quimono impecável em mãos. Ele o estendeu para mim e disse.

— Aqui. Troque de roupa e esteja pronta.

Assenti, pegando o tecido macio e me retirando para o banheiro. Era engraçado como, mesmo em meio ao caos, ele sempre tinha tudo organizado, como se nada fosse capaz de abalá-lo. Fechei a porta e, por um instante, me olhei no espelho. Meu rosto estava pálido, os olhos ainda inchados de tanto chorar ontem à noite. Suspirei, tentando afastar os pensamentos antes que eles me consumissem.

Quando liguei o chuveiro, fiquei encarando o painel por um momento. Tantas opções... Como isso funcionava? Pressionei alguns botões até que a água começasse a cair, e quando senti a temperatura perfeita, fiquei ali, imóvel, deixando a água quente escorrer pelos meus ombros e aliviar um pouco da tensão acumulada no meu corpo. Era um tipo de conforto que eu nunca tinha experimentado antes.

Depois do banho, vesti o quimono. Ele parecia feito sob medida, se ajustando perfeitamente ao meu corpo. Amarrei o cinto com firmeza e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo alto, olhando meu reflexo antes de sair. Não era muito diferente de ontem, mas havia algo nos meus olhos agora, algo mais duro, mais determinado.

Quando cheguei à sala, Terry estava na entrada, pegando as chaves de um dos muitos carros que ele tinha na garagem. Ele se virou para mim com um pequeno sorriso, a confiança transbordando.

— Pronta?

— Sempre — Respondi, levantando a mão para um soquinho. Ele correspondeu, e então seguimos até a garagem.

Escolhemos um dos carros, e eu nem sabia o nome da marca, mas era algo que, com certeza, não se via rodando pelo meu bairro. Enquanto dirigíamos, o silêncio se instalou, mas era confortável, quase como se as palavras não fossem necessárias. Quando finalmente chegamos ao dojô, o som de vozes preencheu o ar. Assim que entrei ao lado de Terry, percebi os olhares.

Os sussurros começaram quase imediatamente.

— Olha só, a queridinha do sensei.

— Deve ser bom ser a protegida.

— Será que ela dorme na casa dele?

Ignorei os comentários, embora meus dedos tenham se apertado em punhos breves. Eu sabia que não era verdade, mas, honestamente, não me importava. O que me importava era o treino. O que me importava era me tornar mais forte, por mim e por quem eu amava.

Kreese apareceu logo depois, com a expressão séria de sempre. Ele deu um olhar avaliador a mim e Terry antes de dizer.

— Silver, preciso falar com você. Agora.

Terry acenou com a cabeça, jogando-me um último olhar que parecia dizer "aguente firme" antes de segui-lo até a sala. Kreese então ordenou que Robby comandasse o treino enquanto ele e Terry discutiam.

Foi quando o vi. Kenny. Ele estava do outro lado do dojô, alongando-se e parecendo perdido em seus próprios pensamentos. Quando ele finalmente me viu, sua expressão se iluminou um pouco, e ele levantou a mão para me cumprimentar.

Sem pensar, atravessei o espaço entre nós e o abracei. Senti o corpo dele enrijecer de surpresa, mas não me importei. Precisava daquele momento, daquele conforto. Recostei a cabeça em seu ombro e murmurei.

— Eu não sabia que podia sentir tanto a falta de alguém.

Ele riu nervoso, a hesitação clara na maneira como suas mãos subiram para me abraçar de volta.

— Mas... A gente se viu ontem.

— Eu sei. — Me afastei só o suficiente para olhar para ele. — Mas foi uma noite difícil. E eu queria um amigo como você por perto.

Os olhos dele se suavizaram, embora houvesse preocupação em sua expressão. Ele abaixou a voz ao perguntar.

— Foi seu pai de novo?

Assenti, sentindo um nó se formar na garganta, mas o engoli rapidamente.

— Foi. Mas agora as coisas estão se estabilizando. Terry me ajudou e, bem... Meu pai está onde deveria estar.

Kenny abriu a boca, claramente querendo dizer algo, mas antes que pudesse, a porta da sala de Kreese se abriu, e os senseis retornaram. O burburinho cessou instantaneamente, e todos se alinharam para ouvir.

Kreese deu um passo à frente, seu olhar frio varrendo o grupo.

— O torneio está se aproximando. E, como vocês sabem, ser bom não é suficiente. Queremos mais que isso. Queremos domínio absoluto.

Terry continuou, seu tom calmo e quase hipnótico.

— Isso significa treinar com mais intensidade. Mais foco. A garra de vocês precisa ser afiada. Não importa o que aconteça, o Cobra Kai deve sair vitorioso.

Enquanto eles falavam, senti a adrenalina começar a crescer. O torneio era uma oportunidade, não apenas para provar algo para os outros, mas para mim mesma. Eu não seria mais a garota frágil que fugia e chorava. Eu seria forte.

Quando o treino começou, as palavras de Terry ecoaram na minha mente. Eu precisava de mais. Mais força, mais garra. E eu sabia exatamente onde encontrar isso.

Treinar hoje era como tentar ignorar a bagunça na minha cabeça. Cada soco, cada chute, era uma tentativa de afastar os pensamentos que insistiam em voltar. Terry e Kreese estavam mais exigentes que o normal, o que fazia sentido, considerando o torneio que se aproximava. Eu sabia que precisava focar, mas minha mente continuava indo e voltando para as cenas da noite anterior, para os murmúrios no dojô, e... Para o que Kenny tinha dito ontem.

A hora chegou em que os senseis nos separaram em duplas para uma nova série de movimentos. Claro que eu fui colocada com Kenny. Não era surpresa, Terry provavelmente tinha feito isso de propósito. Ele sabia que tínhamos uma boa sincronia, e, além disso, acho que ele achava engraçado me ver tentando manter a compostura perto dele.

Enquanto socava as luvas nas mãos dele, tentando aperfeiçoar os movimentos, Kenny falou, meio hesitante.

— Então... Tá tudo certo pro fim de semana?

Minha concentração quebrou por um momento, o soco saindo mais fraco do que o esperado. Pisquei algumas vezes, tentando fingir que não tinha me abalado, e voltei ao foco, respondendo com a maior naturalidade que consegui.

— Claro que tá.

Mas, antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, acrescentei, tentando soar casual.

— Na verdade, você acha que a gente pode adiantar pra hoje?

Ele parecia surpreso, mas não totalmente contrário à ideia. Kenny franziu levemente as sobrancelhas enquanto perguntava.

— Mas você não tinha que treinar com o Silver hoje?

Balancei a cabeça e ajustei as luvas que ele usava.

— Ele me deu uma folga. Depois do que aconteceu ontem à noite, ele não quer que eu me force muito, pelo menos por hoje.

Kenny assentiu, parecendo aliviado.

— Bom, é o certo, né? Você merece um tempo pra descansar.

Sorri de leve, algo no tom de voz dele me tranquilizando.

— Então... Tá bom? Pode ser hoje?

— Pode, claro. — Ele deu um pequeno sorriso, mas parecia um pouco nervoso.

— Só que, é... Onde vai ser mesmo? — Perguntei curiosa, afinal, ele não tinha mencionado antes onde iríamos, só fez o convite bastante inesperado.

Ele deu de ombros com uma expressão misteriosa.

— Surpresa. Shawn vai dar uma carona, então a gente pode sair direto do dojô.

— Não mesmo. — Eu ri, parando o próximo soco e levantando uma sobrancelha pra ele.

Kenny franziu o cenho, confuso.

— Por quê?

Revirei os olhos e zombei, gesticulando para o quimono que estava usando.

— Porque eu não vou suada e de quimono. Ou com a roupa que estão por baixo. Senso, Payne, às vezes você devia experimentar.

Ele fingiu indignação, colocando a mão no peito como se eu tivesse o ofendido profundamente.

— Assim você me ofende.

Acabei rindo da expressão dele, balançando a cabeça.

— Tudo bem. — Ele levantou a mão em rendição. — Então eu te espero na frente da sua casa, às seis e meia.

— Fechado. — Dei um último soco bem forte na luva dele, o impacto o fez cambalear para trás, e ambos caímos na risada.

Ele esfregou as mãos, fazendo uma careta exagerada.

— Tá doida? Pega leve.

Estiquei os ombros, sentindo uma leve tensão muscular se dissipar.

— Isso foi leve. Tô só me aquecendo.

Apesar de tudo, eu me senti um pouco mais leve. Mesmo que fosse por algumas horas, sabia que precisava disso. Precisava de um tempo com alguém que me entendesse, com um amigo que me fizesse esquecer, nem que fosse por um breve momento, o caos em que minha vida estava. E Kenny era exatamente isso.

O treino terminou com aquele cansaço gostoso que só o karatê conseguia proporcionar. Depois de uma série de golpes, defesas, e até umas quedas estratégicas no tatame, finalmente fomos liberados para beber água e descansar. Peguei minha garrafa e me sentei contra a parede do dojô, sentindo o suor escorrer pela lateral do meu rosto. O silêncio era confortável, só quebrado pelo som de outras garrafas sendo apertadas, o barulho do tatame rangendo sob os pés dos outros alunos que saíam em pequenos grupos. Kenny se sentou ao meu lado, respirando pesado, mas com aquele sorriso fácil que ele sempre carregava.

— Quer uma carona até em casa? — Ele perguntou entre goles de água, olhando casualmente para mim. — O Shawn vai me buscar.

Sacudi a cabeça, dando um pequeno sorriso.

— Não precisa, o Silver vai me levar.

Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.

— Vocês estão bem próximos, né?

Meu sorriso vacilou, e dei de ombros.

— Ele me salvou ontem. — A seriedade na minha voz era inegável, quase um tom defensivo. — E me ajudou muito. Eu confio nele. Na verdade... — Olhei para a tampa da garrafa em minhas mãos, girando-a distraidamente. — Ele é uma das poucas pessoas em quem consigo confiar ultimamente.

Kenny me observou em silêncio por alguns segundos antes de sorrir suavemente.

— Se você tá dizendo, eu acredito.

A sinceridade no tom dele me surpreendeu um pouco, mas decidi mudar de assunto. Não queria mergulhar ainda mais naquele tipo de conversa. Levantei o olhar para ele e joguei a pergunta que estava me incomodando desde a noite anterior.

— Mas e você? Por que, de repente, quer sair... 'Não como amigos'?

Eu sabia que era direto. Talvez até demais, mas era assim que eu funcionava. Não gostava de rodeios, especialmente quando algo estava entalado na minha garganta. A reação dele foi instantânea. O rubor que subiu pelas bochechas de Kenny era impossível de ignorar, e eu ri baixinho, desviando o olhar para tentar aliviar a tensão.

— Relaxa, Payne. — Falei, ainda sorrindo. — Não precisa responder se não quiser.

Ele respirou fundo, olhando para o chão por alguns segundos antes de responder, com a voz um pouco hesitante.

— Eu... Não sei bem.

Isso me fez erguer uma sobrancelha.

— Não sabe?

— Só que... Talvez eu quisesse comprovar uma coisa.

A curiosidade tomou conta, e me inclinei um pouco para frente, estreitando os olhos para ele.

— Comprovar uma coisa? — Repeti, intrigada. — Que coisa?

Ele congelou. O rubor em seu rosto pareceu intensificar ainda mais, e ele começou a se levantar rapidamente, quase tropeçando nas próprias palavras.

— Não é nada!

Fiquei ainda mais confusa, franzindo o cenho enquanto ele puxava o celular do bolso, como se estivesse tentando escapar da conversa.

— O Shawn tá lá na rua. — Ele apontou vagamente para a porta do dojô, começando a andar na direção dela com pressa. — Tchau, Lizzie!

— Tchau... — Murmurei, mais para mim mesma do que para ele.

Observei enquanto ele praticamente corria para fora, e a confusão tomou conta de mim. Do que ele estava falando? Que coisa ele queria comprovar? Suspirei, passando a mão pelos cabelos presos em um rabo de cavalo, logo os soltando. Kenny Payne era um mistério que eu ainda não sabia se queria desvendar ou se devia deixar quieto. Mas, de uma coisa eu tinha certeza, ele acabara de me deixar com ainda mais perguntas do que respostas.


Obra autoral ©

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