014 - Paranóia

   A doutora Maya Rowan estava sentada na minha frente. Ela tinha um caderno nas palmas, uma folha em branco aberta enquanto me observava. Nada que eu pudesse identificar estava visível em seu rosto, pois ela o mantinha em branco, mas caloroso.

   Seu cabelo longo estava preso em um rabo de cavalo elegante, e suas joias eram mantidas minimalistas. Ela usava um blazer e calças combinando, com uma blusa azul-bebê de seda que estava enfiada em suas calças. Maya estava extremamente bonita.

   — Fiquei surpresa em ver você na lista de hoje, Daphne — ela disse. — Como você está?

   Cora fez os arranjos para que eu visse Maya novamente. Claro, ela não se incomodou em me contar, ela apenas me levou para o escritório. O sentimento de vergonha e pavor era misto, e eu estava com medo de vê-la novamente.

   — Para ser honesta — eu disse, minhas mãos tremiam levemente e tentei esconder. Imediatamente, seus olhos voaram para minhas palmas antes de se fixarem novamente em meu rosto. — Essas últimas semanas foram realmente difíceis — Maya assentiu.

   — Que tal voltarmos para quando tudo começou?

   Parei por um momento. Eu estava relutante em fazer isso, pois poderia desfazer tudo o que eu tinha feito nas minhas sessões de terapia até então, no entanto, já fazia muito tempo desde que eu tinha visto Maya pela última vez, eu realmente não tinha ideia de onde paramos.

   — Seria terrível começar de novo. Eu quero voltar ao zero, mas se você acha que vai ser melhor para mim…

   — Bem — Maya disse. — Quando tudo acabar, não será ruim. Mas pode ser difícil para você passar por todas essas memórias terríveis novamente. Se você estiver pronta para fazer isso, e se você tiver certeza absoluta de que quer fazer, então eu ficarei feliz.

   — Tenho certeza.

   Maya sorriu. Ela se levantou, jogou o caderno na lata de lixo e pegou um novo, antes de se sentar.

   — Conte-me sua memória favorita da infância, Daphne.

   Isso me pegou desprevenida. Não precisei pensar muito sobre isso, pois sabia o que era.

   — Minhas festas de aniversário. Sou uma das garotas sortudas. Mamãe e papai sempre compravam aqueles castelos infláveis para mim. Eles sempre tinham algum tipo de tema da Disney, as princesas mudavam a cada ano. Eles traziam palhaços, princesas e até pôneis para as crianças montarem. Conforme fui crescendo, os temas não eram tão infantis, mas era sempre o dia do ano que eu mais esperava.

   — E você acha que suas festas de aniversário seriam tão boas lembranças se não fossem os castelos infláveis e as princesas?

   Não perdi o ritmo.

   — Sim. Minha casa sempre foi cheia de muito apoio e amor, e eu era realmente a criança mais feliz enquanto crescia. Nada se compara à adoração que meus pais me mostravam todos os dias.

   Maya ainda estava olhando para mim, embora sua mão que segurava a caneta estivesse rabiscando.

   — Como você conheceu Miles Anderson? Conte-me sobre isso.

   Era como se alguém tivesse me apunhalado no peito. Ela sabia exatamente o que estava fazendo e por que fez isso, embora eu não tivesse certeza se era algo sobre o qual eu falaria com ela. Mas, por outro lado, foi minha ideia recomeçar, e essa conversa teria acontecido mais cedo ou mais tarde.

   — Uma das minhas colegas de classe, Ayla, estava dando uma festa em casa. Não era grande e ela convidou apenas umas dez pessoas. Mas o irmão mais velho dela estava em casa, com alguns amigos, e um deles era Miles.

   Falei o nome dele, em voz alta, pela primeira vez em dois anos. Arrepios percorreram minha espinha e me senti um pouco enjoada ao pensar nele, mas não parei de falar,

   — No começo, eu era ingênua e burra, honestamente eu me sentia a garota mais sortuda do mundo por ser notada por um garoto bonito e mais velho. Ele não era um garoto, no entanto. Ele era um adulto. Eu tinha quase dezessete anos, ele tinha vinte e cinco. Eu não via isso naquela época pelo que era e se eu tivesse visto, talvez tudo isso pudesse ter sido evitado.

   Maya me interrompeu.

   — Não foi sua culpa, Daphne. Nada disso. Você era uma criança e foi aproveitada. Ele provou ser um psicopata, e eles são sempre mestres manipuladores. Em uma idade tão jovem, não havia nada que você pudesse ter feito para evitar isso.

   — Eu sei — eu sussurrei.

   De alguma forma, embora eu estivesse falando sobre a coisa mais difícil que já aconteceu comigo, falar abertamente sobre isso com Maya foi libertador. Eu me lembrei do porquê ela era a única terapeuta que eu estava disposta a ver. Sua maneira de falar e a segurança que eu sentia ao redor dela foi o que me atraiu.

   — Você ainda mantém contato com sua amiga, Ayla?

   Balancei a cabeça.

   — Não. Eu nunca culpei ela ou o irmão dela pelo que aconteceu ou por me apresentar a Miles, mas nós nos distanciamos. Eu me tornei antissocial e assim que fui para a faculdade, ela também foi, não nos vemos há anos.

   — Por quanto tempo você e Miles estiveram juntos?

   — Dois anos. E o primeiro ano do nosso relacionamento foi ótimo. Ele me levava para encontros todo fim de semana, e como eu estava jogando vôlei no ensino médio, ele sempre estava lá para assistir meus jogos. Miles também me apoiava muito. Naquela época, eu queria seguir uma carreira na escola, seguir os passos da minha mãe, mas isso mudou ao longo dos anos. Ele sempre soube me surpreender. Presentes, carinho, tudo isso. Ele parecia um cara incrível.

   — Quando tudo começou a ficar... suspeito para você? O comportamento dele? Quando tudo mudou?

   Respirei fundo.

   — Não mudou da noite para o dia. Nosso aniversário de um ano foi no fim de semana depois do meu aniversário de dezoito anos. Naquele momento, meus pais sabiam que eu tinha um namorado, mas isso era tudo. Eu sabia que eles não apoiariam nosso relacionamento por causa da diferença de idade, então nunca contei a eles até que eu fosse legalmente adulta.

   — Como eles reagiram?

   — Como esperado — eu ri. — eles estavam furiosos com ele por sequer considerar um relacionamento com uma criança na idade dele. Eles nunca me culparam e minha mãe tentou falar comigo sobre a coisa toda, mas como uma adolescente que estava perdidamente apaixonada, eu me recusei a ouvir. Eles mantiveram um olho afiado em nós dois. E como eles não apoiavam o relacionamento, eu mentia para eles, frequentemente. Eu menti sobre com qual amigo eu estava passando a noite, e eu estava no apartamento dele.

   Parei por um minuto para tomar um gole do chá que ela preparou para nós quando cheguei, embora já tivesse esfriado há muito tempo. Não me importei, e precisava beber alguma coisa, pois minha boca estava seca.

   — A primeira mudança que notei em seu comportamento foi o quão possessivo ele se tornou comigo. Se eu decidisse sair com meus amigos em vez dele, ele sempre ditava o que eu podia vestir, onde eu podia ir, e mesmo assim, nós discutíamos sem parar porque ele ficava bravo porque eu não passava a noite com ele. E cada vez eu ficava tão frustrada que saía da festa mais cedo e ficava com ele pelo resto da noite.

   — Você contou a alguém sobre isso? Seus pais, seus amigos?

   — Deus, não. Eu queria ter tido coragem, mas não tive. No começo, eu achei fofo o quão ciumento e possessivo ele se tornou, porque isso significava que ele me amava. Levei meses para perceber que um homem pode ser possessivo e ciumento e não amar você.

   — Nesse ponto do seu relacionamento, ele era fisicamente abusivo?

   — Não. No começo, era tudo possessividade e ciúmes, até que um dia ele me disse que eu estava proibida de sair sem ele. Eu pensei que ele estava blefando e que estava brincando, já que ele era do tipo que fazia piadas o tempo todo. Até que eu saí pela primeira vez sem a permissão dele.

   Maya assentiu.

   — Se você quiser, podemos parar aqui hoje

   — Está tudo bem, te aviso quando ficar muito difícil para mim.

   — Tudo bem — ela disse e rapidamente escreveu algo, mantendo contato visual.

   — Lembro-me do dia como se fosse ontem. Meu time estava indo para o campeonato nacional de vôlei e foi enorme, já que nenhum time da nossa escola tinha ido a um em quase uma década. As meninas do time pediram para a treinadora nos levar para jantar, e ela levou. Ela nos deixou beber um pouco e foi a melhor noite da minha vida. Até que não foi mais.

   Limpei a garganta.

   — Ainda não sei se ele me perseguiu, ou se ele enviou alguém para me perseguir, ou se ele estava acidentalmente no pequeno restaurante em que estávamos, mas Miles sabia que eu saí sem ele e no momento em que nos encontramos no dia seguinte, virou um inferno. Eu disse à mamãe e ao papai que ia passar a noite com uma das garotas do time, e em vez disso fui para a casa dele. Assim que entrei pela porta, ele começou a gritar e berrar comigo, achei toda a situação engraçada então ri, e Miles não gostou disso. Ele me deu um tapa forte. E claro, nunca para por aí. Tentei lutar, mas ele não permitiu. Ele quase quebrou meu nariz e meu estômago inteiro ficou coberto de hematomas. Ele saiu à noite e me trancou em seu apartamento.

   Lambi meu lábio inferior e desviei o olhar dela, porque parecia que as lágrimas iriam cair a qualquer segundo.

   — Levei uma hora inteira para perceber o que aconteceu. Fui até a cama do lugar no chão onde ele me deixou e chorei até dormir. Na manhã seguinte, ele voltou com muitos, muitos presentes e desculpas de merda. Ele me disse que fez isso porque me amava e que sentia muito, que não aconteceria de novo. Sendo a pessoa idiota que eu era, eu o perdoei. E por um mês ou mais, estava tudo bem.

   — O que seus pais disseram para você ver seu rosto machucado?

   — Eu menti, é claro que eu disse a eles que eu briguei com uma garota do time e eu sabia que eles não acreditaram em mim. Eles ficaram além de chocados e confusos quando viram a marca da mão na minha bochecha e o olho roxo. Eu sempre tive um relacionamento honesto com eles, e eles eram geralmente as primeiras pessoas para quem eu ligava se eu tivesse problemas, o que era raro. Depois que Miles foi preso, eles me disseram que foi o dia em que eles começaram a investigá-lo mais seriamente e a reunir evidências. Como eles não sabiam até onde ele iria para me machucar, eles não podiam agir imediatamente, e se soubessem, eu ainda estava apaixonada por ele e o defenderia até o dia em que eu morresse.

   Maya escreveu um pouco em seu caderno, antes de fechá-lo.

   — Vamos parar por aqui. Vai te sobrecarregar se repassarmos tudo em uma sessão. O que posso te dizer é que você ficou mais forte, Daphne. Pode não parecer, mas você consegue dizer o nome dele sem pestanejar, e isso por si só já é uma melhora. A maneira como você fala e age é melhor do que eu pensava. Você percorreu um longo caminho, e estou orgulhosa de você.

   Eu sorri.

   — Vejo você na semana que vem.

   No momento em que saí e respirei um pouco de ar fresco, senti-me um pouco tonta. No bom sentido, se é que isso era possível. Cora e Luka conheciam a história de Miles, mas nunca entrei em detalhes completos com eles como fiz com Maya, e contar minhas dificuldades a um completo estranho foi bom. Isso me fez sentir bem.

   Fiquei grata que Cora me empurrou para fazer isso. Miles precisava ficar no passado, onde ele pertencia, ao lado de sua cela de prisão.

   No entanto, eu ainda não conseguia me livrar do sentimento de paranoia: algo iria acontecer e não era bom.

Meta p próximo cap: 15 votos!
Ps: teremos mais capítulos de Daph na terapia, é por onde vcs conhecerão o Miles. Oq acham q vai acontecer?

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