𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 29

CAPÍTULO 29

Agora

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Viktor é muitas coisas, mas não um bom mentiroso. Se toda a perda de memória seletiva fosse encenação, já teríamos descoberto. Ontem Allison o levou embora da minha casa, e hoje estamos no hotel onde eles estão hospedados, acompanhando a sua reintegração na família.

Cinco passou muito tempo pensando se deveríamos ou não dizer a Viktor os poderes que tem. Poderíamos colocar tudo a perder novamente. Ele, sozinho, chegou a conclusão que esse poder mora dentro de Viktor, assim como os nossos. Cedo ou tarde Viktor vai descobrir que é capaz de muitas coisas, e por que não descobrir da maneira certa?

— Bem, nosso pai nunca deu detalhes sobre as suas habilidades… — Luther começa, lentamente, encontrando o melhor caminho para revelar — Na verdade, ele nunca falou nada. Não sabemos como você usa seus poderes, achamos que é através de ondas sonoras.

Ondas sonoras…? — Viktor repete, o olhar distante enquanto absorve todas essas informações.

— Sim. Escuta — o loirinho leva seus dedos até o vidro da janela e dá um peteleco, fazendo ecoar um som agudo no quarto. — Não sente nada?

— Não é assim que funciona, imbecil! Ele precisa de alta concentração. Sequer consegue entender o que estamos dizendo — Cinco fala em direção ao irmão. Infelizmente, preciso concordar. Viktor levou cerca de uma hora para associar nossos poderes, nomes e números aos nossos rostos.

— E ele nem precisa. Terá muito tempo para treinar — Eu digo, soltando meus braços cruzados. — Vamos te ajudar.

Esse novo Viktor que acordou na minha casa depois da concussão é mais tranquilo de lidar. Ou então a perda de memória criou uma tela em branco onde podemos pintar a história que quisermos. Foi o que fizemos. É mais fácil você dizer que toda a sua infância foi ruim por culpa do seu pai morto do que admitir que fomos péssimos irmãos para ele. Seria difícil dizer que ele foi negligenciado por todas as partes.

— Poderes…? Mas se eu não souber controlá-los? — Viktor questiona, olhando para cada um de nós separadamente esperando de onde vem a resposta.

— Você vai aprender. Só… evite se estressar em algum lugar barulhento — Cinco diz, como um conselho disfarçado de ordem.

Se ao menos pudéssemos recuperar os arquivos de Reginald e descobrir tudo o que ele sabia sobre os poderes de Viktor, essa seria uma missão mais simples. Muitas respostas viraram pó junto com a nossa antiga casa.

— Vamos. Está ficando tarde — Cinco diz para mim, caminhando até a porta.

— Está? — Inocentemente eu digo. Não lembro de termos outro compromisso para termos que ir embora mais cedo. Nem está de noite.

Cinco olha para trás, apertando seus lábios e arregalando levemente seus olhos. Merda. Eu não sabia que era um código para sairmos de perto dos outros. Temos que combinar isso mais tarde.

— Ah, é mesmo. Tenho que acertar minhas contas e daqui a pouco o banco vai fechar, então eu vo…

— É, Amber. Vamos — Cinco chama outra vez, repreendendo.

Eu aceno para os meus irmãos, deixando o quarto com esperança de que Viktor tenha se sentido reintegrado. No corredor, onde ninguém mais nos vê, Cinco agarra meu antebraço com força, bufando de decepção.

— Você é péssima.

— Não combinamos isso.

— E precisa?

— Se quiser continuar levando isso como um segredo, sim.

Seu rosto vira bruscamente para encontrar o meu, e sua boca começa a abrir, como se não acreditasse no que eu disse. A única coisa que o tira desse transe é quando uma mulher passa por mim no corredor. Cabelo curto e roupas cinzas, foi só o que eu reparei. Talvez Cinco possa dizer mais detalhes sobre ela, já que a seguiu com os olhos sem piscar até ela descer as escadas.

Ele chacoalha a cabeça, voltando para o problema anterior. Cinco percebe que a próxima porta é a do banheiro masculino e nos leva até lá, fechando a porta em seguida.

— O que você quer dizer com isso? Não quer que seja mais um segredo? — pergunta ele, apoiando sua mão na parede atrás de mim.

— Sim. Você não acha cansativo?

— Eu acho único. Nosso. Foi a única coisa que nos restou, lembra?

— Podemos mudar agora.

— Eu não quero mudar.

— Quer continuar se encontrando comigo em banheiros e lugares escuros só porque fizemos uma promessa há anos atrás?

Cinco deixa o ar sair e, por algum motivo, sinto que toquei em um assunto sensível.

— Prometemos porque era o único jeito de dar certo.

— E mesmo assim não deu. Você foi embora.

Cinco tira a sua mão da parede, colocando as duas na cabeça para dar uma volta completa enquanto respira fundo. Sem aquele braço ameaçador estendido por cima do meu ombro, até eu consigo respirar melhor.

— Estou com você agora.

— E o que espera de nós? — Eu pergunto, quase como um interrogatório. Há tempos quero saber se os planos dele comigo são de curto ou longo prazo. — Onde acha que vamos chegar?

— Amber, eu quero você pra mim. Pro resto da minha vida. — Cinco chega mais perto, as mãos hesitando em se apoiar em minha cintura. Não vou negar que quero a mesma coisa, no entanto, nossos meios são diferentes.

— Eu não consigo passar o resto da vida escondida — Eu falo, e é como se agora mesmo existisse uma enorme barreira entre Cinco e eu que somente ele pode quebrar; deixando para trás as promessas da infância. — Não somos mais crianças, porra! Já não é legal brincar de se esconder.

— E o que você quer? Que eu monte um jantar em família e te beije na frente deles?

Sempre exagerado.

— Não parece tão ruim.

Cinco bufa outra vez pelo meu sarcasmo. Pensei que a primeira coisa que ele faria seria me assumir por todo canto, mas aparentemente a criança que mora dentro dele ainda é apegada ao nosso passado. De olhos fechados, ele se dá por vencido, e puxa minha cintura contra o seu corpo. Seu queixo se apoia em minha cabeça enquanto ele se acalma, esperando para dizer:

— Tudo bem, Amber. Você venceu.

— Você achou mesmo que ia esconder de todo mundo que eu sou sua namorada? — Eu falo, retoricamente, dando uma risada. Cinco também ri, mas esse som é diferente. Acho que nunca escutei ele rir assim, parece até tímido.

Namorada… Sempre quis te chamar assim.

Cinco beija a minha cabeça, seguindo uma trilha até que nossas bocas se encontrem. E então, pela primeira vez em nossas vidas, e contra a sua vontade, Cinco entrelaça nossas mãos e nos conduz para fora do banheiro.

Parece até errado segurar a mão dele em público, com a possibilidade de alguém nos ver, mas isso é só mais uma crença que vamos superar. Aliás, não quero soltar a mão dele.

Caminhamos em direção às escadas, onde no sentido oposto a mesma mulher cruza nosso caminho. Dessa vez ela nos interrompe para perguntar:

— Ei, qual é o seu nome?

— Ah… Amber — Digo, quase como uma pergunta. A mulher aponta para Cinco ao meu lado.

— E o seu?

— Eu sou o namorado dela — Responde ele, com um certo orgulho.

— Tá, mas e o seu nome? — A mulher insiste, ficando mais agressiva pela pressa. Cinco desconfia, e aperta mais a minha mão quando analisa as roupas dela.

— Com licença, estamos indo — Cinco dá passos largos, me levando junto. Desviamos da mulher que continua pedindo informações, e ativamos nossos poderes quando saímos da vista dela. Foi rápido demais para eu saber o que ele encontrou de errado.

Cinco liga o meu carro, que está quase se tornando sua propriedade, e vai embora depressa enquanto me explica o motivo de ter dispensado a mulher.

— Eu sabia que conhecia aquele uniforme! — Ele bate no meu volante.

— O quê?!

— Ela é da Comissão.

— Estão atrás de você?

— Talvez. Acho que ela me reconheceria se tivesse que me matar — diz ele, o tom de conspiração se formando em sua voz — Então quem ela estava procurando?

O questionamento paira no ar, dividindo espaço com nosso estado de alerta. Cinco dirige rápido para a casa, mais rápido que o de costume, e seus olhos estão atentos a qualquer movimento suspeito.

É só uma coincidência? Um dos funcionários da Comissão tinha uma missão naquele hotel, e por acaso, estávamos lá?

Descemos do carro e, talvez querendo provar que está disposto a nos assumir, Cinco segura a minha mão outra vez. Ou só porque prefere que eu esteja por perto caso seus antigos colegas de trabalho apareçam. Caminhamos desse jeito até meu apartamento.

Cinco insiste em entrar primeiro, ainda desconfiado e com sua pose vigilante, pronto para o perigo. Não havia ninguém no meu apartamento. Entretanto, nada estava em seu lugar.

Procuro por um metro quadrado que não esteja revirado. Absolutamente todas as minhas coisas estão quebradas, ou rasgadas, ou simplesmente fora de seus lugares por nenhum motivo.

— Merda… — Cinco murmura, fechando a porta atrás de mim, tomando cuidado para não pisar nos cacos de vidro.

Esses estilhaços vêm da minha janela, onde até minha cortina foi rasgada, pendendo de um lado. A espuma do meu sofá está totalmente à vista, a mesa de centro partida ao meio, minha televisão no chão junto aos cacos dos porta retratos. Cinco se agacha para pegar um deles e, vendo que ainda há uma foto intacta, ele a rasga. Devia ser da minha festa de noivado.

— É, você já ia jogar fora mesmo — Cinco dá de ombros, deixando o porta retrato cair.

Agora não tenho dúvidas de que isso foi um aviso da Comissão, e que aquela mulher poderia estar atrás de nós. Temos um grande problema pela frente, além, claro, de deixar minha casa em ordem. Nossas vidas ainda estão em risco.

Caminhamos para a cozinha com o tintilhar dos cacos de vidro sob os nossos pés. A situação de desordem é a mesma do cômodo anterior, se houver uma louça minha inteira, é muito. As gavetas e armários estão abertos, seja lá o que o invasor estava procurando, não encontrou aqui.

Apoio minhas costas na parede e observo a bagunça e o caos que o meu lar se transformou. Não me sobrou muita coisa. Não entrei no quarto ainda, mas posso apostar que até o meu colchão está estraçalhado. Um sentimento de decepção me consome, sem ter um rosto a quem culpar.

— A gente vai dar um jeito — Cinco diz, incomodado com o silêncio, olhando ao seu redor. — Eu vou… vou limpar aqui.

Eu balanço a cabeça, em concordância.

— Olha, foi mal. Eu não sabia que eles descobriram onde eu tava — Cinco segura o meu rosto com as duas mãos, forçando-me a olhar em seus olhos. — Eu não quero trazer o caos da minha vida para a sua. Vou cuidar disso, tá?

Como seria possível ter uma vida tranquila quando estou com ele? Cinco e Problema andam juntos. Eu aceitei isso desde o dia que me dei conta que era apaixonada. A minha vontade de reacender tudo o que tínhamos e evoluir, passa por cima de qualquer problema que venha junto com ele.

Eu lhe dou um sorriso, demonstrando que poderá contar comigo para solucionar os problemas que o perseguem. Tudo bem, estou extremamente furiosa e devastada pela situação da minha casa, mas não vou culpá-lo.

A feição dele se derrete em alívio. Cinco segura a minha cintura, me puxando para si, dando beijos no canto da minha boca. Ele abraça minha cabeça contra o seu peito, respirando fundo. Seu coração está disparado, mas não sei dizer o motivo. Cinco começa a me soltar lentamente, caminhando numa linha reta até a geladeira. Fazendo um pouco de força, ele arrasta e pega um objeto do chão, estava pela metade escondido.

— É um tubo usado pra entregar mensagens da Comissão. Deixaram aqui — Cinco procura em volta, em meio a bagunça. — O papel não está por aqui. Vamos ter que descobrir o que eles querem de outro jeito.


⦿ 1.964 palavras

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perdoem a demora do capítulo, esperar pelo álbum da loirinha me deu bloqueio criativo 😭

bjs curupiras fantásticos 💛

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