𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 23

CAPÍTULO 23

Agora

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Cinco pegou as chaves no meu bolso e dirigiu para a minha casa. Eu devo ter desmaiado umas três vezes no banco do passageiro, pois todas as vezes que eu abria os olhos, eu ainda estava lá. Ele nem tentou me manter acordada, mas segurou a minha mão o caminho inteiro.

O som do motor desaparece, e percebo que não estamos mais na estrada. Eu abro os olhos e reconheço a minha vaga de estacionamento, mas tudo ainda é meio turvo, como se mil realidades estivessem se cruzando. Eu realmente estava num teatro sufocando Viktor ou foi um sonho?

— Vamos, gata. Você chegou. Se segura em mim — Cinco diz ao abrir a minha porta. Não sei se é efeito da minha fraqueza, mas essa é a noite mais escura que eu já vi.

Eu sinto o braço dele passar por debaixo das minhas coxas, enquanto o outro segura a minha cintura, me puxando para fora do banco.

— Eu consigo ir sozinha.

— Não consegue, não.

Cinco bate a porta do meu carro, e só por estar me carregando nos braços, eu não o xingo. Prendo meus braços ao redor do pescoço dele e fecho os olhos. Se ele disse algo no caminho, eu nunca vou saber, porque só retomo a coincidência novamente quando ele já está na minha sala.

Percebo ele andar pelo meu apartamento, procurando o meu quarto. Assim que ele encontra, me coloca na cama, do lado que eu não durmo. Não tinha como ele saber. Cinco some num piscar de olhos, que acaba me despertando com o receio de que ele tenha ido embora. Mas no minuto seguinte ele está com um comprimido e um copo d'água nas mãos.

— Você tem que cuidar disso — Ele diz, enquanto eu bebo água. Seus dedos encostam na lateral da minha testa, e descem com um pouco de sangue. Não faço ideia de quais lugares eu preciso de um curativo, e isso nem me importa agora.

— Depois eu faço. Eu quero dormir.

Ele suspira, e sai do meu quarto novamente. Puxo meu cobertor até o pescoço e assisto ele voltar com a minha caixa de primeiros socorros.

— Eles foram para um hotel, temporariamente — Cinco diz, se sentando perto de mim e tirando um pouco de algodão da caixa. Sei exatamente de quem está falando.

— E Viktor? Como vai ser quando ele acordar? — Eu pergunto. Cinco limpa algumas partes do meu rosto, que só agora começaram a arder.

— Não sei. Vamos torcer para ele não se revoltar de novo.

— Temos que ajudar ele. Luther errou quando trancou ele naquela jaula. — Eu digo, puxando o ar quando Cinco borrifou álcool na minha ferida. — Será que teria sido melhor se eu o tivesse matado?

— Você aguentaria viver com isso? — Questiona ele, duvidando. A resposta é óbvia. — Vai, vira o rosto.

Eu faço o que ele pede, sentindo a ardência do álcool em lugares que nem doía. Ele termina os curativos pelo meu rosto, largando a caixa de primeiros socorros ao lado da minha cama.

— Descansa. Você se esforçou muito.

Solto uma risada fraca pelo nariz. Cinco começa a se levantar, mas eu seguro a sua mão. Eu sinto seus dedos o máximo que consigo até a minha mão perder a força e soltar. Queria dizer que só vou dormir em paz se for ao lado dele, mas em vez disso eu digo:

— Você não tem mais pra onde ir. A Academia desabou.

— Obrigado por lembrar.

— Pega um cobertor aí. Não tenho quarto de hóspedes, mas você já dormiu no meu sofá uma vez.

— Bom… — Cinco olha para o meu armário, cogitando aceitar o convite. — Eu estava pensando em dormir no seu carro, você nunca iria saber.

— É, o sofá é melhor.

Cinco abre um pequeno sorriso, se inclinando para apagar o abajur. Eu assisto ele sair do meu quarto, com um cobertor e um travesseiro na mão, e era só isso que eu precisava para cair no sono definitivamente.

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O sol está entrando pela fresta da minha janela, tem passarinhos cantando e buzinas a quarteirões de distância. Todos esses são elementos de um dia normal por aqui, o que significa que o planeta ainda está intacto. Depois do pesadelo que eu tive, onde tudo acabava em cinzas, é até difícil saber o que é real ou não.

Eu me levanto para fazer o café. Antes disso passei um tempo no banheiro refazendo todos os curativos pelo meu corpo. Entro na cozinha, abrindo os armários para pegar tudo o que eu preciso. Mas aparentemente alguém se incomoda com isso, porque uma voz estressada grita da minha sala:

— FAZ SILÊNCIO!

Além de folgado, é hipócrita. Cinco fez exatamente a mesma coisa quando dormiu aqui pela primeira vez. Eu deixo passar, evitando discussões pela manhã, e continuo fazendo o meu café. Me apoio na bancada e me sirvo uma xícara, bebendo enquanto vejo Cinco caminhar preguiçosamente até o banheiro.

Ele volta minutos depois. O cabelo bagunçado, o rosto recém lavado e os olhos ainda inchados. Igualzinho como ficava quando era criança.

— Pensei que ia dormir mais — Comento. Se eu soubesse que ele estaria acordado, teria feito mais barulho.

— O cheiro tá bom — Cinco serve uma xícara para si, como o motivo de ter despertado.

Ele rouba o meu pão da torradeira e tomamos o nosso café da manhã em silêncio. Não sei do que devíamos falar. Sobre o nosso relacionamento? Assim, tão cedo do dia? Acho melhor eu perguntar outra coisa. Sobre o apocalipse que foi evitado, talvez.

— O que sua empresa vai fazer agora? Impedimos o apocalipse, eles deviam estar atrás da gente.

Cinco solta um grande suspiro antes de responder.

— Não sei. Viktor está desacordado, e não morto. Vai ver eles só estão esperando ele acordar.

Eu confio nessa explicação, simplesmente porque Cinco conhece o lugar que trabalhou. Se a questão é Viktor estar inconsciente, talvez devêssemos deixá-lo assim. Ou manter os comprimidos que ele tomava.

— Qual hotel eles estão? Quero ir.

— O que vai fazer lá?

— Quero ver eles. Precisamos deixar claro que Viktor precisa de ajuda — respondo, pegando minha bolsa na bancada. Vai ser difícil reunir todos eles para mais uma reunião, devem querer ficar longe dessas questões de família o quanto antes. E eu entendo.

— Estão no Royal Hotel.

Eu engulo seco. Eu não deveria ter esse tipo de reação, é o hotel mais famoso pelo seu custo benefício, mas eu só não esperava escutar esse nome tão cedo. Aceno com a cabeça e saio do meu apartamento, escutando Cinco vir atrás.

Espero que Ethan esteja trancado no seu escritório assim como esteve nos anos em que fomos casados. Eu não preciso de mais um problema hoje.

Dirijo meu carro até o hotel, com Cinco inquieto no banco do passageiro porque não suporta não estar ao volante. Nós paramos na recepção, e o mesmo atendente que eu conhecia nos recebeu. Pelo menos ele teve consideração para não me perguntar como estou indo com o divórcio.

— Amber! — Uma voz alegre ecoa pelo saguão. Klaus anda em nossa direção cambaleando, com uma garrafa quase vazia em sua mão. — Nossa heroína, como anda?

— Não faz tanto tempo desde a última vez que nos vimos — digo, sarcástica, desistindo de pedir informações sobre os hospedes e me virando para o meu irmão. — Onde estão os outros?

— Ah, me segue.

Eu e Cinco nos entreolhamos, pensando se arriscamos confiar em Klaus bêbado. Nós aceitamos, e seguimos ele até o segundo andar. Os quartos deles ficam bem próximos, conseguiram se dividir em dois, e Klaus nos leva para o quarto onde Viktor está.

Meu irmão está deitado na cama, com o mesmo terno branco da noite anterior, aparentando estar num sono profundo. Allison está ao seu lado, observando para saber se a qualquer momento ele irá abrir os olhos. Já Diego escolheu a cama oposta, e por pouco não acerta sua faca em mim quando brinca de jogá-la para cima.

— Guarda isso, idiota — eu dou um tapa na cabeça dele, que retribui com um empurrão. Acho que vamos brigar assim até o fim das nossas vidas. — Ele não acordou ainda?

— Não. Você botou ele pra dormir e ele assim ele ficou — Diego responde, com deboche. Allison só assiste a conversa, preparando o seu bloco de notas para quando quiser usá-lo.

— Vai ver é melhor assim. O coma. As pílulas sedativas não são confiáveis, Viktor pode parar de tomá-las, então… — Cinco diz, se aproximando da cama do irmão. — A não ser que alguém se voluntarie para matá-lo, é melhor que ele durma. Assim seus poderes também estarão adormecidos.

Todos nós voltamos a encarar Viktor. Ele sempre foi o que odiava as brigas. Que gritava por cima pedindo para pararem. Que se sacrificava, se fosse preciso, porque ele não achava que tinha valor. Tinha um coração enorme para quem recebeu desprezo de um pai e indiferença de sete irmãos. Ele concordaria com isso?

Ele deixaria que nós mantivéssemos seu corpo vivo, mas sua mente morta, apenas porque não temos coragem para matar tudo de uma vez? Ou entenderia que é por um bem maior? Entenderia que ele é um risco para nós e sempre será.

Reginald escondeu seus poderes de toda a família e o mundo, e sobre isso não temos culpa, mas agora temos uma escolha. Dessa vez, Viktor terá razão de se rebelar, porque todos os seus irmãos escolheram que ele passasse o resto da sua vida como um vegetal.

— Os outros precisam concordar com isso — Diego murmura no seu canto, parando de brincar com a faca para tomar uma decisão. — Eu prefiro que ele durma.

— Eu também. Assim a Comissão não terá motivos para vir atrás de nós — Cinco diz a sua opinião.

Nós olhamos para Allison, que começa a escrever no papel. Seus olhos ficam marejados, e aumenta quando ela desvia para olhar Viktor. Virando o bloco para nós, lemos: Quero que ele durma, minha filha me espera para visitá-la.

— Amber?

Eu olho para Cinco, notando que eu não dei o meu voto.

— O coma parece a melhor opção. Sem apocalipse, sem Comissão… Eu gostaria que fosse diferente.

— São três votos. Vamos ver os outros.

Acompanho Cinco e Diego para o quarto ao lado, encontrando Luther e Klaus conversando e dividindo uma garrafa. Dupla improvável, tenho que dizer. Nós explicamos para eles a situação que nos encontramos e apresentamos o prós e contras, como se não estivéssemos com uma vida em jogo.

— Pra mim ele pode dormir ou morrer, não vai fazer diferença — Luther exclama, as sobrancelhas juntas de irritação.

— Bem, eu prefiro que ele durma. Pelo menos vai estar descansado dessa família incrível — Klaus diz sua opinião.

Cinco acena com a cabeça, voltando para o outro quarto com Diego. Eu passo um pouco mais de tempo olhando meus irmãos. Não pretendo frequentar esse hotel, então talvez não vamos nos ver tanto. Dou meia volta para sair do quarto e logo sinto um braço gigante e musculoso em meu ombro.

Luther se apoiou em mim e está me levando para o corredor, olhando para os lados procurando alguma coisa. Ele encontra um banco acolchoado, e senta apressadamente lá, me levando junto.

— Amber, me fala como você lida com a rejeição.

Quê?

É tão repentino que tenho vontade de rir. Mas também me sinto ofendida pela visão que ele tem de mim.

— Eu não fui rejeitada.

— É, mas você deve saber alguma coisa. É a Número Oito, já foi recusada algumas vezes na vida.

— Quem tá te rejeitando, loirinho?

Luther aperta os lábios, os olhos azuis tão dilatados que estão quase pretos. É a carinha de cachorro abandonado dele.

— Allison?

— É.

— Poxa, Luther, ainda nessa? — Eu digo, como se minha vida também não tivesse parado por um amor de infância que retornou.

— Mas é que ela vai voltar pra Los Angeles, e eu tentei de tudo. Ela não quer ficar. O que eu faço?

— Ela tem uma filha. É claro que vai voltar por ela.

— Mas… — Luther tenta, e bebe alguns goles da garrafa. — Eu não posso deixar ela ir, Amber, vou perder ela de novo.

O tom choroso dele começa a aparecer, enquanto ele apoia sua cabeça lentamente em meu ombro.

— Por que não vai com ela? Tenho certeza que ela vai precisar de um apoio, agora sem voz.

Escuto Luther fungar. O que é engraçado, considerando o tamanho desse homem chorando em meu colo. Ele olha para mim, os olhos brilhando de esperança.

— Verdade. Por que não pensei nisso?

— Porque você é burro.

— Ela pode até gostar mais de mim, né? Por ajudar ela.

— Quem sabe.

Luther passa seus braços enormes ao redor de mim, me esmagando com seu abraço. Eu solto um grunhido para afastar ele, mas a felicidade do loirinho é forte demais. Ele me encara, parecendo grato, mas nunca vi ele assim por minha causa.

— Nem sei porque você está me ajudando. Eu sempre fui um merda com você.

Pelo menos ele sabe.

— Nós renascemos ontem. Não quero desperdiçar o resto da minha vida brigando com você.

Luther pisca algumas vezes, e apoia sua mão na minha.

— É, também não quero brigar com você.

— Que bom, fizemos as pazes. — Falo, avisando em seguida quando vejo ele se aproximar: — Não vou te abraçar.

— Ei!

— Você tá fedendo a álcool.

Ele ri, bebendo mais um pouco do conteúdo da garrafa. Passando de um quarto ao outro, Allison e Cinco conversam casualmente, ela usando o bloco de notas. Eu não consigo parar de notar a similaridade.

— Acho que somos parecidos.

— Em quê? Em sermos as extremidades? Eu o primeiro e você a última?

— Também. Mas nós nos apaixonamos por pessoas difíceis, e que gostam de brincar com a gente.

— Nossa… Você tá bem? — Ele solta outra risada. — Nisso aí somos idênticos.

— Nós somos os que aceitaria qualquer condição para ficar com quem gostamos.

Luther somente balança a cabeça, em concordância. Ele inclina sua garrafa para mim e eu pego, dando um gole. Allison e Cinco realmente têm um poder sobre Luther e eu. Aqueles dois poderiam fazer um inferno em nossas vidas que nós ainda continuaríamos apaixonados.

Allison se casou e teve uma filha, mas ainda mexe com os sentimentos de Luther. Cinco foi embora me prometendo o mundo, e ainda mexe pra caralho com meus sentimentos.

— Saúde — Luther diz, melancólico, me vendo acabar com a garrafa. — Chega, maninha. Você vai dirigir.

— Não seja por isso — A voz de Cinco surge atrás de mim. — Eu dirijo.

— Você não vai tocar no meu carro de novo.

— Então precisamos ir agora, antes que você invente de pegar outra garrafa — Cinco tira a bebida da minha mão, esperando eu levantar.

— Tchau, Amber. Espero que você encontre alguém que não brinque com seus sentimentos — Luther diz, emocionado, as palavras saindo uma por cima das outras. Eu aceno, desejando o mesmo para ele.

Bem baixinho, escuto Cinco desdenhar com uma risada, agarrando o meu braço em seguida. No quarto, Cinco e Diego dividem o peso do corpo de Viktor, em seguida desaparecem com o teletransporte de Cinco.

Ou vão descartar Viktor num terreno baldio, ou estão levando para o meu carro, e é para lá que estou correndo. Quando chego no estacionamento do hotel, só encontro Cinco fechando a porta traseira do meu carro.

— O que houve?

— Eles não querem pagar a hospedagem de alguém morto. Viktor pode ficar na sua casa por enquanto?

Eu tenho escolha?

— Pode.

— Ótimo. Então agora sou eu e ele.

Eu cruzo os braços, me apoiando na porta do motorista. Fingindo estar confusa, inclino a cabeça para o lado, talvez querendo que ele explique porque simplesmente não trocou de lugar com Viktor.

— É, Amber. Se ele acordar, eu quero estar perto. — Cinco se aproxima de mim, segurando meu queixo. — Ele não sabe que você é a que mais se importa com a vida dele. Era você quem estava matando ele, e é isso que ele vai lembrar.

— Ah, ele vai querer se vingar? — Eu digo, duvidando.

— Seja lá o que ele queira fazer, eu não vou deixar.




⦿ 2.659 palavras

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vcs sabem que o apocalipse é daqui 8 dias né?

há 5 anos, Cinco tava voltando pra dar essa linda notícia 😍

bjs curupiras idosos 💛

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