𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 7

CAPÍTULO 7

6 dias para o fim do mundo

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Eu não precisei explicar o motivo da minha falta no trabalho, foi apenas um dia após o funeral do meu pai então minha chefe dispensou satisfações. Ocasionalmente ela se arrependeria dessa decisão, visto que o telefone não parou de tocar desde às cinco da tarde. Um tal de Diego enchendo o meu saco, querendo que eu pare tudo o que estou fazendo para escutá-lo.

— Amber, deve ser para você de novo. Atende — meu colega de menos afinidade diz para todos ouvirem.

Eu bato minhas mãos no avental, tirando a poeira, e caminho em direção ao telefone da recepção.

Eu atendo o telefone pela sexta vez, para dizer pela sexta vez que estou trabalhando. Diego, nessa oportunidade, consegue explicar tudo antes que eu desligue. É assim que sou informada que Cinco mal consegue ficar em pé de tão bêbado. Eu ressaltei que ele é um homem adulto e que estou ocupada demais para lidar com algo tão insignificante, mas segundo Diego, Cinco está falando coisas estranhas. Algo como o fim do mundo. E que não para de chamar o meu nome.

Somente pela vozinha irritante de Cinco na minha cabeça dizendo que se o mundo acabar eu não terei emprego, eu saio mais cedo para saber como Diego e Luther precisam da minha ajuda.

Pedi o endereço de onde estavam, achando que seria em algum beco nojento, mas eles já estavam na Academia. Pelo menos colocar nosso brilhante viajante do tempo em segurança eles conseguiram. Agora, espero que minha visita traga algo de útil, ou farei da vida de Cinco um inferno, assim como está fazendo com a minha.

Passo pelos portões da Academia, que apelidei carinhosamente de garras de metal, e confiro nas salas do térreo procurando pelos meninos. O murmurinho vem dos andares acima, então vou em direção ao quarto do Cinco. Chega a ser incômodo fazer esse caminho, há anos que eu sequer cheguei perto do quarto dele.

Empurro a porta entreaberta, encontrando Diego com uma expressão desconfortável, evitando olhar para Luther que está segurando um balde para Cinco colocar para fora tudo o que bebeu. Fico onde estou e cruzo os braços, me apoiando na porta e esperando explicações.

— Bota ordem nisso, Amber, por favor — Diego quase implora, indicando com a mão a cena atrás dele, sem olhar diretamente.

— Ele já parou? — pergunto para Luther, que balança a cabeça, se levantando para levar o balde para fora do quarto. Chego mais perto de Cinco, e a sensação é como se eu estivesse de frente com uma criança arteira. — O que você tem? Me arranjou problemas, sabia?

— Amber… — Cinco levanta seus dedos para tocar meu rosto, para ter certeza que sou real. Eu não faço ideia de onde essa mão estava, por isso me afasto. O bêbado idiota começa a rir sem controle — Vocês todos vão morrer.

— Ele ficou falando isso o tempo inteiro — Diego comenta, também de braços cruzados observando Cinco.

— É, aparentemente o fim do mundo está próximo. O Cinco sóbrio que me disse.

— Todo mundo vai morrer! A clínica explodiu, puff… Já era olho de vidro. Já era família. Já era salvação da humanidade.

— Espera, como assim a clínica explodiu? — eu chego mais perto.

— Explodindo, com fogo! — responde ele, irritado. Instantes depois me olha fixamente para dizer com naturalidade uma das coisas mais horríveis que poderia — Ah, Amber… Eu só encontrei metade de você.

— O quê?

— O seu corpo, querida. Estava pela metade.

— Que porra tá falando, Cinco? — Diego dá um empurrão no ombro do bêbado, como advertência.

— Eu vi todos vocês mortos — Cinco se levanta para enfrentar o irmão como igual. A diferença é que Cinco tem menos equilíbrio. — E a nossa Amber aqui estava sem as pernas. Não sei o que aconteceu quando ela morreu. Mas devia ter sido traumático, né? Lembra quando ela quebrou a perna numa missão?

— Cinco…? Por que não me contou? — Eu descruzo os meus braços, um pouco em choque. Ainda não sei se a palavra dele vale alguma coisa. Ele não responde, mas volta a sentar na cama, em seguida jogando seu corpo desleixadamente para se deitar. — Diego, aquele olho de vidro era a pista principal que ele tinha. Acho que ele não vai conseguir tirar nenhuma informação, já que a clínica não está funcionando, por isso encheu a cara.

— E quem garante que o que ele tá falando é verdade? Ele é o maior cretino!

— Opa, espera aí. Mentiroso eu não sou — Cinco se manifesta.

— Mas cretino é — Diego reafirma.

— É.

— Certo, tá tudo sob controle agora. Vá ver se Luther não desmaiou no meio do caminho quando olhou para dentro do balde — Eu peço, e Diego deixa o quarto encarando Cinco, por ele ter nos feito perder tempo. Penso em fazer a mesma cara quando eu sair do quarto.

Eu ainda devo ter alguns minutos enquanto Cinco está acordado para extrair mais detalhes, até quando ele começar a roncar e esquecer da noite de hoje pela manhã. Eu esqueço de fazer minhas perguntas porque olhar para este quarto sem a cena horrorosa de minutos atrás é muito nostálgico. Eu lembro que eu amava os desenhos do papel de parede de Cinco, e que pintamos a maioria desses carrinhos. Permanecem coloridos até hoje.

— Pega um cobertor para mim, querida — Cinco pede, com um tom arrogante como se eu lhe devesse algo. Contrariando sua ordem, eu me sento na beirada de sua cama, perto de sua barriga.

— O que falou era verdade mesmo?

— O que que eu falei?

Já esqueceu. Eu ainda sinto um desconforto na barriga só por me imaginar morta e com metade do meu corpo. Cinco viu tudo isso quando tinha treze anos. Ele consegue quebrar mais uma parte de mim todos os dias com cada novidade que traz.

— Você não tem outra ideia para impedir o apocalipse?

— Me deixa dormir primeiro, cacete. Amanhã eu vejo — diz ele, já com os olhos fechados e seu tom rabugento — E traz logo meu cobertor.

— É uma vergonha ver um homem adulto e com alto nível intelectual como você não perceber que o cobertor está debaixo da sua cabeça.

Cinco levanta um pouco, percebendo que estou completamente certa e puxa seu cobertor para o restante do corpo. Eu ajudo, ajeitando o tecido para cobri-lo inteiro. Minha mão descansa em cima do seu quadril, apertando-o de leve como um aviso para mostrar que já estou indo embora.

No entanto, a mão dele se apoia sobre a minha, indicando para eu ficar. Acabo cedendo. A partir daí, ele só conversa comigo de olhos fechados e sonolento.

— Você sabe que eu gosto de você, não é?

— Você não me conhece mais — eu respondo.

— Já te conheci muito bem.

Um sorriso engraçadinho aparece no rosto dele.

— Você lembra do que a gente já fez aqui? — pergunta ele, rindo sozinho. Eu só confirmo com um som na garganta. A pergunta pode ser sincera, mas ele não sabe que a maioria das memórias da nossa infância ele estava junto. — Eu sinto saudades.

Sua mão aperta ainda mais a minha. É impossível descobrir a razão, mas ele começa a rir novamente.

— Faz tanto tempo que não te vejo, achei que isso já tinha passado. Coisa de crianças e tal. Ah, eu tava errado.

— Você não tá falando nada com nada. — Eu digo, em negação.

— Amber, eu ainda quero você para mim.

Por reflexo, eu tiro minha mão debaixo da dele. Não sei qual a quantidade de bebida necessária para Cinco deixar de ser manipulador, e o quanto de veracidade há naquela frase. Eu prefiro me afastar a ter que acreditar nas palavras do homem que sequer está olhando nos meus olhos.

— Estou indo embora. Amanhã nós conversamos.

— Fica, por favor.

— Boa noite.

Eu apago o abajur ao lado de sua cama, fechando a porta do quarto ao sair dele. Meus pulmões ainda parecem precisar de mais oxigênio, e meus ombros estão tensionados como se ainda precisassem se proteger de uma ameaça. Na ponta da escada, prestes a descer, encontro Luther, que se interrompe para me avisar:

— Você vai pra casa?

— Já estou indo.

— Amanhã vamos fazer uma reunião. É importante, sobre a mamãe. Acho melhor você ficar, vai adiantar muito.

Eu não trouxe absolutamente nada para passar  a noite na Academia, mas também sei que Luther me carregaria nos braços até meu quarto se eu recusasse. Eu assinto, mudando minha rota para meu antigo quarto. Aqui tem mais memórias que o de Cinco, é meio difícil dormir.

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Estamos todos nós reunidos na sala, assim como três dias atrás, só que com um integrante a mais. Justamente quem falta para podermos começar. Mais cedo mamãe fez ovos com bacon para nós e estava perfeitamente normal, como sempre foi. Estou curiosa para saber porquê ela é o tema da reunião de hoje.

Cinco finalmente entra na sala, os passos pesados e irritados, apertando sua mão contra a cabeça. Ele escolhe um lugar na parede e se apoia, afastado de nós, esperando que acabe o mais rápido possível.

— Bem, Allison e eu encontramos uma gravação da noite em que nosso pai morreu — Luther mostra a televisão, apertando o botão para o vídeo reiniciar.

Nós o assistimos, procurando o que há de errado. Nele, vemos a nossa mãe se levantar e, segundos após, Reginald se contorce na cama até o que parece ser sua morte.

— Se ele foi envenenado, isso teria que aparecer no relatório do legista. — Diego diz, e então Luther responde:

— Eu não preciso de um relatório para dizer o que posso ver com os meus olhos.

— Talvez a gravidade baixa do espaço tenha afetado a sua visão. Olha de perto. Papai tava com o monóculo, nossa mãe levantou, o monóculo sumiu — Diego aponta o dedo para a cena na televisão. — Ela não estava envenenando ele, ela só… tirou dele. Pra limpar.

— Onde foi parar? Eu procurei na casa toda, até nas coisas dela, não estava lá.

Diego gira uma faca entre os dedos, hesitante em dizer:

— É porque eu peguei. Depois do funeral.

— O quê?! Tava com você o tempo todo — eu exclamo. Allison também expressa sua indignação.

— Me dá ele.

— Eu joguei fora.

O suspiro de decepção foi coletivo. Como ele pôde descartar uma evidência tão importante na morte do nosso pai?

— Olha, eu sabia que se você encontrasse nas coisas dela você ia surtar. Assim como você tá surtando agora.

— Diego…

Luther o ameaça, e seu irmão responde preparando os braços para uma luta, provocando-o. Eles realmente acham que tudo termina e se resolve em briga.

— Não comecem, pelo amor — eu levo meus dedos à testa, exaurida. Cinco está muito pior, assistindo tudo de braços cruzados, com a expressão de quem vai explodir a qualquer momento.

— Esperem. — Viktor interfere, evitando uma briga iminente e trazendo a atenção de todos. — Eu sei que nosso pai não era exatamente um livro aberto, mas eu me lembro de uma coisa que ele disse, que a nossa mãe foi projetada para ser cuidadora e também protetora.

— Como assim?

— Ela foi programada para intervir se a vida de alguém estiver em risco.

— Se os circuitos dela estão falhando… temos que desligar — Luther diz, sem um pingo de compaixão.

— Ei, ela não é um aspirador de pó que você só tira da tomada. Ela tem sentimentos! Eu sei disso — Diego argumenta, irritado, apontando o dedo.

— Ela ficou parada lá e viu nosso pai morrer!

— Eu tô com o Luther — Allison se manifesta, e Diego responde sarcástico:

— Não é nenhuma surpresa.

Ele e Luther olham para Viktor, esperando seu posicionamento, até Diego desconsiderar o irmão apenas por não ter poderes.

— O voto dele não conta.

— Espera, eu ia dizer que concordo com você.

— Tá legal, o voto dele conta sim. — Diego se vira para Klaus, que incrivelmente passou a reunião inteira calado — E você aí, Zé droguinha? Qual é o seu voto?

— Eu o quê? Vocês querem minha ajuda agora?

— Qual é a sua opinião, Klaus? — Luther suspira.

— Eu tô com o Diego, quero que você se lasque. E se o Ben estivesse aqui, ele ia concordar comigo.

Agora, todos os olhos estão em mim, esperando o que vou dizer. Eles já deviam saber.

— Esquece a Amber — Luther diz porque sabe que eu não estaria do seu lado.

— Eu estou com Diego. — Eu anuncio. Se nossa mãe realmente fez isso, ela teve grandes motivos, e eu entendo todos eles. — Você tá maluco se pensa que vai desligá-la.

— Cinco? — Diego chama a atenção do irmão, que também passou a reunião inteira quieto.

— Idiotas. Temos coisas mais importantes do que isso — ele resmunga do seu canto. — Façam o que quiserem, se o mundo acabar ela morre junto.

Lentamente, meus irmãos acabam deixando a sala. A resposta de Cinco foi bem inconclusiva, e ela foi a última a decidir. Acredito que Grace continuará viva pelo número maior de votos. É tão macabro termos que escolher deixar ou não nossa mãe viva.

Cinco é o último a se mexer, ele esperou todos saírem para caminhar em minha direção, enterrando suas mãos no bolso. Ele parece não saber começar a conversa, já que olha para todos os lados buscando recursos.

— Você… descansou essa noite? — ele profere. A pergunta é tão cuidadosa que eu questiono se foi destinada a mim. Porém eu percebo que, dado o seu estado deplorável ontem que me deu um trabalhão, sua preocupação é algo que eu devia exigir.

— Sim — respondo natural. Ele tira as mãos do bolso, batendo as palmas e esfregando-as.

— Ótimo, porque hoje o dia vai ser longo. Temos uma mudança de planos. Teve um incêndio na clínica.

— Eu sei.

— Como sabe?

— Você me contou.

— Ah, eu não sei nada do que falei ontem. Desconsidera tudo o que ouviu de mim — ele dispensa, sem dar importância. — Mas as coisas mudaram. Eu não queria ter que fazer isso, mas vou precisar voltar na minha antiga empresa.

— Achei que estava sozinho no apocalipse.

Cinco respira tão fundo que seu ar chega até mim, e mantém todas as palavras ofensivas que queria dizer. Ele caminha pacientemente até se sentar do meu lado, colocando sua mão em minha perna para ganhar mais atenção.

— Amber, há três anos eu fui recrutado por uma empresa que tem amplo controle do espaço-tempo. Eles podem fazer o que quiser com a linha do tempo.

— E você vai voltar para…

— …Impedir por meio dos agentes que o fim do mundo aconteça.

— Uau.

Cinco solta a sua mão de mim, virando para olhar ao redor. Eu nunca imaginei que existia uma corporação para cuidar de algo tão impalpável como o espaço-tempo. Mais uma novidade que Cinco trouxe com ele.

— Quando você vai voltar?

— Não sei. Qualquer dia.

Ah, não… Ele disse algo parecido há dezessete anos atrás. Queria saber qual a probabilidade de isso acontecer novamente.

— Não faz essa cara, não, você vai comigo. Vou precisar de você.

— Dos meus poderes — eu corrijo.

— Também. — Ele dá um sorriso cínico, seus olhos acompanhando cada traço do meu rosto. Estamos perto demais para ele brincar de fazer isso. — Vamos ser só nós dois. Posso fingir que quero sua companhia.

Cinco se levanta, passa por mim e segura minha mão, nos levando para fora da mansão. Tento não pensar em como sua mão é bem maior agora, cobre a minha com facilidade. E é tão… forte? Ou isso ou ele está me agarrando com toda força para o caso de eu sair correndo.


⦿ 2.570 palavras

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Quiz:
O que Amber e Dolores tem em comum?

primeira resposta ganha um suco tang de goiaba 👻

beijos curupiras desdentados 💛

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