𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 4
CAPÍTULO 4
18 anos antes
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Nossas mesas tem 2 metros e 70 centímetros de distância uma da outra. Reginald se orgulhou em contar até os centímetros. Segundo ele, é uma distância razoável para não interferirmos na prova. Com 2 metros e 70 centímetros eu não consigo olhar as respostas de Cinco.
— Lembrem-se: qualquer atividade para manipular o seu teste para uma nota superior, será imediatamente desclassificado. Isso inclui a retirada dos benefícios e lazeres do final de semana. 3… 2… 1… Comecem!
O apito agudo que Reginald tocou foi desnecessário. Começamos nossa prova no mesmo instante, já que cada segundo conta. O número de questões é desproporcional ao tempo de prova, porém, recebendo essas provas todas as semanas desde pequenos, nós criamos métodos para otimizar tempo.
Faltando três minutos para acabar, Cinco levanta o braço e Reginald recolhe seu teste. Ele precisa ficar até todos acabarem. O segundo a levantar a mão é o Ben, seguido de Allison. Respondo minha última questão dissertativa e levanto a mão, respirando fundo por não ser a última a terminar.
Normalmente esse é o papel do Klaus, que dorme na maioria das provas.
— Estão liberados — nosso pai avisa, e então saímos do pátio numa fila reta.
Aqui no corredor, onde não tem um velho mandão ou a mamãe robô, Cinco encontra oportunidade para me dar uma cotovelada. O sorriso orgulhoso dele é bem irritante.
— Eu terminei primeiro.
— Nerd.
— Crianças, peguem seus lanches — Grace estende a bandeja e eu vou correndo pegar os bolinhos. Pelo menos esses têm gotas de chocolate, papai não gosta que nos dê açúcar com tanta frequência.
Diego formou uma concha com seu colete e está enchendo de bolinhos. Muito criativo, eu devia fazer o mesmo.
— O pai de vocês terá uma reunião de emergência hoje, então a programação dos treinamentos está suspensa — mamãe avisa, distribuindo suquinhos com canudos para nós.
É engraçado como todos nós gritamos de alegria ao mesmo tempo, pulando e dando toques nas mãos um dos outros. Até Cinco ficou feliz, e olha que ele adora o campo de treinamento.
— Vou preparar pipoca, vocês vão assistir um filme hoje — nossa mãe diz, se retirando com o barulho de seus saltos lindos e elegantes.
— Alguém lembra qual foi a última vez que assistimos um filme? — pergunta Luther, também chocado com a novidade. Eu respondo:
— Uns três meses.
— Eu assisti ontem — Diego diz, empinando o nariz, orgulhoso.
— Pornô não conta — Klaus levanta seu dedo, fazendo a condição. É um mistério como Diego conseguiu acessar esse entretenimento tão distante.
Luther entra na onda e também ri de Diego. Ao lado deles, Cinco está revirando os olhos, farto da conversa que mal começou. Normal. Ele é um chato que faz a mesma cara para tudo.
— Você vai querer assistir? — pergunta ele, baixo o suficiente para só eu escutar.
— Mas é óbvio. Cansei de assistir jornal — eu falo, num volume convencional. Ele me dá um empurrão por ter dito em voz alta.
— A gente podia ir para o sótão — Cinco diz, ainda mais baixo do que da primeira vez.
Uma ideia tentadora. Não lembro quando começou, mas um dia eu e Cinco juntamos nossos poderes e fomos para o sótão da mansão sem sermos vistos por ninguém. Nós só estávamos explorando a casa e visitando quartos trancados, mas aquele virou o nosso lugar. Lá pudemos conversar à vontade, sem nenhum dos outros idiotas escutando o que nós falamos.
Só que a raridade desses encontros é ainda maior que a de assistir um filme na Academia. Isso porque somos constantemente monitorados, e se não estamos todos juntos fazendo uma atividade com alguém supervisionando, então estamos sendo vistos por uma câmera de vigilância.
Surpreendentemente, surgiu uma oportunidade. Cinco pensou rápido demais, é como se tivesse o tempo inteiro buscando por essa brecha.
— Pensa e me fala — ele se teletransporta, me deixando com esse dilema.
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A sala de filmes da mansão foi reaberta para a sessão de hoje. Mamãe colocou algumas almofadas no chão como segunda opção, além dos sofás enormes de couro marrom. Uma televisão de tubo está nos esperando com um DVD em cima dela e estou extremamente animada.
Tento esquecer que é só uma forma de Reginald manter todos nós num só lugar.
Eu escolho me sentar no chão, bem perto da televisão, e seguro uma almofada em meu colo. Os outros escolhem seus lugares e não é surpresa que Cinco tenha ficado do meu lado direito. Nossa mãe coloca o DVD, o som do filme começando abafa um pouco a chuva lá fora, e o barulho que Diego e Klaus fazem comendo pipoca.
— Eu ouvi dizer que vocês dois pararam de cochichar — Allison profere, usando seus poderes para cessar as conversas dos meninos.
Eu agradeço ela mentalmente, porque a história do filme está interessante demais para ser interferida com as vozes irritantes deles. Acho que eu amo assistir filmes, queria poder vê-los toda semana.
— Amber — Cinco me chama bem baixinho, seus dedos puxando a barra da minha saia. Viro-me para ele, acenando com a cabeça para perguntar o que ele quer. — Vamos?
Ah, sim. O nosso passeio secreto pela mansão.
Tinha que ser bem na melhor parte do filme? Eu sei que se não formos agora, não sabemos qual será a próxima oportunidade.
Considerando que todos estão com os olhos grudados na televisão com um conteúdo que não veem há meses, e nossa mãe está igualmente entretida, eu assinto. Entrelaço meu braço com o dele e ativo meus poderes, nós dois ficamos fora da visão de todos na sala. Agora Cinco entra com a sua parte, nos teletransportando para o sótão da mansão.
Quando percebo que chegamos, me solto dele, desligando meu poderes. Aqui está mais limpo do que da última vez que viemos, e pela carinha de Cinco, sei que é obra dele. Também tem cobertores no chão de frente para o vitral, mostrando o céu cinza e chuvoso lá fora.
— Vem — Cinco acena com a mão para o cantinho que montou.
Ele se senta primeiro, apoiando as costas numa pilha de caixas de papelão que também estava planejada para estar ali. Eu me sento depois, encontrando pequenas pilhas de revistas novas entre as almofadas. Escolho uma das cobertas para me enrolar, me cobrindo o máximo que consigo do ar frio.
— Eu usei minha mesada pra comprar mais gibis pra gente — ele folheia algumas páginas da revista em quadrinhos. Eu estou surpresa. Cinco nunca me incluiria nessa frase. Ele não gastaria dinheiro comigo.
— Não acredito! — eu exclamo assim que encontro uma do Mickey Mouse — Essa é nova! Onde encontrou?
— Por aí.
— Você nem gosta desse quadrinho.
— Mas você gosta. Pode ficar.
Sim, houve um alinhamento de planetas que jamais vai acontecer novamente, pois Cinco levou meu gosto pessoal em consideração.
— Valeu.
— Vem mais pra cá — Ele pede, abrindo espaço.
Me arrasto para mais perto dele, ficando do seu lado e apoiando minha cabeça em seu ombro. Ele descaradamente roubou meu cobertor para se cobrir também. Cinco quer ler a história do Batman primeiro, então eu pego a revista nova para ler. Com ele do meu lado, tento encontrar uma posição para que ele consiga acompanhar a leitura e aproveitar os desenhos com facilidade.
De vez em quando ele pede para voltar a página porque se esqueceu do que tinha nela. Onde sua cabeça está se não aqui comigo? Eu poderia trocar de revistas e ele nem perceberia.
— Derrotar quem? — Cinco tenta virar a página.
— O Hulk.
— Ah, tá bom. Continua.
Eu fecho os quadrinhos, me virando para ele. Cinco nem percebeu que eu fui irônica, já que em momento algum uma criatura verde apareceu na revista.
— Tem certeza que tá prestando atenção? — eu pergunto séria. Ele pensa demais para uma questão simples.
— Nem tanto.
— O que tá tomando espaço nesse seu cérebro minúsculo?
Cinco me dá um empurrão antes de responder, apenas porque não ia me deixar ofendê-lo de graça. Eu me arrasto para ficar um pouco distante dele, olhando diretamente em seus olhos.
— Não sei…
— Não sabe?
— Não dá pra falar disso com você. Você não leva a sério — ele resmunga, um pouco baixo.
— A gente sempre fala de tudo.
— Nem tudo, Amber. Tem muitas coisas que eu não te conto.
Traidor.
— Fala logo, Cinco.
— Eu queria te dizer que quando eu viajar no tempo…
— Se você viajar no tempo. — Eu corrijo.
— Cala a boca, garota — Cinco me dá um chute no joelho, e só foi fraco porque ele quase não alcançou — Como eu ia dizendo, quando eu viajar no tempo, você não vai precisar esperar muito tempo para eu voltar.
Ok, está ficando mais interessante. Eu não vou estar com cabelos brancos e as costas curvadas quando poder ver ele novamente?
— Não?
— Eu estou estudando mais, e aprendi que posso ir para anos no futuro ou passado, passar um tempo lá, e voltar no mesmo dia para você. É só eu fazer os cálculos.
— Então a gente não vai precisar esperar anos para você voltar?
— Só se eu quiser — Cinco dá um sorriso maldoso — Mas eu não vou demorar. Você não vive sem mim, e eu vou ficar com pena.
— Na verdade, eu viveria bem melhor sem você — Eu devolvo a provocação, segundos depois voltando ao estado sério para dizer: — Mas não é melhor você esperar mais um pouco? Sabe, até ficar mais experiente.
Cinco trincou o maxilar, a mesma expressão que faz toda vez que é contrariado. Bem, dessa vez eu só estou querendo ajudar, se eu fosse dizer o que realmente penso, Cinco iria embora e me deixaria para sempre neste sótão, porque eu ainda não quero que ele faça essa viagem.
Fala sério, qual a porcentagem de pessoas com esse poder que já tiveram uma viagem no tempo bem sucedida? Sim, zero. Porque Cinco vai ser o primeiro.
— É, eu vou esperar, Amber. Vou me preparar — Ele diz, porém começa a sorrir gradativamente, as bochechas ficando vermelhas — Espera aí, você tá preocupada comigo, é?
— Não — respondo, imediatamente.
— Que fofa.
— Eu não ligo pra você.
— Liga sim.
— Está errado.
— Não liga pra mim?
— Nem um pouco.
— Estranho. Você largou todo mundo para vir ficar comigo.
Babaca.
Por que ele se acha tanto? Me irrita. Ele ainda dá uma risada quando eu solto um grunhido.
Eu me levanto do chão, ajeitando minha saia e pegando os cobertores para dobrá-los. Cada movimento que faço com o cobertor azul estampado, mais o cheiro de Cinco espalha pelo ar. Deve ser o gel que ele usa nesse cabelo lambido.
— Você já vai? — ele pergunta, incerto. Talvez arrependido de encher minha paciência.
— O filme deve ter acabado e vão procurar pela gente.
Não sei o que Cinco ainda quer fazer por aqui, já que prestar atenção nas histórias em quadrinhos está fora de cogitação para ele. E conversar sobre viagem no tempo é inviável para mim.
Ele parece frustrado por ter que voltar mais cedo.
O fenômeno atípico que é Cinco sentir vontade de passar mais tempo comigo é impressionante, mas normalmente não gera bons resultados. Ele costuma me ignorar por dias. É melhor encerrarmos aqui para eu poupar minha sanidade nas próximas semanas.
— Obrigada pelo gibi — pego ele do chão, feliz por ver as orelhinhas do Mickey. Chego perto de Cinco, passando meu braço sobre seu ombro num abraço tão rápido quanto um piscar de olhos. É o máximo que Cinco suporta. Depois, eu ainda dou um beijinho rápido na bochecha dele.
— Credo, que nojo — ele passa a manga de seu blazer na lateral do rosto. — Não faz mais isso, garota.
⦿ 1.912 palavras
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no caso deles, é os dois
beijinhos curupiras babilônicos 💛
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