10. Stones also break

O quarto estava mergulhado em uma tensão sufocante. Eu estava sentada na beira da cama, ouvindo Kwon andando de um lado para o outro, a voz dele carregada de raiva enquanto gritava ao telefone. Era óbvio que ele estava falando com o papai, e mesmo sendo quem ele era, sempre tão confiante, tão intocável, até Kwon perdia o tom diante dele.

Depois de alguns minutos, o tom de Kwon amansou, a postura rígida ficou menos agressiva. Ele se virou para mim, os olhos carregados de algo que eu não consegui decifrar completamente, e estendeu o telefone na minha direção.

— Ele quer falar com você. — Disse, quase como um aviso.

Senti meu estômago se revirar, mas me forcei a pegar o aparelho. A hesitação em minha mão era óbvia, mas antes que eu pudesse reunir qualquer coragem, a voz dele explodiu do outro lado.

Hanna! — O som ecoou, fazendo meu coração acelerar. — O que diabos está acontecendo com você?

Engoli em seco, tentando formar palavras, mas ele não esperou.

— Eu estou assistindo essas lutas, e sabe o que vejo? Um jogo! Uma brincadeira idiota! — A acusação cortou mais fundo do que eu queria admitir. — Você realmente quer vencer, ou só está de gracinha com esse garoto?

A menção a Axel fez meu rosto esquentar, mas mantive minha voz baixa e controlada.

— Eu estou fazendo de tudo para vencer, pai — Respondi, tentando parecer firme, mesmo que cada palavra me custasse.

Ele riu, mas não era um riso de humor. Era cheio de desprezo.

— Não é o suficiente! — Ele gritou, e eu pude sentir a fúria dele, mesmo a quilômetros de distância. — Se for preciso, eu vou até Barcelona acabar com essa palhaçada e te fazer acordar pra vida.

Abri a boca para dizer algo, talvez para me defender, mas tudo o que ouvi foi o som seco da ligação sendo encerrada. Ele desligou na minha cara.

Por um momento, fiquei parada ali, o telefone ainda na mão, minha respiração acelerada. O peito parecia pesado, como se estivesse prestes a explodir. Eu sabia o que isso significava. Sabia que, se não provasse a ele que era capaz, haveria consequências. E, como sempre, essas consequências não seriam leves.

Olhei para Kwon, que ainda me observava, os braços cruzados e a expressão dura.

— É melhor você parar com esse jogo com o Axel e os Iron Dragons — Ele disse, o tom baixo, mas firme. — Se concentre só em destruir. É o que vou fazer. Mesmo que seja mais difícil assim.

Eu apenas assenti. Não confiei em mim mesma para dizer qualquer coisa. Senti um nó na garganta que parecia impossível de desatar. Levantei-me e fui para o banheiro, fechando a porta atrás de mim com um clique suave.

A luz fria do espelho me encarava. Tirei a camisa lentamente, cada movimento me lembrando da dor que estava acumulada nos músculos. Quando finalmente olhei para meu reflexo, vi as marcas nas minhas costas, hematomas novos, cicatrizes antigas. Era uma coleção de lembranças de tudo o que eu já havia passado, de todas as vezes que falhei em ser perfeita.

Passei os dedos pelas marcas, como se pudesse apagar o que estava ali. Meu peito subia e descia rapidamente, e por um instante, senti o choro ameaçando vir. Mas eu sabia que não podia. Não agora.

Respirei fundo, engolindo tudo, guardando para mais tarde. Eu precisava provar que podia ser melhor. Que ainda não tinha dado tudo o que tinha. Mesmo que me doesse mais, mesmo que me quebrasse. Afinal, para ele, eu nunca era suficiente. E essa era a verdade que mais me machucava.

Depois do banho, deixei a água quente escorrer pelo meu corpo, tentando aliviar a dor que parecia estar entranhada em cada músculo, mas principalmente no meu peito. Não era só o físico que doía. As palavras do meu pai ecoavam na minha mente, como um disco riscado. "Vergonhoso." "Brincadeira idiota." Cada sílaba parecia ter sido gravada a fogo.

Quando finalmente saí do banheiro, vesti algo leve e confortável. Uma calça solta e uma blusa de algodão, porque a ideia de algo apertado no corpo parecia insuportável. Peguei meu casaco para proteger do frio noturno e disse a Kwon que ia sair.

— Vai lá — Ele disse, jogado na cama. — Eu vou dormir um pouco. Falar com o papai cansa.

Ri de leve, mas sem humor. Ele tinha razão. Conversar com o papai era exaustivo, como ser jogada no meio de uma tempestade de facas. Deixei o quarto, sentindo os corredores frios e silenciosos me envolverem. Era tarde da noite, mas precisava disso, respirar, pensar, ou talvez apenas sentir algo diferente da pressão constante.

Quando cheguei ao elevador, apertei o botão e esperei, tentando acalmar minha respiração. Assim que as portas se abriram, meu coração parou por um momento. Lá estava ele. Axel. A última pessoa que eu queria ver, especialmente agora.

Revirei os olhos automaticamente e me virei, decidida a descer pelas escadas, qualquer coisa seria melhor do que ficar no mesmo espaço que ele.

— Espera — Ele disse, segurando a porta do elevador aberta.

Virei-me devagar, franzindo o cenho, irritada pela insistência. Ele me olhou, e sua voz saiu estranhamente calma.

— Você pode entrar. Não vou dizer nada.

Soltei uma risada irônica, cheia de incredulidade, mas entrei no elevador. O espaço era pequeno demais para o meu gosto, e a presença dele parecia ocupar mais do que deveria. Cruzei os braços, tentando manter a distância, encarando o painel de botões como se aquilo pudesse me salvar.

O silêncio era sufocante, mas minha mente não estava nem ali. As palavras do meu pai continuavam rodando na minha cabeça. "Não é o suficiente." "Eu vou acabar com essa palhaçada." Senti meus olhos arderem, as lágrimas ameaçando vir, e precisei engolir em seco para não ceder.

Mas é claro que ele notou.

— Você tá chorando? — Ele perguntou, em um tom baixo, quase preocupado.

Limpei o rosto rapidamente, como se quisesse apagar qualquer evidência, e minha voz saiu firme, quase ríspida.

— Não. Eu tô bem.

— Não parece — Ele respondeu, a voz calma como se estivesse pisando em vidro. — Você pode desabafar, se quiser. Eu finjo ser uma estátua ou algo assim. Sei que a gente não se dá bem, mas, segundo a Zara, sou um bom ouvinte.

Passei a língua pelo interior da bochecha, tentando engolir a irritação. Ele era tão... Gentil. Mesmo depois de tudo. Aquilo só me irritava mais, como se ele quisesse esfregar na minha cara que era melhor do que eu.

— Não preciso disso, obrigada. — Respondi seca.

Ele riu baixinho, quase sem graça.

— Sabe, eu achava que você não tinha fraquezas. É até impressionante.

Virei-me para ele, com os olhos semicerrados de raiva.

— Você não disse que ia ficar em silêncio?

Ele ergueu as mãos, como se se rendesse.

— Tem razão, foi mal.

O silêncio voltou, e dessa vez ele cumpriu a promessa. Mas, para mim, o espaço parecia mais apertado do que nunca. Cada segundo parecia durar uma eternidade até as portas se abrirem no térreo.

Saí sem olhar para trás, indo direto para a saída. O ar noturno era frio, mas revigorante. Puxei o casaco mais para perto do corpo e comecei a andar. Depois de alguns passos, percebi que Axel estava logo ao meu lado.

Por um momento, achei que ele estivesse me seguindo. Olhei de canto de olho, pronta para lançar alguma farpa, mas percebi que não era isso. Nós só estávamos indo na mesma direção. Caminhando lado a lado, sem querer.

Aquela sensação de estranheza me consumia. Eu não sabia se odiava ou se me incomodava o suficiente para ignorar. Mas, por algum motivo, eu continuei andando. E ele também.

Caminhando na direção da areia, o silêncio entre nós era sufocante. Eu sentia o vento frio da noite roçar minha pele, mas minha mente estava tão embaralhada que mal registrava o ambiente ao meu redor. Foi Axel quem quebrou o silêncio, finalmente.

— Desculpa. — Sua voz era baixa, quase hesitante, como se estivesse pisando em terreno instável.

Virei-me para ele, franzindo o cenho, sem entender.

— Pelo quê?

Ele respirou fundo, olhando para o chão enquanto caminhávamos.

— Pelo karaokê. Por aquele show idiota que eu dei. Por ter batido na mesa... Por ter tentado...

— Tudo bem. — Cortei-o rapidamente, antes que ele pudesse terminar a frase. A última coisa que eu queria era reviver aquele momento embaraçoso. — Não precisa se explicar. É passado.

Axel balançou a cabeça, parecendo frustrado.

— Não, não tá tudo bem. Eu me sinto culpado. Eu nunca quis fazer nada por mal, sabe? Eu estava bêbado. Mesmo que você me odeie por isso, ou queira me bater de novo, eu só queria esclarecer.

Sua voz ficou mais suave, como se as palavras pesassem.

— Eu tava confuso demais porque... Eu não consigo te tirar da cabeça.

Parei de andar por um momento, completamente atordoada. Passei as mãos pelos cabelos, tentando me recompor. Era tudo o que eu menos precisava agora. Confissões emocionadas não estavam no meu plano de lidar com a noite.

— Axel... — comecei, minha voz saindo mais baixa do que pretendia. Respirei fundo e me forcei a continuar, mais firme. — Isso faz parte do jogo, tá? Eu quis entrar na sua cabeça. Foi a jogada. Se você sente qualquer coisa, é porque eu fiz você sentir. Não porque é real.

Ele parou também, virando-se para mim, e balançou a cabeça negativamente.

— Não é isso. Não é só uma coisa ao acaso. Desde a primeira vez que eu te vi, eu soube que você não ia sair da minha cabeça. Não importa quantas vezes você tente me afastar, eu sempre vou acabar querendo voltar pra perto de você.

Eu fiquei ali, encarando-o, congelada. Era insano. Emocionado demais. Precipitado. E, acima de tudo, não fazia sentido. Eu nunca fui gentil com ele, nunca dei um motivo para ele se sentir assim. Suas palavras só faziam minha raiva crescer, não dele, mas de mim mesma. Como se isso confirmasse que eu falhei de alguma forma. Que, mesmo quando tento manipular o tabuleiro, tudo sai do meu controle.

Senti as lágrimas finalmente escaparem, quentes contra o frio da noite.

— Você não sabe o que está dizendo. — Minha voz saiu mais alta do que pretendia, cheia de frustração e raiva. — Você mal me conhece. Não faz ideia de quem eu sou. Eu só te usei, Axel. Era só isso.

Ele olhou para mim, e algo em seus olhos me desarmou. Não havia raiva ali, só uma compreensão que me irritava profundamente. Ele deu um passo à frente e colocou as mãos nos meus ombros. Eu hesitei, meu corpo travando. Minha primeira reação foi fugir, mas parecia que todas as minhas forças tinham evaporado.

— Eu sei — Ele disse, sua voz calma, mas cheia de uma dor que parecia quase palpável. — Eu sei que você tá tentando me afastar. E que talvez você tenha sido induzida a fazer isso.

Franzi o cenho, confusa e indignada.

— Induzida a fazer o quê?

Ele me encarou, e por um momento parecia lutar para encontrar as palavras certas.

— A agir assim. A jogar sujo. O seu sensei... Ele te força a fazer isso?

Minha boca abriu, mas nenhuma palavra saiu. A pergunta me atingiu como um soco no estômago, arrancando o ar dos meus pulmões.

— Do que você tá falando? — Murmurei, tentando entender aonde ele queria chegar.

— Meu sensei também me força a fazer coisas que eu não quero. — Ele respirou fundo, como se confessar isso fosse arrancar um pedaço dele. — E dói. De várias formas.

As palavras dele me deixaram sem reação. Eu não sabia o que responder, ou como processar o que ele estava dizendo. Era como se ele estivesse enxergando algo em mim que nem eu mesma queria admitir. O silêncio entre nós se tornou insuportável, e eu precisei desviar o olhar, porque a intensidade nos olhos dele era esmagadora.

Respirei fundo, tentando encontrar algum tipo de equilíbrio dentro de mim. A tensão nos meus ombros parecia insuportável, e cada palavra que eu segurava ameaçava me sufocar. Eu estava cansada. Tão farta de tudo isso. Antes que pudesse pensar direito, minha voz escapou, carregada de tudo o que eu vinha reprimindo.

— O Kreese não é o problema. — As palavras saíram rápidas, quase cuspidas. — É o meu pai. Ele é a verdadeira pedra no meu caminho. Ele quer que eu seja a melhor, mas... Ser a melhor significa ser a melhor do jeito dele. E aparentemente, tudo o que eu faço está errado.

Axel ficou em silêncio, me observando. Aquilo só me deu mais vontade de continuar, como se, finalmente, eu pudesse tirar esse peso de mim.

— Cada passo que eu dou, cada golpe que eu dou, cada tentativa de mudar o jogo... Nada disso importa. Porque no final, ele sempre vai dizer que é inútil, que eu nunca sou suficiente.

Senti meu peito apertar enquanto falava. As palavras fluíam sem controle, e eu estava além do ponto de tentar pará-las.

— E você... Você não está ajudando em nada. — Minha voz vacilou, mas mantive o tom firme. — Eu odeio a sensação de ter alguém se importando comigo. De sentir que alguém sente qualquer coisa por mim. Eu não sei lidar com isso.

Axel abriu a boca para dizer algo, mas eu o interrompi, falando cada vez mais rápido.

— Porque eu nunca tive isso. Nunca. E a única reação que eu sei ter é ser agressiva, me fechar, atacar antes de ser atacada. Não é porque eu quero... É porque eu não sei como reagir de outra forma! E tudo isso... Tudo isso... É estressante.

Eu passei as mãos pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais, antes de continuar.

— Eu não quero alguém que se preocupe comigo. Eu não posso ter esse tipo de fraqueza.

Fiquei ali parada, respirando com dificuldade, enquanto o silêncio nos envolvia novamente. Até que, do nada, Axel riu. Uma risada leve, mas ainda assim inconfundível.

— Do que você tá rindo? — Perguntei, indignada, me virando para encará-lo.

Ele levantou as mãos em um gesto de rendição, ainda com um sorriso nos lábios.

— Desculpa, desculpa. É só que... Eu não sabia que você podia ser tão falante.

Revirei os olhos, cruzando os braços enquanto me virava de volta para frente.

— Idiota.

Axel limpou a garganta, voltando ao tom sério, mas com um brilho divertido nos olhos.

— Tá tudo bem surtar de vez em quando, sabe? Eu surtei só porque percebi que tô me apaixonando por alguém que conheço há duas semanas. Então... Acho que estamos quites.

Cruzei os braços ainda mais apertados, tentando manter a compostura.

— Não é porque eu contei minhas frustrações pra você que isso significa que eu tô afim de você. Entendeu?

— Não esperava por isso. — Axel deu de ombros, o sorriso diminuindo um pouco. — Só queria, de alguma forma, compensar a babaquice no karaokê.

Dei um suspiro, balançando a cabeça.

— Eu fui a babaca, Axel. Eu que sempre fui cruel e destrutiva com você.

Ele pareceu confuso, mas continuei antes que ele pudesse responder.

— Não foi exatamente por mal... É como uma reação instintiva. — Olhei para frente, evitando encará-lo. — Eu ouvi a vida toda que não deveria ter piedade ou compaixão. Que deveria ser cruel com meus adversários. Meu pai sempre disse isso. Meus senseis também. Até o Kwon.

Minha voz ficou mais baixa, quase um sussurro.

— Mas você não merece isso. Você é gentil demais pra sofrer tanto.

Axel parou de andar por um momento, e quando olhei para ele, vi que ele estava completamente vermelho. Seu rosto parecia confuso, como se ele estivesse tentando encontrar palavras, mas falhando miseravelmente.

Eu não consegui segurar. Uma risada escapou dos meus lábios antes que eu pudesse me controlar. Não sei por que ri. Talvez fosse a tensão. Talvez fosse o absurdo da situação. Ou talvez fosse só a maneira desajeitada dele de reagir.

Desviei o olhar, voltando a caminhar. Ainda estava sorrindo, mesmo que eu não entendesse exatamente o motivo.

Axel correu para me acompanhar, mas não disse nada. E, pela primeira vez em muito tempo, o silêncio ao nosso redor não parecia tão pesado.

Eu estava sendo sincera. Ele realmente não merecia isso, mesmo que ele me irritasse profundamente às vezes. Axel não precisava se machucar mais. De alguma forma, por mais estranho que fosse admitir, eu sabia que ele merecia um pouco mais do que os socos ou chutes que eu lhe dei.

Logo eu me sentei na areia, puxando os joelhos contra o peito e cruzando os braços ao redor deles, encarando o mar à minha frente. As ondas se quebravam em um ritmo constante, um som que deveria ser tranquilizador, mas, naquele momento, era como um eco do caos que eu sentia por dentro.

Axel se sentou ao meu lado sem pedir permissão, e eu senti meu corpo enrijecer de imediato. Não o olhei. Não queria.

— Você vai me seguir pelo resto da noite? — Perguntei, estreitando os olhos e tentando soar irritada, mesmo que a pergunta tivesse um quê de resignação.

Ele deu de ombros, e eu podia ouvir o leve sorriso na voz dele quando respondeu.

— Se isso for ajudar você a se sentir um pouco melhor, talvez.

Revirei os olhos, soltando um murmúrio.

— Até parece.

Mas no fundo, sabia que a companhia dele era exatamente o que eu precisava. Ainda que eu nunca admitisse em voz alta, era reconfortante, de alguma forma, tê-lo ali. Não que isso fizesse sentido. Nada fazia sentido ultimamente.

Baixei a cabeça, descansando o queixo nos joelhos, e voltei a encarar o horizonte. As palavras do meu pai ainda ecoavam na minha mente, e a lembrança delas fazia meu estômago revirar. Talvez fosse só meu humor falando mais alto, um reflexo do inferno hormonal que vinha com o TMP. Já era quase aquela época do mês, afinal. Talvez fosse por isso que eu tinha chorado.

Porque em circunstâncias normais, isso nunca teria acontecido. Nunca.

A presença de Axel ao meu lado só tornava tudo mais confuso. Como ele podia ser assim? Tão... bom? Mesmo depois de tudo. Mesmo depois de eu o ter machucado, física e emocionalmente, mais vezes do que ele merecia, ele ainda estava aqui. Talvez ele fosse o tipo de pessoa que gostava de coisas que machucassem. Que fizessem doer.

Mas quem sou eu para julgar? Porque, no fundo, eu também era assim. Sempre me sentia mais viva quando estava no meio do caos, da luta. Quando fazia doer, quando precisava derramar sangue por algo que importava. Era como se a tempestade fosse o meu lar, e Axel fosse...

Ele era como a calmaria depois da tempestade. E eu odiava calmaria.

Eu me sentia mais confortável no meio do caos, no olho do furacão, enfrentando tudo de frente, com os punhos fechados. A calma dele me irritava, não porque era algo ruim, mas porque era algo que eu nunca tive. Algo que eu não sabia como aceitar.

Axel não dizia nada. Ele só ficava ali, sentado ao meu lado, enquanto o vento noturno bagunçava meu cabelo e trazia o cheiro salgado do mar. Por um momento, pensei em como ele parecia tão deslocado ao meu lado, tão fora de lugar. Ele era tudo o que eu não era, gentil, paciente, equilibrado.

E talvez fosse exatamente isso que me incomodava nele.

— Você é muito estranho, sabia? — Falei, finalmente quebrando o silêncio.

Axel riu, um som baixo e sincero que parecia combinar com o ritmo das ondas.

— Por que você acha isso?

Eu dei de ombros, mantendo os olhos fixos no mar.

— Porque você é assim. Tão... Exageradamente gentil. Mesmo quando não devia ser.

Ele não respondeu de imediato, e por um segundo, pensei que ele fosse ignorar meu comentário. Mas então ele disse, com a voz tranquila.

— Talvez seja porque alguém tem que ser gentil.

Franzi o cenho, mas não me virei para encará-lo.

— Isso é idiotice.

Ele riu de novo, mas dessa vez não respondeu.

Suspirei, sentindo o peso de tudo o que carregava nas costas, tanto literal quanto figurativamente. Talvez eu nunca soubesse como retribuir essa gentileza dele. Nunca soube como lidar com algo assim, porque nunca recebi isso antes. Era novo. Confuso.

E isso me assustava mais do que qualquer tempestade.

Ele me encarava, os olhos dele fixos nos meus, e por um momento, o ar pareceu mais denso. Não era só o silêncio que nos envolvia, mas algo que eu não conseguia nomear, algo que fazia meu coração bater um pouco mais rápido, embora eu odiasse admitir. Axel se inclinou levemente na minha direção, quase como se não tivesse certeza se deveria avançar ou parar.

Eu não recuei, mas senti meu peito subir e descer em uma respiração mais pesada, enquanto franzia o cenho.

— Se eu tentasse te beijar agora, você bateria em mim de novo? — Ele perguntou, a voz baixa, quase hesitante.

Soltei uma risada curta, o tipo de riso que carrega mais sarcasmo do que humor verdadeiro.

— Obviamente.

Ele piscou algumas vezes, se afastando, como se tivesse levado um soco invisível. Vi quando ele engoliu em seco, claramente sem graça, e revirei os olhos.

— Me fiz uma coisa... Você é burro ou convencido? — Perguntei, cruzando os braços e o encarando com uma sobrancelha arqueada.

Ele arregalou os olhos, como se estivesse genuinamente ofendido.

— Como é?

— Você me ouviu. Não adianta continuar tentando. Só porque eu fui legal com você agora não significa que somos amigos ou coisa parecida. Só pra constar. — Minha voz era firme, mas talvez houvesse algo mais ali, um cansaço escondido atrás da minha fachada irritada.

Axel ergueu as mãos como se estivesse se rendendo, o que só me fez revirar os olhos de novo.

— Tudo bem, moranguinho.

Inclinei a cabeça, confusa e já levemente irritada.

— Você me chamou do quê?

Ele sorriu de lado, aquele sorriso irritantemente charmoso que parecia ser a marca registrada dele.

— Moranguinho. Linda e delicada por fora, mas quando experimenta de perto, percebe que pode ser bem azedinha.

Dei uma risada incrédula, indignada até.

— Você é inacreditável. — Balancei a cabeça e voltei a olhar para o mar, tentando ignorá-lo, mas ele era irritantemente impossível de ignorar. — Que coisa de criança.

Ele respirou fundo, como se estivesse se preparando para falar algo sério.

— Só estou sendo sincero.

— Sincero? — Questionei, ainda olhando para o horizonte. — Você que é um gigante de aço, sabia? Igual aqueles robôs enormes que parecem não ter expressão nenhuma.

Agora foi a vez dele inclinar a cabeça, uma sobrancelha arqueada.

— Então eu acho que sou o Aton — Afirmou, com um sorriso. — O único robô com expressão. E, pra constar, o mais fofinho dentre os outros assustadores.

Fiz uma careta, cruzando os braços de novo.

— Essa é uma maneira bem estranha de falar sobre si mesmo.

Axel coçou a nuca, parecendo meio envergonhado, como se tivesse falado mais do que deveria. Foi involuntário, mas eu ri. Não aquele riso forçado ou carregado de sarcasmo, mas uma risada genuína, daquelas que escapam antes que você perceba.

Por algum motivo, isso o fez sorrir também, como se meu riso fosse algo especial.

Desviei o olhar, fixando os olhos no mar de novo. O vento bagunçava meu cabelo, e eu senti meu peito pesar com a realização irritante de que aquelas talvez fossem as primeiras risadas verdadeiras desde que eu cheguei em Barcelona.

E, para piorar, elas eram por causa de Axel. O "gigante de aço" do Iron Dragons. Alguém que eu deveria continuar odiando. Mas, agora, parecia um pouco mais difícil.

Não impossível. Mas definitivamente mais difícil.

O vento salgado da noite roçava minha pele, trazendo consigo o cheiro do mar. Eu me recostei nas palmas das mãos, sentindo os grãos de areia frios e ásperos contra os dedos. Cada respiração parecia mais longa, como se o peso dos últimos dias finalmente estivesse começando a me soltar, mas não o suficiente. Axel ainda estava ao meu lado, quieto, mas sua presença era impossível de ignorar. Ele tinha esse jeito de ocupar espaço sem realmente parecer fazê-lo, e isso me deixava inquieta.

A verdade era que eu não deveria estar aqui. Não deveria estar rindo, ou sentindo algum tipo de conforto em dividir a mesma areia, o mesmo momento, com alguém que, até pouco tempo atrás, eu via como um adversário. Mas algo nele... algo nele me deixava desarmada, e isso me irritava mais do que eu queria admitir.

Olhei para o mar, as ondas indo e vindo como se estivessem zombando do caos dentro de mim. Era estranho como algo tão imenso podia parecer tão calmo, mesmo sabendo que, debaixo daquela superfície, havia correntezas fortes e incontroláveis. Assim como eu.

— Você sempre fica assim? — Perguntei de repente, rompendo o silêncio. Minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia, mas não me importei.

Axel virou o rosto na minha direção, arqueando uma sobrancelha, claramente confuso.

— Assim como?

Eu fiz um gesto vago com a mão, sem tirar os olhos do mar.

— Tão... Irritantemente calmo.

Ouvi um riso curto escapar dele, mas sem humor, como se fosse mais uma resposta automática do que genuína.

— Você acha que eu sou calmo? — Ele sacudiu a cabeça, incrédulo. — Depois de tudo o que já viu de mim?

Virei para ele dessa vez, meus olhos encontrando os dele. Havia algo na maneira como ele me olhava, como se estivesse tentando desvendar algo que nem eu sabia que existia. Ele parecia cansado, mas escondia isso por trás daquele sorriso fácil.

— Talvez não calmo. — Dei de ombros, voltando a encarar as ondas. — Mas controlado. Você parece sempre ter tudo sob controle, mesmo quando está perdendo.

Axel riu de novo, dessa vez mais baixo, quase melancólico.

— Isso é engraçado vindo de você.

Franzi o cenho, me endireitando.

— O que isso quer dizer?

— Quero dizer que você finge ser toda caótica e imprevisível, mas na verdade... — Ele fez uma pausa, como se escolhesse cuidadosamente as palavras. — Eu vejo o que você faz. Cada movimento, cada palavra. Tudo planejado. Você controla cada pedaço de quem você é, porque está com medo de perder o controle.

Meu peito apertou como se algo pesado tivesse sido jogado sobre ele. As palavras dele me irritaram, mas ao mesmo tempo, acertaram algo em mim que eu preferia manter enterrado.

— Você não sabe nada sobre mim, Axel. — Minha voz saiu baixa, mas cortante.

Ele inclinou a cabeça para o lado, aquele sorriso pequeno e quase triste ainda presente.

— Talvez não. Mas eu quero saber.

As palavras dele me pegaram de surpresa, como uma rajada de vento gelado em um dia quente. Tantas pessoas já tentaram me entender antes, mas nunca desse jeito. Sempre com intenções ocultas, para me manipular, me expor ou me derrubar. Mas havia algo na maneira como Axel disse isso, como se ele realmente quisesse me conhecer, e isso não fazia sentido algum.

— Você é um idiota. — Murmurei, desviando o olhar porque encará-lo estava começando a me deixar desconfortável.

— Provavelmente. — Ele deu de ombros, e pela primeira vez, seu sorriso parecia um pouco mais leve, como se minha irritação fosse exatamente o que ele esperava.

O silêncio voltou, mas dessa vez não parecia tão pesado. Era como se o barulho das ondas preenchesse os espaços entre nós, tornando tudo menos sufocante.

Eu puxei meus joelhos contra o peito, abraçando-os enquanto descansava o queixo neles. O mar parecia interminável, como uma promessa de algo que eu nunca alcançaria. Axel continuava ao meu lado, imóvel, mas sua presença era... quase reconfortante. E isso me assustava.

Porque não importava o quanto Axel fosse diferente de tudo o que eu conhecia, não importava o quanto ele tentasse ser gentil ou me entender, eu sabia, no fundo, que não podia deixar ninguém entrar.

Mas naquele momento, com a areia fria sob mim e o vento sussurrando segredos que só o mar conhecia, eu me perguntei se talvez... só talvez... fosse bom, por uma única noite, fingir que isso não era verdade.

Obra autoral ©

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