𝟬𝟳

A manhã seguinte chegou com uma luz opaca que atravessava as cortinas do meu quarto, refletindo a inquietação que ainda pulsava dentro de mim. A conversa com Katsuki na noite anterior ficava ecoando em minha mente. "Lutar com tudo isso", ele disse. Era engraçado como alguém tão explosivo conseguia ser tão direto quando se tratava de enxergar além da superfície.

Fiz um café e sentei no sofá com meu caderno. Minhas anotações sobre o documentário se misturavam com pensamentos dispersos sobre a noite passada. Eu sempre fui boa em organizar ideias, mas, ultimamente, meu mundo parecia um emaranhado de nós difíceis de desfazer.

Era outro fim de semana onde eu não havia planejado nada além de ficar em casa e ver séries ou ler o dia inteiro até pegar no sono, dormir e acordar várias vezes e ficar na minha própria companhia.

O telefone vibrou, interrompendo minha introspecção. Uma mensagem dele.

⎯ "Você acorda tão cedo assim todo dia ou só quando tá com a cabeça cheia?"

Deve ter feito corrida matinal e viu as luzes da minha casa emanando brilho.

Sorri involuntariamente. Bakugou tinha uma maneira peculiar de se intrometer nos meus momentos de solidão, mas, de alguma forma, isso não era tão ruim quanto eu costumava pensar antigamente.

⎯ "Café e reflexão. Duas coisas que você nunca vai entender."

A resposta veio quase imediata.

⎯ "Reflexão é perda de tempo. Melhor usar o tempo pra agir."

Revirei os olhos. Katsuki tinha essa habilidade de desafiar as pessoas sem perceber.

⎯ "Treinar não é exatamente meu forte, Bakugou. Mas obrigada pela preocupação."

⎯ "Você sabe que pode fazer mais do que acha, né? Só falta parar de fugir."

Parei por um instante, encarando a tela do celular. Ele parecia levar isso mais a sério do que eu imaginava.

⎯ "Talvez você tenha razão."

Dessa vez, ele demorou um pouco para responder, como se estivesse pensando cuidadosamente no que dizer.

⎯ "Claro que eu tenho. Vem na arena hoje à noite. Vou te mostrar."

⎯ "Mostrar o quê, exatamente?"

⎯ "Que lutar não é só dar socos. É aprender a aguentar os golpes também."

Respirei fundo. Katsuki tinha uma maneira brutal de expor verdades, mas, talvez, era exatamente isso que eu precisava.

Que estranho. Quando a vida começou a correr contra o tempo desta maneira?

Cheguei à arena ao cair da noite. O local estava menos movimentado do que a noite anterior, mas o ambiente ainda carregava aquela energia pesada e visceral. Katsuki estava no ringue, como sempre, ajustando as luvas e conversando com alguém que parecia ser seu treinador, eu não queria atrapalhar o que parecia ser um assunto pessoal, então manti distância até o outro homem ir embora. Ele me notou antes mesmo de eu dizer qualquer coisa.

⎯ Achei que fosse dar pra trás. -ele desceu do ringue com uma facilidade impressionante, os passos confiantes como sempre.

⎯ Não sou tão previsível quanto você acha. -respondi, cruzando os braços.

⎯ Ótimo. Então vem cá.

Ele me conduziu para uma área mais afastada, onde havia alguns sacos de pancada pendurados, várias luvas iguais as dele, pequenos pesos espalhados e um pequeno ringue no centro do local. Katsuki jogou um par de luvas para mim.

⎯ Primeiro, você vai acertar isso. Depois, a gente conversa.

⎯ Você realmente acha que eu vou fazer isso?

⎯ Se eu não achasse, não teria te chamado. Agora para de falar e tenta.

Hesitei por um momento antes de por as luvas, me virando pela vergonha de não saber exatamente como por aquelas coisas. Katsuki ficou em silêncio, observando. Quando dei o primeiro soco, ele bufou.

⎯ Você tá batendo como se tivesse medo de machucar. De novo, mas coloca força dessa vez.

Revirei os olhos e franzi o cenho, mas obedeci. O segundo golpe foi mais firme, mas ainda não era onde eu queria chegar, e algo dentro de mim começou a mudar. Era como se cada soco não fosse apenas contra o saco de pancadas, mas contra as dúvidas e os medos que vinham me atormentando.

Depois de alguns minutos, minha respiração estava acelerada, e meu corpo doía mais do que eu esperava, e minha sorte foram as roupas esportivas que usei conforme a ocasião. Katsuki, por outro lado, parecia satisfeito.

⎯ Viu? Não é tão difícil. Você só precisa parar de pensar tanto e agir mais.

Eu o encarei, sem saber se ria ou discutia com ele. Mas, pela primeira vez, percebi que talvez ele estivesse certo. Lutar não era só uma questão de força física; era sobre enfrentar o que nos assombra.

⎯ Isso foi... libertador. -admiti, ainda recuperando o fôlego.

⎯ Eu disse. -ele deu de ombros, com aquele sorriso autoconfiante. ⎯ Como acha que consegui isso tudo? -ele levanta os braços e força os músculos para ficarem à mostra.

Dessa vez, eu ri de verdade. Talvez Katsuki não fosse só o trovão que atravessava minha vida; talvez ele fosse também a tempestade que me fazia crescer.

Encostados nas fitas do ringue, por um momento ele saiu da sala dizendo que ia pegar algumas bebidas para nós, aproveitei o momento e adicionei mais algumas coisas nas notas do celular, referentes a experiência que acabará de ter.

Assim que o loiro voltou, dividiram as bebidas e ficaram por mais um tempo em reticência para refletir, até este ciclo se quebrar.

⎯ Me senti egoísta a alguns dias. -você virou para olhá-lo.

⎯ Como assim?

⎯ Você tava com a sua mãe e ela não se sentia bem, eu deveria ter ficado quieto e não ter insistido para que viesse.

⎯ Minha mãe sempre vai ter alguém que cuide de sua saúde, e eu preciso seguir os meus sonhos. Você me disse para fazer o que eu realmente quero, eu estou tentando. -eu tomo um gole do chá de gengibre gelado que ele trouxe.

⎯ Viu? Eu sempre tô certo. Se não tá feliz em um lugar, você não precisa permanecer onde sua tristeza também vai estar.

⎯ Você fala tão bonito, mas é tão estranho quando tenta pessoalmente.

⎯ ESSE NÃO É O OBJETIVO DA CONVERSA!

⎯ Desculpa, grosso.

Sua voz ríspida e seu alto tom diante de uma mulher o faz parecer uma pessoa terrível, mas as vezes sinto como se nossas vozes se agregassem uma à outra e se medissem a maneira certa para estarem em harmonia a qualquer ambiente que estivéssemos.

⎯ Você luta a muito tempo?

⎯ Eu luto a quatro anos.

⎯ Por que começou a lutar?

Seu olhar se esvaiou para o chão com o vislumbre de suas mãos se enrolando uma a outra, parecia hesitante em dizer, então não o pressionei, mas sua vontade própria o fez abrir a boca.

⎯ Eu tenho meus motivos. Você vai saber algum dia. -ele se voltou para me olhar mais uma vez. ⎯ Por que quer ser jornalista?

⎯ Por que minha mãe era jornalista.

⎯ Isso é motivo?

⎯ Isso se chama "seguir uma linhagem". Mas eu também gosto de estar na área. -eu suspirei. me sentei no chão do ringue e passei a olhá-lo de baixo para cima.

Eu acredito que com o passar do tempo, passei a odiar menos a ideia de que há um esporte onde o sangue existe em um pequeno espaço quadrado. A maneira como ele me mostra que nem todos lutam por saciedade da própria amargurada, me faz acreditar que o esporte pode ter um futuro decente - mais do que ja o tem.

Eu gostaria que as coisas em relação a lidar com meus próprios sentimentos em conflito fossem simples como aprender a socar um saco pendurado. Quando penso que não consigo mais, alguém me prova que eu posso fazer mais do que imagino, alguém como Katsuki Bakugou, que me mostrou que eu posso ir além se continuar tentando.

Mas quando a faísca de esperança que esta crescendo em meu coração começa a brilhar, ela se apaga com um balde de água que jogam nela. Como agora, onde recebo a ligação de um número desconhecido, aparentemente de telefone público.

⎯ Alô? Quem gostaria?

⎯ Filha! [Nome], o papai saiu da prisão!

E então a faísca se desvia do meu fio de esperança, e se desaparece com o vento que passa pela janela aberta da sala.

Eu finalizo rapidamente a ligação e desligo meu celular para não receber nenhuma notificação à mais.

⎯ Quem era?

A voz de Katsuki Bakugou aparece para mim como um eco borrado, mal o escuto. Mal consigo enxergar o que tem a minha frente, meu medo de criança começa a me corroer por todo o meu corpo, ate tomar minha mente.

E então uma mistura de raiva e tristeza formam as lágrimas dos meus olhos quando me lembro do motivo pelo qual minha mãe está a mais de um ano na cama de um hospital.

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