07. Finally free
Enquanto caminhávamos de volta para casa, o silêncio entre nós era quase palpável, mas, por incrível que pareça, não era desconfortável para mim. Pela primeira vez, parecia que a rivalidade entre mim e Kenny tinha se dissipado, como se não importasse mais quem estava certo ou errado, quem era amigo de quem. Naquele momento, tudo o que eu precisava era de alguém ao meu lado, e ele estava ali. Não sei se por escolha ou por obrigação, mas estava. Isso bastava.
Eu notava a tensão nele. Seus passos eram um pouco mais apressados do que os meus, como se quisesse terminar logo com aquilo, mas, ao mesmo tempo, parecia hesitar cada vez que olhava para mim. Era curioso como Kenny podia ser tão fechado e ainda assim tão fácil de ler. Mas eu não tinha energia para provocá-lo, nem queria quebrar o frágil equilíbrio que tínhamos alcançado. Apenas continuei andando ao lado dele, sentindo uma estranha gratidão por sua presença.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, parei. A luz da varanda estava apagada, mas eu sabia que isso não significava nada. Podiam estar dormindo ou apenas esperando por mim. Respirei fundo, tentando me preparar mentalmente para o que quer que estivesse à minha espera. Era um pensamento sombrio, mas um que eu precisava enfrentar.
Kenny parou ao meu lado, parecendo prestes a dizer alguma coisa. Seus olhos se desviaram dos meus rapidamente, e ele mexeu as mãos, como se procurasse as palavras certas. Antes que ele pudesse falar, eu me virei para ele com um pequeno sorriso e o interrompi.
— Obrigada por hoje, Kenny. De verdade.
Ele balançou a cabeça, um pouco surpreso, como se não esperasse que eu fosse agradecer.
— Não precisa agradecer, eu só... — Ele começou a dizer, mas antes que pudesse terminar, me inclinei e deixei um beijo leve em sua bochecha.
Foi apenas um gesto simples, uma forma de mostrar o quanto eu estava grata, mas senti o impacto imediato nele. Kenny congelou, os olhos arregalados e as bochechas escurecendo em um rubor profundo. Ele tentou falar algo, abrindo e fechando a boca como um peixe fora d'água, mas nenhuma palavra saiu.
Eu não consegui evitar. Soltei uma risadinha baixa, achando graça do desconforto dele. Não era minha intenção deixá-lo tão constrangido, mas a reação dele era quase... Fofa?
— Vejo você no parque aquático, tá? — Acrescentei, me afastando um passo e acenando para ele.
Kenny acenou de volta, meio sem jeito, ainda parecendo estar processando o que tinha acabado de acontecer.
Com isso, me virei e caminhei até a porta, tentando manter o sorriso no rosto por mais alguns segundos. Porém, assim que virei a maçaneta e entrei, senti meu semblante mudar. A leveza que tinha experimentado minutos atrás desapareceu, substituída por um peso familiar, quase sufocante.
A sala estava escura, e o silêncio reinava. Meu coração batia forte, e eu torcia para que meus pais já tivessem ido dormir. Caminhei devagar, meus passos leves para não fazer barulho, mas, ao mesmo tempo, senti o medo começar a rastejar de volta, apertando meu peito como um vício que não conseguia abandonar. Não sabia o que me esperava além daquela escuridão, mas estava preparada para encarar... Ou pelo menos, era isso que eu dizia a mim mesma.
Entrei em casa com passos leves, cuidadosamente evitando qualquer barulho. O silêncio reinava, mas havia algo inquietante nele, como se fosse o prelúdio de algo mais sombrio. A sala estava uma bagunça, pedaços de vidro quebrado no chão, móveis deslocados, almofadas jogadas de qualquer jeito. Um frio percorreu minha espinha enquanto meus olhos vasculhavam o ambiente, tentando avaliar o estrago.
Me aproximei do sofá, meu coração apertando no peito ao ver minha mãe ali, deitada de forma desajeitada, claramente exausta. Ela parecia tão frágil, quase irreconhecível. O cansaço em seu rosto era evidente até mesmo enquanto dormia, como se nem o sono pudesse oferecer alívio. Suspirei profundamente, lutando contra o nó que se formava em minha garganta. Tudo o que eu queria era que ela estivesse bem. Que nós estivéssemos bem.
Com cuidado, passei pelo corredor. Conforme me aproximei da cozinha, o som do meu próprio coração parecia ensurdecedor. Espiei pela porta e o vi lá, meu pai, com a cabeça deitada sobre a mesa, cercado por garrafas de cerveja vazias. Ele estava imóvel, respirando pesadamente, como se o álcool o tivesse vencido antes que pudesse causar mais destruição.
Meu corpo ficou tenso. Cada passo para atravessar a cozinha parecia interminável, como se o menor som pudesse despertá-lo. Meu medo e raiva se misturavam em um turbilhão dentro de mim. Eu odiava me sentir assim, pequena, impotente, sempre pisando em ovos. Por mais que quisesse gritar, confrontá-lo, eu sabia que isso não faria diferença. Não agora.
Finalmente, cheguei ao meu quarto. Assim que fechei a porta, virei a chave, certificando-me de trancá-la. Só então soltei o ar que nem sabia estar segurando. Minhas pernas fraquejaram, e eu me encostei na porta, escorregando lentamente até estar sentada no chão.
As lágrimas começaram a descer antes mesmo que eu pudesse impedi-las. Eram quentes, silenciosas, e meu rosto logo estava molhado. Toda a força que eu havia tentado demonstrar até agora parecia ter se esgotado. Passei as mãos pelo rosto, tentando secar as lágrimas, mas elas continuavam a vir, como se tivessem acumulado por semanas.
Minha cabeça girava com pensamentos. Não podia mais viver assim. Não podia mais continuar me escondendo, deixando o medo me consumir. Por mais que doesse, por mais que parecesse impossível, eu precisava mudar. Eu precisava ser forte.
Levantei-me devagar e olhei para o reflexo no espelho do meu quarto. Meus olhos estavam vermelhos, o rosto cansado, mas ali, no fundo, algo brilhava, uma pontada de determinação que eu ainda não entendia completamente.
Eu aprenderia a lutar. Eu aprenderia a me defender. E, acima de tudo, eu aprenderia a nunca mais deixar isso acontecer.
Deitei-me na cama, ainda sentindo o peso de tudo, mas agora com uma pequena fagulha de esperança. Uma fagulha que dizia que, talvez, só talvez, eu pudesse encontrar a força que tanto precisava.
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O sol já brilhava forte quando terminei de me arrumar. A luz dourada que atravessava a janela do meu quarto parecia quase um convite para esquecer os problemas, ainda que fosse só por um dia. Vesti meu biquíni preferido e uma saída de praia leve por cima, confortável e prática para o que prometia ser um dia animado. Coloquei meus chinelos e peguei minha bolsa, conferindo mentalmente se tinha tudo, protetor solar, toalha, óculos de sol e um pouco de dinheiro.
Senti um alívio silencioso ao perceber que meu pai já havia saído para trabalhar. Não ter que lidar com ele logo pela manhã era um pequeno presente. Peguei a bolsa e caminhei até a sala, parando em frente ao sofá onde minha mãe ainda dormia. Por um momento, pensei em acordá-la para me despedir, mas sua expressão tão tranquila — algo que raramente via — me fez mudar de ideia. Ela precisava desse descanso. Sorri para ela, mesmo que ela não pudesse ver, e segui para a porta.
Lá fora, Anthony e Sam já estavam no carro, estacionados logo em frente. Assim que me viram, Anthony acenou pela janela, e Sam abriu a porta do passageiro com um sorriso caloroso. Dei um aceno animado de volta, deixando o peso da noite anterior para trás, pelo menos por enquanto. Eu precisava desse dia, dessa pausa.
Enquanto caminhava até o carro, meu olhar automaticamente se desviou para a casa de Kenny. Ele estava saindo também, provavelmente a caminho do parque. Fiz um gesto simples, levantando a mão em um aceno, mas ele parou no meio do caminho, olhou na minha direção por um instante e então virou o rosto, claramente incomodado.
Suspirei, um pouco frustrada, mas não surpresa. Sabia o motivo do desconforto. Anthony. A tensão entre eles era quase palpável, mesmo quando estavam a metros de distância. Tentei ignorar, pelo menos por agora. Eu ainda conversaria com Kenny mais tarde, quando estivéssemos no parque, longe de qualquer olhar julgador.
Entrei no carro, e Sam virou para mim no banco do passageiro, já tagarelando animadamente sobre como o dia prometia ser divertido. Ela tinha essa energia contagiante, que parecia encher o carro de leveza. Anthony, sentado ao volante, se juntou à conversa, fazendo uma piada que me arrancou um riso involuntário.
— Você trouxe protetor solar, né? — Perguntou Sam, fingindo um tom sério. — Não quero ninguém saindo daqui parecendo um camarão!
— Claro que sim — Respondi, rindo. — Pode ficar tranquila, Sam, não vou te envergonhar.
O humor dela era um alívio, algo que eu precisava mais do que podia admitir. O carro acelerou pela rua, deixando para trás minha casa, minha mãe, e os fantasmas que insistiam em me acompanhar. Mesmo que fosse só por algumas horas, eu queria acreditar que poderia me desligar de tudo isso.
Anthony começou a falar sobre as atrações do parque, destacando os toboáguas radicais que ele insistia em dizer que eu não teria coragem de encarar. Eu ri, balançando a cabeça.
— Duvido que você seja mais corajoso que eu, Senhor Larusso. — Minha resposta foi meio desafiadora, arrancando um olhar surpreso de Sam e uma gargalhada de Anthony.
O clima era descontraído, mas uma parte de mim ainda pensava em Kenny. Eu precisava resolver as coisas com ele, mesmo que não fosse fácil. Afinal, eu queria aproveitar o dia sem carregar nenhum peso extra, e quem sabe, esse fosse o momento para colocar tudo em pratos limpos.
A viagem até o parque foi exatamente o que eu precisava. O rádio tocava músicas animadas, aquelas clássicas "summer hits" que todo mundo conhece, e nós cantávamos alguns refrões errados, mas ríamos mesmo assim. A energia dentro do carro era contagiante, e por um momento, consegui deixar de lado qualquer preocupação.
Quando estacionamos e descemos, o calor do sol e o som da água nos toboáguas já davam um tom perfeito para o dia. Sorri, sentindo uma empolgação genuína enquanto ajustava a alça da minha bolsa. Esse era o tipo de coisa que eu estava precisando desde que me mudei. Nada de drama, só diversão.
Mas o clima descontraído não durou muito. Sam parou no meio do caminho assim que seus olhos pousaram no pessoal do Cobra Kai, que já estava ocupando uma área próxima às piscinas. Ela franziu o cenho, claramente desconfortável, e puxou Anthony pelo braço, como se quisesse afastá-lo do grupo o mais rápido possível.
Anthony olhou de relance para eles, e então para mim, com uma expressão de leve incredulidade.
— Eu ainda não entendo como você consegue treinar no mesmo dojô que eles. — Ele balançou a cabeça, como se só a ideia já fosse absurda.
Soltei um suspiro, tentando manter o tom leve.
— Olha, é só um tempo de experiência, Anthony. — Dei de ombros. — Se eu não gostar, saio. Mas até agora, nada de perigoso aconteceu.
Sam cruzou os braços, me olhando com uma mistura de preocupação e seriedade.
— Lizzie, eles não são confiáveis. Cobra Kai é só problema.
— Eu sei. — Forcei um sorriso, tentando não demonstrar que a insistência dela estava me incomodando. — Mas, por enquanto, é só karatê. Nada mais.
A conversa morreu ali, mas o desconforto de Sam ainda era evidente. Seguimos até onde o pessoal do Miyagi-Do estava reunido. Eli, com seu pequeno moicano nascendo de novo, acenou para nós, e do lado dele estavam Yasmine e Moon, ambas com óculos de sol estilosos e conversando como se estivessem desfilando.
— Até que enfim vocês chegaram! — Disse Eli, animado. — Achei que iam desistir.
Sam sorriu, mas ainda parecia distraída, lançando olhares ocasionais para o grupo do Cobra Kai. Eu tentei ignorar, colocando minha toalha ao lado da de Yasmine.
— Pronta pra um dia incrível? — Perguntou Moon, me lançando um sorriso gentil.
— Com certeza. — Respondi, tentando espantar qualquer tensão que ainda pairava no ar.
Enquanto os outros conversavam, meu olhar inevitavelmente foi atraído para o grupo do Cobra Kai. Kenny estava lá, rindo de algo que alguém disse, mas quando seus olhos encontraram os meus por um breve segundo, ele desviou rapidamente. Suspirei baixo. Era óbvio que ele ainda estava incomodado com a presença de Anthony, mas hoje não era o dia para lidar com isso.
Voltei minha atenção para os amigos do Miyagi-Do, decidida a aproveitar cada momento desse dia sem carregar os pesos que pareciam me seguir onde quer que eu fosse.
Anthony não perdeu tempo em lembrar.
— Você prometeu que ia comigo no toboágua gigante, hein.
Sorri, ajustando minha bolsa no ombro.
— Tudo bem, Anthony. Vamos lá.
Enquanto começávamos a andar na direção do brinquedo, aproveitei para mencionar casualmente.
— Depois vou com o Kenny naquele com as bóias.
Anthony imediatamente parou, virando para mim com uma expressão de puro desagrado.
— Você tá falando sério?
— O quê? — Perguntei, fingindo inocência.
Ele cruzou os braços, bufando.
— Lizzie, eu já falei pra você ficar longe dele. Ele é... Ele não é confiável.
Revirei os olhos, soltando uma risadinha para aliviar o clima.
— Anthony, eu prometi pra ele também. E sério, ele não é tão ruim assim quanto você acha.
Ele estreitou os olhos, claramente frustrado.
— Você só tá dizendo isso porque ainda não viu nada.
Ignorei o tom amargo dele, colocando uma mão firme em seu ombro.
— Relaxa, vai. Hoje é dia de diversão, não de briga.
Antes que ele pudesse continuar a argumentar, já estava o guiando na direção da enorme escada que levava ao topo do toboágua. Ele soltou um suspiro resignado, mas não discutiu mais.
A estrutura parecia ainda maior de perto, e a fila na base era cheia de risadas e gritos de empolgação. Subir aquelas escadas dava uma sensação de expectativa crescente, cada degrau era como um lembrete de que estávamos prestes a despencar em alta velocidade.
— Espero que você não grite como um bebê lá em cima, Larusso — Provoquei, olhando para ele com um sorriso brincalhão.
Anthony riu, tentando esconder o nervosismo.
— Eu? Nunca. Mas olha só pra você, aposto que vai ser a primeira a se agarrar na borda.
— Ah, é? — Levantei uma sobrancelha desafiadora. — Vamos ver quem sai mais corajoso dessa.
O topo do toboágua era impressionante, com uma vista incrível do parque inteiro. Lá em cima, o vento bagunçava nossos cabelos, e o som da água correndo intensificava a ansiedade. Os instrutores nos indicaram onde sentar, já preparando a boia dupla.
— Pronta? — Anthony perguntou, tentando soar despreocupado, mas eu percebia o nervosismo na voz dele.
— Sempre. — Respondi, ajustando minha posição na boia.
O instrutor nos deu um empurrão inicial, e em segundos, estávamos descendo em alta velocidade, o som dos gritos de Anthony e meu riso ecoando pelo túnel em espiral.
O impacto com a água foi divertido no início, mas ver Anthony quase se afogar enquanto tentava sair da boia me fez rir descontroladamente. E ele, claro, não deixou barato.
— Para de rir, Lizzie! — Gritou, antes de jogar um punhado de água na minha direção.
— Ah, é assim? — Retruquei, indignada, jogando água de volta.
O que começou como uma simples troca logo virou uma guerra aquática, com risos altos e respingos voando por todos os lados, e eu finalmente estava me sentindo mais à vontade, como se aos poucos esse lugar de fato se tornasse um lar. Mas, de repente, uma voz cortou o momento.
— Olha só o Lafracusso!
Virei a cabeça e vi Kenny, de pé na borda da piscina, com uma expressão carregada de provocação, ele estava acompanhado de outros garotos do Cobra Kai. Anthony parou na hora, soltando um suspiro profundo de frustração.
— Kenny, para com isso. — Eu disse, tentando interromper antes que começasse.
Mas Kenny apenas ignorou, seus olhos fixos em Anthony como se ele fosse o único presente. Logo, mais outros garotos do Cobra Kai apareceram, se aproximando com aquele mesmo ar de provocação.
— Sai da água, Larusso. — Kenny gritou.
Anthony hesitou, mas, pressionado pelos olhares intensos, saiu da piscina devagar, tentando manter a compostura.
— Kenny, sério, para com essa palhaçada, por favor! — Eu gritei, saindo da água rapidamente.
Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Kenny e os outros cercaram Anthony. Em um movimento coordenado, pegaram-no pelas mãos e pés.
— O que vocês estão fazendo?! — Corri na direção deles, mas já era tarde.
Anthony gritou em protesto, debatendo-se, mas eles o jogaram dentro de uma boia inflável, prendendo-o no meio dela. Ele ficou ali, se debatendo na água, incapaz de sair.
— Kenny! — Dei um empurrão forte nele, o suficiente para fazê-lo tropeçar um passo para trás. — Qual é o seu problema?!
Ele me olhou com uma expressão estranha, indecifrável. Havia algo nos olhos dele que não consegui interpretar, raiva, talvez, ou frustração, misturados com algo mais. Ele cerrou o punho, mas não ousou avançar, apenas olhou profundamente em meus olhos, tentando demonstrar algo que eu não conseguia ver ou entender com clareza.
— Não se mete em problemas que não são seus, Lizzie. — Murmurou, antes de virar as costas e sair com os outros, rindo e agindo como se nada tivesse acontecido.
Fiquei ali, olhando enquanto eles se afastavam, minha mente uma confusão de pensamentos. Raiva, decepção, e, acima de tudo, uma sensação desconfortável de quem não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo.
Voltei para Anthony, que ainda se debatia na água, praguejando sem parar.
— Calma, eu te ajudo. — Disse, segurando a boia e ajudando-o a sair.
Assim que ficou de pé, ele estava ensopado e furioso, e logo soltou um suspiro de frustração.
— Eu te avisei, Lizzie! Aquele idiota nunca vai mudar!
Suspirei profundamente, minha paciência testada ao limite.
— Eu não sabia que ele ia fazer isso, Anthony.
— Sabia, sim! — Ele gritou, apontando um dedo para mim. — Você sempre tenta defender esse idiota.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na garganta. Olhei para Kenny, agora distante, e me perguntei, o que exatamente ele estava tentando provar? E por que eu ainda me importava?
Anthony continuava bufando de raiva, a água ainda escorrendo por seu rosto enquanto ele me encarava com os olhos semicerrados.
— Você sempre tenta entender o lado dele, Lizzie! — Ele gritou, apontando o dedo na direção de Kenny, que estava distante. — Mas e o meu lado? Eu sou seu amigo há muito mais tempo! E agora você está com o Cobra Kai? Voce está se tornando alguém que eu nem reconheço mais.
Aquelas palavras me atingiram como um tapa. O nó na minha garganta apertou ainda mais, mas, dessa vez, não consegui segurar.
— Você não sabe de nada, Anthony! — Gritei de volta, minha voz saindo mais alta do que eu pretendia. — Não sabe os motivos pelos quais entrei no Cobra Kai. Não sabe o que acontece na minha vida! Quando eu estava machucada, Kenny estava lá pra me ajudar, mesmo que do jeito estranho dele. E você? — Minha voz falhou, e eu respirei fundo antes de continuar. — Você só me julga, sem nem tentar entender!
Anthony pareceu um pouco surpreso com meu tom, mas logo sua expressão suavizou ao ouvir algo que claramente não esperava.
— Machucada? Lizzie, você se machucou? — Ele perguntou, a voz preocupada, dando um passo na minha direção.
— Esquece, Anthony. — Retruquei, desviando o olhar. Meu coração estava batendo rápido demais. — Só me deixa em paz.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, virei e comecei a andar rapidamente na direção do estacionamento. Ouvi ele me chamar, a voz próxima indicava que ele me seguia, mas não olhei para trás.
Quando cheguei ao estacionamento, o sol refletia contra os carros estacionados, quase cegando meus olhos. Estava tentando controlar minha respiração, sentindo as lágrimas ameaçarem de novo, quando vi algo que me fez parar no mesmo instante.
Um carro preto e luxuoso estava parado na rua próxima ao estacionamento. E ali, ao volante, estava uma figura que não esperava encontrar, Terry Silver. Ele logo baixou o vidro, o sorriso calmo e confiante no rosto.
— Lizzie. — Ele chamou, sua voz suave e amistosa. — Está tudo bem?
Eu hesitei, ainda com o peito subindo e descendo rápido da discussão com Anthony.
— Sim... Quer dizer, não. — Respondi, sem saber exatamente o que dizer.
Terry inclinou levemente a cabeça, estudando-me com cuidado.
— Parece que o dia não foi como você esperava. Quer uma carona?
A oferta me pegou desprevenida. Olhei ao redor, notando que Anthony ainda estava um pouco longe, tentando me alcançar. Havia algo na maneira como Terry falava, calmo, quase reconfortante, que me deixou confusa. Parte de mim queria aceitar, apenas para escapar daquele momento.
— Eu... — Comecei, incerta, enquanto ele continuava me observando.
— Sem compromisso, Lizzie. — Ele acrescentou, ainda sorrindo. — Apenas uma carona e talvez uma conversa.
Senti meu coração bater forte. Estava dividida entre aceitar ou recusar, enquanto Anthony continuava se aproximando.
Hesitei diante do carro preto, sentindo o peso de várias decisões acumuladas ao longo do dia. Eu não sabia se deveria confiar em Terry Silver, mas, naquele momento, parecia que ele estava me oferecendo algo que ninguém mais tinha, uma saída. Com um suspiro pesado, abri a porta e entrei, tentando ignorar o olhar de espanto e preocupação de Anthony, que parara de correr alguns metros atrás. Não ousei encará-lo de novo, apenas fechei a porta e cruzei os braços enquanto ajustava meu lugar no banco.
— Não vou perguntar o que aconteceu. — Terry começou, sua voz suave, mas firme. — Imagino que seja algo que a irritou bastante, e, se quiser descontar isso no treino de hoje à noite, estarei esperando no dojô, como combinado.
A ideia de um treino extra naquele momento me pareceu incrivelmente atraente. Eu precisava colocar toda a frustração e raiva para fora, e o dojô seria o lugar ideal para isso.
— Vou estar lá. — Respondi sem hesitação, olhando pela janela enquanto ele começava a dirigir.
Terry lançou-me um breve olhar antes de voltar sua atenção para a estrada.
— Fico feliz em ouvir isso. — Ele disse, com um pequeno sorriso satisfeito. — É assim que campeões nascem, transformando emoções em determinação.
Por algum motivo, suas palavras me atingiram de uma forma que não esperava. Eu virei a cabeça, observando-o com cuidado.
— Por que você está apostando tanto assim em mim? — Perguntei, minha voz saindo mais dura do que pretendia. — Eu sou fraca, inexperiente... Nem sei por onde começar.
Terry soltou uma leve risada, balançando a cabeça.
— Lizzie, a fraqueza é apenas um estado temporário. — Ele disse, em um tom quase paternal. — O que eu vejo em você não é fraqueza. É garra, resiliência. Uma vontade de se levantar mesmo depois de cair. Essas são qualidades que não se ensinam.
Engoli em seco, sentindo meu peito apertar com as palavras dele.
— Isso não é suficiente. — Murmurei, quase para mim mesma.
Ele sorriu de canto, mas sem desviar os olhos da estrada.
— Pode não parecer agora, mas é mais do que suficiente. Essas qualidades podem torná-la uma potencial campeã. Só precisa do treino certo, da orientação certa.
Eu queria acreditar nele. Queria acreditar que eu podia ser mais do que apenas "suficiente". Apertei os braços ao redor do meu corpo, ainda lutando com as emoções daquele dia.
— Campeã? — Repeti, com uma risadinha curta e sem humor. — Parece um sonho bem distante.
— Todo sonho parece distante no começo. — Ele retrucou, com convicção. — O importante é ter coragem de dar o primeiro passo. E você já deu.
Fiquei em silêncio, deixando as palavras dele ecoarem na minha mente. Talvez ele estivesse certo. Talvez essa fosse minha chance de me tornar algo maior, algo melhor. O carro continuou pela estrada ensolarada, mas dentro de mim, havia uma tempestade.
Encostei a testa contra o vidro frio da janela, observando o mundo passar em borrões de cor e luz. As árvores, as casas, as pessoas andando distraídas pelas calçadas... Tudo parecia tão rápido, tão fora do meu alcance, como se eu estivesse presa em um lugar onde o tempo corria de maneira diferente. Suspirei profundamente, tentando organizar meus pensamentos, mas eles vinham em torrentes descontroladas.
Queria que as coisas fossem mais fáceis. Em casa, onde o caos nunca parecia ter fim. Com Anthony, que insistia em me ver como alguém que eu mesma não reconhecia. Com Kenny, cuja raiva parecia crescer a cada dia, como uma chama difícil de apagar. E, acima de tudo, comigo mesma.
Era o peso das minhas decisões. De tudo o que fiz e deixei de fazer. De tudo o que escolhi, mesmo sem saber ao certo se era o certo. Fechei os olhos por um momento, tentando afastar o aperto no peito, mas ele permaneceu.
— Algum arrependimento? — Terry perguntou, sua voz interrompendo o silêncio do carro.
Abri os olhos e virei o rosto para ele, surpresa pela pergunta, mas incapaz de respondê-lo imediatamente. Ele não parecia estar esperando uma resposta, no entanto. Apenas dirigia calmamente, como se fosse uma conversa qualquer.
— Não sei. — Admiti, minha voz baixa. — Só queria que fosse mais fácil.
Ele soltou um riso breve, mas não de deboche.
— Lizzie, nada que vale a pena é fácil. — Disse ele, em um tom firme. — A dificuldade é o que nos molda, nos torna quem somos.
Voltei a olhar pela janela, digerindo suas palavras. Talvez ele estivesse certo. Talvez fosse isso mesmo: as dificuldades que eu enfrentava agora eram o que me fariam mais forte. E se havia algo que eu sabia com certeza, era que eu não queria mais abaixar a cabeça.
— Só quero ser forte. — Murmurei, quase como uma promessa para mim mesma.
— E será. — Ele respondeu com confiança. — Desde que continue caminhando.
O dojô surgiu no horizonte, e o carro diminuiu a velocidade. Senti meu coração acelerar levemente, uma mistura de ansiedade e determinação tomando conta de mim. Aparentemente, o treino começaria mais cedo. Eu não sabia o que me esperava ali, mas sabia que precisava dar o meu melhor. Se as coisas não seriam fáceis, então eu teria que aprender a enfrentá-las, uma batalha de cada vez.
Obra autoral ©
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