𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 30

CAPÍTULO 30

15 anos antes

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Eu pego o lenço pela décima vez no dia, levando-o até meus olhos para secar as lágrimas. Minha pele está irritada de tanto que eu a enxugo, ficando ainda mais ressecada nesse inverno. Encaro o meu reflexo, me perguntando quando tudo começou a dar errado.

Foi quando minhas notas caíram? Ah, não, foi antes disso. Foi antes também de eu me afastar emocionalmente dos meus irmãos. Ainda converso com eles como antes, mas não sou totalmente sincera, a conexão que tínhamos é meramente superficial agora.

Na verdade, tudo começou a dar errado quando Cinco foi embora. Dois anos depois, eu estou vivenciando outra vez o luto e passando pelos estágios que se tornaram rotineiros para mim nos últimos 800 dias. Dessa vez parece ainda pior, porque tínhamos a chance de mudar seu destino.

Me culpo por não tê-lo salvado. Me culpo por ficar parada em choque enquanto ele perdia a vida brutalmente. E me culpo por não ter sido uma irmã melhor para ele enquanto ainda estava vivo. Ben nunca desistiu de mim. Desde que Cinco desapareceu, ele me reconfortou e cuidou para que eu não tivesse um colapso.

Havia dias difíceis, em nossos aniversários, principalmente, onde eu só conseguia pensar no sótão e no que Cinco e eu fizemos lá no último aniversário que ele passou conosco. Ben conseguia me ajudar nesses dias sem pedir detalhes, e sem questionar o porquê eu era a única que ainda chorava pela partida de Cinco.

E hoje também perdi ele.

Quantos mais eu vou perder?

Há alguma lição para tirar disso?

Em quem eu ainda posso confiar?

Me sentir sozinha desse jeito não está sendo nada legal. Todos os dias são cinzas e sem graça, eu sequer me lembro como é estar entusiasmada por alguma coisa.

— Amber? — A minha porta abre, Luther com os olhos vermelhos e inchados estende um guarda-chuva fechado para mim. — Está na hora.

Eu seco meu rosto outra vez e pego o guarda-chuva. Todos nós fomos conduzidos ao pátio externo, onde vai acontecer a cerimônia. Ando de cabeça baixa até passar pelos portões, abrindo o meu guarda-chuva para me proteger da neve.

Todos nós aqui, em volta do caixão do nosso irmão, deveria nos unir pelo menos para homenageá-lo, mas nem assim conseguimos. Na verdade, acho que isso nos distanciou ainda mais. Os únicos que estão juntos são Luther e Allison, o que não é nenhuma surpresa.

Reginald aparece logo em seguida, abrindo seu guarda-chuva, caminhando até o centro do pátio, de frente para a urna coberta de neve. Seu olhar se sustentou por todo o percurso, será que ele sente algo pela morte de Ben? Seja a falta, o remorso, ou até mesmo alívio por mais um que se foi. Olhando para ele, parece não sentir nada.

Isso me faz pensar se a essa altura Cinco não está mais vivo. A terra já o consumiu ou seu coração ainda bate? Fico imaginando como ele seria mais velho. Eu tenho quinze anos agora, mas e ele? Onde quer que esteja, espero que lembre de mim. Porque eu lembro dele absolutamente todos os dias.

— O mundo está cheio de injustiças, pessoas boas morrem junto com as más… — Reginald começa, a cabeça erguida como se não estivesse no funeral de um de seus filhos. — Vocês são indivíduos que têm a força para se unirem contra probabilidades intransponíveis, para enfrentar a adversidade, com coragem inabalável e que não hesitariam em se sacrificar por outro… Era o que eu pensava. Vocês deixaram o Número Seis morrer nessa missão.

— Não foi nossa culpa! — Allison protesta, sendo contida por Luther.

Desculpas. Não vou ouvi-las. — Reginald diz mais alto, sobressaindo os nossos soluços. Não conseguimos suportar a dor de perder nosso irmão e nos sentir responsáveis por isso ao mesmo tempo. É demais. — A Umbrella Academy falhou com um dos seus. As consequências disso serão terríveis.

Eu levo a barra do meu casaco ao nariz, fungando e sentindo o ar gelado entrar em meus pulmões. Meus músculos doem e tremem de frio, mas machuca ainda mais termos que despedir de Ben para sempre. Eu não sabia que quando corri para checar se ainda respirava, cobrindo meu corpo inteiro com seu sangue, seria a última vez que eu o veria. Agora seu caixão é fechado e há somente uma pequena foto para lembrarmos que ele era a pessoa mais doce que já conhecemos.

Ben Hargreeves

    ★1989 - 2006 †   

Nosso pai fez do momento onde deveríamos compartilhar boas memórias que tínhamos com nosso irmão, e nunca teremos novamente, num discurso que aponta como somos incompetentes. Eu não suportava mais participar daquilo, não aguentava mais o nó na garganta e a vontade incontrolável de chorar até soluçar. Papai diria que é fraqueza, então eu evitei.

Continuei lá até o último segundo. A urna já tinha uma camada de neve por cima quando mamãe cuidadosamente me afastou de lá. Ela apoiou suas mãos em meus ombros, enquanto assistimos quatro homens levar meu irmãos para sempre daqui. Virei minha cabeça para o lado e chorei no braço da mamãe, apertando os olhos com medo de assistir Ben ir embora. Eu estava cheia de arrependimento, vontade de voltar atrás e fazer diferente.

Não sei quanto tempo vou levar para superar essas duas perdas. Eram simplesmente as pessoas mais importantes da minha vida.

Grace se abaixa um pouco, secando o meu rosto. Parece até engraçado que um robô tem mais empatia que nosso próprio pai. Ela me leva para dentro, dizendo que irá preparar chocolate quente. Se fosse tempos atrás eu pularia de alegria, mas nada hoje me preenche de entusiasmo dessa forma.

Eu subo as escadas depressa, planejando usar meu poder enquanto passo o resto desta tarde fria e angustiante chorando na minha cama. Eu só estou muito, muito fraca.

Entretanto, alguém não me deixa completar meu plano. Diego entra lentamente no meu caminho, ficando no meio do corredor. Seu rosto está tão vermelho e inchado quanto o de todos nós. Seus olhos hesitam, me analisando, e suas sobrancelhas começam a se inclinar.

Diego fecha os olhos antes de abrir os braços e enrolá-los em mim, forte e com sofrimento assim como eu fiz com a mamãe. Eu o abraço de volta, apesar de todos os pequenos conflitos que temos. Sei que ele precisa disso.

— Como vai ser sem ele, Amber? — Diego diz contra o meu ombro, num tipo de vulnerabilidade que achei que ele nunca mostraria.

— Eu não sei. — É só o que consigo dizer. Acho que estou fraca demais para confortar outra pessoa, também quero as respostas que ele busca. Sei que eram muito amigos.

Meu irmão me solta aos poucos, enxugando seus olhos e soluçando sem controle. Diego volta para o seu quarto acenando a cabeça, fechando a porta em seguida. Eu sigo pelo corredor, todas as portas fechadas e posso imaginar como está cada um lá dentro.

Finalmente estou no meu, fechando a porta também, sem saber qual a próxima vez que vou abri-la. Me jogo em minha cama e abraço meus joelhos, surpresa em quão rápido minhas lágrimas caíram no momento em que eu fiquei sozinha.

Chorando e molhando o travesseiro eu peço por uma vida normal. Uma vida onde eu não precise cumprir três horas de treinamento no dia seguinte ao funeral do meu irmão. E nem ser responsabilizada por tal tragédia.

O que percebo ao longo desses anos é que a maturidade traz consigo o sofrimento. Me pego olhando para o passado, quando Cinco ainda estava aqui. Eu não me lembro da rotina ser tão cruel. Gosto que só me sobraram lembranças boas, Cinco está na maioria delas. Isso se deve ao fato de ele ter se esforçado para me deixar feliz.

Eu sempre serei grata por isso.

Enquanto ele esteve aqui, me fez feliz do jeito que pôde, mesmo com seu humor ácido.

Posso dizer que Cinco ter ido embora marcou um traço da minha personalidade. Foi impactante a esse nível. Não sei se vou voltar a confiar nas pessoas novamente, ou se algum dia vou superar essa história. Se algum dia eu vou acordar, lembrar que Cinco não está mais aqui e dar de ombros, passando a me preocupar comigo mesma. Parece inimaginável.

Eu quero ele de volta.

Quero ter a sorte de encontrar o amor de novo.

Quero poder me entregar a alguém como fiz para ele.

Quero que alguém me faça sentir tudo o que ele, sem esforço, me fez sentir.

Tantas exigências.

Talvez serei infeliz até o dia que ele voltar.


⦿ 1.429 palavras

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só pra terminar bem o capítulo

bebês alienígenas, esse é o último capítulo no passado 😭💔 foram 15 capítulos mostrando a pré-adolescência deles que eu amei escrever. quero fazer isso nas próximas fics

os capítulos no presente vão continuar normalmente, chora não 🌹

agora, se quiserem ler em ordem cronológica, é só os numeros pares até aqui, que coisa linda

bjs seus brócolis 💛

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