𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 9

CAPÍTULO 9

5 dias para o fim do mundo

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Eu tentei perguntar para Cinco, no caminho, qual era a função dele na sua antiga empresa. Em todas as vezes ele mudou de assunto. Acredito que era algo que nem vale seu tempo explicando. Cinco usou o meu carro para dirigir até uma estrada deserta, e só não estou pensando o pior dele porque ainda está de dia.

— O que você vai fazer? — eu pergunto, quando o vejo desligar o carro.

— Vou ligar para a minha antiga empregadora e tentar fazer um acordo. Sai do carro.

Ele atravessa a rua para chegar até a cabine telefônica, discando vários números nela. Do lado de fora do carro, eu espero de braços cruzados apoiada no capô. Cinco não falou nada ao telefone, apenas discou, aguardou e desligou.

Ele disse que temos que esperar.

O tédio é tão grande que só percebi que uma ave parou de voar porque passei tempo demais olhando para o céu. O pássaro está parado no ar, sem se mover, sem cair, simplesmente parado. As nuvens também parecem não se mexer. Então eu percebo a presença de mais alguém à nossa frente. Uma mulher.

Ela carrega uma maleta preta, que combina com seu vestido longo e óculos escuros, contrastando com os cabelos platinados. Ela oferece um sorriso enorme para Cinco, que por sua vez caminha na direção dela.

— Olá, Cinco — a mulher cumprimenta ele. Não sei se ela me viu através daqueles óculos escuros, ou se me ignorou de propósito. — Quanto tempo.

— É bom ver você de novo.

— Creio que se ainda está na sua missão de impedir o fim do mundo não me chamou para tomar um café, então me diga: o que você quer de verdade?

— Eu quero que impeça o apocalipse — Cinco coloca suas mãos para trás, dizendo como se fosse algo simples.

— Você já entendeu que o que está pedindo é praticamente impossível, até para mim. O que tiver que acontecer, vai acontecer.

A julgar pela forma que conversam, a mulher já deve conhecer a história de Cinco com o apocalipse.

— Essa fantasia que você vem alimentando de recrutar sua família para impedir o apocalipse é apenas… fantasia. Mas essa perseverança é excepcional, devo dizer. Por isso que queremos oferecer a você um novo cargo, lá na Comissão: supervisor.

O que estou vendo é que ela está mesmo querendo reverter a situação? Cinco veio para conseguir benefícios e vai acabar trabalhando para eles de novo?

— O que foi que você disse? — Cinco cerra seus olhos.

— Vem trabalhar com a gente de novo, você sabe que lá é o seu lugar.

— É, mas não deu muito certo da última vez.

— Você não trabalharia mais na divisão de correções. Eu estou falando do escritório central. Teria o melhor plano de saúde, aposentadoria, e daria fim nessas viagens incessantes.

É tentador. Não estou participando da conversa, mas mentalmente aceitei esse cargo. Qualquer plano de saúde seria melhor que o que eu tenho.

— Aceita a oferta? — a mulher estende a mão, e Cinco demora para reagir.

— Um instante.

Ele caminha até mim. Achei que tivesse esquecido que me trouxe para conversar com a sua chefe. Cinco apoia suas mãos no capô, uma de cada lado do meu quadril, e se aproxima do meu rosto para falar baixinho:

— Você quer mesmo ir? Pode ser que não tenha volta.

Eu encaro seus olhos, que estão quase implorando para que eu aceite.

— Ir para um lugar que eu nunca vi na vida e que talvez não tenha volta… Que radical, né? — eu ironizo.

Como eu posso confiar nele? Devo considerá-lo um desconhecido?

Ele não quer me dizer qual era a sua profissão. Ele me conta pouquíssimo sobre o que aconteceu nos últimos anos para ele. Eu não sei mais quem é Cinco, e ver a sua conversa com aquela mulher só prova que eu ainda sei pouco sobre ele. Dizer que fomos muito próximos na infância não serve para nada. Eu não conheço esse Cinco.

— Nada de ruim vai acontecer com você, Amber, eu prometo. Mas eu preciso da sua ajuda.

Eu não respondo.

Pelo bem do mundo, né? A posição em que estamos me transforma numa frouxa que não consegue dizer não. Por isso, eu abaixo a cabeça, concordando com a garganta. Cinco apoia sua testa em meu ombro por alguns segundos, sussurrando:

— Obrigado.

Ele segura meu antebraço delicadamente e nos leva para frente daquela mulher.

— Ah, não, me desculpem, mas não há outra vaga — diz ela, um tom falso em sua voz, me olhando de cima a baixo.

— Não, não quero que ela trabalhe lá. Ela só vai me acompanhar, depois vai voltar para casa. Tem anos que não nos vemos, só queremos colocar o assunto em dia, né, querida?

— Tenho tanta coisa pra contar pra ele… — eu suspiro, soltando um sorriso. Por Deus, que isso acabe logo.

— Bom, você sabe o limite de visitas por dia.

Cinco solta uma risada, dizendo em seguida que conhece as normas da empresa. Ele segura o meu braço com mais força, e estende a mão para a mulher, que aperta enquanto pressiona um botão na maleta.

Não estou entendendo nada.

Luzes fortes começam a cegar meus olhos e sou obrigada a fechá-los com toda a força. Sensações em meu estômago parecida de quando Cinco se teletransporta comigo, só que dez vezes pior. Quando a luz através das minhas pálpebras já não está tão forte, eu abro os olhos, vendo o lugar ao meu redor. Não estamos mais naquela estrada. Parece que não estamos nem na mesma época.

— Bem vindo de volta! Fique à vontade. Você começa hoje mesmo, Cinco, no turno da noite, às 18. Matthew irá te dar os uniformes e as instruções — a mulher diz, ecoando o barulho de seu salto pelo salão. — Agora o dever me chama, mas podemos marcar um almoço amanhã, o que acha?

— Perfeito — Cinco responde, um sorriso fraco.

A mulher acena e vai embora, desaparecendo entre as centenas de pessoas no saguão.

Perfeito? — Eu me viro para Cinco, repetindo a resposta dele.

— Não começa.

Cinco segura a minha mão, andando pelos corredores com rapidez. Ele parece conhecer muito bem aqui. Há várias pessoas uniformizadas andando de um lado para o outro, algumas com pastas nas mãos, outras carregando maletas. Que merda de lugar é esse?

Agora pouco vi uma dupla de homens carregando rifles e começo a achar que essa empresa não é tão boa quanto parece. É possível perceber apenas pelo ambiente, é cinzento e sem vida. Cinco chega em um corredor mais largo, onde em cada porta há uma numeração. Para ambos os lados o corredor, parece infinito, não consigo ver o fim das portas.

Quando chegamos na porta 585, aparentemente um quarto desocupado, Cinco usa a chave que já estava na fechadura para entrar. Ele praticamente me empurra para dentro e tranca a porta, jogando a chave em cima da cama. É um cômodo não muito grande, com duas camas e uma arara com cabides vazios.

Tenho certeza que estou mirando tudo isso com olhos arregalados. Principalmente depois da quantidades de pessoas que passaram por mim usando armas de fogo.

— Vai me explicar o que tá acontecendo? — eu pergunto, elevando a minha voz, muito irritada.

Por algum motivo eu me sinto apenas uma peça no jogo dele, que quando não precisar mais, ele vai descartar. Tarde demais para eu perceber isso já que eu aceitei vir para cá, e agora não sei como sair.

— Eu sei, vou te explicar tudo. Senta aí.

Eu me sento na ponta da cama, desleixada, enquanto Cinco está sentado de frente para mim. Ele tem somente essa oportunidade para me convencer do que está fazendo.

— Eu fui recontratado, vou trabalhar no escritório agora. Mas antes eu era agente de campo.

— E que porra é isso?

— Agentes de campos são assassinos. Nós recebemos uma ordem, e eliminamos a pessoa, seja lá quem for.

— Você o quê?

Por isso o mistério em dizer o cargo dele? Não dá para acreditar. Não dá nem para dizer que ele está mentindo. Ele sequer piscou. E eu vi homens carregando armas antes de vir para esse quarto. Esse lugar é tão criminoso assim?

— Que doentio. Por que você aceitou voltar?

— Amber, eu tenho um plano. Mas você tem que me ouvir até o final.

— Tá bem.

— Se eu sou supervisor de casos, então eu posso encontrar o caso do apocalipse. Posso ver o que o causa e matá-lo antes que aconteça. É minha única saída, e para isso vamos ter que invadir algumas salas e forjar memorandos. Entendeu agora?

Um pouco. Estou começando a entender o ritmo dessa empresa.

— Entendi.

— Certo. Então às 18 eu começo meu turno, qualquer horário eu venho te buscar — Cinco confere as horas no relógio da parede. Falta uma hora. — A política de visitas aqui na Comissão é que só podem ficar por duas horas. Eles acham que podem acabar descobrindo o que fazem aqui.

— Justo. E o que eu faço depois que acabar essas horas?

— Achei que você conseguia se esconder, Amber. — Cinco abre um sorriso de canto. — O problema mesmo vai ser as câmeras. Eles usam uns sensores de calor para ter certeza que não tem ningué…

— Eu sou invisível para os sensores também.

Cinco pisca algumas vezes, inclinando a cabeça, surpreso.

— Ah… você evoluiu. Meus parabéns. — Suas mãos começam a ficar inquietas e seus olhos hesitam em olhar para mim. — Perdi muita coisa quando estive fora, né?

— Você nem faz ideia.

Ele balança a cabeça, apertando os lábios.

— No meu tempo livre podemos conversar sobre tudo, igual fazíamos antigamente. Assim nos conhecemos melhor.

— Por onde começamos? — eu falo, soltando uma risada. Não sei como vamos colocar dezessete anos em dia em tão pouco tempo.

Ele se deita na cama de solteiro que está, cruzando as pernas na altura do tornozelo, e as mãos embaixo da cabeça.

— O que você fez quando saiu da Academia?

Eu busco uma posição mais confortável, então cruzo minhas pernas para cima do colchão.

— Eu saí mais tarde do que planejei. Com vinte eu procurei algo para estudar, mas eu nem sabia do que eu gostava. Trabalhei numa padaria, depois numa loja de roupas…

— Não vai me dizer que você roubava os produtos?

— Às vezes.

— Eu sabia! — Cinco começa a rir. — Você não muda.

— Eu precisava. Tinha que juntar dinheiro para pagar meu apartamento.

— Aquela espelunca? Amber, você merece coisa melhor.

Me sinto pessoalmente ofendida. Não foi fácil conseguir minha casa mesmo roubando roupas, mas deve ser tranquilo dizer isso quando sua empresa oferece dormitórios.

— Me diz o que você conquistou, Cinco? — Eu arqueio uma das sobrancelhas, desafiando. Ele se levanta e fica sentado, me encarando.

— Você. Uma vez.

— Ah, por favor…

— O quê? Vai fingir que nunca aconteceu?

— Vou, é mais saudável pra mim.

Ele recua um pouco, ressentido.

— Eu não sabia que você olhava assim para o nosso passado.

— Cinco, não foi uma escolha. Eu me casei. Precisei deixar tudo para trás.

Interessante como toda vez que eu menciono meu antigo matrimônio Cinco parece estar tendo um ataque cardíaco.

— Você foi feliz, pelo menos? — ele me olha, suas sobrancelhas inclinadas de uma forma inocente.

— Sim. E você foi feliz com a Dolores?

— Fui.

— Que bom.

— É, que bom.

— Que bom.

Cinco desvia o olhar, e eu faço o mesmo, escutando ele estalar os dedos que é o único barulho dentro desse quarto. O ar constrangedor me sufoca.

— Por quê vocês se separaram?

— Sério?

— Eu não vou conhecer mais de você se não souber o que aconteceu na sua vida — Cinco se defende. Eu suspiro antes de dizer.

— A gente brigava muito. Visões diferentes de futuro. Ele queria filhos e dizia o tempo todo que eu estava ficando velha para isso. Não é que eu não queria ter filhos, eu só não queria ter com ele.

— Você sabia que esse seria o próximo passo. É o que todo mundo espera.

— Ninguém esperava que ele fosse tóxico.

— Quem pediu o divórcio?

— Quem você acha?

Cinco solta uma risada pelo nariz.

— Ele sabia sobre o seu poder?

— Ele odiava o meu poder. Achava que eu usava para traí-lo, o que teria sido uma ótima ideia se eu tivesse pensado nisso.

— Qual o nome dele?

Achei que íamos conversar sobre nossos passados, mas Cinco parece mais interessado em Ethan do que eu jamais estive. Cinco espera quieto, os olhos grudados em mim como se pedisse mais informações. Eu não vou dar detalhes que não contei nem a Allison, então isso é o máximo que ele vai saber. Quando percebe isso, Cinco fica agitado, coçando a nuca e olhando para os lados, às vezes para os pés.

— Amber, eu nunca me esqueci de você. Todos os dias, todos os dias, eu me lembrava da última vez que te vi, e o que você me disse. Eu me esforcei para voltar para a nossa família, mas também para você. Eu nunca imaginei, de todas as formas que pensei em você, que te encontraria assim.

— Assim como? — Eu questiono, confusa. Divorciada? Desconfiada? — Foram dezessete anos. Eu passei mais anos da minha vida sem você do que com você.

— Eu sei. Você teve o mundo inteiro para explorar. Mas ainda assim achei que me consideraria quando eu voltasse.

O que ele quis dizer com isso? Que só porque eu não quero sair contando o monólogo da minha vida eu desvalorizo toda a nossa infância? Para mim isso é uma tentativa covarde de usar o que tivemos no passado para justificar seu comportamento ciumento. Não confiar totalmente nele agora é natural.

— Se eu estou aqui é porque te considero. Idiota.

Sua boca semiaberta mostra que está mordendo a língua. Cinco não tem como contestar essa prova, por isso ele respira fundo e caminha até a porta, ficando em frente a ela alguns segundos. Ele se vira para me olhar, seu braço hesitando se levanta ou não para me alcançar.

— Estou indo. Qualquer hora eu volto, deixa tudo bem trancado.

— Tá bom.

— Não deixe ninguém entrar além de mim.

— Tá.

— É melhor não sair também, aqui dentro tem tudo o que você precisa. Banheiro, cama, eu posso comprar comida, se quiser…

— Cinco, eu sei me virar.

— Ah. Certo. Até mais tarde.

Eu dou um aceno, esperando ele sair para trancar a porta. Me jogo na cama como se pela primeira vez eu pudesse descansar de verdade, longe dos olhos de Cinco.



⦿ 2.394 palavras

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tem como, Amber?

talvez vcs não saibam, mas eu tenho um filho, e esse aqui é ele conferindo cada um que não vota e comenta nos capítulos

ele é muito perigoso (sério) e vai atrás de cada um

beijos curupiras esponjosos 💛

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