𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 35

CAPÍTULO 35

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— Tá bom, gata, presta atenção. Se montaram um circo aqui, com certeza esconderam a maleta em algum lugar para agilizar o uso. Precisamos dela para ir até a Comissão — Cinco explica calmamente.

— Então… pode estar em qualquer lugar? No circo inteiro? Não vamos achar a tempo.

— Vamos por eliminação. Eu estudei o manual da Comissão e sei que a tática de esconder a maleta em lugares com grande movimentação é proibido — diz ele, andando de um lado para o outro — Então não está entre as atrações do circo. Deve estar por aqui, já que é isolado e vazio. Vamos procurar.

Cinco vai até o outro lado da tenda, abrindo gavetas e armários onde só há figurinos das atrações. Eu levanto os tapetes, procurando algum buraco no chão onde possa caber a maleta.

— ACHEI!

Tá, até que foi rápido. Provavelmente ele pensou onde esconderia se ainda trabalhasse para a Comissão, e encontrou. Antes de eu dar o primeiro passo para atravessar a lona, sinto uma ardência em minha mandíbula, e meu rosto virando involuntariamente com o golpe.

— Estão aqui, Thomas — a voz masculina e rouca avisa o lado de fora. Me viro depressa, atingindo meu punho em seu estômago, esperando que lhe falte ar por tempo suficiente até eu chegar em Cinco.

Atravesso a lona, olhando para trás, e quando chego na sala de brinquedos onde Claire estava, encontro Cinco agachado no chão, redefinindo a maleta.

— Por que demorou? Eu já ia… — Cinco levanta seu olhar para o meu rosto, e sua feição se transforma em apreensão. — Amber? Quem fez isso?

— Eles chegaram. Liga logo essa maleta! — Eu balanço as minhas mãos, a ansiedade me consumindo e não consigo passar um segundo sem conferir a entrada.

Cinco se levanta, tirando uma pistola de seu quadril e atirando em direções aleatórias. Vários furos atravessam a lona azul, e pelos sons de agonia, Cinco acertou no mínimo dois palhaços. Ele guarda a arma onde estava, e então segura a minha mão. A maleta se abre, e quanto mais a intensidade da mudança de tempo-espaço acontece, mais ele aperta a minha mão, tendo certeza que estou com ele.

A luz branca brilhante começa a desaparecer, os cinco segundos de embrulho no estômago e dor de cabeça enfim acabaram. Estamos na Comissão.

Ver pessoas uniformizadas andando com pastas ou rifles já é uma cena familiar. Mesmo que tudo ainda esteja girando, consigo identificar os seguranças e não fazer contato visual com eles.

— Ei, você está bem? — Cinco segura o meu rosto. Meus olhos zonzos encontraram os seus, e pela primeira vez desde que chegamos eu consigo me concentrar em algo. Eu balanço a cabeça, dando um leve sorriso, e Cinco beija a parte dolorida em minha mandíbula. Ele fazia isso quando éramos pequenos, dizia que era para sarar mais rápido. — Espero ter matado o filho da puta.

— Meu bem, pode dizer o que exatamente vamos fazer aqui? Vão começar a olhar pra gente — Eu vigio ao nosso redor.

— Bem, vamos matar a Gestora — diz ele, natural. Ele está mesmo com sangue nos olhos e no seu modo assassino. — Mas só isso não basta, vão colocar outro no lugar dela. E vai ser eu. Só assim terei como reformular a linha do tempo e manter tudo sob controle.

— É uma grande responsabilidade, né? Achei que você tava aposentado.

— Não vejo outra saída.

— É isso mesmo que você quer?

Cinco abaixa seu olhar, um suspiro frustrado e resignado saindo dele. Sua mão aperta a minha outra vez, nos preparando para o risco que os próximos minutos nos guarda.

— Eu já tenho o que eu preciso.

E com o sorriso que diz que tudo vai ficar bem, ele caminha entre a multidão, me levando junto. A maioria deles nem olha na nossa cara, e os que olham, julgam nossas roupas como se vestir outra coisa além de seus uniformes fosse uma blasfêmia.

Cinco anda por aqui tão naturalmente que poderia fazer de olhos fechados. Está andando muito mais rápido do que eu e às vezes preciso dar uma pequena corrida para alcançá-lo. Ele vira corredores, e abre portas, e mais corredores. Isso aqui é um labirinto.

— Espera. Painel de Controle Infinito? O que isso significa? — Eu pergunto para Cinco, quando passamos em frente à porta que me chamou atenção.

— É todos os acontecimentos da humanidade em todos os ângulos, para analisar melhor.

— Podemos entrar?

— Pra quê, Amber?

— Pra gente ver o futuro. Ver como nós nos saímos nessa missão.

— Não é assim que funciona, tá? Não é uma bola de cristal. São só eventos documentados.

— Então dá pra ver sobre o acidente do avião?

Cinco suspira, demonstrando que sua paciência está acabando.

— Podemos tentar — ele fala, dando meia volta para irmos até aquela sala. De frente para a porta, Cinco diz com seriedade. — Independente do que vai encontrar lá, não deixe tomar a sua cabeça ao ponto que não consiga completar essa missão.

Mas isso é insensibilidade. Cinco é profissional nisso.

— Escutou, Amber?

— Sim.

— Ótimo.

Cinco abre a porta, tirando a sua arma do quadril e apontando para o pequeno senhor que parece comandar essa sala. É realmente um painel enorme e com milhares de botões e telas por toda parte. Estou deslumbrada.

— Estou sem tempo, Herb. Minha mulher quer ver o acidente do Boeing 777-31H que caiu no Texas dia 22 de maio de 2019 — Cinco diz depressa, em todo momento ameaçando o senhorzinho que não oferece resistência. A maneira como se referiu a mim me fez sentir numa montanha-russa. — Anda!

— Sim, sim, Sr. Cinco.

Herb atravessa a sala com as mãos para cima e só abaixa elas quando necessário, para apertar os botões e acionar alavancas. Em alguns segundos, o resultado de seu trabalho aparece na tela analógica em minha frente.

Vídeo feitos por câmeras de segurança gravaram a queda, e eu provavelmente teria visto isso se eu tivesse tempo para assistir ao jornal. O avião ficou destruído. Uma grande parte de seus destroços queimaram em chamas. Havia poltronas a quilômetros de distância da aeronave. Cada segundo a mais da reportagem, mais o meu coração apertava. Ao final da matéria, o jornalista conta que até o momento foram identificados 8 sobreviventes. Oito. De trezentas pessoas, oito sobreviveram.

Quero perguntar a Cinco, que é ótimo em matemática, qual a probabilidade de entre essas 8 pessoas, 2 delas serem nossos irmãos. Mas tenho medo da resposta. Não me sinto nem um pouco mais leve agora, só uma grande esperança que tenho medo de ser frustrada.

— Era isso que queria ver? — pergunta Cinco, focando em mim por um tempo. Eu balanço a cabeça, massageando minha garganta como se isso aliviasse o nó que existe dentro dela. — Certo. Valeu, Herb. Não vamos dizer a ninguém que você liberou acesso.

O pequeno homem gagueja, e nesse meio tempo Cinco segurou meu ombro e nos teletransportou para uma outra sala. Não faço ideia de que lugar é esse, e pela pressa que Cinco correu até uma estante cheia de gavetas, ele não vai querer me explicar.

Ele murmura enquanto folheia as pastas e caixas. A única coisa que posso fazer é esperar.

— Aqui! Eu sabia que ela guardava aqui.

— O que é isso? — eu encaro a pasta laranja na mão dele, observando com atenção quando ele a coloca por dentro do blazer.

— É o contrato dela. O caminho mais natural é se a Gestora por boa vontade me colocasse como seu vice-diretor e morresse em seguida.

— Muito natural, Cinco.

— Tem ideia melhor?

— Não.

Ele aperta seus lábios, formando um sorriso sarcástico e então sai correndo pela porta.

— Essa Gestora não tem seguranças ou algo do tipo? — pergunto, recuperando o fôlego correndo atrás dele.

— Não. Ela também já foi uma agente, sabe se defender.

— Mas e se ela rev…

— Amber, só faça o que eu mandar. Vai dar certo. Eu vou chamar ela pra conversar, e você vai estar invisível apontando a arma para ela. Não tem erro.

— Ah, então eu vou matar ela?

— Não se sinta mal, você estará fazendo um bem. — Cinco beija rapidamente a minha testa, e então se agacha para tirar meus sapatos. Um por um, e os deixou no canto da parede. Ele pega a pistola em seu quadril, carrega e abre a trava de segurança. Cinco me entrega essa arma nas mãos como se fosse o destino de toda a humanidade. — Eu confio em você.

É pressão demais, estou ficando tonta.

Cinco arruma a sua postura, ajeita a gravata e segue até o final do corredor. Eu vou atrás, fazendo o menor barulho possível para escutarem apenas um par de pernas caminhando no corredor. O dele. Cinco bate na porta, e com um pequeno esforço, meu poder se revela e eu desapareço da visão de qualquer um.

Ele não precisou bater outra vez para a mulher do outro lado abrir a porta. Ela está com um vestido extravagante e tão apertado em sua cintura que eu duvido que esteja respirando normalmente.

— Número Cinco? Que surpresa agradável! — Gestora diz, sua voz estridente me fazendo apertar os olhos. Será uma honra puxar o gatilho na direção dela.

— Tem um minuto? — pergunta ele, incerto. As mãos no bolso e um falso ar de redenção.

— Ah, querido, aqui temos todo o tempo do mundo. Entre.

Ele assente, fazendo questão de segurar a porta e mantê-la aberta até sentir minha mão em seu ombro, para então poder fechá-la seguro de que estou aqui dentro. A sala é enorme. Há tanto livros, troféus e quadros que mal sobra espaço de circulação. Gestora senta-se em sua cadeira, manipulada para parecer um trono. Quanto egocentrismo. Cinco se senta na poltrona em frente.

— A que devo sua visita? A última vez que esteve aqui você e sua irmã invadiram a Comissão, mudaram o caso do Apocalipse e fizeram nossos agentes de trouxas bem debaixo dos nossos narizes — Gestora começa, cruzando as pernas e acendendo um cigarro.

— É por isso. Quero voltar. Não consigo encontrar nada lá fora. As missões que eu fazia aqui… É a única coisa que eu sei fazer.

— Que bela proposta. Acho que foi exatamente o que eu te ofereci algumas semanas atrás, não foi? E você nos enganou quando aceitou.

— É, mas agora é diferente.

— O que mudou?

— Eu não tenho mais nada — Cinco joga as mãos, se recostando na poltrona. A postura informal e todo esse acesso à sua vulnerabilidade passará mais confiança. — Os meus irmãos estão mortos. De novo. Era isso o que você queria. Tudo o que fiz até aqui foi em vão.

— Eu disse, querido. O que tiver que ser, será. — Gestora exibe uma gargalhada escandalosa, mesmo depois de ouvir algo tão trágico. — Não tive tempo para assistir a missão no circo, mas vou adorar saber como foi.

— Eu quero começar do zero. Passar um tempo aqui e tentar recomeçar na década de 90, talvez.

Gestora se levanta, soprando o ar de seu cigarro para deixar o rastro por onde passar. Ela caminha, dando a volta em sua mesa para se apoiar na frente de Cinco. Desse jeito, o corpo de Cinco fica entre ela e a mira da arma, então preciso dar passos silenciosos para mudar minha posição.

— Tem uma vaga. De instrutor. Você vai poder passar seu conhecimento para várias pessoas — diz ela, um sorriso maldoso no rosto.

— É um desperdício. Quero o cargo que eu tinha ou algo melhor. Vocês nunca tiveram um agente melhor do que eu.

Era para se orgulhar?

— Mas aí eu estaria me arriscando demais, não acha? Preciso reconquistar minha confiança em você, Número Cinco — ela aproxima seu dedo para contornar a curva do nariz de Cinco. Sua mão desce e ela começa a tirar a gravata do meu namorado de dentro do seu paletó, com uma persuasão de hipnotizar.

Cinco desvia o olhar para a parede, porque até onde eu estou, consigo ver o decote dela esmagar seus seios que estão estrategicamente na altura dos olhos dele.

Na hora certa, vadia. Eu não aguentava mais continuar invisível.

Desfaço o meu poder e atiro contra ela, duas vezes. Ah, me sinto tão bem agora. Antes mesmo de se assustar com a minha presença, ela cai no chão com uma perfuração em seu braço e outra na perna. Cinco esboça um riso com a cena.

— Boa, amor. Mas muito cedo.

— Filhos da puta! — Gestora grita entre os dentes. — Isso não vai ficar assim!

— Não mesmo — eu chego perto dela no chão. Por um momento ela tenta puxar o meu cabelo, mas falha ao levantar o braço. — Nós concordamos que Cinco é competente no que faz, então antes de eu estourar a sua cabeça, assina esse contrato aqui, Sra.

— Desistam. Não vou fazer. Podem me matar, não vou fazer — ela diz, contendo o sangramento na perna com o mesmo braço machucado.

— Eu já contava com isso — Cinco estala os dedos. Ele se teletransporta para o outro lado da mesa, abrindo as gavetas dela, em seguida tirando um grande grampeador. Ele também planejou isso? — Então vamos ver até onde você é fiel a essa empresa.

Cinco se agacha do lado dela, desviando dos golpes que ela dá contra ele. Chegando perto do rosto dela, Cinco levanta uma de suas pálpebras e a grampeia para cima. O grito agonizante daquela mulher me fez tremer, e a tática de tortura que Cinco usa e conhece me assusta. É um lado que ele não costuma mostrar para mim.

— Temos todo o tempo do mundo. — Cinco grampeia outra vez, mas agora é a ferida aberta e sangrenta no braço dela, lhe causando mais dor. Gestora tenta se desvencilhar do objeto, porém Cinco faz outra vez, juntando o dedo do meio e o indicador dela com apenas um grampo torto.

Agora, toda vez que ela faz um movimento com a mão esquerda acompanha um grito de dor.

— Acaba logo com isso — Cinco entrega uma caneta para ela, como se só ela pudesse controlar o nível de tortura.

Os olhos dela estão vermelhos de tantas lágrimas e sangue, e uma poça enorme vermelha cresce embaixo da perna dela. Seu silêncio só mostra o quanto ela está cogitando acabar com esse sofrimento. Ela sabe que vai morrer, mas não suporta a humilhação de ser torturada pelas mãos de Cinco.

Ela assente com a cabeça, logo depois que Cinco usou o grampeador na orelha dela. Calmamente, e soluçando de dor, Gestora limpa sua mão direita na roupa e pega a caneta, se aproximando da pasta que Cinco segura. A forma como ela mira a caneta e depois mira Cinco me fez ficar em alerta.

— Não olha pra ele, olha pro contrato! — eu balanço a arma, deixando-a próxima de sua têmpora.

Ela desiste do que achou que era seu plano secreto para atacar Cinco e encosta a caneta no papel, desenhando a sua assinatura que Cinco conferiu várias vezes para saber se estava válida. Logo acima ela escreveu o nome de Cinco com sua própria caligrafia.

— Perfeito. Obrigado por passar a direção para mim. — Cinco comemora com um tom sarcástico, e então deixa a pasta em cima da mesa, respirando fundo.

Eu baixo minha guarda por um segundo, achando que já tínhamos vencido. No entanto, eu sinto uma dor latejante nas minhas mãos e vejo a pistola escorregar dos meus dedos para longe. Gestora chutou minha mão para me desarmar.

Cinco vira-se rapidamente para entender o que aconteceu no chão ao seu lado. Eu corro para buscar a arma do outro lado da sala, e está perfeitamente intacta. Quando eu volto, encontro Cinco preparado para torcer o pescoço da Gestora, a parte final da nossa missão. Se não fosse pelo objeto que ela segura na outra mão, escondida nas costas.

— Cinco! — Eu grito, avisando-o, mas isso só fez ele projetar sua atenção em mim, e não na mão que está prestes a golpeá-lo.

Gestora usa o troféu que pegou sorrateiramente para empurrá-lo contra o abdômen de Cinco. Várias vezes. Freneticamente. Ela está como louca, uma velocidade absurda no braço direito, usando a parte pontiaguda do troféu para perfurá-lo.

Eu não pensei muito.

Só escutei um gemido de Cinco. Em meio a todos os golpes.

Caminhei até a mulher sentada no chão e banhada de sangue e disparei contra ela. Contra a cabeça dela. Eu descarreguei o pente no rosto dela. E não parei de apertar o gatilho nem quando acabou a munição. Eu queria ter certeza que não havia sobrado uma área sequer inteira no cérebro dela. Seu olho se projetou para fora durante isso, a íris verde me observando ao lado dos meus pés descalços.

Ela deve ter morrido agora.

Eu não percebi que não tive expressão alguma durante esse ataque de fúria. Só sei que como num estalo, eu larguei a arma e desviei do corpo dela, me aproximando de Cinco.

— Como você tá? — Pergunto, desabotoando sua camiseta branca.

— Me ajuda a levantar.

Eu coloco o braço dele por cima do meu ombro e compenso seu peso, mantendo-o de pé.

— Estou bem. Só temos que levar essa pasta para o comitê. Depois vamos pra casa. — Cinco diz, respirando a cada palavra. A dor que transmite pela sua voz diz claramente que ele não está bem.

— Ok. Me fala onde é. Eu levo. Você não precisa andar à toa. — Eu ajudo ele a passar pela porta, e agora estamos em um corredor quilométrico. Cinco é maluco se pensa que vai atravessar tudo isso.

— Você não vai sozinha, Amber.

— E você vai abrir uma exceção agora. Não tem a mínima chance de eu te carregar assim!

— Porra, garota, você não conhece esse lugar! Eu posso levar a gente num piscar d… — Cinco tenta usar seus poderes. Suas mãos brilham, mas logo em seguida perdem a força e ele se contorce para frente. — Só um minuto.

— Você vai fazer o que eu mandar agora. Está perdendo sangue e se quiser ir andando vai morrer na metade do caminho — Eu digo, nervosa. No fundo, assustada com a quantidade de sangue que escorre a cada passo que ele dá. Tiro seu braço de cima do meu ombro e o forço a sentar-se no chão. — Diz o caminho.

Cinco bufa, e faz uma careta em seguida pela dor. Ele até tenta respirar devagar, em curtos ciclos para não contrair tanto o seu abdômen. Depois de admitir que não irá sair do lugar, ele apoia a cabeça na parede atrás dele, movendo seus olhos para mim.

Você vai ter que encontrar o refeitório. Vão ter três saídas diferentes da sua, e você vai precisar achar uma que indica o escritório central. Boa sorte procurando a sala do comitê, são muitas.

— Tudo bem, eu consigo.

— Vai ter que trazer uma maleta também.

— Certo — Eu assinto, assumindo a responsabilidade. Olho pela última vez para a barriga dele, coberta de sangue e de hematomas. Furos profundos ao lado da cicatriz recente que ele também ganhou vindo neste lugar. — Eu não vou demorar. Aguenta aí.

Eu beijo a cabeça dele por um tempo, e quando me afasto para pegar a pasta, Cinco segura meus braços. Seus olhos estão marejados e parece que há um soluço preso em sua garganta.

— Toma cuidado. Se precisar, se esconda deles. Não tente lutar, por favor, quero que você volte inteira — ele diz, segurando meu rosto.

— Não se preocupe. Só fique acordado.

— Volta, tá?

Eu aceno com a cabeça, me despedindo enquanto agarro a pasta, sujando-a com sangue. Preciso ser rápida. Agora não é mais o futuro da humanidade que está em minhas mãos, é o amor da minha vida, e isso com certeza tem uma importância exponencialmente maior.

Eu apresso minhas pernas nesses corredores, mesmo quando meus pés escorregam com o sangue no chão liso. Preciso chegar rápido porque quero encontrar Cinco acordado quando eu voltar.

Eu encontro o refeitório que Cinco falou. Aproveito para colocar um suporte inteiro de guardanapos no meu bolso. Ninguém aqui me olha com estranheza por estar coberta de sangue, apenas voltam a conversar. Eu procuro por placas no chão ou penduradas no teto onde indique o escritório central.

Os guardas começam a desconfiar da minha pouca familiarização com o lugar, bem na hora eu encontro a saída para o escritório central. Corro para lá, esbarrando em todas as mesas no caminho e deixando um rastro fraco de sangue por onde passo.

Eu busco pela porta do comitê, dentre várias com nomes de cada departamento possível. Eles têm um departamento somente para discutirem sobre a maleta. Quando eu finalmente encontro a porta certa, não hesito em bater. Quero voltar o quanto antes.

— Pois não? — um segurança abre a porta, e surpreso com a minha aparência, ele coloca sua mão sobre a arma no quadril.

— Não, eu vim dar um recado! — Eu levanto meus braços em rendimento. — Gestora mandou entregar essa pasta.

— O que tem aí dentro?

— Eu não sei. Ela só me deu antes de ser atacada — eu finjo uma cara triste — Eu ainda tentei ajudar, mas…

Cubro os meus olhos com um dos braços, fungando sem deixar cair uma lágrima. Tomara que o padrão de manchas de sangue na minha roupa pareça que eu estava ajudando-a, e não disparando sem parar na cabeça dela.

— Tudo bem. Me entregue aqui. Vamos mandar uma equipe de limpeza de cadáver para o local.

— Obrigada.

O segurança bate a porta, e meu sorriso é instantâneo. Volto correndo pelo mesmo caminho, agora mais fácil com minhas pegadas no chão. Só faço uma pausa, quando vejo a sala das maletas sem ninguém para supervisionar. Ativo os meus poderes e pego uma delas. Se há diferença de modelos e qualidade, eu não sei.

Corro outra vez, para encontrar Cinco. Minhas panturrilhas doem e minha garganta está seca, mas não posso parar agora. Viro o último corredor e posso ver Cinco deitado no chão bem no final. Esboço um alívio por ele ainda estar aqui e a cada passo estar mais perto dele.

— Cinco — Eu chamo, já me ajoelhando no chão e deixando a maleta de lado. Eu estava pronta para dizer a ele que consegui fazer sozinha, mas ele nem se mexeu. — Cinco?

Sua pele e cabelos estão visivelmente suados, mas sua bochecha está fria. Uma de suas mãos está em cima da barriga, provavelmente estava estancando o próprio sangue, e seu rosto está virado para o outro lado. Seus olhos estão fechados, e não consigo notar nenhum movimento da sua barriga enquanto respira.

— Cinco?

Dou leves tapas no rosto dele, também colocando meus dedos em seu pescoço em busca de alguma pulsação. Eu estou sentindo, não é coisa da minha cabeça. Ele está bem, só está desacordado. Chamo o nome dele ainda mais alto, sem perder tempo em colocar os guardanapos em sua barriga para estancar as feridas.

— CINCO!

Levo meus punhos ao chão, nervosa sem motivo, e é só então que vejo ele abrir os olhos lentamente, falando num sussurro fraco.

— Grita não.

— Que bom que acordou. Você precisa me ensinar a mexer nessa maleta agora!

— Conseguiu entregar a pasta sem atrair um exército pra cá? — ele desconfia, juntando as sobrancelhas e a voz grave de quando ele acaba de acordar.

— Bom, mais ou menos. Uma equipe de limpeza vai vir aqui e não podem te encontrar desse jeito. Me mostra como usar essa maleta.

— Sabia que nós temos que fazer um treinamento de seis meses para aprender a usar essa maleta? Amber, meu amor, você não vai aprender em dois minutos. Deixa que eu configuro.

Eu arrasto a maleta para o lado dele, revirando os olhos, e Cinco levanta um pouco mais para enxergar a maleta de cima. Ele faz caretas de dor enquanto mexe os pinos da maleta, sem uma ordem exata. Ele trava a maleta no final, dando um tapinha porque terminou.

— Acabou. Vamos voltar pra casa — ele diz, um sorriso reconfortante no rosto. — E vamos ter um encontro.

— Quando você conseguir ficar em pé sozinho eu aceito sair com você.

Ele solta uma risada, em seguida xingando a si mesmo pela dor ao contrair o abdômen. Cinco segura a minha mão com força, e com a outra ele abre a maleta. A luz ofuscante nos obriga a apertar os olhos, sentindo tudo em nossa volta girar até estarmos num ambiente novo.




⦿ 4.033 palavras

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e pelo poder do roteiro, eu dei a chance deles viverem o amor deles em paz

e a gestora que se foda

bjs curupiras metálicos 💛

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