𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 27

CAPÍTULO 27

Agora

⦿

Minha cintura está cercada por um braço que me prende como um cinto de segurança. Ele não deveria me segurar dessa forma, sabe que não vou a lugar nenhum. E, mesmo dormindo, esse instinto protetor é forte o bastante para eu não conseguir me desvencilhar.

Levanto minha cabeça, e seu outro braço provavelmente está formigando com a circulação sanguínea de volta. Eu tento desprender o braço dele da minha barriga, mas é quase impossível. Cinco resmunga e continua imóvel. Por Deus, eu preciso ir ao banheiro! Tento outra vez, e Cinco me solta, resmungando de olhos fechados:

— Não vá muito longe.

Eu solto uma risada, soando mais grave que o normal. Eu passo um bom tempo no banheiro tirando meus curativos do rosto. A cicatrização já está melhor, então não coloco outros no lugar. Quando volto para o meu quarto, Cinco está completamente acordado, olhando para o teto com as mãos embaixo da cabeça. Pode ser só um efeito da paixão, mas a luz da manhã sobre seu peitoral me causou arrepios.

Ainda estou vestindo calça e sutiã de ontem, então procurei pelo quarto onde foi parar minha camiseta.

— Não vai levantar?

— Não enche meu saco, vai — ele estala a língua — É a primeira vez em muito tempo que durmo mais de quatro horas por noite.

Dou de ombros, simpatizando. Porém, simpatia com Cinco dura pouco.

— Tem infiltração no teto. Eu falei… aqui não presta — Cinco diz, a voz rouca e lenta, mas ainda é o mesmo prepotente.

— Pelo o que eu sei você não teve nem um teto nos últimos anos — digo, puxando o restante da camiseta debaixo da cama. Só Cinco reclamaria do lugar que está sem ter outro para ir.

Ele franze a testa, seu olhar penetrante se fixando em mim como se estivesse prestes a lançar um raio de fúria. Sua mandíbula trava, os músculos tensos sob a pele. Finalmente, ele solta um suspiro resignado, desviando o olhar para o teto.

— Talvez eu não tivesse, mas isso não muda o fato de que este lugar é um desastre — ele murmura, a voz agora mais suave. — Você não merece morar aqui.

Merece um lugar pior, imaginei ele dizendo, sarcástico. Mas por incrível que pareça, ele não completa. Cinco se levanta da cama, se espreguiçando e exibindo o movimento de seus músculos. Ele caminha em direção a porta, levantando sua camiseta branca no ombro. Antes de continuar, ele segura o meu queixo ao passar por mim.

— Vou te dar um lugar melhor para morar.

E então ele segue o corredor para o banheiro. É até estranho ouvir isso de alguém que viveu a maior parte da vida em escombros. Me faz pensar que minha querida casa é pior que o fim do mundo. Ou é só Cinco arrumando desculpas para me tirar daqui.

Eu visto a camiseta e vou para a cozinha preparar nosso café da manhã. Por cima do balcão, eu espio Viktor no sofá, da mesma forma que foi deixado ontem. Não sei se devo preparar três porções, Viktor não come desde que decidiu que ia acabar com o mundo.

No fim das contas, preparei três porções. Separo as minhas torradas enquanto sinto Cinco segurar meus quadris por um momento, beijando meu pescoço.

— Valeu. Eu tava com fome mesmo — ele pega a sua parte e a de Viktor, devorando em poucos minutos.

Assim que terminamos o nosso café, a campainha toca. Não costumo receber visitas, mas pode ser algum dos meus irmãos querendo notícias de Viktor. Eu desço da banqueta para atender, mas Cinco segura o meu braços.

— Deixa que eu vou. Podem ser os agentes da Comissão.

— Querem nos matar?

— Talvez.

— E por quê tocariam a campainha? — Eu franzo as sobrancelhas. Poderiam só arrombar a porta, não é?

Ainda assim, eu sigo ele até a porta. No sofá, com o tecido em sua cabeça coberto de sangue seco, Viktor começa a abrir os olhos. Ele pisca algumas vezes e mexe a cabeça, mapeando a sala.

— Merda! — Eu seguro a primeira coisa que vejo pela minha frente.

É como um reflexo depois de encontrar um inseto em casa. Para me defender, eu peguei a mini Torre Eiffel de madeira, na minha estante. É útil, se eu souber como usar. Vejo que Cinco também agarrou o objeto mais próximo: a almofada.

— Não se mexa!

— Quê? — Viktor murmura, as sobrancelhas juntas em confusão. A campainha toca outra vez.

— Cinco, a porta.

— Eu sei.

Ele dá passos cautelosos até a porta, sem desgrudar os olhos de Viktor, que dessa vez não oferece nenhuma ameaça.

— Fique onde está! Eu tô falando sério — Cinco diz, o que parece irônico quando o que ele segura é uma almofada. A campainha toca novamente, acompanhada de batidas na porta. — Amber, olho nele.

Fixo minha atenção nele, enquanto aperto o objeto em minha mão, a ponta da Torre apontada para ele. Cinco cuidadosamente gira a maçaneta, espiando por uma fresta a pessoa que está do outro lado. Ele relaxa os ombros, abrindo por completo a porta.

Allison dá alguns passos adiante, entrando em meu apartamento e me vendo ameaçar Viktor com uma mini Torre.

— O que está acontecendo? — Viktor pergunta, olhando ao redor, sem sair do lugar. Ele fez uma careta ao colocar a mão na cabeça, sentindo dor no lugar da pancada.

— Nada. Vou te apagar de novo — Cinco larga a almofada, pretendendo chegar em Viktor se Allison não o tivesse segurado. Ela anota em seu bloco de notas, rápido para não perder a atenção.

Nele está escrito: Preciso falar com ele.

— Ele não tem nada para dizer.

— Ele quase nos atacou ontem — eu defendo. Viktor me olha indignado.

— Quê? O que eu estou fazendo aqui?

— Não vem com essa — Cinco bufa, desviando o olhar com as mãos no quadril. — Allison, isso já foi decidido, não vamos voltar atrás.

Ela segura o braço dele novamente, pedindo que espere que ela escreva. Eu posso usar os meus poderes, Viktor não precisará ficar em coma, estava escrito.

— Allison, a última vez que eu chequei você ainda estava sem as cordas vocais.

— Lembro que o Pogo falou que demoraria um ano para se recuperar. Sinto muito, Allison, não podemos esperar tudo isso. Ele está sem controle.

— Sem controle? — Viktor indaga atrás de mim. — Olha, eu não sei quem vocês são. Só me deixem ir pra casa.

Eu encaro os outros após a fala de Viktor, confusa se ele não nos reconhece ou é só um artifício para sair ileso.

— Você não entendeu que não vai sair daqui? — Cinco diz, um tom mais alto, uma veia saltando de sua testa. Parece que já vi essa cena antes e, agora que posso mediar, entro no meio deles para que Viktor não se sinta numa jaula novamente.

— Espera, Cinco — levanto minha mão, mantendo-o no lugar. Olho para Viktor, tentando buscar qualquer sinal de genuidade atrás de todas as expressões assustadas. — Bem, o quanto você está com raiva? Numa escala de 0 à Vou Acabar Com A Vida Na Terra.

O quê?! Eu não sei o que está acontecendo e nem como vim parar aqui. Eu só estava no concerto e… eu… Eu não consigo me lembrar do que aconteceu depois. — Viktor leva as mãos à cabeça, apertando os olhos como se isso trouxesse suas lembranças.

Cinco se aproxima de mim para cochichar debochado:

— Que isso? Perda de memória seletiva?

— Pode ser. A pancada que você deu foi certeira. Viu o tanto de sangue que ele perdeu?

— Ele bateu a cabeça na ponta da mesa. Não é meu mérito!

Algo se choca contra o meu ombro, e vejo que é o caderninho de Allison com as folhas balançando. Ela chamou a minha atenção para ler o que escreveu: Vocês não podem brincar com ele desse jeito. Vão batê-lo todas as vezes que acordar? Não era esse o plano, as coisas só fugiram um pouco do nosso controle. Se esse sermão servir para alguém, então que seja Cinco, que não tem remorso algum no que faz.

— Qual é a última coisa que você se lembra? — pergunta ele, mantendo a pouca calma.

— Eu estava no concerto. No Teatro Ícaro. Todos estavam lá; a orquestra, o público… Não me lembro de nada depois disso.

Cinco cruza os braços, o rosto sério para que Viktor desista se estiver mentindo.

— Então quer dizer que você não se lembra de ontem quando acordou?

— Não.

Dou uma cotovelada em Cinco. Bem merecida. É bom deixar Viktor esquecer mesmo o que viu.

— Nem nossos nomes?

— Não.

— Mas sabe o seu?

— Sei.

— Isso não é possível. Como pode ter esquecido de nós, mas não de toda sua vida individual? — Cinco questiona. É meio óbvio. Viktor pode estar passando por estresse pós-traumático, e inconscientemente escolheu nos esquecer, porque assim esqueceria todos os momentos ruins que teve durante a vida.

Isso pode ser temporário ou não. As memórias podem surgir aos poucos ou como uma avalanche que certamente despertaria seus poderes de novo.

Allison, outra vez, mostra uma nova folha de seu caderno, exaurida pelo trabalho que se dá todas as vezes que quer se expressar. Na folha diz: Deixem que eu o levo. Vocês já fizeram o bastante dando a ele essa concussão.

— O que você acha? — pergunto a Cinco, cruzando meus braços. Viktor parece estar falando a verdade. Se lembrasse mesmo que viu Cinco e eu nos beijando, isso certamente transpareceria em seu rosto. Não é algo simples de esquecer.

Ao mesmo tempo, tenho receio de permitir que ele vá e não vamos estar perto para detê-lo, se for preciso. Parece que Viktor recebeu uma segunda chance, então devo aceitar. Lá no fundo, concordo com Allison e não quero tratar meu irmão como saco de pancadas, apenas porque não fomos rápidos para induzir o coma.

— Vocês terão que se acertar com o Luther. Sabe, fazer as pazes, igual eu e ele fizemos. Ou então tudo vai se repetir — eu digo. Cinco está com seus olhos atentos, as sobrancelhas franzidas como se estivesse num debate interno.

Esperamos ansiosamente pela resposta dele. Não que valha mais que a nossa, mas ele parece mais experiente. Cinco enfim relaxa sua postura, colocando as mãos nos bolsos.

— Tudo bem. Você pode ir. — Diz ele, nenhum sorriso sequer. Cinco dá alguns passos, ficando entre eu e Allison, para dizer num tom que só nós duas podemos escutar. — Se houver um deslize dele, eu vou matá-lo.

Eu olho para a minha irmã, também surpresa com a disposição de Cinco. Ele abre a porta para Allison e Viktor saírem, quase como um convite para se retirarem, e então os dois saem do meu apartamento. Acredito que Allison conquiste mais rápido a confiança de Viktor, levando-o para o hotel para reencontrar os irmãos e depois para a sua casa.

Talvez seja melhor que Viktor não se lembre. Podemos começar do zero com ele. O que deveria ter acontecido desde o começo, se soubéssemos que ele também tinha poderes.

Cinco fecha a porta, dando passos lentos até mim. Ele envolve minha cintura com seus braços e deita sua cabeça em meu ombro, suspirando profundamente. Sinto sua boca pressionar um beijo contra o meu pescoço, mas nada além disso acontece porque faço questão de lembrá-lo que precisamos limpar o sangue na minha sala.







⦿ 1.869 palavras

_______________________________
só Deus sabe como tá a cabeça do Viktor

vou mesclar a 2° temporada da série aqui, curupiras 🤙considerem daqui pra frente outra temporada

bjs parabólicos 💛

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top