𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 5

CAPÍTULO 5


7 dias para o fim do mundo

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Me levanto junto com a luz do dia. E com barulhos de panelas vindos da cozinha. Ainda sonolenta, somente com o rosto lavado, eu vou até lá, me apoiando no balcão com a pior cara que posso fazer para Cinco.

— Porra, são seis da manhã.

— Eu devia ter te acordado mais ced… — Cinco para de falar à medida que seus olhos me encontram. A xícara em uma mão e o bule na outra. A única coisa que se mexe são seus olhos — Belo pijama.

Vindo de Cinco, esse pode ser o pijama mais horroroso da face da Terra, por isso eu confiro se não há nada de diferente. Bem, o tecido está marcando meus seios pelo frio. Ativo meus poderes, ficando invisível para ele.

— O que tá fazendo aí tão cedo?

Café. Não se esconde de mim, Amber.

— Você precisa revirar o armário inteiro pra fazer café?

— Pode te surpreender, mas eu não sei onde fica nada na sua casa — ele fala, olhando ao redor, me procurando — Aparece para mim.

Pode não conhecer os meus armários, mas todos os porta-retratos que Ethan está estão virados para baixo. Cinco derrubou cada quadro para não olhar para o meu ex-marido.

Era um dos meus planos limpar esse apartamento e jogar fora tudo o que é de Ethan, mas Cinco adicionou o apocalipse na minha agenda e meio que estou sem tempo.

— Quando você vai embora? Eu saio de casa às oito, posso te dar uma carona — eu falo, revirando os olhos, aproveitando que ele não vê.

— Você não vai trabalhar hoje, é a menos burra da Academia e vai me ajudar. Se bem que isso é contraditório, já que se o mundo acabar você estará sem emprego de qualquer forma, portanto, está sendo burra. Pelo amor de Deus, mulher, me deixa ver você. Parece que sua voz tá saindo de dentro da minha cabeça!

Falando desse jeito, me lembro de quando éramos crianças e Cinco odiava conversar comigo enquanto eu exercia meu poder. Ele dizia que parecia um louco ouvindo vozes. Eu deixo meu poderes aos poucos, cruzando os braços em frente meu peito por precaução.

— Obrigado.

— Você sequer tem uma pista. Por onde acha que vai começar?

— Na verdade, eu tenho isso aqui — Cinco coloca uma mão no bolso, tirando de lá um paninho, que dentro guarda um globo ocular com íris escura. — É prótese.

— No que isso ajuda? — Chego mais perto para analisar, encontrando somente um número de série.

— Eu encontrei esse olho na mão do Luther. Ele deve ter arrancado da cabeça de alguém enquanto lutava. Alguém vai perder um olho nos próximos dias, e isso vai causar o apocalipse.

— Merda… — esse é o efeito borboleta mais catastrófico que já existiu. — Espera, na mão do Luther?

Cinco aperta os lábios por um instante, desviando o olhar para beber um pouco do seu café. Cada segundo que passa, mais eu sinto como se eu estivesse despencando de um precipício.

— Cinco? Como você sabe que o mundo vai acabar? — eu pergunto. Quero ouvir da boca dele.

Ele, ainda quieto, serve uma xícara para mim, se sentando numa das banquetas da cozinha. Eu me sento em uma ao lado, esperando ele começar a explicar.

— Eu não queria que você soubesse disso. Você vai dizer “eu avisei”, e eu…

— Não — eu interrompo, indignada — Não, Cinco. Me fala o que você encontrou no futuro.

Seu olhar se fixa no meu, como se pudesse transferir as imagens do que viu.

— Nada. Absolutamente nada.

A parte do meu peito que estava acelerada me machuca com uma pontada forte. Esse tempo todo… Cinco não estava em um mundo futurista, ele estava em um mundo pós-apocalíptico.

— Eu não sei o que acabou com a vida na Terra, mas eu sei a data.

— Daqui sete dias…

— Exato.

— Cinco, como… O que você fez para sobreviver?

— Eu me virei — ele responde rápido, como se tentasse afastar meus questionamentos. Eu tenho muito deles, e apenas pelo fato dele não respeitar meu assunto sensível com Ethan, eu continuo:

— Quanto tempo ficou lá?

— Vinte anos. Mais ou menos.

Vinte anos? O tempo passou diferente para nós dois. Cinco não está só mais velho, ele está mais velho do que eu. E passou esse tempo sozinho? Como ele não está aparentando um louco esquizofrênico?

— Por que não voltou? Podia sair de lá, não é?

— Eu não consegui, já falei. Meus poderes não funcionavam lá.

Por um breve momento, eu sinto empatia por esse homem como se não fosse um estranho para mim. Eu sinto remorso por ter culpado ele. Devagar, eu aproximo meu dedo mindinho da sua mão, encostando parte dela. Todos esses anos eu amaldiçoei Cinco por ter ido embora e nunca mais ter voltado, quando na verdade, ele tentou. Várias vezes.

— Eu vi os corpos de vocês, morreram tentando impedir a catástrofe. Amber, você estava… — Cinco tenta, mas desiste de falar, bebendo o restante do café.

Não vejo um Cinco adulto na minha frente, mas uma criança de treze anos desabafando.

— Você não enlouqueceu ficando todo esse tempo sozinho?

— Eu não estava sozinho.

Menos mal, eu acho.

— Não?

— O nome dela era Dolores. Ficamos juntos por muitos anos.

Ah… Uma sobrevivente, imagino.

Bem, eu não posso esboçar nenhuma reação negativa com essa notícia. Eu me casei, tendo um mundo inteiro de opções. Quero acreditar que Cinco ficou com essa mulher por ser a última do mundo.

— Ah, que bom — Tento camuflar meu sentimento estranho com uma felicidade falsa.

O silêncio dele é arquitetado para me obrigar a fazer mais perguntas. Mas eu não vou cair nessa. Ele já explicou, no tempo verbal, que não está mais com essa mulher. Acho que não preciso me preocupar com a Dolores.

— Vamos encontrar o dono desse olho — dou tapinhas na mão dele, pulando da banqueta.

Por mais incrível que pareça, ele sorriu ao perceber que eu me incluí nessa missão. Esses dez minutos só mostram que temos anos e anos de conversa para pôr em dia.

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— Isso, agora vire na próxima direita — Cinco me guia, mirando um papel em sua mão com algum endereço, além de umas machas bordô que parecem respingos de sangue. De alguma forma ele conseguiu o endereço da clínica e é para lá que estamos indo.

Estaciono o carro em frente ao prédio. Imaginei que Cinco sairia às pressas para finalmente ter as informações do dono do olho. Porém é diferente. Ele está parado encarando o objeto. Parece até que está se despedindo.

Quando seu momento reflexivo acaba, nós entramos no prédio, ambos quietos. Acho que o nome de sua companheira tomou espaço demais na minha cabeça, e só consigo pensar em como ela era, como era a relação dos dois, se chegaram a se amar de verdade, e não porque eram as últimas pessoas do mundo.

O silêncio só fica pior no elevador, e posso não ter feito a melhor das escolhas quando abri minha boca para perguntar:

— Vem cá, você tem filhos?

Cinco expressa sua reação mais desacreditada, suas sobrancelhas juntas e um ponto de interrogação estampado em seu rosto.

— Ah, sei lá. É só uma pergunta.

— Tenho. Dois. Um casal.

— Sério?

— Não, Amber! Achei que fosse óbvio que eu não faria uma loucura dessas.

— E eu achei que você e Dolores tentaram repopular a Terra — isso pelo menos passou na cabeça deles ou só na minha? — Tipo Adão e Eva.

— Cala a porra da boca.

Para o bem da minha saúde física, as portas do elevador abriram. Aposto que Cinco estava prestes a me mandar parar de imaginá-lo concebendo um filho. Ele sai depressa do elevador, não suportando ficar mais um segundo nessa atmosfera constrangedora.

Cinco desconsidera os atendimentos que a recepcionista no balcão faz, apenas olha fixamente para um homem de branco na sala ao lado, com as paredes de vidro.

— Qual é o seu plano? — eu cochicho, assim que percebo o homem se levantar para vir em nossa direção.

Eu sou o plano. E você é o plano B. Vai saber o que fazer se eu não der certo.

Ah, provavelmente eu não vou. Tenho que dizer que faz anos que não resolvo uma missão com alguma importância.

— Posso ajudar? — o Dr. chega até nós, seu jaleco diz que seu sobrenome é Lance.

— Eu preciso saber de quem é isso  — Cinco é direto, mostrando a prótese em seus dedos.

— Onde encontrou isso?

— Não é da sua conta.

O Dr. Lance fica visivelmente surpreendido. Eu dou uma cotovelada em Cinco, discreta.

— Ah, tá. Eu achei por aí, numa praça. Eu quero devolver pro dono.

— Desculpe, mas o registro dos pacientes é estritamente confidencial. Eu não posso dizer…

— Eu sei o que isso significa.

— Vamos fazer o seguinte: Você me entrega esse olho e eu devolvo para o dono. Tenho certeza que ela ou ele vai agradecer muito…

— Você não vai tocar nesse olho. — Cinco diz, num tom claro de ameaça. O jeito dele de conseguir o que quer nem sempre é o melhor de todos.

— Escuta, rapaz… — Lance tenta dizer, porém Cinco agarra seu jaleco com as duas mãos, aproximando o rosto dos dois.

— Não, escuta você, imbecil! Eu vim de muito longe por isso. Passei por coisas que seu cérebro de ervilha nem entenderia. Então me dê logo a informação que eu preciso, e eu deixo você em paz — Cinco exibe um sorriso cínico, mas um olhar tenebroso — E se me chamar de “rapaz” mais uma vez, eu jogo a sua cabeça naquela parede!

— Ai, meu Deus — a recepcionista expira.

Chame o segurança — o Dr. diz, com pouca voz. Cinco o solta com um empurrão. Eu preciso dar um jeito nessa situação antes de nós sermos levados daqui pelos seguranças.

— Isso não é necessário. Já estamos indo.

— O quê? Amber?

Eu agarro o antebraço de Cinco, arrastando-o para o elevador enquanto ele me xinga com os dentes cerrados. Assim que as portas se fecham, Cinco se altera, dando um tapa forte na porta cinzenta. Começo a não querer estar no mesmo ambiente que ele, enquanto ainda está em seu estado agressivo.

— Porra, você não viu que eu estava quase conseguindo?!

— É, pra mim ele estava quase te entregando os envelopes.

— Não fode.

— Me escuta! — Viro os ombros dele em minha direção, buscando sua atenção — Lembra o que fazíamos quando éramos pequenos?

— Depende. Do que você está falando?

— Quando usávamos nossos poderes para entrar em lugares trancados. — Ignoro por completo a outra interpretação que ele teve.

— Ah. Lembro.

— Pronto. É só fazermos igual.

— Ainda conseguimos fazer isso?

— Vamos ter que tentar.

Cinco mexe os ombros, aliviando a tensão, relaxando porque viu que eu não estava arruinando seu plano quando o puxei para longe do Dr. Vai ser melhor se não fizermos um escândalo nesta clínica atraindo seguranças.

— Até que você não é tão inútil — Cinco aperta um número no painel do elevador, confessando em voz baixa.

— Você continua subestimando minha capacidade cognitiva?

— Velhos hábitos.

Eu seguro o braço dele, afastando todos os pensamentos que me fazem focar naqueles músculos. Eu ativo os meus poderes, esperando o elevador chegar ao andar.

Ainda me lembro do dia em que descobrimos que podemos usar nossos poderes ao mesmo tempo. Nós mesmos, belas crianças autodidatas, aprendemos que o meu poder de camuflagem viria primeiro, para depois Cinco nos levar para onde quiser. Fizemos isso tantas vezes. Chega a ser nostálgico sentir meus dedos em seu braço, aguardando o momento em que a mudança de espaço me dará enjoos.

Quando pudemos sair do elevador, vagamos por todo o andar procurando por alguma sala de arquivos. Eles devem ter arquivos impressos, não? Ou só existem em computadores? Sem saber, nós entramos em várias salas erradas, em laboratórios e em armazenamento de próteses.

— Será que é essa? — Cinco sussurra para mim, olhando para a última porta que restou.

Ele usa seu teletransporte para atravessarmos a porta, e quando está dentro da sala, ele solta seu braço de mim, ficando visível e rodeando as prateleiras. Essa sala é diferente, acho que encontramos. Cinco abre as gavetas com pressa, vistoriando cada pasta à procura do número de série.

— Será que dá pra ajudar? — Ele exclama, sem paciência, olhando para trás sem saber onde estou.

Vou para a estante da frente, também vasculhando as pastas. Para Cinco, são só gavetas se abrindo sozinhas. Me lembro dos primeiros números de série da prótese, e ele não pertence a nenhum desses arquivos.

— O número inclui a data? Tipo, você pode ver se encaixa alguma data de fabricação.

— Que tal aparecer para vermos juntos?

Bufando, eu faço o que ele pede, me aproximando para conferir os números. Nenhum deles faz sentido. Não tem como ser do ano passado, ou desse ano, na verdade, nenhum sistema de data encaixa naquela sequência.

— Porra! — Cinco grita, empurrando a estante. Segundo comportamento agressivo em vinte minutos. Visto que olhamos a sala inteira em busca desse número de série e não encontramos, sua reação é até aceitável — Ainda não foi fabricado.

— Você vai voltar todos os dias dos próximos sete dias pra procurar?

— Não tenho tempo para isso. — Cinco diz, e no segundo seguinte, se teletransporta.

É costume dele sair quando bem entende, e eu não ficaria tão puta se essa sala não estivesse trancada. Bato diversas vezes na porta, xingando o nome dele de todas as formas que eu conheço.

— Foi mal. Eu esqueci — Cinco reaparece, um sorriso de desculpas no rosto que contrasta bem com minha raiva.

Ele segura meu antebraço, e num piscar de olhos, estamos em frente ao meu carro. Aposto que só se lembrou de mim porque as chaves estão comigo. Bom saber que sou memorável a esse nível.

— O que vai fazer agora? — eu pergunto, ligando o carro. Se o olho de vidro era a única pista dele, temo que não há mais nada que possamos fazer.

— Vou esperar. Alguma hora o dono vai aparecer.





⦿ 2.309 palavras

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eles discutindo são assim:

se vcs gostam deles agr, tenham calma que só melhora 👻

bjs curupiras amanteigados 💛

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