𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 15

CAPÍTULO 15


2 dias para o fim do mundo

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Meu sono foi mais pesado do que eu queria. Eu planejei oferecer café da manhã para Cinco, quando ele acordasse, mas acho que ele fez isso primeiro. A cama estava vazia quando acordei.

Desço as escadas, acompanhada de Klaus que não para de tocar um sino barulhento. Ele me convida para um café na cozinha, dizendo que é reunião de família e que tem algo importante para dizer.

Entrando lá, encontro a mesa posta para todos nós, Luther e Cinco sentados um do lado do outro, em silêncio. Klaus começa a servir as xícaras com café. Cinco está de costas para mim e, arriscando chegar por trás, eu coloco minhas mãos em seu ombro, tentando trazer sua atenção. Eu poderia levar um golpe no rosto ou uma reprovação, mas Cinco parece igualmente surpreso ao me ver.

— Você está bem? — eu pergunto, dando um leve aperto em seus ombros, me sentando na cadeira ao lado. É bom vê-lo acordado de novo, eu não sinto aquela pressão sobre o estômago. — Você não tava na cama.

— Estou melhor. Obrigado por… se preocupar.

— Devia ter me contado. — Eu dou um sermão, junto com um chute em seu pé. Ter ficado quieto sobre seu ferimento certamente nos atrasou na missão.

Ele balança a cabeça, acatando meu sermão, e logo dá um gole no seu café. Cinco contorce seu rosto, fazendo uma careta ao sentir o gosto, e expressa o quanto deseja matar alguém para ter um café decente.

— Dá pra começar, por favor — pede Luther.

— Alguém aí viu os outros? Diego, Allison… não? — Pergunta Klaus, olhando rapidamente para cada um de nós, que negamos em sincronia. Eu sei que na verdade a dupla em questão está indo atrás do responsável pelo fim do mundo. — Então isso é o mais próximo de uma reunião de família que a gente vai conseguir ter aqui, né?

Ficamos em silêncio, como se tivéssemos combinado deixar Klaus falar sozinho. Eu, particularmente, estou mais interessada no lugar vazio na minha frente, que está sobrando, mas mesmo assim Klaus serviu café. É misterioso.

— Prestem atenção, não tem jeito fácil de dizer isso, então eu vou falar logo — Klaus respira fundo antes de continuar. — Ontem à noite eu falei com o papai.

Nos entreolhamos na mesma hora. Cinco parece curioso com a revelação, e Luther não está querendo acreditar. Acho que eu entro para o time do Luther.

— Achei que tinha dito que não conseguia invocar ninguém há anos — eu digo.

— É, eu sei, mas eu tô sóbrio. Tadam! Eu fiquei puro, ontem, pra poder falar com alguém especial e acabei tendo essa conversa com o nosso querido pai em pessoa.

— Algum de vocês tem aspirina? — Luther pergunta, as mãos ao redor da cabeça e tratando as palavras de Klaus com indiferença.

— Ali em cima, do lado do biscoito — Cinco responde.

— Ô, é sério, gente. Isso aconteceu de verdade, eu juro pra vocês.

— Tá legal, eu vou brincar. O que é que o velho tinha pra dizer? — Cinco se inclina para frente, com deboche.

— Então, ele me deu aquele sermão de sempre, sobre a minha aparência, sobre os meus fracassos na vida e tal, até aí nada novo. Mas ele falou uma coisa sobre o assassinato dele, ou sobre o não assassinato, porque… — Klaus faz uma pausa, mas não sei se a intenção é fazer suspense ou se ele realmente não consegue dizer. — O papai se suicidou.

O silêncio está presente novamente, e se deve ao fato de ser palavras que nunca veríamos numa mesma frase. Isso aconteceu mesmo? Reginald seria capaz? Ele era tão egocêntrico.

— Não tenho tempo pras suas brincadeiras — Luther resmunga.

— Não, eu tô falando a verdade.

— Então por que ele fez isso? — eu pergunto. Para mim, simplesmente não faz sentido.

— Ele falou que era o único jeito da gente voltar para casa de novo.

— Eu sei que o papai não ia se matar assim. — Luther se levanta, aumentando a voz e se enfurecendo com o relato de Klaus.

— Você mesmo disse que ele estava deprimido. Trancado no escritório, no quarto, o dia inteiro — Cinco vira para Luther, se opondo ao irmão. Luther responde:

— Não tinha nenhum sinal. Pessoas suicidas apresentam certas tendências, comportamentos estranhos.

— Tipo mandar alguém pra Lua sem motivo nenhum? — Klaus interfere, o que não agrada muito Luther, fazendo-o apertar os punhos.

— Eu juro por Deus, Klaus, se estiver mentindo…

— Eu não tô. Não tô, não.

— O Sr. Klaus está correto. — Uma outra voz surge atrás de nós. Me viro depressa, e encontro Pogo apoiando em sua bengala, os olhos caídos. — Lamentavelmente, ajudei o Sr. Hargreeves a executar o plano dele. Assim como a Grace.

Eu e meus irmãos manifestamos expressões diferentes para mostrar como isso nos atingiu de um modo covarde. Me sinto traída.

— Foi uma decisão difícil para nós dois, mais difícil do que poderiam imaginar. — Pogo suspira, a voz rouca demais para continuar. — Antes da morte do pai de vocês, o sistema da Grace foi ajustado para que ela fosse incapaz de aplicar os primeiros-socorros naquela fatídica noite.

— Que velho maluco — Cinco balança a cabeça, murmurando.

— Então aquelas imagens de segurança…? — Eu tento fazer alguma ligação, e dizer tudo isso em voz alta se torna ainda pior.

— Serviam para fomentar o mistério do assassinato. — Pogo revela, e Luther expira desacreditado. — Seu pai achava que, tendo vocês aqui, investigando isso juntos, reacenderia o desejo de serem uma equipe de novo.

— E pra quê? — Cinco pergunta.

— Para salvarem o mundo, é claro.

Klaus ri, sarcástico, e eu ainda não vi a graça que ele viu.

— Primeiro a missão na Lua e agora isso… — Luther diz, um tom quase de choro — Você me viu atrás de respostas e não disse nada. Quer compartilhar mais alguma coisa, Pogo?! Mais algum desses segredos?

— Se acalma, Luther — Cinco exclama.

— Não, eu não vou me acalmar! Fomos enganados pela única pessoa na família em que nós confiávamos.

— Foi o último desejo do seu pai, Sr. Luther. Eu… eu não tive escolha — Pogo lamenta.

Luther caminha lentamente em direção ao Pogo, dizendo com firmeza antes de deixar a cozinha:

— Sempre há uma escolha.

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Estou tirando minhas roupas da mochila e colocando-as na gaveta, provisoriamente. Acho que é mais útil se eu ficar perto dos meus irmãos e não ter que voltar para a minha casa todos os dias para buscar roupas limpas, então eu trouxe boa parte delas. Os uniformes, dezenas deles, todos idênticos, estavam como novos no meu guarda-roupa. Grace os deixou limpos todos esses anos. Espero que Pogo consiga consertá-la, é o mínimo que ele pode fazer depois de ter nos enganado.

Escuto batidas na porta, e rapidamente desfaço o meu sorriso fraco para uma feição séria. Dois toques, uma pausa, outro toque.

— Entra — eu falo alto.

A maçaneta se move. Cinco aparece, curioso, e fecha a porta. Ele ainda está mancando, duvido que vou conhecer alguém mais teimoso que Cinco.

— Desse jeito seus pontos vão abrir — eu digo, dobrando uma peça. — Por que não vai deitar?

— Eu não vou ficar de cama enquanto o mundo está acabando.

— E o que vai fazer, então?

— Bem, eu vim para te recrutar. Klaus vai ser o próximo — Cinco tira as peças perfeitamente dobradas da minha mão e as deixa em cima da cama.

Como se ainda houvesse algo nas minhas mãos, ele as segura, acariciando devagar. Consigo sentir o quanto suas mãos são ásperas comparada às minhas. Queria perguntar se os anos que passou sozinho no apocalipse o forçaram a fazer trabalho pesado, mas não parece o momento apropriado para tal questão.

— Sabe, eu sempre imaginei que você se vestiria assim — Cinco abaixa a sua cabeça, mirando o meu corpo e a pilha de roupas ao lado. Apesar do pequeno sorriso em sua boca, ainda pode ser uma ofensa, vindo de Cinco.

— Assim como?

— Com roupas escuras. Ser estratégica assim é a sua cara — os dedos dele sobem pelo meu pescoço, me arrepiando por onde passa, e terminam segurando o meu queixo com uma leve pressão. Não posso me dar o luxo de perder o fôlego, porque até a minha respiração ele pode sentir.

— Fica mais fácil se eu quiser desaparecer — tentei fingir que não me sinto afetada pela proximidade dele, mas é simplesmente impossível.

— Você fica tão linda.

Um sorriso escapa de mim, e eu desloco minha atenção para uma janela sem graça, só porque parece difícil olhar nos olhos de Cinco agora. Não achei que as pessoas ainda ficariam envergonhadas depois de uma certa idade, já que eu não me sinto assim há um bom tempo. Cinco deve ter a receita perfeita para me atingir como quer.

— Só temos dois dias — ele diz, um tom baixo e nem um pouco aflito. Visto o jeito que está me segurando, aproximando sua mão cada vez mais perto da minha cintura, ele não está dizendo que temos dois dias para salvar o mundo. Temos dois dias para nos expressarmos, caso o mundo acabe mesmo.

— Eu sei disso — confirmo. Eu tive o mesmo pensamento ontem, enquanto via ele inconsciente. Eu sentia a urgência de exteriorizar meus sentimentos antes que seja tarde demais.

Não vou mentir, estou gostando do rumo que a conversa está levando e como não para de aparecer borboletas na minha barriga, no entanto, sei que Cinco pode matá-las num piscar de olhos, com cada decisão que faz. Eu tenho medo de me entregar novamente e ele fazer como da última vez.

Seus dedos saem do meu queixo, se encaixando no meu rosto enquanto seus olhos estão fixos na minha boca. Vez ou outra olhando diretamente para mim para saber se mudei de reação. É difícil não me entregar desse jeito.

— Você lembra do nosso primeiro beijo? — Cinco sussurra, muito perto de mim, sua mão encaixando perfeitamente em minha cintura.

Como não lembrar? Foi o primeiro da minha vida. O primeiro com ele. E foi bem estranho, sendo sincera.

— Lembro. Nenhum de nós sabia beijar — eu solto uma risada esquisita e ansiosa.

— Esse vai ser o nosso primeiro, de novo. E dessa vez você vai gostar.

A mão em minha cintura me puxa contra o seu corpo, adentrando os outros dedos em meu cabelo. Será que está sentindo que estou tremendo? Cinco chega mais perto do meu rosto, devagar, e quando sua boca finalmente encosta na minha, sinto que a maioria dos meus músculos perdem a força. Cinco me tem em suas mãos agora, em todos os sentidos.

Ele me beijou tão suavemente que me fez sentir cada linha dos seus lábios. Os mesmos que já beijei outras vezes, só que agora são maiores. Mais experientes e mais determinados. E mesmo depois de tantos anos, ainda nos encaixamos muito bem. Seus movimentos são fáceis de acompanhar, é como se eu conhecesse essa boca a minha vida toda.

Cinco tenta colar nossos corpos, mas geme com a sua boca na minha ao sentir minha barriga tocar no seu curativo. Esse som acabou com o resto de sanidade que eu tinha. Eu apoio minha mão em seu cabelo e intensifico nosso beijo, sentindo como os fios passam entre meus dedos sem dificuldade.

Mesmo com os meus olhos fechados, eles se enchem e não veem outra saída a não ser comprimir todos os sentimentos que eu tenho agora e expeli-los através de lágrimas. Eu esperei muito tempo para isso. Ninguém antes chegou perto de fazer igual a ele. Estou chorando porque me sinto completa de novo.

Com menos fôlego a cada beijo, Cinco segura a minha nuca e muda nosso ritmo para algo mais desesperado e desafiador. É mesmo um desafio continuar de pé quando ele está com tanta intensidade que posso acabar tombando para trás. Ele percebe isso, e então começa a caminhar lentamente até o lado da parede vazia. Pareceu quilômetros.

Quando minhas costas finalmente se chocam com a parede, ele se afasta da minha boca, respirando fundo e afundando sua cabeça em meu pescoço. Sinto o ar quente de sua boca arrepiar meu pescoço, enquanto meus olhos ainda estão fechados, com receio disso ser parte de um sonho.

Foi tão… certo? Se tivéssemos ensaiado cada passo, nunca teria a mesma fluidez.

— Você está bem? — ele sussurra em meu ouvido, depois de vários minutos em que ficamos apoiados contra a parede. Nossas respirações já voltaram ao normal, mas é só ouvir a voz dele que meu pulso acelera de novo.

— Aham. E você? — eu sussurro de volta, abrindo os olhos pela primeira vez depois de beijar o Cinco. É meu novo marco de tempo. Tudo o que acontece na minha vida agora é definido por antes ou depois de beijar Cinco.

E, depois de beijar Cinco, eu vejo meu quarto antigo por cima do ombro dele. Não é um sonho, ele está mesmo deitado em meu pescoço.

Tô muito bem.

Eu solto uma risada fraca, fazendo a cabeça dele se mexer.

— Não tem graça. Eu não me sinto bem assim há muito tempo — Cinco se endireita um pouco, ficando mais alto para mim.

— Eu também — eu nem me lembro qual foi a última vez que estive tão focada em uma boca, como eu estive na dele. Eu poderia dizer isso a ele, só que Cinco já é egocêntrico demais.

— Eu senti falta disso, Amber. Você não tem noção — a mão dele se apoia em meu cabelo, levando minha cabeça gentilmente ao seu peito. Aqui parece o lugar certo para absolutamente qualquer coisa.

Dentro de mim há uma adolescente que quer esquecer que o mundo lá fora está acabando, e só quer passar um tempo indeterminado nesse peito, escutando essas batidas. Longe de tudo.

— Vamos? Ainda temos uma última missão — Cinco diz, se afastando por completo de mim, uma de suas mãos ainda segurando o meu rosto.

— Vamos. Mas vai ser a última.

Ele balança a cabeça, confirmando e apertando os lábios. Depois de olhar para trás e averiguar se não há ninguém na porta, Cinco diz com pressa:

— Só mais um.

E então pressiona sua boca contra a minha outra vez. Um único beijo longo.

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Tento não sorrir para as paredes, no entanto, é reconfortante saber que não sou só eu. Cinco também está com uma expressão mais leve, sem sua cara zangada, e tirar um sorriso dele deve ser exponencialmente mais fácil agora. Enquanto caminhamos no corredor, ele me dá uma cotovelada, prendendo a risada, porque o que vamos falar para Klaus é um assunto sério.

Mas nós simplesmente não conseguimos ficar sérios. Somos dois idiotas. Dois adolescentes que tiveram o primeiro beijo.

Cinco vai na frente, empurrando a porta de Klaus e o convidando:

— Ei, levanta. Estamos indo.

— Pra onde? — Klaus diz, desanimado, os dedos embolados num novelo.

— Salvar o mundo.

— Ah, tá, só isso.

Assumindo uma feição mais séria, Cinco começa a explicar, tendo que deixar para trás os últimos minutos e focar no apocalipse que já está muito perto:

— O Pogo disse que o papai se matou pra gente se reunir de novo, né?

— E daí?

— Daí me fez pensar. Eu tive que saltar para o futuro pra descobrir quando isso aconteceu, mas o papai não viaja no tempo. Então como o filho da mãe sabia que tinha que se matar uma semana antes do fim do mundo?

— É, você sabe que…

— Não responde. Foi puramente retórico. — Cinco aponta seu dedo, interrompendo o irmão. — A verdade é que a vida inteira ele falou que a gente salvaria o mundo de um apocalipse iminente.

— É, mas eu sempre achei que ele falava isso pra convencer a gente a lavar a louça. — Klaus se levanta da cama.

— Eu também. — Cinco concorda, abismado, andando de um lado para o outro no quarto. — Mas e se o velho realmente sabia que isso ia acontecer?

— E sabia como? — Eu pergunto.

— Não faço ideia. Mas o fato é que o plano de merda dele funcionou, nós voltamos pra casa. E, já que estamos aqui, por que não salvamos o mundo?

— Ah, é? Quem? Eu, você e a Amber?

— Não era essa a minha ideia, mas… eu trabalho com o que tenho.

Tenho que admitir que somos um trio improvável. Mas mesmo assim, nos juntamos e saímos do quarto de Klaus: eu ao lado dele, nós dois atrás de Cinco, seguindo-o porque ele é o único que sabe o que está fazendo. No meio do corredor, damos de cara com Diego, correndo enquanto destrava seu suporte horroroso em seu peitoral.

— Onde você tava? — Cinco pergunta a ele, apoiando o ombro no batente da porta.

— Na cadeia. A história é longa. — Diego diz com pressa, os movimentos rápidos tirando o suporte de seu corpo e colocando outro no lugar, com facas novas e brilhantes. Mal consigo assimilar o fato de ele ter sido preso. — Cadê o Luther?

— Não vejo ele desde o café. — Cinco responde, indiferente.

— Faltam dois dias pro fim do mundo, hora perfeita pra ele desaparecer. — Klaus fala, quase uma risada.

— Merda! — Diego chuta sua mala de lâminas para debaixo da cama, e nos encara quando diz: — A Allison tá em perigo.

Nos entreolhamos, sem querermos imaginar o nível de perigo que Diego está falando. Sem mais nenhuma palavra, corremos para o carro. Buscamos Luther, que estava bebendo um bar deplorável, e seguimos para o endereço da avó de Harold Jenkins. Achamos que encontraremos Allison lá.





⦿ 2.879 palavras

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Cinco não conseguiu esperar até salvarem o mundo 😭

bjs curupirinhas 💛

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