05. And i hate you

Eu pedalava devagar, as mãos firmes no guidão e a mente cheia de pensamentos, como sempre. Já fazia alguns dias desde que encontrei Kenny no caminho para a escola, mas, desde então, não trocamos mais nenhuma palavra. Ele estava diferente, e isso me magoava mais do que eu queria admitir.

A verdade é que eu nem sabia o que pensar. Era como estar presa entre duas versões de uma história, sem saber em quem confiar. De um lado, Anthony, meu amigo de mais tempo, alguém com quem passei férias inteiras rindo e me divertindo. Do outro, Kenny, que parecia tão gentil e quieto no início, mas que se mostrava alguém completamente diferente agora, alguém cheio de raiva.

O vento batia no meu rosto enquanto eu pedalava pela rua. O som das rodas da bicicleta no asfalto me dava uma espécie de conforto, uma pausa nos meus próprios pensamentos. À minha volta, as lojas e casas passavam como borrões, até que, de repente, o cenário se tornou familiar.

Era o centro comercial.

Minha respiração ficou mais pesada quando meus olhos captaram a fachada preta e amarela do Cobra Kai. O letreiro era impossível de ignorar, com aquelas letras vívidas que pareciam gritar para quem passava por ali. Eu diminui o ritmo, quase parando em frente ao lugar.

Mesmo sem querer, meus olhos buscaram o interior através do vidro. Lá estavam eles, os alunos em fila, executando movimentos precisos e sincronizados. O som abafado de gritos de kiai escapava pelas portas fechadas, junto com o eco dos golpes acertando os sacos de pancada. Era impressionante, como da primeira vez que vi.

Mas junto com a admiração veio a lembrança daquele velho assustador, o sensei. A forma como ele apareceu tão de repente, com aquela voz grave e postura imponente. Só de lembrar, senti um arrepio percorrer minha espinha. Era como se ele estivesse observando tudo, vendo através de mim, analisando cada fraqueza.

Ainda assim, eu não conseguia desviar o olhar do dojô. Parte de mim queria estar lá dentro, aprender aqueles movimentos e sentir a força e o controle que eles pareciam transmitir. Eu realmente queria fazer karatê, mas a pergunta que martelava na minha cabeça era, será que Cobra Kai era o lugar certo?

Lembrei da luta no tatame com Kenny. Apesar do desconforto, eu havia sentido algo diferente ali, como se fosse uma espécie de teste, não só para eles, mas para mim mesma. Desde então, eu vinha me perguntando o que realmente queria provar.

A bicicleta balançou levemente quando apoiei um pé no chão para parar por completo. Fiquei ali, olhando o letreiro por alguns segundos, enquanto os pensamentos continuavam girando. Será que eu realmente queria ser parte daquilo?

Mas, então, a imagem de Anthony surgiu na minha mente, molhado e humilhado depois do que Kenny fez. Minha mão se apertou no guidão. Por mais que eu estivesse confusa, eu sabia que não queria me sentir impotente de novo. Não queria ver alguém que eu considerava um amigo sofrer daquele jeito, sem poder fazer nada.

— É isso que você quer, Lizzie? — Murmurei para mim mesma, ainda encarando o dojô.

Depois de mais alguns segundos de hesitação, voltei a colocar os dois pés nos pedais e segui meu caminho. Eu ainda não sabia o que fazer, mas algo me dizia que, mais cedo ou mais tarde, eu teria que tomar uma decisão. E, quando esse momento chegasse, eu queria estar pronta.

Minha cabeça estava a mil enquanto me preparava para mais um dia cheio de dúvidas. Não era só o barulho dos meus próprios pensamentos que me incomodava, mas a inquietação que parecia tomar conta de mim desde que entrei nesse universo de karatê. Tudo havia começado como uma curiosidade, um desejo de me defender, mas agora parecia algo muito maior. E, sinceramente, mais confuso.

Depois de treinar com Anthony no Miyagi-Do, percebi que havia uma certa beleza naquilo. Os movimentos fluíam como água, era como se cada passo e bloqueio contassem uma história de equilíbrio e calma. Anthony estava animado em me ensinar, ele parecia querer me mostrar que havia outro caminho, algo que não envolvia violência. Eu gostei de aprender com ele. Gostei do ambiente tranquilo, do jeito quase meditativo que aquilo fazia eu me sentir.

Mas, ao mesmo tempo, algo faltava.

Eu nunca fui uma pessoa agressiva, nem de longe. Sempre preferi evitar conflitos, resolver tudo com palavras. Mas o que me atraía no Cobra Kai era difícil de ignorar, força. Ataque. Controle. Não era só sobre se proteger, era sobre revidar, sobre não deixar ninguém te derrubar. E, por mais que Anthony tivesse sido um ótimo amigo, eu sabia que ele nunca entenderia esse lado meu.

Talvez eu também não entendesse.

Por isso, naquele dia, decidi que voltaria ao Cobra Kai. Não para desafiar Kenny, não para confrontar ninguém, pelo menos, era o que eu dizia a mim mesma. Mas porque queria entender. Kenny era um mistério para mim, uma explosão de raiva que parecia não ter fim. Eu queria descobrir de onde vinha tudo aquilo, o que ele estava escondendo por trás daquela postura de força. E, no fundo, talvez eu também quisesse entender algo sobre mim mesma.

Quando entrei no dojô novamente, tudo parecia ainda mais intenso do que da primeira vez. O som dos gritos, os golpes sincronizados, as palavras afiadas dos senseis ecoando pelo ambiente. Era um contraste gritante com a serenidade do Miyagi-Do. Lá, tudo era sobre controle e paciência. Aqui, era sobre ação. Sobre não hesitar.

— Você de novo? — Kenny perguntou, ao me ver entrar. Seu tom era seco, mas seus olhos mostravam uma mistura de surpresa e... Algo mais. Algo que eu não conseguia decifrar.

— Eu disse que ia voltar, não disse? — Respondi, tentando parecer mais confiante do que realmente estava.

Kreese e Silver notaram minha chegada, e eu logo fui chamada para o tatame. Não havia cerimônia, nem perguntas sobre minhas intenções. No Cobra Kai, você provava seu valor lutando, e eles já sabiam exatamente contra quem me colocar.

Kenny.

Eu respirei fundo enquanto subia no tatame. Não sabia bem o que estava sentindo, mas algo em mim pulsava com uma energia que não reconhecia. Era raiva? Frustração? Talvez as duas coisas.

— Vai dar para trás agora, outra vez? — Perguntei, provocando Kenny, como eu já tinha feito da última vez, e foi como um gatilho para ele finalmente resolver me atacar.

Ele hesitou por um momento, mas então entrou na posição de luta. Seus olhos estavam fixos nos meus, desafiadores, mas eu também via algo diferente ali. Ele estava desconfortável. Talvez por ser eu. Talvez por estar com raiva de mim também. Não importava. Eu estava decidida a lutar.

O primeiro golpe foi dele. Ele veio com um chute rápido, direto no meu ombro. Consegui bloquear, mas o impacto me fez dar um passo para trás. Eu contra-ataquei com um soco, mas ele desviou com facilidade, movendo-se como se tivesse ensaiado aquele movimento mil vezes.

A cada golpe que trocávamos, sentia uma mistura de emoções. Parte de mim estava irritada com ele, frustrada por ele não ser o Kenny que conheci no início. Outra parte queria impressioná-lo, mostrar que eu também era forte, que podia enfrentá-lo de igual para igual, mas é claro que eu ainda não estava nesse nível. Eu sentia como se ele estivesse quase se divertindo com minhas tentativas toscas de dar alguns golpes que eu havia observado em vídeos no youtube antes.

Ele não pegava leve, e isso só me motivava mais. Aquele lugar, aquele método... Era exatamente o que eu queria. Não apenas defesa, mas ataque. Controle. Força, coisas que eu não tinha e sabia que precisava conquistar.

Quando a luta terminou, ambos estávamos ofegantes, mas havia algo em seus olhos que me intrigava. Ele parecia mais cansado emocionalmente do que fisicamente, como se aquela luta tivesse mexido com algo dentro dele. E talvez comigo também.

Enquanto saía do tatame, Silver se aproximou, batendo palmas devagar.

— Agora isso foi interessante — Disse ele, com um sorriso enigmático.

Eu não sabia exatamente no que estava me metendo, mas, naquele momento, senti que estava no lugar certo. Talvez para aprender a lutar. Talvez para entender Kenny. Ou talvez para entender a mim mesma.

Ainda ofegante após a luta com Kenny, fui surpreendida pela voz firme de Silver.

— Elizabeth, uma palavrinha. — Ele gesticulou para que eu o seguisse, saindo da área principal do dojô.

Fiquei um pouco confusa. Não sabia o que esperar. Talvez ele quisesse apontar meus erros, falar sobre como eu ainda tinha muito a aprender. Afinal, eu mal começara e sabia que estava longe de ser tão boa quanto os outros ali. Ainda assim, ele parecia ver algo em mim que eu mesma não conseguia enxergar.

Caminhamos em silêncio até uma sala afastada. O ambiente era diferente do restante do dojô, mais formal e organizado, com uma grande mesa de madeira escura e estantes cheias de livros e troféus. Ele me indicou uma cadeira e, por educação, me sentei. Silver ficou de pé, com as mãos cruzadas atrás das costas, um sorriso calculado no rosto.

— Elizabeth, você foi... Interessante hoje. — Ele começou, sua voz firme, mas estranhamente acolhedora. — Poucos têm a coragem de enfrentar alguém como Kenny logo no primeiro dia.

Olhei para ele, um pouco desconcertada. Era elogio? Ironia? Não sabia dizer.

— Obrigada, eu acho. — Respondi, mantendo o tom educado.

— Não precisa ser modesta. — Ele sorriu de canto, inclinando-se levemente para frente. — O que vi hoje foi determinação. E não apenas isso, mas resiliência.

Resiliência. Essa palavra ecoou na minha cabeça. Não era algo que eu costumava ouvir sobre mim mesma. Sempre fui a garota que tentava, mas muitas vezes desistia quando as coisas ficavam difíceis. Era estranho alguém dizer que enxergava isso em mim.

— Bem... — Murmurei, tentando encontrar palavras. — Eu só... Quero melhorar.

Silver assentiu, parecendo satisfeito com a resposta.

— Isso é bom. Mas quero que saiba algo, aqui no Cobra Kai, não nos limitamos ao básico. Não estamos apenas treinando lutadores. Estamos moldando campeões. E você, Elizabeth, tem potencial.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, processando o que ele dizia. Campeões? Potencial? Eu mal sabia dar um chute direito, quanto mais ser uma campeã.

— Eu acho que ainda tenho muito o que aprender. — Respondi, tentando ser honesta.

— E é por isso que estou aqui. — Ele sorriu, andando ao redor da sala como se estivesse refletindo. — Quero te oferecer algo especial, Elizabeth. Aulas particulares. Apenas você e eu, no próprio dojô, depois do horário regular.

Minha sobrancelha arqueou de leve. Não esperava aquilo. Por quê? Por que eu? Ainda me considerava inexperiente e, sinceramente, perdida na maior parte do treino.

— Aulas particulares? — Perguntei, minha voz saindo um pouco mais hesitante do que eu gostaria.

— Sim. — Ele respondeu, com um tom sério. — Não se preocupe com custos, isso será um investimento meu. O que vejo em você é algo que vai além do que Kreese poderia notar. Você tem algo especial. E quero ajudar a lapidar isso.

Eu ainda não sabia o que pensar. Silver era carismático, mas algo nele me deixava desconfortável, como se houvesse um segundo propósito em tudo o que ele dizia. Mesmo assim, o convite era tentador. Eu estava ali para aprender, não estava? E aulas extras certamente ajudariam a melhorar minhas habilidades.

— Está bem. — Respondi, tentando manter um tom confiante. — Se você acha que vale a pena, eu topo.

Silver sorriu, satisfeito.

— Excelente. Então, nos vemos amanhã à noite. Agora, volte ao treino. Não quero que perca o ritmo.

Assenti, tentando ignorar a estranha mistura de nervosismo e expectativa que se formava no meu peito. Voltei para o tatame, mas minha cabeça estava uma bagunça.

Quando me juntei aos outros alunos, eles já estavam executando uma sequência de movimentos. Pus-me no final da fila, tentando acompanhar, mas minha mente continuava presa à conversa com Silver. Ele enxergava algo em mim que ninguém mais via, algo que nem eu mesma conseguia identificar. Mas por quê?

Os movimentos fluíam à minha frente. Golpes, bloqueios, chutes. Tentei imitá-los, mas ainda me sentia desajeitada. Os outros pareciam tão naturais, tão confiantes. Eu era a novata, tentando me provar em um ambiente que parecia tão hostil quanto fascinante.

Porém, ao observar os golpes diretos e precisos, percebi que havia algo naquele método que me chamava. Não era sobre esperar. Não era sobre recuar. Era sobre agir. Sobre atacar. Atacar primeiro.

E, talvez, era isso que eu precisava descobrir sobre mim mesma.

⋆౨˚ ˖

Enquanto pedalava de volta para casa, o vento gelado da noite batia em meu rosto, mas nem isso parecia clarear minha mente. O treino havia terminado, e embora eu tivesse aprendido algumas coisas novas, não conseguia parar de pensar nos olhares que troquei com Kenny. Eles eram carregados de uma tensão quase palpável, como se houvesse uma corda invisível nos puxando para direções opostas. Não falamos nada, e talvez isso tenha tornado tudo ainda pior.

Eu queria sentir raiva dele, queria acreditar que Anthony estava certo, mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim só desejava que as coisas fossem diferentes. Que pudéssemos nos entender, que essa barreira entre nós não existisse. Por mais que eu tentasse me convencer de que ele era o problema, algo dentro de mim dizia que não era tão simples assim.

Assim que cheguei em casa, encostei a bicicleta ao lado da garagem. O silêncio na rua contrastava com o que me aguardava do outro lado da porta. O som de algo quebrando ecoou pela casa, congelando-me no lugar. Minha respiração ficou presa, como se o ar ao meu redor tivesse sumido. Hesitei antes de dar o próximo passo, com o coração disparado e a mente cheia de pavor.

Outro som veio logo em seguida. Gritos. Gritos enfurecidos do meu pai. Sua voz ecoava como trovões, cortando o ar pesado da noite. Meu peito apertou. Eu conhecia bem aquele tom.

— Por favor, não... — Sussurrei para mim mesma, já sentindo o nó na garganta apertar ainda mais.

Mas os gritos não paravam. Desta vez, ouvi um som diferente, a voz da minha mãe. Um grito de dor, sufocado, como se ela tentasse contê-lo. Meu corpo inteiro começou a tremer.

Apoiei a mão na bicicleta, como se isso pudesse me manter de pé. As lágrimas já ameaçavam cair, mas fechei os olhos com força, tentando afastá-las. Não era a primeira vez que isso acontecia, mas nunca ficava mais fácil. Nunca.

Pensei em ir embora. Pedalar de volta para qualquer outro lugar. Só por uma noite. Mas onde eu poderia ir? Além disso, a culpa começava a tomar conta de mim, como se fugir fosse a pior coisa que eu pudesse fazer.

Respirei fundo, tentando me preparar para o que quer que estivesse esperando do outro lado da porta. Com passos vacilantes, me aproximei mais. Agora conseguia ouvir com clareza as palavras cortantes do meu pai, embora odiasse cada uma delas. Ele a insultava, acusando-a de coisas que eu sabia que não eram verdade.

Minha mãe, no entanto, não respondia. Só ouvia os soluços dela, abafados, como se ela estivesse tentando não piorar a situação.

Minha mão tremia quando segurei a maçaneta. Por um momento, considerei não abrir. Mas, ao mesmo tempo, sabia que, se não fizesse nada, não conseguiria me perdoar. Mesmo que fosse pequena demais para fazer diferença, eu precisava estar lá.

Girei a maçaneta lentamente, tentando não fazer barulho. Assim que a porta abriu, a cena diante de mim foi como um soco no estômago.

A sala de estar estava um caos. Um vaso de vidro estava em pedaços no chão, junto com outros objetos espalhados. Minha mãe estava encolhida perto da parede, segurando o braço com um olhar de puro desespero. Meu pai, por outro lado, estava parado no meio do cômodo, o rosto vermelho de raiva, as mãos ainda cerradas como se estivesse pronto para continuar.

Ele olhou para mim, seus olhos furiosos encontrando os meus.

— O que você está olhando? — Ele rugiu, a voz tão alta que fez meu corpo inteiro estremecer.

— Pai, por favor... — Minha voz saiu fraca, quase inaudível. Eu não sabia o que dizer. Não sabia o que fazer.

Minha mãe levantou o olhar para mim, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Seus lábios se moveram, mas nenhuma palavra saiu.

Tudo dentro de mim gritava para fazer alguma coisa, mas eu estava paralisada. As palavras se prendiam na minha garganta, e o medo me dominava. Então, como em um reflexo, dei um passo para trás.

— Saia daqui! — Ele gritou novamente, dando um passo na minha direção.

Sem pensar duas vezes, corri para fora da casa. As lágrimas finalmente começaram a cair enquanto eu montava na bicicleta, pedalando o mais rápido que podia. Não sabia para onde estava indo, mas precisava me afastar, precisava respirar.

As ruas estavam desertas, e o som das rodas da bicicleta era a única coisa que me acompanhava. Pedalei até minhas pernas começarem a doer, até o ar gelado secar as lágrimas no meu rosto. Finalmente, parei em um parque, deixando a bicicleta cair ao meu lado enquanto eu me sentava em um banco, ofegante e tremendo.

A imagem da minha mãe não saía da minha cabeça. O olhar dela, a dor, a tristeza. E o rosto furioso do meu pai. Meus punhos se cerraram enquanto eu tentava controlar a raiva que crescia dentro de mim. Eu queria ser mais forte. Queria poder protegê-la. Mas, naquele momento, eu me sentia impotente, como se fosse apenas uma espectadora da destruição da minha própria família.

Enquanto olhava para o céu escuro, uma única ideia começou a se formar na minha mente, eu precisava mudar. Precisava ser forte. Mais forte do que jamais fui. Não era só sobre mim, não mais. Era sobre ela. E eu faria qualquer coisa para garantir que isso nunca mais acontecesse.

Eu me sentei no banco do parque, puxando os joelhos contra o peito e envolvendo-os com os braços. Era a única forma que eu conseguia encontrar para me manter inteira, como se estivesse tentando segurar os pedaços de mim mesma que ameaçavam se soltar. A cabeça abaixada, encostada nas pernas, e o cabelo caindo pelo rosto criavam uma barreira invisível contra o mundo. Mas não consegui conter os soluços que saíam de mim, rasgando o silêncio da noite. Era como se cada um carregasse o peso de tudo o que estava acontecendo, toda a dor, toda a impotência.

Eu estava assustada. Não só pelo que tinha visto, mas pelo que sabia que ainda estava por vir. As brigas entre meus pais nunca foram novidade, mas ultimamente estavam piorando. Eu não sabia até onde aquilo iria, mas o olhar da minha mãe hoje... Aquilo me marcou. Era como se ela estivesse desistindo, como se estivesse presa em algo do qual não tinha mais forças para sair.

E eu me odiava por não conseguir ajudá-la.

Meu peito apertava de um jeito que parecia difícil respirar. A raiva vinha e ia, como ondas quebrando contra as rochas. Raiva do meu pai por ser tão cruel, raiva da minha mãe por não sair daquela situação, mas, acima de tudo, raiva de mim mesma. Eu era inútil. Só uma garota que assistia tudo sem poder fazer nada. Como se fosse possível simplesmente olhar para o outro lado e fingir que nada disso estava acontecendo.

Passei as mãos pelo rosto, tentando secar as lágrimas. Mas elas continuavam caindo. Não era apenas tristeza. Era frustração. Era medo.

Por que ela não vai embora?"

Essa pergunta rodopiava na minha cabeça, mas a resposta parecia tão óbvia quanto cruel. Ela não tinha para onde ir. Ele sempre fazia ela sentir que era culpada, que não conseguiria sozinha. E talvez, com o tempo, ela tenha começado a acreditar nisso.

Eu fechei os olhos com força, tentando afastar esses pensamentos. Mas as imagens continuavam vindo, minha mãe encolhida, o grito do meu pai, o som do vaso quebrando no chão. Cada detalhe era uma faca me perfurando novamente. E a pior parte era saber que aquilo não tinha acabado. Que eu voltaria para casa e tudo continuaria exatamente igual. Talvez até pior.

Mas eu não podia desistir.

Respirei fundo, tentando encontrar alguma calma no ar frio da noite. O karatê. Minha mente voltou para isso como um fio de esperança. Talvez, só talvez, fosse lá que eu encontraria a força que precisava. Não era só sobre aprender a lutar, era sobre me tornar alguém capaz de proteger. Não só minha mãe, mas eu mesma. Alguém que não fosse tão frágil, tão fácil de quebrar.

Eu sabia que não seria fácil. O Cobra Kai não era um lugar acolhedor, mas talvez fosse exatamente isso que eu precisava. Um lugar que me ensinasse a endurecer, a resistir, a revidar. Porque eu já estava cansada de apenas aguentar. Eu queria lutar de volta, mesmo que isso significasse desafiar meus próprios limites.

Levantei o rosto, olhando para o céu. As estrelas mal eram visíveis, encobertas pelas luzes da cidade, mas, mesmo assim, estavam lá. E eu me perguntei se, em algum lugar, havia algo maior olhando por mim. Talvez isso fosse só um pensamento bobo, mas naquele momento me deu algum conforto.

— Eu vou ser forte. — Sussurrei para mim mesma, como uma promessa. Porque, se eu não fosse, ninguém seria por mim. Se eu não tentasse, quem tentaria?

Apoiei os pés no chão, erguendo o corpo lentamente. Ainda tremia, mas algo dentro de mim parecia diferente. Ainda tinha medo, ainda estava magoada, mas havia uma pequena chama se acendendo. E eu me agarraria a ela com tudo o que tinha.

Passei as mãos pelo rosto mais uma vez, tentando limpar os vestígios do choro. Peguei a bicicleta do chão, as rodas ainda sujas de terra. Comecei a pedalar novamente, mas dessa vez de forma mais lenta, aproveitando o tempo para organizar os pensamentos. Não sabia como, mas precisava encontrar um jeito de mudar minha realidade. Precisava acreditar que havia algo melhor me esperando, mesmo que estivesse tão longe que eu não pudesse enxergar ainda.

Enquanto pedalava de volta para casa, com o coração ainda pesado, uma coisa era certa, eu não deixaria tudo continuar assim. O Cobra Kai poderia ser o começo de algo novo.

Quando cheguei na rua de casa, senti minhas pernas travarem. A bicicleta pareceu pesar toneladas enquanto eu a empurrava pelo asfalto. Parei, largando-a no chão ao lado do meio-fio, minhas mãos tremendo enquanto tentava respirar fundo. Mas o ar parecia não chegar aos meus pulmões. Meu peito estava apertado, e um nó na garganta só crescia. Meus pensamentos estavam uma bagunça, girando como um turbilhão descontrolado.

Eu queria ser forte. Queria acreditar que era capaz de suportar tudo, de mudar alguma coisa. Mas naquele momento, tudo o que eu sentia era uma impotência esmagadora. Minhas mãos foram ao rosto, abafando um soluço enquanto lágrimas começaram a escorrer descontroladamente. A rua parecia girar, e eu me sentia presa em uma espiral sufocante.

Foi quando ouvi meu nome, quebrando o silêncio da noite com um tom estranho de hesitação e preocupação. Levantei o olhar, os olhos marejados encontrando a silhueta de Kenny, parado a alguns metros de mim. Ele parecia incerto, a mochila pendendo em um dos ombros, mas era claramente ele.

— Você estava... Chorando? — Perguntou, a voz baixa, como se tivesse medo de me incomodar. Ele começou a se aproximar, mas parou abruptamente, desviando o olhar para o chão.

Aquele simples gesto, aquele momento em que ele virou o rosto, como se não soubesse como lidar com a situação, foi o suficiente para quebrar o que restava da minha compostura. Um soluço escapou alto, e as lágrimas vieram com ainda mais força. Não era só tristeza, era frustração, medo, raiva, tudo misturado em uma avalanche que eu não podia controlar.

Kenny deu mais um passo hesitante, levantando a mão como se quisesse dizer algo, mas eu não lhe dei tempo. Antes que ele pudesse reagir, corri até ele, jogando-me em um abraço apertado, a cabeça encostando em seu peito. Ele congelou, o corpo rígido e tenso como se não soubesse o que fazer.

— Lizzie... — Ele começou, a voz carregada de desconforto. Suas mãos ficaram suspensas no ar, hesitando entre retribuir o abraço ou me afastar. Eu agarrei a manga da camiseta dele com força, como se minha vida dependesse disso, e balancei a cabeça contra o peito dele.

— Só... Só me dá um minuto — Sussurrei, a voz trêmula entre os soluços. — Só alguns segundos. Eu só... Preciso de alguém agora.

Ele tentou afastar-me, muito de leve, provavelmente mais para se desvencilhar do desconforto do que para me empurrar de verdade. Mas eu não deixei. Apertei os dedos na camiseta dele, os soluços sacudindo meu corpo.

— Por favor, Kenny... Só um minuto, só isso.

Ele suspirou, e senti o peso da derrota no gesto. Hesitante, uma das mãos dele tocou meu ombro, de forma quase desajeitada, como se ele não soubesse se aquilo era permitido. Não era exatamente conforto, mas naquele momento, era o que eu precisava.

— Tá... Tá bom, Lizzie, tudo bem. — Ele soava tão desconcertado quanto parecia, mas não tentou mais me afastar.

Chorei rios, cada lágrima parecia carregar o peso das últimas semanas, dos últimos meses. O som da minha casa ecoava na minha mente, os gritos, os barulhos das coisas quebrando, a dor silenciosa da minha mãe. Tudo transbordava, e eu nem sabia mais onde começava minha raiva ou minha tristeza.

Kenny ficou ali, imóvel, e eu sabia que ele estava desconfortável, mas ele não disse nada além de respirar fundo algumas vezes. O peito dele subia e descia contra minha cabeça, e aquilo, de alguma forma, era reconfortante. Talvez porque, mesmo sem saber o que fazer, ele não me empurrou de verdade. Ele ficou ali, e só isso já significava tanto para mim naquele momento.

Quando finalmente os soluços começaram a diminuir, respirei fundo, me afastando devagar. Encarei o chão, incapaz de olhar para ele. Meu rosto estava molhado de lágrimas, provavelmente uma bagunça completa, mas isso não importava.

— Desculpa — Murmurei, minha voz ainda embargada.

Kenny deu de ombros, mas não parecia irritado. Ainda parecia confuso, mas havia algo no rosto dele... Talvez uma preocupação que ele não sabia como expressar.

— Tá... Tá tudo bem? — Perguntou, finalmente.

Eu ri, sem humor, limpando o rosto com as mangas da blusa.

— Não. — A palavra saiu sem pensar, honesta e pesada. — Mas obrigada. De verdade.

Ele não respondeu, só balançou a cabeça, como se quisesse dizer algo, mas não tivesse certeza de como. Por um momento, ficamos ali, em silêncio, as palavras pairando no ar, mas não encontrando saída.

Obra autoral ©

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