𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 26

CAPÍTULO 26

17 anos antes

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— Amber, aparece! — Luther grita furioso, entrando em meu quarto.

Eu estou precisando de nota em Educação Física e acho justo por inúmeros motivos que Luther me dê as respostas das questões. É o mínimo que ele pode fazer. Então eu peguei seu caderno durante o intervalo e agora estou repassando as respostas para o meu bloco de notas.

— Anda, garota insuportável! Eu preciso do meu caderno.

— Se me encontrar, eu devolvo. — Eu digo, dando a volta no meu quarto. Luther aceita o desafio pela raiva, e estende os braços na intenção de esbarrar em mim em algum momento.

E como ele não vê, eu saio do quarto e o deixo lá feito idiota. Corro até a biblioteca, para terminar as anotações, e na última mesa, escondida pelas estantes, Cinco está com uma caneta na mão e duas pilhas de livros.

— Amber? Você tá aí? — pergunta ele. Eu desativo meus poderes, me sentando ao lado dele no banco acolchoado. É quase impossível me esconder dele. — O que tá fazendo?

— Peguei o caderno do Luther.

— E tem algo de bom pra colar? Querida, se quiser colar, tem que ser de mim.

— Você também não é bom em Educação Física.

Cinco joga os ombros, torcendo os lábios para baixo porque concorda com o que eu disse. Eu chego mais perto dele, me inclinando sobre a mesa para enxergar suas anotações.

— E você? O que tá fazendo?

Ele hesita, no começo, sem saber como explicar. Cinco fecha o seu caderno e se vira de frente para mim no banco. Sua garganta se move quando ele engole seco, preparando suas palavras.

— Eu decidi que vou viajar no tempo hoje.

Algo como uma freada brusca de um caminhão, ou um soco no estômago, me deixa estática. Só consigo piscar os olhos. Achei que ele avisaria com antecedência, de uma semana, pelo menos, assim eu não receberia esse choque.

— Finalizei meus cálculos. Estou pronto.

— Ah… que bom — Eu tento soar animada, mas é nítido em minha voz que guardo preocupação.

— Bom, por enquanto a margem de erro é de 0,12, o que significa que quando eu voltar posso demorar seis ou sete dias no futuro. Mas eu quero estar aqui amanhã para a aula de matemática, então eu tenho 34% de chance de estar de volta antes da aula. É quase um terço, mas não se preocupe, porque eu ainda posso voltar pelo resto da semana — Cinco diz, frenético, sem uma pausa sequer para respirar.

— E qual a chance de você não voltar porque gostou da vida no futuro? — Eu digo, dando uma risada descontraída.

— Zero. Já falei que se esse for o caso, eu volto para te buscar — Cinco diz sério, e segura a minha mão. — Quando eu voltar amanhã, ou nos próximos sete dias, vou te contar tudo o que eu vou ver.

— Eu aposto que vai ter carros voadores.

— Eu também — Ele abre um pequeno sorriso.

— Você precisa levar comida? Podemos fazer lanches pra você. E dinheiro também. Você tem que levar dinheiro. E roupas.

— Eu me viro, Amber, relaxa. Posso conseguir todas essas coisas depois — Cinco leva minha mão até sua boca e pressiona por um tempo.

Rapidamente, eu o abraço, passando meus braços ao redor de seu pescoço. Eu o aperto o máximo que consigo, sentindo o seu cheiro na nuca e desejando não me esquecer pelos próximos sete dias.

— Toma cuidado, Cinco. O mundo pode estar diferente — Eu digo, mesmo sem saber quantos anos ele irá avançar. Cinco é maluco o suficiente para viajar três séculos no futuro. E todo o tempo que passar lá, quero que saiba que alguém espera por ele aqui. Que eu me importo de verdade, e que gosto dele mais do que imagina. — Eu te amo.

Dou um beijo em seu ombro. O silêncio permanece. Nossas respirações parecem altas demais agora, cada micro barulho tem cem vezes mais som. Eu esperava que esse silêncio fosse preenchido com as mesmas palavras que eu disse. Deveria, não é?

Cinco não é bom em demonstrar sentimentos, mas estamos nos despedindo. Ele não vai abrir uma exceção? Não vai dizer que também me ama? Ou o que ele sente não é forte o bastante para ser amor? Ah, eu quero me enfiar em um buraco agora.

Cinco se solta do nosso abraço. Encontro uma expressão normal em seu rosto, parece que nem sequer ouviu o que eu falei. E agindo dessa forma, ele me dá um selinho, se levantando para guardar os livros. Que se dane, eu fui sincera.

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— Que cara é essa, Amber? — Allison cochicha para mim, enquanto caminhamos até nossos lugares na mesa. Não posso dizer que tive uma frustração amorosa mais cedo, ela não entenderia.

— Só estou com fome. — Mentira. Estou chateada.

Ela acena a cabeça, pois a suposta solução está bem na nossa frente. Nosso almoço está posto na mesa comprida, e nós ficamos de pé em nossos lugares enquanto mamãe liga o rádio velho para tocar as notícias de hoje. Papai chega logo depois, encarando cada um de nós como se fizesse a contagem.

— Sentem-se! — Ele manda, e nós podemos tomar nossos lugares.

Mamãe nos serve, um por vez, e quando há comida no prato de todos, recebemos autorização para almoçar. Eu encaro a minha comida, tempo o bastante para esfriar. Ben está lendo um livro enquanto come, já Luther e Allison estão trocando olhares. Cinco está com os cotovelos na mesa, pensativo, até que de repente ele crava a sua faca na mesa.

— Número Cinco — Reginald diz, dando abertura.

— Eu tenho uma pergunta.

— A busca pelo conhecimento é fundamental, mas conhece as regras: nada de perguntas durante as refeições.

— Eu quero viajar no tempo — Cinco diz com determinação.

— Você não está pronto.

— Eu pratico os saltos no espaço que nem você pediu — ele se teletransporta para o lado do papai. — Viu?

— Os saltos no espaço não chegam perto dos mistérios que a viagem no tempo esconde. Um é como deslizar na superfície do gelo, e o outro é como mergulhar nas águas profundas e congelantes e renascer como noz.

— Não. Eu não entendi — Cinco balança a cabeça, despreocupado.

— E é por isso que não está pronto — Reginald perde o controle e joga os talheres no prato, o som agudo nos pegando de surpresa. — Já chega! Eu o proíbo de tocar nesse assunto.

Cinco morde a língua, sua expressão mostra o quanto está estressado. Ele simplesmente dá as costas para Reginald e sai da sala de jantar, seguindo para os portões de entrada.

— Número Cinco! Volte já aqui. Você não pediu permissão para se retirar! — Reginald grita com ele, desnecessariamente. Nada vai parar Cinco agora.

Viktor parece chocado com a atitude de Cinco, enquanto os outros rapidamente esqueceram e voltaram aos seus pratos. Pensam que é só mais uma birra de Cinco, e que até à noite ele estará de volta pois não dorme sem tomar um chocolate quente, mas dessa vez é diferente. É uma viagem perigosa, e a cada segundo que passa, eu penso se foi certo ter deixado ele ir.

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O restante das aulas do dia foram estranhas. Parecia que todo mundo estava fazendo o mínimo barulho na expectativa de escutarmos a porta abrir, e Cinco voltar como um cachorrinho abandonado, mas não aconteceu. As aulas acabaram e eu não tinha ninguém para comparar as respostas depois.

Os outros foram tomar banho para o jantar, e eu aproveitei a ausência deles para ir ao quarto de Cinco. Sua cama estava um pouco bagunçada, e tinha um par de meias jogadas no chão. A sua mesa de estudos tinha um caderno aberto na página de cálculos. Está tudo tão normal. Parece que ele ainda está aqui, e que a qualquer momento vai entrar por esta porta e me mandar embora do seu quarto.

— Oh, Amber, por que não está no banho? — a voz da mamãe me deu um susto. Eu me viro para ela, que está recolhendo as meias de Cinco no chão.

— Mãe, Cinco me disse que voltará amanhã.

— É claro que vai voltar, querida.

— Mas e se ele fugiu pra sempre?

Grace segura o meu pulso delicadamente e nos leva até a cama de Cinco. Assim que nos sentamos, mamãe apoia sua mão em meu ombro.

— Isso é impensável, querida. Esta é a casa dele. Apesar da competitividade, todos vocês se amam, como uma família. Cedo ou tarde ele vai voltar e perceber que não há lugar melhor que com a nossa família — ela diz, enquanto eu me deito em seu ombro. Às vezes eu penso se Grace é programada para dizer essas coisas ou se é capaz de ter uma personalidade própria. São palavras que não se encaixam nesse cenário.

Não somos uma família amorosa, nem compreensiva, muito menos acolhedora. Tudo o que nós irradiamos é rivalidade e imaturidade. Não há motivos para alguém querer voltar para um lugar onde nem o pai se importou em nos dar nomes de verdade.

Espero que Cinco não pense dessa forma quando estiver lá.

Depois do banho e do jantar, com uma lugar a menos na mesa, as perguntas mal me deixaram dormir. Já passaram seis horas desde que ele saiu. Quantas horas será que passaram para ele? Ou minutos. Ou dias. Será que está com fome? Ele devia ter levado roupas de frio.

Mas vai dar certo. Amanhã Cinco vai estar aqui novamente me contando tudo o que viu.




1.571 palavras

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coitada, alguém avisa

bjs curupiras marinhos 💛

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