𝟬𝟱
Ao chegar no quarto de um hotel próximo do hospital, após pagar na recepção online e pegar as chaves na presencial, o pesar no meu suspiro me pegou quando me joguei na cama de casal.
Liguei meu celular e mantive meus olhos na tela enquanto estava iniciando. Meu semblante perdido me tomou, mesmo que meus olhos estivessem vidrados. Eu pensei nas palavras da mulher que tomava conta de minha mãe.
Eu me sinto dividida.
Dividida entre o meu futuro e o meu presente.
Minha mãe esta doente naquela cama e eu estou no meu último ano da faculdade. Eu não sei o que fazer e nem sei no que pensar.
Meus pensamentos se cessaram quando as inúmeras notificações tomaram conta do aparelho a minha frente. Todas as notificações de mensagens da mesma pessoa. Katsuki Bakugou.
⎯ EI, SUA IMBECIL, VOCÊ NÃO TEM VERGONHA NA CARA? COMO PODE IR EMBORA ASSIM?
⎯ VOCÊ NÃO VAI MAIS FAZER A FACULDADE?
⎯ Ei, me responde, você não é de sumir por tanto tempo assim
⎯ CARALHO, VOCÊ MORREU?
E mais algumas mensagens do tipo.
Passei a mão pelos meus cabelos, os bagunçando. Recebendo uma ligação dele em seguida, como se soubesse que as mensagens chegaram para mim.
Eu não queria atender, não queria falar com ninguém. Não queria sair da zona de conforto, como sempre.
Mas ele é tão irritante e insistente, que me faz cogitar em atendê-lo.
⎯ Alô.
⎯ Alô? É isso que me diz?
⎯ Você quer que eu diga algo a mais?
⎯ Mas onde caralhos você está? Quer me matar? Quer matar seus amigos? -sua voz irritante do outro lado da tela me deixava com dor de cabeça.
⎯ Eu não tenho amigos, alem de Uraraka. Eu não precisava avisar para ninguém além dela.
⎯ Eu sou seu amigo. Você é idiota?
Eu optei por ficar em silêncio alguns segundos do outro lado da linha. Não queria admitir que ele estava certo e que fui idiota em não avisar. Não compareci na sua luta e não me dei ao trabalho de dizer o por quê disto.
Deixei que ele me visse chorando e no final, eu me senti mais culpada ainda.
⎯ Ei, você tá ai?
⎯ Desculpa. -eu pedi, antes que ele dissesse mais algo.
Uma simples palavra fez ele ficar em silêncio por algum tempo antes de tossir e voltar a falar.
⎯ Eu vou passar uma gravação da luta pra você, trate de voltar logo. Os professores ficam interrompendo meu treino físico nas aulas pra perguntar sobre você. Você é uma estrela ou algo do tipo? Volta logo porra!
Beep. Beep.
E ele desligou me deixando confusa.
Quando abri nossa caixa de mensagens, havia o link ali, eu abri para assistir e o que pude ver foram apenas alguns socos, uma câmera embaçada, gritos altos da plateia e a vitória de Katsuki Bakugou.
⎯ A maioria dos lutadores estão no ramo por que não tiveram sucesso nos estudos ou a vida foi difícil. Pobreza, assédio, pena de prisão... -eu murmurava, enquanto colocava no bloco de notas do celular, já que deixei o físico em casa. ⎯ Mas este lutador está na faculdade...
Agora que paro para pensar, é impressionante estar no ranking da faculdade quando se esta lutando boxe. Nossa faculdade é rígida em relação a violência, talvez por este motivo ele estivesse tão assustado quando me viu através do seu ringue.
Ele me deixou saber do seu segredo por pouco e eu, por pouco, o conheci.
Eu agradeci pelo link de sua luta e ele enviou apenas um emoji retribuindo, ele perguntou se estava lutando bem e eu com certeza não fazia a menor ideia, mas se estava ganhando, então estava indo bem.
⎯ Quando você volta?
Me fez engolir em seco, por que nem eu sabia.
Eu liguei para meus professores e representantes gerais da instituição para anunciar minha possível demora para voltar, avisei que estava fazendo meu trabalho com êxito e que eu estou com problemas pessoais.
No hospital era sempre a mesma coisa, mas eu estava com a minha mãe, então estava tudo bem.
Ninguém sabia exatamente qual era seu estado atual, sempre era crítico ou elevado.
Isso me irritava.
⎯ Senhorita. -a mulher que cuida dela me chama do corredor enquanto estou no quarto, e eu vou. ⎯ A senhorita vai ficar?
⎯ Eu vou.
Ela sorri.
⎯ Obrigada. Não é fácil para ela, é importante que pelomenos a filha esteja aqui. Eu sou apenas uma serventia.
⎯ Obrigada pelos seus cuidados, eu assumo daqui.
Ela faz a reverência em agradecimento e segue pelo corredor, presumo que esteja cansada por cuidar de uma mulher doente. Meu olhar a persegue enquanto ela some com seus passos ecoando.
Se sua mãe estivesse nesta cama de hospital, você não ficaria tão ansiosa para ir embora.
Mas é egoísta da minha parte pensar assim, então eu apenas suspiro e volto para a cadeira ao lado da cama da minha mãe.
⎯ Meu amor, você tem um namorado?
Eu a olho surpresa.
⎯ O que? Eu não tenho tempo para esse tipo de coisa mãe.
⎯ Mas então, quando esta aqui, com quem tanto conversa no telefone? -eu engulo em seco, me lamentando pela quantidade de coisas que aquele cara me faz passar.
⎯ Não mãe, não é nada disso. É um amigo da faculdade, estamos fazendo um trabalho juntos, a ajuda dele é importante, então estamos mantendo contato.
⎯ Entendi... Mas você esta tão focada nisso. Ele não está interessado em você? Sempre liga e pergunta quando volta.
⎯ Não mãe... Não tem por quê alguém se interessar por mim, eu não sirvo para essas coisas.
Ela ri baixo ao me ver constrangida com suas perguntas desconcertantes. Ela atingiu o próprio objetivo.
Mais tarde no hotel, eu estava preparando meu jantar na pequena cozinha que era separada do resto do cômodo apenas por um balcão de madeira. Em meio ao preparo da refeição, a chuva caia e o cheiro de brisa molhada entrava pela sacada do local se misturando com o cheiro da comida feita por mim, era agradável de alguma maneira.
Com o braço na placa de vidro da varanda e a mão apoiada no meu rosto, eu observava a vista das luzes da cidade a noite, que eram apenas de prédios reluzentes e placas neon espalhadas pelas ruas.
Lembranças da infância tomam conta da minha mente e do meu coração.
⎯ Seu desgraçado. Como pôde se meter em briga denovo? Você não liga para a sua filha?! Quer me matar de vergonha...
Um tapa se insere o rosto da minha mãe neste dia, ecoando pelo cômodo, enquanto eu estava escondida atrás da porta com medo de que eu fosse a próxima.
Como se minha vida dependesse do meu silêncio, para que minha mãe sobrevivesse.
Mas viver é diferente de sobreviver.
Meus pensamentos desgastantes cessaram com o toque do meu celular, indicando uma chamada telefônica. Katsuki Bakugou me ligava.
⎯ Alô.
⎯ Quando você volta?
Suspiro do meu lado da linha.
⎯ Eu vou desligar.
⎯ NÃO! -eu dou uma chance com seu grito estrondoso. ⎯ Eu tenho uma luta importante neste domingo. Quero que venha me ver.
⎯ Todas as suas lutas são importantes, né? -eu adiciono sarcasmo na voz.
⎯ Você não entendeu. Essa luta é pelo cinturão.
⎯ Oh. O que é isso?
⎯ ...Eu que vou desligar agora.
⎯ Por favor.
⎯ ESCUTA AQUI! VOCÊ DEVERIA ME AGRADECER POR ESTAR TE AJUDANDO!
⎯ É mesmo?
Eu não contenho a risada que ele me tira, e acabo soltando, tomando um breve silêncio do outro lado da linha. Até ele falar novamente.
⎯ Só venha assistir a luta. Pode ser?
⎯ Katsuki. Minha mãe vai morrer, eu preciso estar aqui. Ela precisa de alguém para cuidar dela e eu sou a única pessoa que ela tem.
Seu silêncio me faz trincar as cutículas das unhas com outros dedos e morder os lábios, como se eu acabasse de falar algo errado ou algo ruim. Me deixou inquieta e eu não gostei da sensação de estar inquieta.
Eu não deveria ter me abrido tanto em relação aos meus problemas?
⎯ Porra... Olha, ninguém tá dizendo que você não deve cuidar dela, mas ficar aí se martirizando não vai ajudar em nada. Você acha que ser a única pessoa que ela tem significa carregar tudo sozinha? Isso não vai resolver porcaria nenhuma. Se você quer ser forte pra ela e para si mesma, tem que parar de agir como se fosse quebrar a qualquer momento. Dá pra fazer isso ou não?
Como ele pode ser tão duro e ao mesmo tempo tão reconfortante?
Sinto que com estas palavras eu afoguei e transbordei diversas vezes em um mar de verdades.
Pela primeira vez alguém me tirou da zona de conforto e estourou a bolha mental que me cercava com a ideia de que eu sou perfeita o tempo inteiro. Eu não posso viver pela minha mãe para sempre. Ela precisa de mim, mas eu também quero viver a vida da minha própria maneira.
⎯ Katsuki.
⎯ Pensei que tinha desligado!
⎯ Vou chegar a tempo da sua luta.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top