08. Broken heart

Eu ainda estava parado ali, no meio do tatame, com o peito acelerado, as mãos um pouco trêmulas, e não era pelo esforço físico que tinha acabado de fazer. Era algo mais insidioso, algo que vinha de dentro. Ela. Hanna. A maneira como ela simplesmente saiu do tatame com sua equipe, com aquele sorriso vitorioso e aquele olhar desafiador, me deixou sem palavras. Eu odiava isso. Odiava o fato de que ela tinha conseguido mexer comigo dessa forma, de que ela me deixava vulnerável mais do que eu queria admitir. A sensação era desconfortável, como se eu tivesse sido completamente exposto, sem defesa, sem poder. E o pior de tudo era que, apesar de toda essa raiva, algo em mim ainda se sentia atraído por ela. Como se eu estivesse preso em uma armadilha, sem saber como sair.

Eu estava tão imerso nesses pensamentos que nem percebi a aproximação de Wolf até ele falar, cortando os ecos de frustração e raiva em minha mente. Sua voz grave soou como um trovão em minha cabeça.

— Axel! — Ele me chamou com o tom firme de sempre, o olhar tão afiado quanto uma lâmina. — Vamos, é hora de se preparar. Vocês enfrentarão outras equipes no círculo. Inclusive, o Cobra Kai.

O som do nome "Cobra Kai" caiu pesado sobre mim. Um aviso. Uma ameaça. Ele me olhou diretamente, e eu soube que o olhar dele significava mais do que simples orientação. Ele estava me testando. Ele queria ver se eu tinha o que era preciso. Ele queria saber se eu poderia ser implacável, como ele sempre pedia. Não havia espaço para compaixão, não agora. E, principalmente, não quando Hanna estivesse no outro lado do tatame.

Eu me senti como se tivesse levado um soco no estômago. Aquele nome. Cobra Kai. Ela. Eu sabia que não podia hesitar. Não podia mostrar fraqueza. Wolf estava certo. Se eu hesitasse, ela venceria. Ela já tinha me mostrado o quanto tinha controle, e se eu não fosse capaz de assumir o controle sobre a situação, tudo o que ela queria aconteceria.

— Não hesite, Axel. Não mostre piedade. — A voz de Wolf cortou meus pensamentos novamente. Ele estava mais próximo agora, os olhos fixos em mim, como se esperasse que eu me quebrasse ali mesmo. — Se quiser vencer o Cobra Kai, precisa destruir cada um deles, sem misericórdia. E isso inclui ela. Entendido?

Eu assenti sem dizer uma palavra. As palavras dele ecoaram na minha mente, se enraizando fundo. Eu sabia o que tinha que fazer. Mas, por um momento, algo dentro de mim se contorceu. Hanna era uma oponente formidável. Eu sabia disso. Mas também sabia que eu não podia deixar que ela fosse mais do que isso. Ela não podia ser um ponto fraco para mim. Eu não podia deixar que ela jogasse com minha cabeça, porque, se fizesse isso, ela ganharia antes mesmo de a luta começar.

Com um último olhar para a direção onde Hanna havia ido, eu me virei e comecei a caminhar de volta para minha equipe, as palavras de Wolf ainda reverberando em minha cabeça. Eu não poderia hesitar. Eu não poderia falhar. Quando o tatame fosse preparado novamente, seria hora de mostrar a todos, incluindo ela, que Axel não era alguém com quem se brincasse. Eu teria que ser mais do que apenas forte fisicamente. Eu teria que ser impiedoso.

⋆౨˚ ˖

Quando Zara me convidou para ir ao bar, eu hesitei. Não era muito o meu estilo. Eu preferia correr na praia ou treinar sozinho para desestressar. Mas ela insistiu, dizendo que todos estavam indo, que seria bom para relaxar e que o lugar tinha karaokê. Como se cantarolar desafinado fosse realmente melhorar meu humor. Ainda assim, depois de um longo dia no tatame, decidi ir. Talvez, só talvez, sair um pouco ajudasse a colocar minha cabeça no lugar, longe de treinos, lutas... E dela.

O bar ficava próximo à praia, o som do mar se misturava ao burburinho das pessoas lá dentro. Era um lugar mais descontraído do que imaginei, com luzes quentes que iluminavam as mesas de madeira e uma pequena área ao fundo com um palco improvisado para o karaokê. Eu senti meu corpo relaxar, mesmo que minimamente. Talvez Zara estivesse certa. Esse não parecia o tipo de lugar onde alguém como Hanna estaria.

Mas, como sempre, a vida gosta de me contradizer.

Assim que entrei, minha expressão suavizou por um breve momento antes de se fechar completamente. Lá estava o Cobra Kai. Ela. Sentada em uma mesa perto do palco, junto com Kwon, aquele pestinha com o sorriso sempre estampado de forma irritante no rosto. E o resto da equipe, claro, mas minha atenção foi diretamente para ela. Hanna estava inclinada para frente, rindo de algo que Kwon dizia, os olhos brilhando com uma malícia que parecia sempre presente.

Cerrei os punhos, tentando conter a mistura de emoções que me invadiu de repente. Irritação, claro. Confusão, obviamente. Mas havia outra coisa lá também, algo que não consegui identificar. Algo que me deixava inquieto. Ela estava completamente à vontade, como se o mundo inteiro fosse o palco dela e todos ao redor estivessem ali apenas para assistir.

— Vai ficar plantado aí o resto da noite, senhor Kovacevic? — A voz de Zara cortou meus pensamentos. Ela estava ao meu lado, ajustando o top apertado e examinando o salão como uma predadora em busca de presa. — Relaxa, vai beber alguma coisa. Talvez até cante, quem sabe? Ou então quem sabe você conquista alguém? — Ela piscou de forma provocativa antes de se afastar em direção à multidão.

Suspirei fundo, soltando os punhos e indo até o balcão. Precisava de uma bebida, qualquer coisa para tentar aliviar o peso que parecia crescer no meu peito. Assim que alcancei o barman, pedi algo forte, porque claramente precisava, e me encostei no balcão, deixando meus olhos vaguearem pelo local. Tentando não olhar para ela. Mas falhando miseravelmente.

Enquanto esperava minha bebida, percebi que Zara já tinha sumido, provavelmente à procura de alguém com quem passar a noite, como ela havia deixado bem claro. Ela era assim, livre, sem amarras, vivendo no momento. Algo que eu invejava às vezes. Ela não se deixava afetar pelo que quer que fosse. Não tinha uma coreana cruel na cabeça dela.

A bebida chegou, e eu virei o copo de uma vez, o líquido queimando minha garganta de forma agradável. Precisava manter o foco, me lembrar do que Wolf disse. Hanna não podia ser mais do que uma oponente. E mesmo aqui, fora do tatame, a batalha continuava. Ela sabia disso. Eu sabia disso. E, de algum jeito, ela sempre parecia estar um passo à frente.

Ainda assim, algo me fazia ficar. Mesmo com toda a raiva e confusão, eu não podia simplesmente sair. Porque, de alguma forma, enfrentar Hanna, seja no tatame ou fora dele, parecia um desafio que eu não conseguia ignorar. E talvez fosse esse meu maior problema.

Logo eu já  estava no meu terceiro, talvez quarto copo, perdi a conta, quando meu olhar cruzou novamente o salão. A bebida queimava menos a cada gole, mas fazia um trabalho decente em amortecer as emoções que eu não conseguia sufocar sozinho. O lugar estava cada vez mais cheio, o som das conversas e risadas crescendo, misturado com a música desafinada do karaokê ao fundo.

Por um momento, considerei me perder ali, entre o barulho e o álcool, tentando esquecer qualquer coisa que me lembrasse dela. Mas então meus olhos pousaram em Kwon. Ele estava agora do outro lado da sala, recostado em uma cadeira com uma garrafa de cerveja na mão, o sorriso irritante estampado no rosto. O tipo de sorriso que me fazia querer socá-lo só para apagar aquela expressão de superioridade.

Antes que eu pudesse me perder no pensamento, ele apontou a garrafa na direção de uma mesa num canto mais reservado. O movimento chamou minha atenção, e eu segui o gesto com o olhar.

Lá estava ela.

Hanna. Com dois n's, o que parecia ser um reflexo perfeito de tudo nela, intenso, dobrado, impossível de ignorar. Ela estava sentada com outro membro do Cobra Kai, Yoon, acho que era esse o nome dele. Eles estavam inclinados um para o outro, rindo de algo que eu não podia ouvir. Ela parecia... Relaxada, até demais. Totalmente à vontade, diferente do que eu via no tatame. Como se ali ela não precisasse carregar o peso da equipe ou manter aquela máscara de superioridade fria.

Mas isso só piorava.

A maneira como ela ria, jogando a cabeça levemente para trás, as mãos gesticulando enquanto conversava com ele. Tudo parecia tão natural. E então, Yoon inclinou-se um pouco mais, próximo o suficiente para que qualquer um pudesse pensar... Bem, qualquer um sabe disso. Meu estômago revirou de um jeito que eu não consegui explicar. Não era raiva, ou talvez fosse, uma raiva confusa que eu nem sabia direcionar. Não fazia sentido, mas estava lá, uma pontada incômoda que me fez apertar o copo vazio na mão.

Pedi outra bebida. E mais uma depois dessa. Cada gole era uma tentativa de apagar aquela visão, aquela irritação crescente. Mas, como sempre, Hanna tinha um jeito de se infiltrar. Mesmo quando ela não fazia nada, ela fazia. Porque a cada risada dela, a cada gesto, eu sentia algo crescer dentro de mim que eu odiava reconhecer.

"Por que diabos eu estou assim?"

Pensei, apertando os olhos e balançando a cabeça. Ela não era ninguém para mim além de uma oponente. Alguém que eu precisava derrotar, tanto no tatame quanto no meu próprio interior. E, ainda assim, aqui estava eu, com a mandíbula cerrada e as mãos inquietas, tentando ignorar como ela parecia tão... Perto de Yoon.

Kwon, é claro, percebeu. Ele sempre percebia. E eu vi de relance o sorriso dele se alargar, como se ele soubesse exatamente o que estava acontecendo dentro da minha cabeça. O bastardo estava se divertindo às minhas custas, e isso só adicionava combustível à chama que já queimava dentro de mim.

Peguei mais uma garrafa, o líquido agora descendo com mais facilidade do que deveria. Se aquilo fosse me ajudar a desligar, então eu continuaria. Talvez eu estivesse sendo estúpido, mas preferia a embriaguez a enfrentar o turbilhão que ela causava em mim. Preferia mil vezes isso do que admitir que, de alguma forma, Hanna,com sua risada fácil e seus olhos afiados, estava vivendo de graça na minha mente.

E enquanto eu olhava para ela mais uma vez, me perguntei se isso tudo era só parte do jogo dela. Uma nova forma de me desestabilizar. Talvez fosse. Talvez eu estivesse caindo exatamente onde ela queria. Mas, naquele momento, não importava. Porque, quer fosse intencional ou não, Hanna sempre vencia.

E isso me consumia.

Eu ainda sinto o gosto amargo da cerveja na boca enquanto me levanto, minhas pernas um pouco trêmulas por causa de todas as garrafas que virei sem pensar. Cada passo parece mais pesado que o último, mas mesmo assim, eu sigo em frente. Não consigo mais suportar a visão dela, sentada naquela mesa, rindo, aproveitando a noite como se eu fosse insignificante. Hanna. Com dois malditos N.

Minha respiração está pesada quando finalmente chego perto da mesa. Eu bato com a palma da mão no tampo, fazendo o som ecoar mais alto do que pretendia. Ela levanta o olhar, e aquele sorriso aparece. Sarcástico. Provocativo. Me desarma sem esforço.

— O que foi agora? — Ela pergunta, o tom carregado de ironia. — O que o gigante de aço quer?

Antes que eu consiga responder, Yoon, aquele idiota ao lado dela, solta uma risada e joga lenha na fogueira.

— Tá mais pra boneco de posto agora. Todo molenga, balançando pra lá e pra cá.

A raiva sobe como fogo em minhas veias. Meu dedo aponta automaticamente para ele, a mão trêmula.

— Cala essa maldita boca!

Eles apenas riem. Aquela risada ecoa nos meus ouvidos como um soco no meu orgulho já machucado. Então Hanna muda a expressão. O sorriso some, e algo mais frio toma seu lugar. Ela bate na mesa com força, me fazendo recuar por reflexo.

— Escuta aqui, grandão. — A voz dela é mais baixa, mas carrega uma ameaça clara. — Eu não sei qual é o seu problema, mas você tá atrapalhando minha noite. Dá o fora.

As palavras dela foram como uma faca, cortando fundo. Eu sinto a garganta apertar, mas tudo o que consigo fazer é bufar, girar nos calcanhares e andar. Meu corpo está praticamente no piloto automático, os pensamentos um caos, e antes que perceba, estou subindo no palco improvisado do bar.

Minha visão se torna turva, e o mundo ao meu redor parece girar, mas seguro o microfone como se fosse minha única âncora. A sala ficou em silêncio por alguns segundos, todos os olhares voltados para mim. Eu deveria descer. Eu sei que deveria. Mas ao invés disso, meus olhos encontraram os dela novamente. Hanna estava me observando, os braços cruzados, com aquele sorriso irritante nos lábios. Como se eu fosse uma piada ambulante.

— Essa é pra você, Hanna... — Digo, a voz rouca e instável, sem controle algum de minhas palavras ou ações.

Escolho uma música sem pensar muito. Acho que é "Drivers License" ou algo perto disso. Só sei que parecia falar sobre superação, e também luta, eu acho, como se isso pudesse me fazer sentir menos pequeno diante dela. Mas assim que comecei a cantar, percebi o desastre que isso estava se tornando. Minha voz estava fora de ritmo, cada nota um desastre, e mesmo assim, eu continuei. Não era pela plateia. Era por mim. E especialmente por ela, eu só não sabia o porquê de me expor à tamanha humilhação.

Quando terminei, o bar explodiu em risadas e aplausos irônicos. Alguns assobios misturados com gritos de provocação. Desço do palco sem olhar para ninguém, o peso do constrangimento sobre os ombros. Sinto meu rosto ligeiramente esquentar, mas não sei se é exatamente raiva, vergonha ou a maldita cerveja.

Passei pela mesa dela sem dizer uma palavra, sem sequer encará-la. Eu queria apenas sair dali e esquecer que isso aconteceu. Mas antes que eu conseguisse alcançar a porta, ouço a voz dela me chamando.

— Ei, boneco de posto.

Eu simplesmente parei. Meu corpo inteiro se contraiu, como se estivesse me preparando para um golpe que sabia sei que iria doer. Virei-me lentamente, os olhos encontrando os dela. Hanna estava ali, me olhando com aquele sorriso enigmático que me deixa louco, os braços ainda cruzados, mas o olhar mais... Interessado.

— Isso foi... Impressionado. — A voz dela é suave, mas o sarcasmo ainda está lá, como uma lâmina oculta.

Não consegui responder. Não sei se foi uma provocação ou se ela realmente quis dizer aquilo. Só balanço a cabeça, engulo a raiva e saio do bar. Do lado de fora, o ar fresco bate no meu rosto, mas não alivia o peso no meu peito. Hanna é como um labirinto, e cada vez que tento sair, só me perco mais.

A primeira coisa que senti foi o som das palmas dela. Era lento, debochado, como se estivesse batendo palmas para um palhaço em uma apresentação ruim. O riso dela ressoou logo em seguida, mais alto, carregado de sarcasmo. Meu estômago deu um nó, e eu fiz uma careta involuntária, voltando para dentro do bar no mesmo instante, consumido por um sentimento que não cabia dentro de mim.

— Por que... Por que você tem que ser tão cruel? — Minha voz saiu embargada, quase suplicante, como se a bebida tivesse dissolvido qualquer barreira de dignidade que eu ainda tentava segurar.

Ela riu novamente, cruzando os braços e me olhando como se eu fosse algum tipo de espetáculo patético.

— Você vai chorar agora? — A pergunta foi cortante, o olhar dela fixo, como se estivesse apenas esperando que eu me quebrasse completamente diante dela.

Algo dentro de mim estalou. Talvez fosse a raiva, ou talvez fosse a confusão. Não sei ao certo. Mas antes que eu pudesse controlar meu corpo, dei um passo na direção dela. Depois outro. Minha visão estava embaçada, o mundo ao redor girava levemente, mas nada disso parecia importar. Tudo o que eu via era ela.

Hanna franziu o cenho, algo novo piscando em seus olhos, confusão, talvez até um toque de desconforto. Ela deu um passo para trás, erguendo as mãos ligeiramente como se tentasse me afastar com um gesto.

— Volta pro seu cafofo, gigante de aço. Está perdendo tempo aqui.

Mas eu não parei. Continuei andando, cada passo mais pesado que o anterior, até ela finalmente bater as costas contra a parede. Era um canto mais isolado do karaokê, onde a luz era baixa e as vozes e a música pareciam abafadas, quase como se estivéssemos em uma bolha. O desconforto no rosto dela se transformou em algo mais firme, quase uma advertência.

— Se você tentar alguma coisa... — Ela estreitou os olhos, os músculos tensos como uma mola prestes a disparar. — Eu juro que vou te partir em dois.

Eu ri, mas foi um riso vazio, cheio de algo que nem eu sabia definir.

— Não importa o que você faça... — Murmurei, minha voz rouca e entrecortada. — Eu não consigo parar de te ver como a droga da Mulher Maravilha.

Ela apertou os lábios em uma linha fina, balançando a cabeça como se eu estivesse completamente fora de mim, o que, talvez, eu estivesse.

— Você não tá dizendo coisa com coisa. — A voz dela era firme, mas havia um toque de exasperação. Ela deu um passo para o lado, tentando sair, mas eu coloquei minha mão na parede, bloqueando a passagem.

O rosto dela estava perto agora, mais perto do que deveria estar. Meu coração batia tão rápido que eu mal conseguia ouvir os sons ao meu redor. Eu me inclinei, um impulso irracional tomando conta de mim. Queria beijá-la, como se isso pudesse apagar tudo, a raiva, a dor, a confusão.

Mas antes que eu pudesse sequer chegar perto, senti uma pressão forte no meu braço. Ela o segurou com uma força que eu não esperava, e antes que eu entendesse o que estava acontecendo, meu corpo girou no ar. O impacto com o chão foi brutal, o som abafado do meu corpo caindo ecoando em meus ouvidos. Como ela, daquele tamanho, poderia fazer isso com alguém do meu tamanho? Caramba, ela é tão impressionante.

E eu apenas fiquei no chão, deitado, a cabeça latejando e o mundo girando ainda mais rápido do que antes. Quando olhei para cima, ela estava em pé, me olhando com um misto de indignação e desprezo.

— Seu idiota! — Gritou ela, mas as palavras chegaram até mim como se fossem ditas debaixo d'água.

Tentei me levantar, mas meus braços não responderam. Tudo parecia distante, fora de alcance, inclusive minha própria consciência.

— Geuneun wanjeon babo ya! — A voz dela era como um eco agora, misturada com os sons ao fundo, e eu sequer conseguia entender suas palavras, mas pareciam soar como um xingamento.

Foi quando ouvi outro som. Zara. Ela apareceu ao meu lado, as mãos frias segurando meu rosto enquanto murmurava algo que eu não conseguia entender. Tudo o que sentia era o arrependimento rastejando por dentro de mim. Eu tinha extrapolado. Passado dos limites.

Minha visão começou a escurecer, e a última coisa que vi foi Hanna se afastando, com o que parecia ser um olhar de desprezo puro. Ou talvez fosse algo mais, não tinha certeza. Antes que pudesse decifrar, tudo se apagou.

Minha consciência piscava como uma lâmpada prestes a apagar. Senti o corpo sendo arrastado, braços fortes me segurando debaixo dos ombros. O chão parecia uma mancha turva de luzes e sombras, os passos ecoando em meus ouvidos como marteladas. Abri os olhos com dificuldade, apenas o suficiente para ver que estava sendo carregado por duas pessoas. Não conseguia distinguir exatamente quem eram, mas deduzi que eram Zara e talvez Chad, pelas vozes abafadas que soavam ao meu redor.

Tentei protestar, reunir forças para pelo menos balbuciar algo, mas tudo o que saiu foi um som rouco, insignificante. Minha cabeça latejava como se um martelo estivesse golpeando incessantemente meu crânio, e toda tentativa de clarear meus pensamentos só fazia a dor aumentar.

Então ouvi. Uma voz distante, cheia de raiva, atravessou a névoa que me envolvia.

— Eu vou matar esse desgraçado! — Era Kwon. Sem dúvida, era ele. Sua fúria parecia preencher todo o espaço, mesmo com o som abafado pelo karaokê e minha própria consciência falha.

Fiz um esforço para virar a cabeça, procurando pela origem da voz, mas só consegui gemer baixinho, minha visão ainda turva. O tom dele era como uma lâmina, cortante e cheio de ódio, e não havia como não entender o motivo. "Tentou beijar a minha irmã." As palavras ecoaram na minha mente, mesmo que ninguém tivesse dito diretamente. A lembrança veio como um soco, um flash que trouxe consigo uma onda de vergonha e arrependimento.

Hanna. A imagem dela encurralada contra a parede, a expressão confusa que se transformou em raiva, e o momento exato em que ela me derrubou, voltou com tanta clareza que meu estômago revirou. Não sabia o que era pior, o fato de eu ter passado dos limites ou o fato de que Kwon provavelmente estava certo em querer me matar.

— Cala essa boca, moleque! — Ouvi a voz de Zara, mais próxima agora, talvez tentando lidar com a fúria de Kwon. — Ele já tá ferrado o suficiente.

Eu queria agradecer, dizer algo, mas minha boca parecia de pedra. Tudo o que consegui fazer foi levantar uma mão trêmula até a cabeça, tentando aliviar a dor que pulsava no meu crânio. O toque fez pouco para ajudar, mas pelo menos era algo.

A caminhada parecia interminável, o ar da noite finalmente atingindo meu rosto quando saímos do karaokê. Era fresco, mas isso só fez a tontura aumentar. Minhas pernas estavam arrastando, quase sem vida, e finalmente tive a certeza de que estava sendo carregado por Chad e Zara.

— Cara, você precisa parar com isso. — Era a voz grave de Chad, carregada de reprovação.

— Como se ele pudesse ouvir alguma coisa nesse estado. — Zara respondeu, o tom mais exasperado, mas ainda preocupado.

Fui colocado com cuidado no banco de trás de um carro, a textura do assento de couro fria contra minha pele. O balanço do veículo quando começou a andar me fez querer vomitar, mas consegui engolir o impulso. Fechei os olhos por um instante, tentando fugir do peso esmagador da humilhação.

O caminho até o hotel foi silencioso, pelo menos para mim. Meus pensamentos estavam muito longe, presos em um ciclo de arrependimento e autocondenação. O que diabos eu estava pensando? Por que deixei a bebida me levar tão longe? As perguntas rodavam na minha mente como uma tempestade, mas nenhuma delas trazia respostas.

Quando finalmente chegamos ao quarto, senti o desconforto de ser carregado novamente. Zara e Chad me colocaram na cama com um cuidado que parecia quase irônico, dado o estado patético em que eu estava. Eu queria dizer algo, pedir desculpas, talvez, ou só pedir que me deixassem em paz, mas as palavras não vinham.

Ouvi os passos deles se afastando, e o som da porta se fechando trouxe um silêncio quase ensurdecedor. Fiquei ali, deitado, encarando o teto que girava levemente. A vergonha pesava tanto quanto o corpo cansado. As lembranças da noite eram um borrão, mas os flashes que voltavam eram o suficiente para me fazer querer cavar um buraco e me enterrar nele.

De alguma forma, essa sensação era pior do que qualquer golpe que já tinha levado no tatame.

Obra autoral ©

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