CAPÍTULO I

A pista de patinação estendia-se diante de mim como algo a ser explorado, a extensão de gelo perfeitamente liso puxando meu corpo como um imã.

Sempre haveria alguns centímetros a serem descobertos, um passo a ser inventado.

Para ter todo aquele lugar só pra mim, pagava um belo aluguel ao proprietário do ginásio em troca das chaves, as madrugadas sendo minhas companheiras em meio ao silêncio que só era preenchido pelo som das lâminas de aço cortando a superfície aos meus pés.

As poucas luzes acima de mim mostravam meu caminho e a solidão da minha mente tinha o único momento de liberdade sem ouvir a confusão de memórias acumuladas na minha mente.

Meus patins deslizavam graciosamente sobre a superfície congelada a cada passada, na pista, a dança que corria por cada membro do meu corpo que simplesmente se portava com suavidade, os giros controlados que preenchiam o ambiente ao bater do aço no gelo ao fim, a sensação gélida do ambiente cortando minhas bochechas, a respiração quente saindo em pequenos vapores em minhas expirações.

Os espetáculos no gelo sempre foram minha perdição.

Uma pena ninguém ter tido a infelicidade de ver alguém como eu caindo de bunda no chão ao tentar um Quad Axel ao fim da coreografia.

Tão frustrante...

Trinta anos de idade, pouco mais de vinte na pista e não conseguia completar aquela apresentação.

Sempre um erro, nunca perfeito o bastante.

Axel é o único dos saltos que possui uma decolagem na borda externa para frente em sua execução, detalhes técnicos que havia aprendido a tempos. Triplo Axel já é difícil com quase quatro rotações, mas a última sendo incompleta. Já o Quad Axel... quase cinco rotações no ar? Insanidade para a física, mas um sonho tão lindo...

Os saltos são os mais deslumbrantes, mas ao mesmo tempo uma queda desafiadora, um erro e um bom tempo fora do gelo. Um saco nunca conseguir acertar o que eu mais desejava.

Depois de passar no vestiário para um banho gelado bem rápido, troquei as roupas de malhas pelo uniforme do trabalho, um conjunto negro estampado com duas cobras prateadas entrelaçadas nas costas, jogando os patins com a proteção nas lâminas na mochila. Entretanto, logo após trancar tudo, meu queixo caiu percebendo os primeiros raios do amanhecer e a pilha de mensagens que a minha chefe tinha deixado na caixa de mensagens.

- Droga... - disse esfregando o cabelo desesperadamente enquanto corria até minha moto no estacionamento - A Hattori vai me matar!

Como a cidade ainda despertava, foi bem fácil acelerar pelas ruas, pegando o mesmo atalho de sempre para o centro da cidade, mas já imaginava a multa que ganharia com aquilo.

Não é que eu sempre virava a noite na pista de patinação só pra esquecer meus problemas, mas perdi a noção do tempo quando estava lá e a chefe estava pegando mais plantões na Divisão de Inteligência do que de costume, obra do noivo é claro, então já sabia as longas horas de desabafo dela que me salvariam de ter que cuidar da papelada.

Depois de estacionar a moto em uma das garagens do aglomerado de prédios da base da Divisão, me apressei pelos corredores até o hall de entrada, desviando entre os agentes até os marca pontos na recepção.

A vida de trabalhadora é uma merda, porém não era como se eu quisesse outro emprego. Trabalhar como assistente de uma das mulheres mais fortes do país em seu departamento de agentes de segurança e espiões me rendia um bom salário com benefícios pela periculosidade.

- Cheguei... - falei ofegante jogando meus braços na bancada da entrada depois de bater minha digital.

- Meio tarde, não acha? - a garota da recepção, que eu nunca lembrava o nome, disse levantando os olhos da tela do computador pra mim - Hattori se virou sem você durante a madrugada.

- Não vi as mensagens dela a tempo - respondi ajeitando o cabelo - O que tem pra chefinha hoje?

Ela disfarçou uma risada, e, para minha infelicidade, começou a acumular caixas lacradas vindas direto da líder de maior patente na Divisão, até mesmo que a da minha chefe.

- O pessoal da administração mandou, são os novos orçamentos que precisam da avaliação dela e também tem mais autorizações para a assinatura dela, nosso software está em reforma, então nada de enviar pelo sistema.

- Tudo isso? Vai levar o dia inteiro... - resmunguei - E por que ninguém entregou lá embaixo?

- Você é a assistente da Hattori e a presidente Shiori não gosta de deixar os documentos sigilosos na mão de mais ninguém aqui.

- Ela me odeia, isso sim - respondi irritada tentando equilibrar as caixas nos meus braços, perdendo boa parte da visão à minha frente.

- Precisa de ajuda?

Olhos heterocromáticos, cinza e azul, me encaravam suavemente quando me virei em direção àquela voz conhecida das grandes entrevistas e premiações heróicas, Shoto Todoroki, seguido do visitante de carteirinha da Divisão, atual Número Um do Ranking de Heróis, Dynamight, conhecido por mim como noivo da chefe.

- Olha só, se não são os queridinhos da minha chefe. O que os traz aqui?

- Cadê aquela idiota? - O loiro perguntou rudemente, recebendo um olhar de desaprovação do outro herói, a recepcionista fingindo trabalhar para não ter que lidar com o mau humor daquele idiota.

- E cadê o fofo de cabelo verde? - falei voltando as caixas dos meus braços para a bancada - Ele é mais educado que você e já teria me ajudado com esses arquivos.

- Desembucha logo idiota, não temos o dia todo!

- Trabalhou a noite toda, pegou o plantão que não era dela, então acho que foi só pra passar o tempo, não era coisa importante - respondi com a mão na cintura - Deve estar no escritório lá no subsolo, então não vão descer sem os cartões de acesso.

- Pode liberar pra gente? - Todoroki perguntou para minha surpresa - Aparentemente, Kira não quer ver o Bakugou.

- Cala a boca, seu bastardo de merda!

- Entendi, por isso ela veio passar a noite aqui. Bem, carreguem essas caixas e eu levo vocês lá pra baixo.

- Interesseira do caralho - O herói das explosões resmungou, mas os dois prontamente se dividiram com os objetos, me seguindo do hall até o elevador para o subsolo da Base.

- Digo o mesmo de você, Dynamight, já que não traz seus amigos aqui a menos que sejam chamados. Então vou presumir que precisam de algum serviço especial da minha chefe.

- Quase isso - Todoroki comentou, fazendo o amigo grunhir de raiva.

Não demorou muito para chegarmos à sala dela, mas o silêncio no caminho era estranho. Não me dava tão bem com o loiro e o outro, bem, ainda não era nem sete da manhã e eu nem havia tomado café para tentar um flerte adequado.

Enfim, a Hattori era uma das maiores líderes do país, mas quando ficava irritada ou chateada, bem, a garrafa de vinho abaixo da metade na beirada da mesa explicava algumas coisas, como seu uniforme amassado, a bagunça das almofadas do sofá espalhadas em seu escritório e sua cabeça descansando sobre a mesa.

- EI! Precisamos conversar, levanta daí bruxa! - Dynamight exclamou batendo as caixas na mesa e acordando ela com um susto.

"Que cara idiota..."

- Você não dormiu direito de novo, chefe - falei vendo as manchas abaixo dos olhos dela, enquanto me aproximei para tirar aquelas caixas dali e levá-las até a mesa de centro no canto juntos com as que Todoroki havia levado.

- Muito menos você - Ela disse com a voz abafada levantando a cara fechada enquanto tentava ajeitar o cabelo negro.

- Justo - respondi com um sorriso - Tenho que te acompanhar em tudo.

- Oi Shoto! Há quanto tempo! - disse vendo o colega, mas logo torceu a cara irritada vendo a companhia do herói das explosões - E você... A noite foi ótima, hein?

- Ótimo, vai começar. Que droga tem na cabeça pra não voltar pra casa?!

- Shoto, diga pra ele não se dirigir a minha pessoa - Ela respondeu revirando o olhar enquanto cruzava os braços.

- Kira disse... - Todoroki nem terminou quando o parceiro idiota explodiu.

- EU OUVI CACETE! Até quando vai ficar fazendo birra?! Você não é mais a porra de uma criança!

- Shoto, meu noivo não tem a mínima noção de que uma mulher pode ficar brava quando ela quiser. Acredita que ele desmarcou nosso compromisso pela terceira vez? Pelo Deku de novo, então estou começando a achar que deveria ter pedido a mão dele e não a minha.

Enquanto Dynamight continuava reclamando e sendo ignorado pela noiva, me sentei no chão próxima à mesa de centro para começar a organizar a papelada que havíamos recebido, trabalho de sempre.

- Do que você precisa, querido? - A chefe perguntou ao herói de cabelos bicolores.

- Será que a Divisão de Inteligência poderia intervir num caso que está sob jurisdição do Departamento de Polícia?

- Formalmente, só em casos raríssimos. Nossos trabalhos já são separados por competência desde o início, só trocamos as atuações se a situação mudar drasticamente. O que quer?

- Fomos chamados para conter um ataque terrorista de emergência algumas semanas atrás. Não houve nenhuma vítima, mas uma dos envolvidos acabou escapando da cena do crime - Todoroki explicou devolvendo o foco total à mente da minha chefe.

- O bastardo aqui deu bobeira - O loiro comentou se jogando com os braços atrás da cabeça no sofá perto de mim.

- Enfim, a gangue não era um problema em potencial, por isso a polícia tem cuidado das investigações, mas essa mulher em específico pode causar muito mais danos se continuar solta e tentar outro ataque.

- Para de enrolar, meio a meio! Tsukauchi e nem nenhum dos outros merdinhas estão conseguindo encontrá-la!

- Ah, Tsukauchi... - ela disse bufando com um revirar de seus olhos - Velho de merda que acaba com as minhas diversões.

- Acreditam que ele coloca a papelada das infrações da chefe numa prateleira exclusiva? - Falei com tom de diversão.

- Você poderia, sabe... - Todoroki disse tentando encontrar as palavras certas - Não há muitas informações dela no nosso sistema e as investigações da polícia estão bem lentas pela onda de crimes dos últimos dias.

- Acha ela pra gente - Dynamight disse.

- Ei, cuida disso pra mim? - ela disse ignorando o noivo, com um olhar sério em minha direção, o mesmo que usava quando percebia a verdade no ar.

"Tem algo errado e eles estão escondendo", pensei comigo mesma.

- Sim, chefe.

- EI! - Dynamight gritou chamando nossa atenção - Não é você que vive se gabando que é a melhor rastreadora que esse lugar já teve?! Por que vai mandar a assistente?!

- E ela é, não tenha dúvidas disso e pare de ser rude - comentei sem tirar os olhos da papelada em minhas mãos.

- Agora eu sou útil? - A chefe perguntou com a veia saltando de irritação em sua têmpora - Por que não pede para o Deku te dá-la de presente de Natal?!

- Quando vai parar com isso?! - Dynamight respondeu se levantando ainda mais irritado - É a droga do meu trabalho!

- Cala a boca seu merda! - ela exclamou assustando a todos batendo as mãos na mesa, com os olhos queimando de raiva - Faltam cinco meses para o casamento e não resolvemos nem um por cento dos problemas porque você só quer saber de trabalhar!

- Eu sou o Número Um, caralho!

- Pensasse nisso antes! Por que não aproveita e faz um daqueles intercâmbios idiotas de heróis?! Deve ser ótimo passar a droga do nosso aniversário sem mim! Ou ainda mais, que tal nosso casamento também?!

Cansada de tudo aquilo, e sabendo da falta de consciência dos dois das outras presenças da sala, me levantei do chão indo até herói perdido que observava a discussão e o puxei pelo tecido do uniforme das costas até a porta do escritório, sem receber nenhuma oposição.

- Sério, ele devia começar a usar a cabeça e parar de deixar a noiva como última opção - comentei em um suspiro fechando a porta atrás de mim, os gritos sendo levemente abafados - No lugar dela, já teria pegado um dos espiões desse lugar.

- Não devíamos intervir? - Todoroki perguntou com franzindo o cenho com uma suave preocupação.

- Não se preocupe, eles vão acabar se compensando - respondi sentindo um sorriso de canto crescer nos meus lábios - Não é difícil essas coisas acontecerem por aqui, tem muitos jovens e as salas de descanso não tem câmeras.

Com o meu pressentimento certo, o trinco da porta logo fez barulho enquanto era trancada.

-Se bem que... é ali também serve - sussurrei surpresa - Ouviu?

- Não tem o que ouvir, os gritos pararam - respondeu ao meu lado.

- Exatamente - "Você não entende muito dessas coisas, né?", pensei comigo mesma, percebendo a confusão no olhar dele - Que tal um café? Não tive tempo pra isso ainda e talvez possa me contar sobre os detalhes do caso. Não acho que criminosos vão acordar tão cedo pra atazanar a cidade.

Todoroki acenou brevemente, me seguindo pelos corredores da Divisão, quieto em sua própria mente e ao meu lado, enquanto me segurava para não encarar um dos rostinhos favoritos do país.

Feições definidas, cabelo bicolor mais curto nas laterais e tão brilhantes sob as luzes, ombros largos e cintura fina coberto pelos uniformes azul, passos firmes, mas silenciosos e... que olhos...

- Acho que a Kira não vai ajudar dessa vez - ele disse mais para si mesmo.

- Ah não, na verdade essa tarefa será toda minha. Esqueci de me apresentar! Muito prazer, pode me chamar de Lilith.

- Shoto Todoroki.

- Eu sei disso gracinha, todos sabem - falei abrindo um sorriso - A pedido da minha chefe, durante o tempo que for preciso, serei sua assistente particular neste caso.

- E seu trabalho aqui? Não precisa se atrapalhar, posso dar um jeito nessa situação.

- A chefe arruma alguém pra me cobrir, relaxa. E não se preocupe, seu amigo conhece a saída.

-É mesmo, ele vem muito pra cá - O herói comentou, arrancando uma risada minha pela falta de filtro e noção da situação que ele tinha.

- Então, Shoto Todoroki, pode me pedir o que desejar, porque sou toda sua a partir de agora.

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☆ (N/A): Alguns crimes, mais ação, protagonista de caráter duvidoso e príncipe que todo mundo ama...

Não aguentei me despedir completamente do meu outro casal, Bakugou continua sendo meu queridinho kkkkkkk

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