𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 16
CAPÍTULO 16
17 anos antes
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— Olha o aviãozinho! — Cinco pega o meu garfo com um pouco da comida, inclinado ele em direção à minha boca.
Eu quebrei a perna, e não o braço, mas Cinco insiste em me ajudar em absolutamente todas as tarefas. Algumas ele só faz para tirar com a minha cara, que expressa a maior vontade de poder correr atrás dele e puxar seus cabelos.
— Idiota.
— Come logo, Amber. A gente tem que ir pra biblioteca.
Eu tomo o garfo da mão dele, continuando o meu jantar.
— Eu fiz um cachorrinho! — Ben vira-se para mim, seus olhos como meias-luas, feliz com o desenho que deixou no gesso. Eu me abaixo para ver minha perna e encontrar o cachorrinho.
— Que lindo, Ben.
— Deixa eu desenhar também? — Cinco pede. Sem esperar pela resposta, ele toma a canetinha verde da mão de Ben.
— Não.
Não confio em Cinco, ele pode desenhar algo obsceno. É pelo mesmo motivo que não deixo Diego e Klaus desenharem em mim. Ben pega a caneta de volta, dizendo que irá devolvê-la para Allison, e então sai do meu quarto.
— Você vai ver. Se algum dia eu me machucar, também não vou deixar você desenhar. — Cinco me dá as costas, abrindo o meu armário para bisbilhotar o que tem dentro. Eu solto uma risada descontraída, voltando para o meu prato.
Assim como disse semanas atrás, Cinco apareceu todos os dias pontualmente para lermos gibis depois do almoço, e ficava comigo lá o máximo que podia. Era como se quisesse repôr o tempo perdido dos dias em que ficamos afastados.
Ele acompanhava minha sequência de remédios, e quando eu estava de cadeira de rodas, nós íamos escondido para o jardim. Cinco dizia que a qualquer momento ele me derrubaria da cadeira em alta velocidade, propositalmente. Eu senti um medo genuíno pela minha vida.
Ainda bem que agora posso me locomover sozinha. É um pouco difícil usar as muletas, mas pelo menos não tenho Cinco ou Diego no controle do meu caminho, levando minha cadeira para todo canto. Se alguma coisa boa surgiu da minha lesão, foi que Cinco e eu estamos mais próximos. E próximos até demais.
É um pouco estranho, mas às vezes eu imagino como seria se ele gostasse de mim. Num outro sentido. Acho que eu queria que ele gostasse de mim como ele gostaria de qualquer outra garota. Parece que eu estou em uma busca constante pela sua aprovação e admiração.
— Terminou? — Ele pergunta, fechando o meu armário.
— Sim — eu deixo o meu prato na mesa de cabeceira. — O que você quer na biblioteca essa hora? Eu perdi algum trabalho?
— Não, eu quero procurar alguns livros de física — ele responde, indiferente. Eu noto alguns sinais de que seus estudos para viajar no tempo estão progredindo, mas não digo nada porque sempre acabamos discutindo. — Quer ajuda pra ir mais rápido?
— Depende. Você vai me teletransportar ou me deixar apoiar em seu ombro?
— Não sou seu meio de teletransporte particular.
— Então não preciso da sua ajuda.
Eu pego as muletas ao lado da minha cama, uso elas para me levantar, e me locomover para fora do quarto. Cinco é sem paciência, então andou na minha frente e chegou na biblioteca primeiro que eu. Quando eu finalmente passo pelas portas da biblioteca, ele já está com quatro livros nos braços, passando de um corredor para outro.
— Fecha a porta, vão perceber que estamos aqui — Cinco diz para mim, levando sua pilha de livros para a mesa de estudos. Apesar de não ser proibido passar o tempo livre na biblioteca, se souberem que estamos aqui, vão tirar nossa privacidade, então eu faço o que ele pede.
Eu ando com a ajuda das muletas até a mesa onde ele está, e sinceramente leva muito tempo porque Cinco escolheu a mesa mais longe que tem aqui. Foi proposital. Eu deixo as muletas ao lado da mesa e me sento no banco. Com um sorriso arteiro, Cinco muda de lugar para sentar ao meu lado, ou só porque o banco acolchoado é melhor mesmo.
— Isso aqui foi tudo o que eu encontrei — Cinco puxa a primeira pilha de livros para si, retirando o livro do topo e abrindo-o. Antes que eu pergunte o que estou fazendo aqui, já que não tenho nenhum dever pendente, ele diz: — Eu só quero te mostrar que os cálculos não são tão difíceis quanto parece.
— São, sim.
— Não são.
Eu estalo a língua. Ele não vai conseguir me convencer que o seu plano de viajar no tempo é algo seguro, é como eu tentar convencê-lo que comédias românticas são boas.
Enquanto ele transcreve o que encontra no livro para o seu caderno de cálculos, eu penso e me preocupo com minha situação atual. Estou cansada de ficar em casa e ver todos os meus irmãos irem para as missões, e vê-los voltando e comentando sobre como foi. É assim que Viktor se sente?
Se com apenas algumas semanas eu estou angustiada o suficiente para não me sentir parte do grupo, não sei como Viktor passa todos esses anos nos suportando. Eu faço o meu melhor para incluí-lo e fazê-lo se sentir bem, mas não sei se substitui o fato de ele não pertencer a este lugar.
Agora sei como ele se sente.
Com sorte, eu posso voltar a andar no próximo mês, e assim pelo menos nos treinos eu vou participar. Sinto falta de estar na arena, e descobrir mais sobre como evoluir os meus poderes. Será que vai demorar para eu fazer algo diferente de só me camuflar? Cinco vai estar aqui para ver? Eu quero que esteja.
— Tá vendo? Eu consegui resolver essa equação. Não é difícil — Cinco vira-se para mim, contente, seu sorriso quase deixando suas covinhas em evidência. Eu gosto delas, combina bastante com ele. E com os olhos verdes dele. E com a boca. Gosto do rosto inteiro dele. — Olá? Amber?
Eu pisco meus olhos rapidamente, parando de admirar os detalhes.
— Ah. Parabéns. Você acertou 48 de 50 questões. Gênio.
— Valeu, gatinha.
Ele sempre me chamou assim, mas porque agora tenho frios na barriga? Por que eu quero estar mais perto dele? Eu tenho tantas perguntas. Não sei o que acontece comigo quando estou perto dele. Parece que o meu corpo sente falta de algo que já fizemos, e que foi enterrado para nunca mais tocar no assunto. A única coisa que eu me lembro é da sensação de Cinco querer mais de mim. Eu gostei daquilo.
Não sei como quero beijá-lo de novo se não foi bom da primeira vez. Será que é a mesma curiosidade que ele sentiu no dia do nosso aniversário? Se sim, é sufocante.
— Acertei mais uma!
Eu o ignoro. Estamos aqui há quarenta minutos e Cinco não percebe que só estou olhando para ele. Que não peguei nenhum livro para me distrair, porque vê-lo estudando super concentrado já me entretém o suficiente. Queria poder segurar o rosto dele e testar se nosso beijo foi ruim porque foi o primeiro. Eu não sabia que sentir esse tipo de atração também seria lutar contra atitudes impulsivas como essa.
— Por que você tá com essa cara? — Ele me pergunta, me tirando dos meus pensamentos. Finalmente percebeu algo além dos números em seu caderno.
— Só estou com sono — minto, piscando os olhos com preguiça para credibilizar minha fala. Talvez funcione, já que minha utilidade aqui é só vê-lo estudando.
Cinco fica pensativo, encarando sua pilha de livros. Ele fecha todos os livros abertos com um baque, em seguida seu caderno também, e vira-se para mim para oferecer total atenção.
— Sabe o que eu acho?
— Não.
— Que a gente devia sair um dia. Se você quiser — Cinco diz a frase soando com naturalidade, mas suas bochechas começam a ficar vermelhas quando essas palavras começam a ter um sentido mais profundo. Eu acho que estou ficando igual. — Deve estar com saudade de ir lá fora.
— É, eu estou.
— Vamos no sábado?
— E vamos fazer o quê?
— Sei lá. O que tá com vontade de comer?
Eu penso um pouco.
— Jujuba. Pizza. Donuts. Sorvete. Chocolate. Hambúrguer. Bolinhos. Jujuba. Batata frit… — Eu levanto um dedo para cada item.
— Você falou jujuba duas vezes.
— É que eu quero mais.
— Tá bom, até lá você escolhe um da sua lista.
— Só um? — eu pergunto, decepcionada. Depois de semanas me alimentando de mingau e sopa, quero comer tudo isso.
— Eu só consigo pagar um desses pra gente — Cinco diz, num tom que parece estar se desculpando.
Ele quer pagar para mim? É gentileza demais para alguém que constantemente puxa o meu cabelo. É um encontro? Bem, se não fosse, o Cinco que eu conheço não se importaria com o dinheiro, porque sabe que tenho dois meses de mesada acumulada e posso tranquilamente pagar minha parte.
— Você não precisa, eu tenh…
Cinco me interrompe.
— Eu sei, mas eu quero.
Eu gosto da versão cavalheiro dele, tanto quanto eu gosto das suas covinhas. Elas estão ficando maiores agora que Cinco percebe que estou olhando. Ele é tão… qual é mesmo a palavra? Quando quero estar junto com ele e o mais longe possível ao mesmo tempo. Eu não sei. Mas sou incapaz de me conter.
Me inclino sobre o espaço entre nós e seguro o rosto dele, com as duas mãos, com tanta possessão nelas que não me reconheço. Trago o rosto dele para mim na mesma medida que me aproximo, até juntar nossas bocas. Ele que fez isso da primeira vez, então não sei se estou fazendo certo quando me afasto um pouco para beijá-lo de novo.
Não está sendo como da primeira vez, está diferente. Se der errado e Cinco não gostar, posso dizer que me empolguei em agradecer pelo convite. Meu pequeno momento de realização acaba quando Cinco se afasta depressa.
— O que é isso, garota?!
Ah, não. Eu achei que estava dando certo.
— Você não sabe? — Digo, com ironia. Acho que vou ter que usar minha desculpa esfarrapada.
As sobrancelhas dele se juntam, o olhar totalmente confuso. Se eu conheço bem as expressões dele, não está bravo. Cinco respira rapidamente enquanto verifica a porta da biblioteca.
— Faz de novo — ele pede.
Antes que ele mude de ideia, eu chego mais perto no banco, apoiando minha mão em seu ombro enquanto pressiono nossas bocas. Tento ir devagar agora, encontrando inclinações que nos encaixe melhor. Está sendo bom para mim. Estou gostando de senti-lo de novo, e comprovando que todo esse tempo o que eu sentia era saudade.
Saudade de como o calor de seu corpo é confortável, e em como sua boca é macia. Cinco acariciou meu cabelo delicadamente, e se eu soubesse que seria tão bom, teria feito antes. Nós nos separamos para recuperar o fôlego, esse beijo foi consideravelmente melhor que o outro. Eu me pergunto se isso é só o começo, se tem como melhorar.
— Foi só pra testar — eu falo, garantindo um clima agradável.
Cinco não oferece nenhum comentário sobre o que eu fiz, mas é notável sua feição tranquila. Quero acreditar que ele também gostou.
— Eh… temos que voltar. Já está na hora de dormir. — Cinco usa o seu teletransporte para guardar os livros no lugar, e quando volta, me ajuda a levantar do banco.
Caminhamos até meu quarto lentamente pela minha condição, e assim que chegamos, Cinco pegou o meu pijama no armário, dizendo que era para me poupar de andar pelo quarto sem necessidade.
— Tá aqui — ele deixa em cima da minha cama. — Boa noite. Não esqueça dos remédios.
Ele se aproxima para me dar um abraço rápido, mas eu o seguro por mais tempo. Já é raro demais um gesto como esse. Cinco me aperta contra o seu corpo e beija em minha bochecha, depois saindo pela porta como se não tivesse feito uma bagunça com os meus sentimentos.
Eu posso ter negado por muito tempo, mas nunca fiquei sorrindo com o coração à mil quando Cinco deixava o quarto. Nunca senti nada assim antes. Tenho que admitir: acho que eu estou apaixonada.
⦿ 2.000 palavras
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Cinco justificando os estudos dele:
deixem aqui se vcs querem 2° temporada de Segredo Atemporal, vai ser importante ra definir os próximos capítulos (ou não
bjs curupiras divônicos 💛
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