𝐂𝐀𝐏𝐈́𝐓𝐔𝐋𝐎 10
CAPÍTULO 10
17 anos antes
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Todos os anos há apenas um dia em que podemos fazer tudo o que queremos. Bem, quase tudo. E esse dia é o nosso aniversário. No café da manhã nós podemos comer bolinhos com recheio, a agenda de treinamentos é suspensa e nossa mesada aumenta em vinte por cento. E ainda teremos uma surpresa mais tarde, segundo Reginald. Talvez mês que vem eu possa comprar um presente para Cinco também, para agradecer pelo gibi.
E se o assunto é presente, todos nós ganhamos igual. Esse ano foi o primeiro livro de Harry Potter. Está fazendo o maior sucesso e eu queria conhecer, mas nunca pude comprar. Além disso, eu e Allison ganhamos um jogo de tabuleiro com raciocínio lógico e os meninos ganharam tacos de golfe. Não vou reclamar do meu presente, os meninos receberam um objeto no qual não podem usar, já que não temos um campo de golfe.
— Você vai dividir comigo — Cinco avisa, quando olha para a caixa do meu brinquedo.
A última vez que emprestei algo para Cinco, ele quebrou num momento de birra.
— Você não vai nem chegar perto.
— A gente bem que podia fazer treze anos numa sexta-feira treze, né? — Diego imagina.
— Mas a gente nasceu dia 1, seu burro — Klaus larga um tapa na cabeça do irmão, o que resultou em Diego correndo atrás dele para devolver o tapa.
Logo eles teriam que voltar arrastados pela mamãe porque o jantar já vai começar. Estamos todos atrás de nossas cadeiras, na mesa de jantar, aguardando. Nosso pai entra e espera ao lado de sua cadeira, para em seguida ordenar que devemos nos sentar. Nós obedecemos, dessa vez felizes porque ao lado do nosso prato há uma fatia de torta de sobremesa. Só temos sobremesas se vencermos alguma missão.
Mas presentes e doces nunca ofuscaram o fato que nosso pai não nos deu feliz aniversário. Nem sabemos se ele lembra, e se toda essa rotina de presentes e sobremesas é algo programado para ser feito pela nossa mãe. Algumas palavras motivadoras seriam legais de escutar hoje, fomos tão bem esse ano.
Nosso jantar acabou. A torta de morango estava tão boa que acabamos com ela em pouquíssimos segundos. O dia parece muito bom até agora, um dos melhores aniversário que já tive. A surpresa está chegando, e muito ansiosos, fomos direcionados para o salão de entrada, onde há cadeiras para todos nós, além de outra no centro.
Meus irmãos se sentam por ordem de número, mas eu fiquei em pé. Será que esqueceram de outra cadeira? Odeio ser a última por isso. Quando nosso pai volta com um homem alto e todo tatuado, eu encontro brecha para avisar:
— Pai, está faltando uma cadeira.
Reginald conta uma por uma, afirmando que está correto.
— Tem o número certo de cadeiras. Mas não de integrantes. Numero Sete, você deve se levantar para que Número Oito se sente.
A decepção no olhar de Viktor e sua sensação de não pertencer a esse olhar me contagiou. Fiquei triste por ele. Me sentei ao lado de Ben, e assisti Viktor se afastar e nos observar lá em cima da escada. Queria pedir desculpas para ele, no lugar do nosso pai.
Reginald apresenta o homem que o acompanha e anuncia que hoje teremos um símbolo em nossos corpos para sermos identificados. Eu nunca ia imaginar que nossa surpresa era uma tatuagem. Devíamos ter sido preparados para isso, não?
O papai só esperou termos idade para consentir que deveríamos ter uma tatuagem?
Luther foi o primeiro, mas deve ter sido fácil para ele. Se sua super-força também ajuda na resistência da dor, então ele se saiu bem. Depois foi Diego, que passou mal e desmaiou. Em seguida Allison, que chorou um pouco quando terminou. Estou com medo. Os números se passam devagar. Cinco olhou para mim e Ben na maioria do tempo em que esteve com seu braço esticado.
Depois de Ben, chegou a minha vez.
Me sentei naquela maca e observei o tatuador trocar de agulha. Meu corpo arrepiou inteiro de agonia. Estiquei o meu braço direito e a agulha começou a furar minha pele, muitas de vezes por segundo, bem no meu pulso.
Doía bastante e parecia que não ia acabar. Para completar a parte preta do guarda-chuva, o tatuador passou várias vezes sem dó alguma. Ele finalizou limpando e enrolando meu pulso num plástico transparente. Quero perguntar aos meus irmãos se o pulso deles também sangraram.
A união do dia do nosso aniversário se desfez. Allison foi para o seu quarto, e conseguimos escutar o choro baixinho dela. Diego ficou exatamente irritado, e saiu pelas portas que dá ao jardim. Klaus curtiu a tatuagem. Ben também subiu as escadas, sentido.
O nosso aniversário já era.
Eu também vou para o meu quarto, deitar na cama e chorar enquanto penso que nosso pai nos marcou como se fôssemos porcos. Como se fôssemos nada além de objetos para o sucesso dele, e que ele pode nos manusear como quer. Viktor teve é sorte de não ter participado.
Eu chorei tanto que nem lembrava mais o motivo, e então parei, sentindo as lágrimas secarem ao redor dos meus olhos e o travesseiro molhado embaixo da minha cabeça.
— Ei, tá dormindo? — uma voz sussurra atrás de mim.
Com o susto me viro para trás. Cinco está agachado como um monstrinho ao lado da minha cama, e seus olhos verdes estão arregalados para mim. Eu estava tão nervosa que não o vi entrar.
— Você tem que parar de entrar no meu quarto quando a porta tá fechada.
— Eu entro quando eu quiser — ele diz, neutro, se sentando na beirada da cama, ao meu lado. — Pra você ainda tá doendo também?
— Bastante. É normal sangrar?
— Deixa eu ver — Cinco agarrou o meu braço para analisar, seu polegar acariciando a região abaixo da tatuagem — Acho que sim.
Ele mostra seu pulso, que está quase idêntico ao meu.
— Vamos para o sótão? Daqui a pouco dá o toque de recolher, acho que vamos conseguir ficar um tempo lá.
— Vamos — eu levanto depressa, para irmos mais rápido e aproveitar o máximo que pudermos.
Lá no sótão, pelo menos, não vamos ter que fingir que nossos pulsos não estão ardendo. Usamos nosso poderes, como sempre fazemos, e assim que chegamos, eu pergunto para Cinco enquanto ele acende a luz:
— Comprou um presente pra mim?
— Não. Tá sonhando demais.
Dessa vez ele não planejou que iríamos vir, porque aqui não tem cobertores nem almofadas e nada além de caixas velhas e muito pó. Ele se senta em uma dessas caixas, arrastando outra para mim.
— O velho é o maior cuzão.
Eu acabo rindo mais do que imaginei ao ouvir isso de repente.
— Sério? Bem no nosso aniversário?
— Você sempre disse que queria fazer tatuagens — eu digo, sarcástica.
— Mas não assim.
Dá para notar que nem Cinco gostou dessa surpresa.
— É só para nos fazer lembrar de onde viemos, e que vamos carregar essa porcaria de guarda-chuva até o resto dos nossos dias — falo, como se estivesse recitando um poema melancólico e maldoso.
Cinco balança sua cabeça lentamente, com o olhar distante. Todos nós estamos assim agora, com a cabeça em outro lugar, e não no presente onde acabamos de fazer treze anos.
Meus olhos, de tanto vagarem por este sótão, encontram uma tampinha azul de uma garrafa que trouxemos uma vez. Vou até a tampinha para buscá-la no chão, pensando em criar uma brincadeira com Cinco para esse aniversário não terminar tão chato.
— A gente pode dar um peteleco na tampinha e tentar fazer um gol — Eu explico minha ideia, voltando ao meu lugar.
— Sabia que a sua saia tá muito curta?
— Eu sei. Grace está fazendo uma nova.
— E que quando você abaixa, aparec…
— Cala a boca.
— …a sua calcinha.
Eu imediatamente taco a tampinha na cara dele.
— Estou só te avisando. Vai que você abaixa em outros lugares — ele tenta se defender. Eu gostaria de dizer que ele está inventando isso para me deixar sem graça, mas sei que essa cena é totalmente capaz de ter acontecido. Ele realmente viu.
— Tão atencioso… — falo, irônica, dando um tapa forte em seu ombro porque não achei que ele foi agredido o suficiente. — Precisamos criar regras.
— Ah, não, Amber. Eu só fico com você porque você odeia as regras tanto quanto eu. Por que diabos você quer criar regras?
— Porque estou começando a precisar de privacidade.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— Você quebra essa privacidade.
— Tá bom, eu vou parar de entrar no seu quarto.
Levanto minhas sobrancelhas.
— E de ler o seu diário. Só não cria regras.
Acho que não entrar no meu quarto já ajuda com metade das regras que eu ia criar, então por enquanto aceito esse acordo. Me lembro como se fosse ontem o dia em que ele entrou enquanto eu ainda colocava minha camisa, foi constrangedor. E outra vez, quando minha mente brilhante achou uma boa ideia dar um susto em Cinco, e entrei no quarto dele usando meus poderes. Ele estava num momento íntimo, digamos, e acho que ele não sabe disso até hoje.
— Agora só entramos nos quartos com batida na porta — eu digo, mas então lembro que Cinco dispensa todo mundo que bate na sua porta — Meu toque vai ser esse.
Eu bato duas vezes na caixa abaixo de mim, dando uma pausa e batendo outra vez. Cinco aprende o ritmo e decora, dizendo que também vai usá-lo. Isso vai entrar para a lista de coisas e gestos secretos que temos.
— O que será que pessoas da nossa idade fazem? — eu pergunto, olhando para a rua escura através do vitral.
— Vão para escolas de verdade.
— E parques aquáticos.
— Alguns têm videogames.
— E amigos.
— E namoradas.
— Eles podem ir pra Disney.
— Que chato, Amber.
Cinco adora ser do contra, quando na verdade ele ficaria tão feliz em ir em um dos parques da Disney quanto eu. Ele diz que prefere parques com montanhas-russas perigosas, e eu digo que meu sonho é empurrá-lo de uma dessas.
Arrastando sua caixa para mais perto de mim, Cinco segura meu braço direito, como se conferisse para saber se está tudo bem. Ficamos em silêncio um pouco, sempre acontece quando percebemos que temos pouco tempo. Parando para pensar, acho que isso significa que gostamos da companhia um do outro, mesmo que Cinco negue.
— Você já beijou alguém? — ele pergunta. É tão repentino que o silêncio em seguida parece ainda mais alto.
Eu não quero dizer. Ele vai rir de mim. A maioria dos meninos encontraram alguém que pudessem flertar entre as missões, e se orgulham em dizer que já beijaram alguém na vida. Vou me defender dizendo que não era uma das minhas prioridades.
— Amber?
Eu olho para ele, hesitante. Cinco insiste:
— Pode falar.
— Não, nunca. E você?
Ele não responde. Para a minha surpresa ele não está rindo, gargalhando até sua barriga doer. Ele está normal, só que está chegando ainda mais perto. O seu joelho toca o meu, e meu coração bate cada vez mais rápido.
— Você quer saber como é?
Agora meus batimentos estão tão fortes que eu os ouço pulsar em meu ouvido. Tento distinguir se foi um convite ou uma simples pergunta. No entanto, ao olhar seus olhos, sei que há um resquício de confidencialidade. É exatamente o que estou pensando.
— Não sei. A gente… — Eu olho ao redor, buscando as palavras que evaporaram quando tentei usá-las.
— Ninguém está vendo — diz ele, tranquilo, o completo oposto de mim. O que eu queria dizer não se referia a pessoas ou câmeras, mas questões éticas que Cinco claramente não liga — É só pra gente provar. Eu também nunca beijei.
Bem, me sinto um pouco menos pressionada. Parece que só estamos curiosos. Há mal nisso? Levando em conta a minha progressão em flertes, se não for agora, então meu primeiro beijo será aos dezoito, quando eu sair da Academia.
— É, acho que podemos — eu falo, e por impulso, quase uso meus poderes para esconder minha timidez.
É estranho porque nunca olhei Cinco dessa forma, e agora, de repente, eu estou extremamente envergonhada ao seu lado. Não me incomoda pensar que ele queira fazer algo assim comigo, só é… novo.
Cinco se inclina para frente, chegando perto do meu rosto. Quero perguntar a ele o que devo fazer, já que a maioria das respostas eu busco nele, mas eu também acabaria com a nossa tentativa. Se eu tivesse assistido mais filmes eu saberia o que fazer.
Antes de segurar o meu rosto, Cinco ficou alguns segundos olhando para a minha boca. Faz parte do beijo? Ou ele só está calculando a velocidade e distância para não acabarmos batendo os dentes?
Eu vejo os olhos dele se fecharem, e seu rosto ficar cada vez maior e mais perto até eu sentir sua boca encostando na minha. Só fecho os olhos quando os lábios dele se abrem para beijar os meus. É tão estranho. Não é bom e nem ruim. Mas acho que não gosto de sentir seus lábios deixando os meus molhados. Cinco também me dá vários selinhos, que acho menos pior. Ele realmente está provando como pode.
O barulho que faz toda vez que ele me dá um selinho me dá alguns frios na barriga, mas também me deixa constrangida. A sua respiração em cima da minha pele, junto com seus lábios quentes deixam meu rosto na mesma hora. Pela expressão dele, deve estar esperando algum comentário da minha parte.
Eu definitivamente não gostei.
É molhado e estranho. Nunca mais vou beijar ninguém na minha vida. Mas estou feliz que tenha sido com Cinco, acho que nenhuma outra pessoa me entenderia para ter cuidado num momento como esse. E Cinco teve.
— Você não gostou, né? — ele pergunta. Pode ser impressão minha, mas tinha um pouco de frustração em sua voz.
— Foi esquisito — eu respondo, não atribuindo a culpa a ele.
— Também achei.
Nós aproveitamos a pausa para secar nossas bocas. É, agora se perguntarem, já beijei alguém na vida.
— Mas, assim, nada vai mudar, né? — Eu arrisco perguntar, hesitante. Apesar de sempre mencionar que adoraria me livrar de Cinco, não quero que isso aconteça.
— Não. Claro que não — ele responde, tentando parecer convicto, mas não me convence. — Foi só algo que provamos, igual várias outras coisas que já fizemos.
Automaticamente me lembro das coisas que descobrimos que podíamos fazer juntos, e coisas que provamos pela primeira vez juntos. Ele está certo. Um beijo é só algo para entrar na lista, não vai mudar nada.
Para mostrar que tudo continuará como antes, Cinco teve sua tentativa falha de tentar me animar jogando a tampinha azul em mim. Depois disso, nós usamos nossos poderes para sair do sótão e aparecer em meu quarto, andares abaixo. Cinco se despediu de mim como normalmente faz, acenando e desejando boa noite. Eu fiz o mesmo.
É, tudo vai continuar igual.
⦿ 2.477 palavras
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o Cinco criancinha de 4 anos com certeza tinha um desse:
gnt acho que eu tenho um padrão nos capítulos 9/10 de todas as histórias 😭😭
bjs curupirinhas filantropos 💛
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