𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 3

CAPÍTULO 3

8 dias para o fim do mundo

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Quando todos saíram do pátio, indo em direção a cozinha e me deixando completamente sozinha, eu apoiei minha mão no banco de madeira, sentindo o ar deixar os meus pulmões. Pouco a pouco. Eu estava hiperventilando e tendo minha visão embaçada a cada segundo, essa lágrima lutou para não cair assim como eu lutei para me manter de pé.

Ele voltou. Depois de dezessete anos, ele voltou.

A sua morte já era uma teoria aceita para mim, já que eu achava que Cinco nunca demoraria tanto tempo para voltar. Eu sofri esse luto como se ele tivesse morrido na minha frente, para quase duas décadas depois ele aparecer tão saudável quanto no dia que foi embora.

Eu tenho todo o meu direito de chorar como uma criança.

É exatamente como me sinto agora. A criança que contava os dias para ele voltar finalmente parou de contar, e é ela quem está chorando por mim. Mas não posso deixar que me vejam como uma imbecil emotiva, eles nunca entenderiam, eu preciso me recuperar.

Eu respiro devagar, recuperando o fôlego. Espero um tempo até que meus olhos parem de ficar vermelhos e meu rosto quente. Eu preciso de mais coragem para entrar naquela cozinha do que eu jamais tive em muitas missões. Não sei se vou me controlar na frente de Cinco. Tenho medo de acabar lhe dando um tapa forte no rosto.

Quando entro na cozinha, vejo a mesa rodeada de pessoas com mil perguntas para fazer. Quem tem as respostas delas está abrindo a geladeira, buscando pasta de amendoim e marshmallows para fazer seu lanche. Como eu posso ainda me lembrar disso?

— Onde você esteve? Já se passaram 17 anos! — Luther indaga, um pouco alterado, como todos nós.

Então, nesse tempo que eu estava tendo uma crise no pátio, Cinco sequer deu uma explicação do que era aquela anomalia estranha de onde ele veio? Ou de onde ele veio. A única coisa que ele fez foi perguntar a data de hoje e dizer que deveria ter escutado Reginald. Não sei como ele tem a cara de pau de sumir por anos e voltar como se nada tivesse acontecido.

— Faz um pouco mais do que isso — Cinco responde, indiferente, em seguida mordendo seu sanduíche inútil. Ele tem a ousadia de apontar para Klaus e dizer: — Gostei da saia.

— Ah, danke! — Klaus agradece, rodando a barra da roupa.

— Para onde você foi? — pergunta Viktor.

— Para o futuro. Que aliás, tá uma merda.

— Eu disse! — Klaus levanta seu indicador. A atenção de Cinco volta para o jornal impresso em cima da mesa, estampado com a notícia fatídica da morte de Reginald. Impossível saber se é genuíno, mas Cinco lamenta:

— Perdi o funeral…

— Como sabe que ele morreu? — Diego questiona.

— Que parte do voltei do futuro você não entendeu? Insuficiência cardíaca, né?

— Sim.

Não. — Luther contraria Diego, olhando de lado.

A cozinha fica em silêncio. Acho que falo por todos quando digo que sentimos falta da arrogância dele e de como ele nos ignora usando seu teletransporte. Cinco termina de mastigar seu último pedaço do lanche, e então caminha para fora da cozinha enquanto diz:

— É bom vê-los de novo.

— Espera, é só isso que tem pra falar?

— Quer que eu fale mais o quê, Allison? É o ciclo da vida — Cinco diz, apático. Ele passa por mim. Ele olha diretamente para mim, e depois de dezessete anos, suas palavras soam banais quando diz: — Oi, Amber.

Eu sinto vontade de colocar minhas mãos em volta do seu pescoço e apertá-lo até ter certeza que não respira mais. Só não faço porque Cinco agora é maior do que eu, e certamente quebraria meus braços sem esforço.

Eu fico exatamente onde estou, e só saio do meu lugar quando Allison insiste para que eu participe do velório. Se eu soubesse que esse velório resultaria numa briga caótica entre Luther e Diego, eu jamais teria aceitado. Eu teria dirigido para a minha casa.

Metade da família vai embora, decepcionada com o rumo que teve a cerimônia. Eu estou de volta na cozinha com Allison e Klaus, falamos sobre a rivalidade desnecessária de Luther e Diego. Até ele entrar na cozinha acompanhado de Cinco, o que fez o assunto morrer instantaneamente.

Estou cravando minhas unhas na madeira da mesa, tentando montar uma forma com os desenhos de meia-lua. O ápice do meu desinteresse.

— Isso é lamentável — Cinco murmura ao lado do balcão. — Uma propriedade como essa, 42 quartos, 19 banheiros e nem uma gotinha de café.

Klaus pontua como nosso pai odiava o café. Avaliando o comportamento de Cinco, eu diria que está com abstinência de cafeína. É estranho ver que ele é viciado em algo agora, traz a sensação de que eu não o conheço. Diego está se preparando para ir embora, carregando sua mochila nas costas e buscando a atenção da irmã para dizer:

— Até mais, Allison. Boa sorte no próximo filme. Espero que seja melhor do que o seu casamento — ele ri da própria piada. — Aliás, das duas. Tchau, Amber.

Eu mostro meu dedo do meio para ele. Klaus revira os olhos, e deve ser o único sensato nesse cômodo. Cinco está me olhando fixamente, com seus olhos verdes chocados. Eu lembro de uma expressão parecida na nossa adolescência, a diferença é que agora há mais rugas em torno de seus olhos.

Cinco voltou e eu não consegui dizer nada. Tenho muito para contar a ele, mas também acho que ele não merece mais saber o que aconteceu na minha vida enquanto ele não estava.

— Você… — ele diz baixo. Espero Cinco terminar, mas isso não acontece. De qualquer forma, eu tenho que ir para casa e digerir o dia terrível que eu tive hoje.

Deixo a cozinha e busco meu carro, no beco, ao lado da Academia. Precisei de um tempo com a cabeça no volante antes de conseguir dirigir.

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Minha vida estava finalmente voltando para os eixos. Eu finalmente estava me recuperando do meu divórcio. Consegui meu apartamento de volta, um carro novo, emprego estável… Por quê Cinco tinha que chegar justo agora para bagunçar tudo? Eu não sei o que ele está escondendo sobre o futuro de onde veio, no entanto, sei que ele está prestes a jogar uma bomba no meu colo. Ele não teria voltado por outro motivo.

Eu tinha decidido abraçar a vida de solteira, aproveitar minha própria companhia, ou conhecer pessoas novas… E ele voltou. Não é tão fácil ignorar, já que ele voltou mais bonito do que quando eu tive sentimentos por ele. De vez em quando eu imaginava como seria o seu rosto à medida que ia envelhecendo e, bem, eu acertei. É cativante.

Eu estaciono meu carro na vaga. Subo as escadas tirando minhas chaves do bolso, o que tenho em mente agora é que devo escolher o que farei na janta. Depois dormir por doze horas seguidas. Destranco a porta, e antes que eu possa acender a luz, o abajur da minha sala se acende primeiro.

— Porra! — Solto um grito. O rosto por baixo da luz do abajur é o de Cinco. O rosto que poucos minutos atrás eu estava elogiando.

— Foi mal.

— Que merda, como sabe onde eu moro?

— Allison me ajudou.

Eu bufo, pendurando as chaves no chaveiro e fechando a porta. Essa foi a primeira conversa que tivemos. Uau. Não sei se devo preparar meu jantar e ignorá-lo, como fez comigo, ou descobrir logo o que ele quer. O Cinco que eu conhecia me faria escolher a segunda opção à força.

— O que quer aqui? — eu pergunto, me apoiando numa cômoda.

— Quero conversar com você — Cinco se levanta, caminhando tão lentamente até mim que me irrita. Só agora percebo a manga de sua camiseta manchada de vermelho.

— O que foi isso? Está sangrando?

— Não se preocupe, estou bem. Eu usei seus curativos no banheiro, espero que não se importe.

Dou de ombros, porque não me importo. Quando está a meio metro de mim, sua atenção pousa nas decorações da cômoda atrás. Eu sei o que seus olhos estão encontrando, os porta-retratos, as lembranças de pontos turísticos. Tudo o que não foi vivido com ele.

— Você fuma agora? — Cinco aponta com os olhos para o cinzeiro.

— Ethan fumava.

— Seu marido — ele afirma.

Ex-marido.

— Então se casou mesmo… Ele morreu?

— Nos separamos — eu cruzo os braços. É estranho demais falar sobre isso com qualquer pessoa, e triplica quando essa pessoa é o Cinco.

— Por que se casou?

Sou obrigada a cerrar meus olhos. Seu interesse na minha vida conjugal deveria ter limites, visto que ele chegou há poucas horas e ainda é um completo estranho.

— Que pergunta é essa?

Esquece — Cinco balança a cabeça, colocando as duas mãos no bolso da calça. Ele olha ao redor, mapeando todo o meu apartamento. Seu rosto não poderia esboçar mais desdenho do que vê. — Foi isso o que ele deixou pra você?

— Quase fiquei sem a casa, então já é lucro.

Regra número um para meu próximo relacionamento: não confiar e entregar metade dos meus bens para alguém com alto nível de conhecimento jurídico.

— Me fala mais sobre ele — Cinco pede, se apoiando em uma só perna, demonstrando interesse.

Não vou falar sobre Ethan. Ele me lembra Cinco, não de um jeito bom, e isso me causou problemas que tento resolver até hoje.

— Não quero falar dele.

A feição em seu rosto fica cada vez mais pensativa.

— Ele te machucou, Amber?

É uma pergunta bem complexa, na verdade. Ethan não encostava um dedo em mim simplesmente porque não me encontrava. Mas posso dizer que Cinco me machucou mais quando mudou nossos destinos saindo pelos portões da Academia.

— Fala o que veio fazer aqui e vai embora — eu vou direto para a cozinha, deixando que Cinco venha atrás.

— Tem café?

Descontente com a intenção dele de prolongar a conversa, eu mostro o bule em cima do fogão. Eu lavo a louça normalmente, como se a presença de Cinco fosse algo rotineiro, quando na verdade ainda estou me acostumando com a voz grave dele. Depois de esquentar o café, ele se serve, bebendo o conteúdo de sua xícara lentamente. Eu diria que está testando a minha paciência. Quando ele enfim termina de beber tudo, diz:

— O mundo acaba em oito dias.

O prato que eu estava lavando quase escorregou da minha mão. Eu desligo a torneira, encarando Cinco para saber se não é uma piada de mau gosto.

— O quê?

— Eu não sei o que fazer para impedir.

— Cinco…

— Você é a única pessoa que eu confio para saber disso. Precisa me ajudar.

Eu seco minhas mãos num pano para me concentrar melhor. É estranho receber essa notícia, é como um diagnóstico de uma doença em estágio terminal.

— Como assim? O que acaba com o mundo?

— Eu ainda não sei.

Esse dia não para de trazer informações para a minha cabeça, isso está trazendo consequência porque já estou sentindo dores. Porra, o fim do mundo?

— O que você vai fazer? — pergunto, mas Cinco fica imóvel sem me dar uma pista.

Estou farta de charadas. Se ele quiser a minha ajuda, vai ter que esperar eu assumir para mim mesma que tudo isso está realmente acontecendo.

— Tá bom. Olha só, amanhã eu acordo cedo. Não ligo se você dormir no sofá, vou trazer uns cobertores.

Quando passo por ele para ir ao meu quarto, sua mão agarra meu braço no meio do caminho.

— Amber, como vai trabalhar amanhã? Você não me ouviu?

— Ouvi.

— Acha que eu sou louco?

Talvez.

— Não. Eu acho que você só voltaria por algo grandioso assim. Acredito em você.

Ele solta o meu braço, sua expressão parecida com remorso.

— Isso não é verdade. Eu tentei voltar.

Ainda não sei onde ele passou todos esses anos, mas se a tecnologia avançou tanto quanto ele esperava, então Cinco estava ocupado demais vivendo uma vida futurista para se importar com um passado numa família adotiva.

Eu busco os cobertores no meu guarda-roupa, jogando-os no sofá para Cinco. Passei tempo demais encarando o rosto dele, ainda surpresa com os detalhes, ao ponto de Cinco me encarar de volta, confuso.

— Boa noite — eu apago as luzes.



⦿ 2.035 palavras

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oii curupiras faraônicos

a Amber aqui:

já estão gostando?
(  ) sim
(  ) claro
(  ) obvio né


beijos 💛

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