𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 20
CAPÍTULO 20
17 anos antes
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Jamais achei que diria isso um dia, mas estou ansiosa para voltar a treinar. Fui a primeira a chegar e estou balançando o meu pé, inquieta, esperando começar. Vejo todos os meus irmãos entrarem, um atrás do outro, com a mesma expressão que eu costumava a ter.
Nós nos organizamos numa fila e em ordem crescente, esperando Pogo dar a nossa atividade. Ele abre a pasta que Reginald guarda nossos treinamentos e leva um tempo para anunciar:
— Vocês deverão fazer duplas de acordo com a sua posição oposta, e vão treinar lutas de rotina, sem super poderes.
— Eu não entendi — Diego cochicha. Não é nenhuma surpresa que ele não tenha entendido. Pogo escuta, então simplifica a explicação para o cérebro mal desenvolvido de Diego compreender.
— As duplas são: Luther e Amber; Diego e Ben; Allison e Cinco; e Klaus… seu parceiro é o primeiro que vencer.
De repente, o treino não parece mais interessante. Essa lógica de duplas não faz sentido, ao menos que Reginald queira que briguemos de verdade, porque é o que vai acontecer comigo e com Luther.
Eu e o loirinho ficamos em um canto da arena, enquanto as outras duas duplas encontraram o seus lugares. Nós nos posicionamos, os punhos fechados na frente do rosto, esperamos o apito tocar.
— Preparada para quebrar o nariz de novo, Amber?
— Você não pode usar seus poderes.
— Eu nem vou precisar.
Minha dupla deveria ser qualquer uma, menos o Número Um. Ele é o primeiro e eu sou a última, nossos níveis de egocentrismo não são os mesmos. O som do apito ecoa na arena, e não gastamos nem o primeiro segundo para começar os golpes.
Tento acertar o rosto de Luther, mas ele desvia. Com isso, recebo uma cotovelada em minhas costas. Não tão forte para me fazer perder, mas forte para tirar meu equilíbrio. Dou meia volta e dou um chute na barriga dele, afastando-o alguns metros de mim.
Retomamos nossas posições e tentamos atingir nossos socos como se estivéssemos em uma luta de boxe, no entanto, aqui nenhum dos dois acerta. Quando o loirinho tenta me acertar com seu punho esquerdo, eu me abaixo, passando rapidamente para as suas costas e envolvendo seu pescoço com meu antebraço. Ele é mais alto que eu, e estar curvado para trás assim não lhe dá vantagens.
Luther está totalmente imobilizado.
— Quem ganhou, loirinho? — Eu provoco, enquanto ele tenta soltar meu braço de sua garganta.
Eu devia ter ganhado. Passado para a próxima fase e continuar com o treinamento. Porém Luther usou sua super força, me dando uma cotovelada na barriga. Eu perdi o ar, soltando ele por instinto, tentando respirar. Qualquer soco no estômago tira o fôlego de qualquer um, mas a pancada de alguém que tem força para mover um ônibus sozinho, é ainda pior.
Quando foi que ele aprendeu a jogar sujo? Isso não estava dentro das regras. Eu preciso apoiar minhas mãos nos joelhos e respirar fundo. Reaprender a respirar. Encontrar brechas para expirar, enquanto não consigo parar de tossir.
— Olha o que fez com ela — uma voz surge entre a minha dupla. Cinco está com os braços cruzados e um olhar de pena. Eu ainda estou tossindo. — Pogo, o Luther trapaceou!
Cinco disse alto o suficiente para Pogo escutar e se aproximar. Cinco conta que viu quando Luther usou seus poderes para me atingir, sabendo que eu já tinha ganhado nossa luta. Eu poderia me defender usando a minha própria voz, mas ela mal sai.
— Número Um, você está desclassificado. — Pogo declara, apontando o banco para Luther sair da área de treinamento.
— Qual é?! — O loirinho reclama, irritado ao ver Pogo ir embora sem lhe dar espaço para argumentar. Em seguida, Luther diz para Cinco: — Dedo duro do cacete.
— Se você fosse bom, não precisaria trapacear.
— Essa briga não era da sua conta! Nem era pra você estar aqui.
— Eu ganhei da Allison e vim assistir — Cinco solta os braços, avançando para cima de Luther e apontando seu dedo para mim — Caramba, olha o que você fez no primeiro treino dela depois do acidente, admite que foi covarde!
— Ela fez cena, nem foi tão fort…
— Vai se foder, Luther — Eu exclamo, assim que consigo recuperar minha voz. Não dá para dar ouvidos a quem não tem noção do estrago que seu poder faz. E que não sabe perder.
— Crianças, não briguem! E os ganhadores, voltem para o centro da arena para a próxima fase — Pogo intervém, afastando Luther de Cinco, acompanhando o Número Um até que ele esteja no banco.
Eu, Cinco, Ben e Klaus nos alinhamos no centro, com as mãos para trás, esperando descobrir quem será a nossa próxima dupla. De vez em quando, ainda preciso tossir involuntariamente devido a cotovelada de Luther. Queria poder ver a marca que deve ter deixado em minha barriga.
— Bem, os números de vocês serão sorteados e… — Pogo começa a falar, na mesma hora que Reginald interrompe, entrando na arena.
— Esta atividade está cancelada.
Nós nos entreolhamos, confusos com a mudança de planos. Eu estava mesmo animada para saber com quem eu iria lutar, e se eu ganharia. Reginald anda apressadamente até nosso grupo, ficando de frente para nós, com um caderno debaixo do braço.
— Número Oito, que bom que está de volta aos treinos. — A voz extremamente alta e ríspida dele fica três vezes pior na arena. — Teve bastante tempo para descansar, agora precisa correr atrás das aulas perdidas. Você é a mais atrasada aqui, sabe o que é isso?
Sim, penso nisso desde que eu me machuquei.
— Sei.
— Pois bem. Hoje quero acompanhar de perto seu progresso. — Reginald dá alguns passos para ficar de frente para mim, tão perto que preciso olhar para cima. — Número Oito, você sabe fazer algo que não foi apresentado para mim?
Eu não sei o que responder. Se eu disser a verdade, ele vai me dar uma bronca, se eu mentir, ele também vai me dar uma bronca. Acho que é melhor eu mentir e manter o meu segredo com Cinco.
— Não.
Reginald aperta os olhos, desconfiando de mim. Depois do que Cinco me falou, sobre ele colocar sensores, provavelmente acha que estou mentindo agora. E estou.
Todos os outros ganhadores são mandados para o banco, e eu fico sozinha no centro da arena assistindo um carrinho de limpeza andar em minha direção. Grace está o carregando, e deixa o carrinho do nosso lado.
— Número Oito, faça um desses objetos desaparecer.
Caramba, como vou fazer isso se eu nem treinei nos últimos dois meses? Eu não tenho escolha. Não posso recusar. Apenas aperto meus punhos e me concentro em um dos produtos.
Eu imagino ele desaparecendo, e uso os meus poderes o máximo que posso, tentando criar um campo do meu poder ao redor do produto. Devia ser fácil, não é? Eu faço um campo invisível ao redor de mim, de Cinco, por que seria difícil criar ao redor de outra coisa? Tocar seria bem mais fácil.
Fecho os olhos e faço mais força.
Minhas mãos já estão formigando, mas não posso parar.
— Muito bem, Número Oito — a voz de Reginald está surpreendentemente animada. Eu já estava pensando em quais palavras ele usaria para dizer o quanto sou um fracasso.
Entretanto, quando abro os olhos, o produto azul que imaginei não está mais visível. Eu devo estar tão chocada quanto qualquer um nessa arena. Grace está batendo palmas para mim e, pensando demais sobre o meu novo avanço, me desconcentro do objeto, que volta a ficar visível. Mas eu consegui. Finalmente posso deixar algo invisível sem precisar tocar.
— É um ótimo progresso. Será que você pode fazer o mesmo enquanto mantém um contato físico com o objeto? — Reginald pergunta. Seu tom é todo montado para me fazer perceber que ele já sabe do meu segredo. — Tente, Número Oito.
Eu suspiro, olhando diretamente para ele. O que parece é que estamos numa guerra silenciosa, onde ele já sabe do que eu sei fazer, mas dá ordens como essas para descobrir se vou mentir na sua cara.
Eu chego mais perto do carrinho, e toco no produto de embalagem azul. Finjo fazer mais força que o necessário, e uma hora ou outra, o produto se torna invisível aos nossos olhos. Escuto palmas vindo dos bancos, porém não confiro para saber de quem são porque estou encarando Reginald.
— Parabéns. Você… evoluiu, Número Oito. — Os olhos dele intactos do começo ao fim só dizem uma coisa: Eu já sabia.
Sua mudança de atividade de última hora e avaliação só mostra que ele entrou nessa arena para comprovar sua teoria sobre mim. Reginald dispensa a todos. Provavelmente, depois disso, ele vai instalar sensores de calor e movimento. Vai fazer isso para nos manter ainda mais trancados.
Eu e meus irmãos saímos da arena, todos exaustos. Allison ficou feliz por mim e até me deu um abraço, dizendo que voltei mais forte depois do acidente. Eu pego meu uniforme e tomo um banho, querendo me ver livre do traje de treinamento o quanto antes. Assim como imaginei, há um círculo vermelho, quase roxo, em minha barriga, perto das minhas costelas.
Luther deveria ver isso antes de dizer que eu fiz cena. Na verdade, eu acho que eu tinha que dar um soco nele também.
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Depois do almoço, corri para o quarto de Cinco. Corri bastante porque agora posso fazer isso. A porta estava aberta, então eu entrei de uma vez, criando uma melodia, uma dança, e batendo palmas entre elas.
— Eu. Posso. Sumir. Com. As. Coisas.
— Parabéns, Amber — Cinco fala, indiferente, dando um nó na sua gravata. Os cabelos molhados pingam sobre seu ombro.
— E. Eu. Vou. Sumir. Com. As. Suas. Meias.
— Vai arrumar algo melhor pra fazer.
— Isso não é incrível?! Caramba, vai ser tão útil nas missões — Eu suspiro, me jogando na cama dele. — Bem, eu ainda não consigo fazer perfeitamente, mas eu posso me aprimorar, né?
Cinco caminha até mim, apoiando seus punhos no colchão, ao lado dos meus quadris. Eu não esperava que ele fosse chegar tão perto.
— Estou feliz por você, de verdade.
Seu sorriso leve demonstra isso, mas ainda assim há uma inquietação nos olhos dele. Cinco vai até a sua porta, fechando-a. Começo a ficar ansiosa pelo o que vai acontecer, não me planejei para nada além de perturbar ele com a minha musiquinha.
— Levanta a blusa — diz ele, de uma vez.
— Não acha que a gente tá indo rápido demais?
— Sua barriga, Amber. Quero ver a sua barriga.
Minhas sobrancelhas pulam de surpresa, e até de constrangimento por ter interpretado errado. Seguro a barra do meu blazer, junto com a camiseta embaixo, e os arrasto para cima. Tomo cuidado para não levantar demais, porque Cinco não perderia nenhuma oportunidade.
— Que babaca… — ele murmura quando vê o hematoma perto da minha costela. — Você devia fazer uma reclamação, sei lá. Luther com certeza teria uma punição.
— A gente tava em um treino. Não adianta. Ele é o Número Um, sempre vai se achar melhor do que eu.
Os dedos dele passam de leve por cima da mancha, quase não sinto e nem dói. No entanto, a ponta de seus dedos saem de perto do hematoma, seguindo uma linha reta até minha cintura, e agora ele me faz arrepiar em cada centímetro que avança. Eu solto o meu blazer e camiseta, cobrindo a mão de Cinco firmada em mim.
— Ele sabia do avanço dos seus poderes — Ele diz. Não precisa citar o nome para eu saber de quem está falando. — Não é mais um segredo nosso.
Posso sentir quase o corpo inteiro dele colado ao meu, e isso me desconcentra bastante de tudo o que ele esteja falando.
— Ia acontecer de qualquer forma.
— Agora os idiotas vão querer ficar invisíveis com você. Eu não gostei.
Posso dizer que isso é ciúme pelo nosso método único e infalível de invadir lugares?
— O que mais é só nosso? — Ele pergunta, melancólico, como se tivéssemos perdido tudo o que nos tornava exclusivo. Agora eu percebo que essas coisas estão escorregando entre nossos dedos, e não há nada que possamos fazer.
Eu não tenho resposta.
Talvez uma, mas seria arriscado dizer em voz alta.
— Isso — eu digo, movendo meu indicador para o pouco espaço que nossos rostos encontram-se. — Isso deve ser o maior segredo.
— Ah, é?
— Sim. Ou eu posso contar pra alguém?
— Você não é nem maluca.
— Então é um segredo eterno.
— Atemporal.
— Pode ser, também.
A mão dele se estende para as minhas costas, ainda sentindo a minha pele. Arrisco dizer que nunca estivemos tão perto, já que antes eu mal ficava de pé sem uma muleta. Agora posso colocar meus braços sobre os ombros de Cinco, chegar perto de seu cabelo molhado e sentir seu perfume. É tão bom.
A boca dele chega mais perto de mim, e eu até fecho os olhos, mas sinto ele beijar… a minha bochecha. Não sei que vício é esse que cada vez mais quero sentir ele, explorar mais dele. Ao ponto de ficar frustrada por seus lábios estarem na minha bochecha e não na minha boca.
Com um pouco de ousadia, eu seguro o seu rosto para incliná-lo até minha boca, porém Cinco desaparece dos meus braços nesse instante. Eu bufo, mantendo uma pose ridícula por meio segundo antes de ele aparecer na sua escrivaninha, de costas para mim.
— Tenho muito dever hoje — Cinco diz, como uma justificativa. Ainda não consigo saber se é verdade, poucas vezes escutei ele dizer isso.
— Quer ajuda?
— Eu não preciso. Mas… — Ele retira seu caderno de história. — Eu posso deixar isso aqui tudinho pra você.
Eu abro o caderno, ficando apreensiva a cada página que viro e não tem conclusão dos exercícios.
— Caramba, tá acumulando há quanto tempo?
— Sei lá. Desde que você decidiu quebrar a perna.
— Ah, então você trocou seus deveres de história e sociologia para ficar comigo em tempo integral? — Pergunto, retoricamente. — Beleza, é justo, vou te ajudar.
— Valeu.
— Nunca esperei isso de você, sabia…? — Eu murmuro, balançando a cabeça, voltando as páginas para a primeira questão. — Você era um exemplo.
— Você é a menina mais chata que eu conheço.
— Você não conhece muitas meninas.
— Será que você pode só responder as questões? — Cinco aponta, começando a ficar irritado.
Eu me sento de pernas cruzadas na cama, enquanto ele está concentrado em outra atividade na escrivaninha. Acho que ficamos uma hora em silêncio, respondendo as questões nos cadernos, vez ou outra tirando dúvidas em voz alta. Talvez o caderno que ele me deu tinha menos questões, porque eu terminei primeiro.
Eu levanto da cama e apoio seu caderno no espaço vazio da escrivaninha. Cinco está tão focado no seu lápis que só percebeu a minha presença quando viu o caderno ao seu lado.
— Eu terminei.
— Obrigado — Ele abre um sorriso leve. Eu imito o seu gesto e começo a me afastar.
Nós estávamos em silêncio há muito tempo, talvez seja melhor eu deixar ele terminar as lições e encontrá-lo à noite. Porém, enquanto estou indo embora, Cinco segura a barra da minha saia, me puxando para trás.
— Vem cá.
Ele solta a barra e inclina seu braço em direção ao meu rosto. Ah, finalmente. Eu me abaixo para alcançar a boca dele, surpresa mas sem perder a chance. Aparentemente, um beijo de verdade vale trinta questões de história. Eu encosto meu lábios nos dele, e os selo algumas vezes.
Está se tornando tão natural. E tão bom. Tenho medo de cometermos uma falha e fazer isso após um treinamento, ou no meio de uma missão, ou quando der vontade. O que é perigoso, porque tenho vontade toda hora.
É que os olhos dele são atraentes demais. E as expressões que ele faz, a maioria me irrita, mas eu gosto tanto. Ele cuida de mim e me defende na mesma medida que me detesta. Eu não me lembro mais como é olhar para Cinco sem ter meu coração disparado e ter vontade de beijá-lo.
Algum dia esse sentimento vai acabar? Espero que não. Eu amo gostar dele.
— Eu já estou terminando. Você parece cansada, gatinha, pode deitar aí.
— É, acho que vou tirar um cochilo. Me avisa quando terminar.
Eu vou até a cama dele e me deito, puxando o cobertor até a minha cintura. O travesseiro dele, o cobertor, os lençóis, tudo aqui tem o cheiro dele. E o cheiro do gel de cabelo que ele passa, chega a ser engraçado.
Eu o observo anotar respostas em seu caderno, mas meus olhos não se sustentam por muito tempo. Eu descanso os olhos e imagino até onde vamos levar isso. Eu não gosto só do que fazemos, da experiência nova e curiosa, estou gostando dele. Da personalidade peculiar dele.
Isso me assusta. Ele disse que gosta de mim e demonstra isso, mas será que já estou entregue o bastante para ele brincar com os meus sentimentos? É tarde demais para voltar atrás, já estou apaixonada, seja lá o que esse sentimento signifique.
Você conseguiu, Cinco. Me conquistou.
⦿ 2.830 palavras
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esquece Amber, vapo 🙅♀️
o que vcs acham de capitulos grandes assim? cansativo? pq tem mais vindo
bjs curupirinhas 💛
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