𝟬𝟲
Minha relação com Katsuki Bakugou é, no mínimo, um paradoxo fascinante.
Eu, que sempre busquei a tranquilidade em minhas interações, me vi repentinamente envolvida com alguém que é o oposto do silêncio que tanto aprecio. Katsuki é uma força bruta da natureza, impetuoso e muitas vezes barulhento, quase como um trovão que atravessa o céu sem pedir licença. No início, sua insistência em ser meu amigo me incomodava profundamente. Não entendia por que ele, com sua postura intempestiva e palavras sempre tão afiadas, sentia a necessidade de me seguir pelos corredores da universidade ou aparecer sem aviso prévio nos lugares que frequento.
Embora Katsuki me irrite com seu jeito direto e, às vezes, ríspido, há algo nele que me intriga. Sua intensidade contrasta com minha natureza analítica e introspectiva, mas, ironicamente, essa diferença parece nos complementar de alguma forma. Ele começou a me ajudar no documentário que estou produzindo, sobre lutadores de boxe, um projeto que não esperava que ele levasse tão a sério - talvez por que descobri seu segredo.
E o mais estranho de tudo é que, entre uma reclamação e outra, ele de fato me entende.
Fiquei sem palavras. Por trás da rudeza, ele é surpreendentemente observador, e, em momentos como esse, percebo que talvez sua insistência em nossa amizade tenha um propósito maior. Talvez, de alguma forma, ele veja em mim um eco da complexidade que ele mesmo carrega, mas raramente admite.
Nosso relacionamento é como um diálogo inacabado, cheio de faíscas e silêncios, mas, ao mesmo tempo, repleto de algo que não consigo definir completamente. Talvez seja isso o que mais me atrai e me desafia: descobrir quem realmente somos um para o outro.
Se despedir da minha mãe foi mais difícil do que eu sempre fiz. Sempre foi complicado. Mais uma despedida que me abalou como nunca, assim como nas vezes anteriores a esta.
A viagem até a arena foi longa, mas não pelo tempo em si, e sim pela densidade dos meus pensamentos. A paisagem do lado de fora era um borrão de luzes urbanas e céu nublado, refletindo meu estado de espírito. Meus dedos traçavam linhas invisíveis no vidro da janela, como se pudessem decifrar alguma resposta oculta no padrão da chuva.
Eu sempre fui boa em pensar demais, em examinar os detalhes minuciosos da vida, mas ultimamente minhas reflexões vinham carregadas de peso. Será que estou vivendo ou apenas sobrevivendo? Essa pergunta, em particular, me perseguia como uma sombra.
O ginásio estava vivo com uma energia quase palpável. As luzes brilhantes, o barulho ensurdecedor da multidão, o cheiro de suor e tensão no ar. Um contraste gritante com o meu mundo interno, sempre silencioso, sempre questionador.
Passei pelos corredores, me escondendo na penumbra, até que a voz dele, inconfundível e cheia de urgência, me alcançou.
⎯ Achei que você não vinha.
Katsuki disse alto, estava parado na entrada dos vestiários, os braços cruzados e o olhar incisivo. Ele era como um farol em meio à tempestade, mas um farol que não guiava - apenas queimava, exigindo atenção.
⎯ Eu não podia perder o espetáculo, não é? - respondi, minha voz tranquila como sempre, mas carregada de ironia.
⎯ Você e suas palavras bonitas. -ele bufou, mas havia algo quase aliviado em seu tom.
Eu me aproximei, observando os detalhes que ninguém mais parecia notar: as faixas nas mãos dele, gastas e ligeiramente manchadas; o suor que já começava a se formar na base do pescoço; o brilho feroz em seus olhos, que escondia algo mais profundo.
⎯ Está nervoso? -perguntei, inclinando ligeiramente a cabeça.
⎯ Nunca fico nervoso. -ele desviou o olhar, mas o movimento rápido de suas mãos, ajustando a faixa, o denunciava.
⎯ Você mente mal. -dei um meio sorriso, mas meus olhos o estudavam com cuidado, como quem lê um poema em busca de camadas ocultas. ⎯ Com quem vai lutar para estar tão abalado?
⎯ Você é irritante, sabia? -ele deu um passo à frente, diminuindo a distância entre nós. ⎯ Só senta lá, anota no seu caderninho e assiste. E não some de novo, entendeu?
Ele saiu antes que eu pudesse responder, deixando-me sozinha com o cheiro metálico do vestiário e o eco de suas palavras.
Do meu lugar na arquibancada, vi Katsuki entrar no ringue. Ele era uma força bruta, sim, mas havia algo mais na forma como se movia: uma precisão quase artística, como um escultor moldando o caos ao seu redor. Cada golpe parecia carregar não apenas força, mas também intenção.
E uma dor interna quase visível o suficiente para ser ignorada pelo meu olhar presunçoso.
E, no terceiro round, quando ele cambaleou após um golpe inesperado, senti algo prender em meu peito. Não era apenas preocupação; era um estranho tipo de admiração. Ele se levantou, claro, e venceu. Mas naquele momento de vulnerabilidade, vi o que ele talvez tentasse esconder: que ele também estava lutando contra algo que ia além do ringue.
Eu anotava tudo de forma minuciosamente cuidadosa, como desta vez não estava diretamente em frente ao ringue, as pessoas ao meu redor vez ou outra paravam para olhar o que eu estava fazendo, com certa estranheza no olhar.
Após a vitória, fui até os bastidores. Ele estava sentado em um banco, a cabeça baixa, respirando fundo. Parecia exausto, mas havia um leve sorriso nos lábios.
⎯ Parabéns. -minha voz saiu suave, quase um sussurro.
Ele ergueu o olhar para mim, e por um instante, o mundo pareceu desacelerar.
⎯ Você gostou? Anotou tudo? Tem alguma coisa que perdeu de vista? Quer o vídeo?
Você parece uma metralhadora assim.
- Foi... impactante. Você luta como quem escreve um poema, sabia? Intenso, mas preciso.
Ele franziu o cenho.
⎯ Isso é um elogio?
⎯ É uma observação. -dei de ombros.
Katsuki balançou a cabeça, mas havia algo novo em seu olhar, algo que eu não conseguia definir. Ele parecia estar me estudando, como se tentasse entender por que eu via o mundo de maneira tão diferente.
⎯ Você deveria tentar isso também, sabia? -ele murmurou de repente.
⎯ Tentar o quê?
⎯ Lutar. Não com os punhos, mas com... tudo isso. -ele gesticulou vagamente, como se estivesse tentando explicar algo muito maior do que palavras podiam alcançar. ⎯ Com o que está te prendendo.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, sentindo o peso das palavras dele. Katsuki era brusco, direto, mas às vezes, apenas às vezes, ele acertava em cheio.
⎯ Talvez você esteja certo. -minha resposta veio mais como um pensamento em voz alta do que como uma concordância.
Ele riu, um som curto e quase sarcástico.
⎯ Claro que estou. Agora vai pra casa, sua esquisita.
Enquanto ele se afastava, senti algo dentro de mim mudar. Pela primeira vez, a ideia de lutar - não no ringue, mas pela minha vida, pelos meus sonhos - não parecia tão impossível.
Mais tarde, enquanto voltava para casa, escrevi no meu caderno: "O mundo é uma arena, e viver é uma luta constante entre quem somos e quem queremos ser. Talvez seja hora de deixar o medo de lado e começar a lutar de verdade."
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