𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 13
CAPÍTULO 13
3 dias para o fim do mundo
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Nós caímos bem no meio do salão de entrada da mansão. Eu bati minha testa na ponta da maleta, e tenho certeza que Cinco acabou chutando minha barriga sem querer. Devagar, sentindo meu corpo dolorido e uma náusea absurda, me levanto.
— Você tá bem? — Cinco pergunta, cambaleando ao levantar.
— Acho que vou vomitar.
— Que seja longe de mim.
Ele segura o meu braço, me mantendo de pé. Ele parece não sentir metade do enjoo e dor de cabeça que estou sentindo. Deve estar acostumado.
— Vamos lá pra cima. Você não tá bem.
Eu já devia esperar que isso fosse acontecer, não é? Usando o meu poder para uma longa duração depois de meses meio parada, somando a viagem no tempo-espaço, estou surpresa de ainda estar consciente.
Nós subimos as escadas, indo em direção ao meu antigo quarto. Quando chegamos, Cinco arrasta a maleta para debaixo da cama, avisando que ela ficará lá por enquanto. Eu estou sentada na cama, agarrando minha barriga enquanto Cinco me entrega um copo d'água.
— Passou? — Ele pergunta, sentado ao meu lado. Cinco colocou meu cabelo para trás como se isso fosse ajudar alguma coisa. Acho que ajudou.
— Como você consegue se acostumar com isso? — eu questiono. Cinco solta uma risada pelo nariz, mas não responde. Ao invés de insistir, eu pergunto: — O que vamos fazer agora?
— Vocc vai deitar e dormir. E eu vou atrás do tal de Harold Jenkins.
— Eu vou com você.
— Amber…
— Eu tô bem.
Ele segura o meu pulso, como se pudesse me fazer mudar de ideia. Seus dedos cobrem todo o guarda-chuva que tenho tatuado, e absolutamente todas as vezes que vejo essa tatuagem, me lembro do dia em que recebi ela. De tudo o que aconteceu naquele dia, e como ele foi determinante em nossas vidas. Ainda é novidade me lembrar daquele dia com Cinco na minha frente.
— Vai chamar os outros — eu me levanto, disfarçando o quanto minha visão ficou turva ao fazer isso. — Eu vou trocar essa roupa.
Vou direto para o quarto de Allison, antes que Cinco me contrarie nisso também. Allison é minha melhor amiga, mas ainda tenho receio de usar as roupas dela, simplesmente porque um vestido dela pagaria três meses de financiamento do meu carro. Espero que ela não se importe, é só o que eu encontrei.
Já pronta, eu desço as escada, vendo se ainda há alguém por aqui. Somente Luther e Cinco na adega de vinhos de Reginald, conversando baixinho. Quando eu entro, eles param de falar e começam a me encarar. Como eu odeio isso desde a nossa infância.
— O que foi?
— Eh… Eu já falei com eles. Klaus pulou fora. Diego e Allison vão com a gente — Cinco responde, num só tom.
— E Viktor?
— Não sabemos onde está.
Ainda assim, os dois parecem esconder algo.
— Por que vocês estão com essa cara? — eu cruzo os braços, esperando.
— Você já soube da mamãe? — Luther pergunta, hesitante.
— Não. O que houve?
Eles se entreolham, Cinco abaixa o olhar e bebe um gole do seu copo, deixando que Luther responda.
— Ela… foi desligada.
Desligada? Grace… morreu? Eu nunca achei que isso ia acontecer. A mamãe é um robô, ela devia estar intacta até quando nós estivermos velhinhos. Meu peito está doendo mais com essa notícia do que com a de Reginald, isso diz muito sobre quem eles eram. Eu caminho até o balcão e pego o copo de Cinco, bebendo o restante.
— Acho que o Pogo pode consertar, não sei — Luther murmura.
— Não era você que queria desligá-la? — Eu pergunto, meu sangue esquentando.
— Amber.
— Não, Cinco, ela está certa. Eu já entendi.
— Você teve o que queria. Parabéns, Número Um.
— Não é bem assim…
— Ah, eu não tenho tempo pra briga de vocês. Amber, vamos logo — Cinco bufa, agarrando o meu braço. Eu deixo a sala encarando Luther todo o tempo. É em situação como essa que eu me pergunto porquê ele é o líder.
Cinco nos leva para o escritório de Reginald, fechando a porta quando estamos dentro. Se ele estivesse vivo, nós nunca teríamos permissão para colocar os pés dentro dessa sala.
— Eu usei o computador do velho para pesquisar sobre Harold Jenkins. Ou Leonard Peabody. O desgraçado mudou de nome e nasceu no mesmo dia que a gente — Cinco diz, apontando para a tela. Eu entro na frente para ver melhor.
— Será que também tem poderes?
— Não sei. Se tivesse, o velho também não adotaria?
— Viktor nasceu no mesmo dia que nós e não tem poderes.
— É. Esse cara pode ser perigoso. Ele matou o próprio pai com… — Cinco cerra os olhos para ler a tela — treze anos. Impressionante. Saiu da cadeia recentemente e agora é restaurador de velharias.
Eu balanço a cabeça, deixando de olhar para a tela esperando algo de Cinco. Ele parece inquieto, respirando rápido demais e afrouxando sua gravata. A adrenalina já está fazendo efeito em seu corpo? Ele com certeza não está normal.
— Vamos?
— Você vai com essa roupa? — Cinco lança um olhar para o vestido de Allison que eu estou usando.
— Muito cara pra esse evento, né?
— Não, mas é bem curta — ele diz, e nota sua própria toxicidade, chacoalhando a cabeça — Digo, estamos numa missão. Você vai correr, pular, dar cambalhotas… Você gostava de dar cambalhotas quando era pequena.
— Eu tenho quase trinta anos, não dou cambalhotas.
— Ah, é. Eu tô querendo dizer que agora que você é mais… — Cinco se interrompe, fazendo gestos confusos com as mãos, seus olhos se perdem do meu pescoço para baixo.
— Velha? — eu tento, mas ele negou com a cabeça — Alta? — errei outra vez — O quê?
— Gostosa.
— Pelo amor d…
— É sério — ele finalmente para de gesticular. Metade de mim está decepcionada, e a outra meio que gostou. — Merda, perdi meu raciocínio.
— Quanto você já bebeu?
— Não foi muita coisa.
— E eu que estou sem condições de participar da missão, né? — Eu falo, irônica, levando minhas mãos até sua gravata para deixá-la no lugar. Minhas mãos tremeram por estar tão perto dele, quase tocando nele, foi fácil até sentir sua camiseta quente por baixo. — Tenha foco.
Algo que eu claramente não tenho, então ele terá que ter por nós dois.
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Segundo o endereço que Cinco encontrou no computador do velho, chegaremos na casa de Harold se atravessarmos a rua. Nunca pensei que andaria no banco de trás do meu próprio carro, porém quando se tem irmãos como o Diego, algo parecido acontece.
Nós paramos em frente a porta, um pouco ansiosos. Eu estou mais perto da campainha, então eu aperto duas vezes. Nenhuma movimentação. Nenhum som vindo de dentro. Está tudo escuro lá, talvez Harold nem esteja em casa. Toco a campainha outra vez, e nada acontece.
Allison caminha para dar a volta na casa, talvez procurando pela porta dos fundos, e Cinco vai atrás. Eu fico onde estou, e sou presenteada com a cena desagradável de Diego pulando através da janela de vidro, quebrando-a e caindo para o lado de dentro junto aos cacos.
Eu simplesmente giro a maçaneta.
— Sabia que a porta tava destrancada? — Eu digo, vendo ele se levantar do chão e tirar os cacos de vidro da sua roupa.
— Eu prefiro fazer do meu jeito. — Diego responde, mantendo a pose. — Gritem se estiverem em perigo.
Não posso acreditar que esse é o nível de liderança que temos.
— Eu vou ver lá em cima com ele — Cinco me avisa, subindo as escadas ao lado da sala de um jeito engraçado. Parece estar mancando.
Começo a caminhar pela sala com Allison. Não há nada de suspeito aqui, ou algo que dê uma dica de onde Harold está. Pelos porta-retratos, essa casa é mesmo dele, mas onde ele estaria agora?
Vou para a cozinha, acendendo a luz e encontrando restos de comida na pia. Deve ser de lá que vem o cheiro ruim. Tudo aqui parece estar abandonado há um ou dois dias. Ou então Harold não é o maior fã de limpeza.
— Amber, olha — Allison chama a minha atenção para um folheto na geladeira. Ele está preso com um imã, e tem a foto de Viktor no panfleto de um concerto que vai acontecer daqui três dias.
— Acha que é coincidência?
— Não. Harold Jenkins é o Leonard Peabody, o cara com quem Viktor está saindo. Vai ver é com ele que Viktor está.
De fato, é assustador. Eu arranco o folheto da geladeira e o guardo junto comigo.
— Amber!
A voz de Cinco vem do andar de cima. Não parece desesperada, mas mesmo assim eu corro pelas escadas para encontrá-lo. Entro nos quartos desconhecidos à procura de Cinco, até ver uma escada que desce do teto para subir ao sótão.
— Tá aí em cima? — eu pergunto, gritando para o buraco no teto. O rosto dele aparece aos poucos. Cinco se agacha, fazendo uma careta, e estendendo sua mão para mim.
— Vem, sobe aqui. Tenho que te mostrar uma coisa.
Eu seguro a mão dele, pisando no primeiro degrau da escada que parece frágil demais para me aguentar.
— Você está de calças?
— Não seja ridícula.
Eu piso em um degrau de cada vez, finalmente podendo estar de pé dentro do sótão. Aqui é muito menor do que o sótão que eu estava acostumada, mas o mal cheiro não me deixa ter pensamentos bons daquela época.
— Os sótãos nos perseguem… — Cinco diz, um pouco baixo. Eu aperto o meu nariz, ou então não vou conseguir respirar sem vomitar aqui. Diego está como eu, e eu não sei como Cinco está aguentando.
— Que porra tem aqui em cima, Cinco?
— Tem bonecos nossos, olha — ele aponta para uma caixa de vidro. De longe posso ver bonecos talhados à mão e todos uniformizados. Sete crianças. Consigo identificar cada um dos meus irmãos, e todos nós estamos com os olhos queimados.
— São eles que estão fedendo?
— Não. Tem um corpo ali.
Eu olho para trás, onde Cinco aponta, e levo um susto ao ver a silhueta de um corpo enrolado com plásticos pretos. Eu definitivamente não estava pronta para ver algo assim hoje. A última vez que estive em contato com uma morte violenta foi há anos.
— Merda. É ele?
— Não. Eu dei uma olhada, é uma mulher. Não é importante. — Cinco diz, ofegante, como se estivesse correndo. Estranho como nos últimos minutos Cinco parece estar com pressa, mais do que ele normalmente está.
Eu volto a encarar os bonecos da Umbrella Academy, tirando meus olhos do corpo em decomposição atrás de nós. O que Harold andou fazendo nos últimos dias? É coincidência demais ele ter um cadáver em sua casa, bonecos nossos e provavelmente está com um de nossos irmãos?
Allison sobe as escadas para o sótão, encontrando nós três e apertando o seu nariz ao entrar.
— Encontramos um folheto do concerto de Viktor na geladeira dele. Harold deve estar com Viktor. — Ela diz, com uma voz nasal, chegando perto de nós e conhecendo os bonecos da Umbrella Academy com os olhos derretidos.
— Então vamos atrás deles — Diego fala, caminhando para as escadas.
Fazendo uns sons de gemidos, Cinco despenca, caindo no chão bruscamente. Eu me viro em sua direção na mesma hora, encontrando uma expressão de dor em seu rosto, além de suas mãos vermelhas de sangue cobrindo sua barriga.
— Cinco! — Diego chama, sacudindo o ombro do irmão.
Eu me agacho ao lado dele, confusa, desesperada. Levanto um pouco a sua camiseta só para me deparar com uma ferida de estilhaços, de onde não para de escorrer sangue. Os tiros. Porra, eu não sabia que tinham acertado ele.
— Caramba… — Allison diz, baixo, olhando para o canto da barriga dele.
— Por que não nos contou, Cinco? — eu questiono.
— Temos que continuar. Estou tão perto… — Cinco diz, com dificuldade, sem conseguir respirar direito.
— Precisamos levar ele pra casa — eu falo, quase como uma ordem. Me aproximo do rosto dele, segurando apenas para deixá-lo acordado. Minhas mãos estão manchando o rosto dele com seu sangue. Isso está me apavorando porque Cinco está lentamente fechando seus olhos. — Ei, não dorme.
— Me dá licença, Amber — pede Diego.
Eu olho para cima, achando sua petição uma afronta, mas se eu quiser que Cinco fique bem, preciso dar espaço para Diego levá-lo.
Diego segura Cinco pelos braços, fazendo mais esforço do que esperava para sustentar um homem adulto. Ele pede para Allison segurar os pés de Cinco, para assim os dois levá-lo ao carro. Eu fiquei paralisada ao ver os dois carregando Cinco assim. Ele parece morto. Como um estalo para me fazer voltar a realidade, Diego me pede para dirigir.
Eu com certeza ultrapassei todos os limites de velocidade. Eu nem sei se os sinais estavam vermelhos porque eu passei rápido demais para conferir. As curvas eram dramáticas, e a última que fiz, para entrar na rua da nossa casa, era como um ponto de chegada que eu estava aliviada por ter passado.
Eu saí do carro e corri para abrir os portões a as portas da Academia para Diego e Allison passarem com o corpo de Cinco. Eles o colocaram no sofá, discutindo se deveriam levá-lo ao hospital. Enquanto isso, eu estanco a ferida dele assim como aprendi anos atrás. Ele ainda está respirando, e tem sorte de não estar consciente para não sentir um pedaço de tecido dentro do seu corpo.
Eu estou morrendo de medo. Não achei que me importasse tanto com esse novo Cinco ao ponto de ter lágrimas em meus olhos só de vê-lo inconsciente. Está doendo. Fisicamente. Porque eu amei essa pessoa um dia.
— Vem, vamos levar ele — Diego me afasta, segurando meu ombro. Eles decidiram por tratar do ferimento de Cinco aqui em casa.
Diego, com a ajuda de Allison, consegue levar Cinco até seu quarto. Minha irmã trouxe tudo o que eu vou precisar para fazer a sutura, mas visto o estado emocional de nós três, eu sou a menos indicada para fechar o curativo de Cinco. E se minha mão não parar de tremer? Mamãe devia estar aqui para nos ajudar.
— Senhorita Amber, precisa começar — Pogo me incentiva.
Eu respiro fundo e lavo minhas mãos na bacia que ele trouxe. Retiro o tecido que coloquei para estancar o sangue, colocando-o na vasilha reserva, e usando uma pinça começo a tirar os estilhaços na ferida. Tento colocar na minha cabeça que não é Cinco que está aqui, apenas um boneco do qual eu usava para treinar quando criança. Fica mais fácil.
Com um pedaço de algodão, eu limpo todo o entorno do corte, e para a minha sorte e a de Cinco, o tiro não foi fatal. Com a agulha, eu começo a costurar a pele dele, sentindo como se os furos fossem em mim. Assim que termino de limpá-lo, cubro com algodão e alguns pedaços de fita, fazendo um curativo provisório.
Allison e Diego ficaram na porta esse tempo todo, discutindo se ainda seguem com o plano para salvar o mundo, ou se largam tudo e vão viver seus últimos dias. Eu fiquei sentada ao lado de Cinco, mesmo depois que terminei.
Pogo trouxe uma bolsa de soro, e me ajudou a aplicar em Cinco. Não foi difícil encontrar a veia no braço dele. Ele está recebendo soro pela perda significativa de sangue, e apesar de ser o maior babaca, é ruim vê-lo assim.
— Não sei, eu acho que vou voltar e ver minha filha… — Allison diz para Diego.
— Mas e o fim do mundo? Precisamos estar juntos.
— Olha como o Cinco está — ela inclina seu braço — Precisamos dele também. Tentamos fazer sozinhos da última vez e acabamos todos mortos.
— Temos que continuar. Com ou sem ele — Diego diz.
— E por onde começamos?
— Não tem nenhum outro endereço no arquivo, mas tem o endereço de uma parente. A avó do Jenkins. Morava perto da estrada Jackpine.
— Será que Harold levou Viktor para lá?
— É um bom lugar para começar — Diego diz, em seguida desaparecendo pelo corredor.
— Amber, você vem junto?
Revezo o meu olhar entre ela e Cinco. Eu quero permanecer aqui até ele acordar. Eu devo isso a ele. Anos atrás, quando eu tive um acidente, ele foi a única pessoa que encontrei quando acordei.
— Vou ficar.
Um pouco relutante, ela aceita, e segue com Diego para dar continuidade à missão. Pogo sai do quarto logo depois. Eu uso um tecido úmido para limpar as mãos e o rosto de Cinco, tirando todas as manchas de sangue.
Dizendo que vai ficar tudo bem, eu passo meu polegar pela última vez no rosto dele. Acho que eu posso passar a noite aqui e ajudá-lo se precisar de algo. Pego uma manta no guarda-roupa dele e me cubro, enquanto tento achar uma posição boa para dormir na poltrona. Se eu não conhecesse Cinco, diria que é um anjo pela forma que dorme.
⦿ 2.802 palavras
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o cara com um tiro na barriga e encontra tempo pra flertar, é uma máquina mesmo
beijinhos suas libélulas 💛
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