﹙001﹚ 𝐓𝐇𝐄 𝐁𝐈𝐑𝐓𝐇𝐃𝐀𝐘 𝐆𝐈𝐑𝐋 .
FEVEREIRO DE 2024
A música ecoava pelos meus ouvidos, cada batida reverberando no meu peito, acelerando meu coração no mesmo ritmo da droga que já fazia efeito. Luzes piscavam ao meu redor, cores vibrantes misturadas ao cheiro forte de álcool, cigarro e algo mais ilícito.
Era meu aniversário de 19 anos, e eu estava exatamente onde deveria estar: em uma das festas caóticas do meu irmão Blake, rebolando no colo do meu namorado, Bennett Bolton.
A vida só parecia melhorar.
Senti as mãos de Bennett apertando minha cintura, seu hálito quente com cheiro de uísque roçando em meu pescoço quando ele murmurou algo no meu ouvido, algo que eu não me dei ao trabalho de entender. Estava ocupada demais sentindo a adrenalina pulsar em meu sangue, ocupada demais sendo o centro das atenções, como sempre.
Afinal, não era todo dia que a filha da vereadora e o filho do prefeito se entregavam ao caos juntos.
Dois fodidos afundados no álcool, nas drogas e em problemas que seus sobrenomes não conseguiam esconder.
Eu ri, sentindo a cabeça girar levemente enquanto pegava o copo que alguém me estendia. Uísque. Forte, queimando minha garganta de um jeito quase confortável. Bennett passou um braço preguiçoso pelo meu ombro, puxando-me mais para perto. Ele gostava de me exibir. E eu gostava de ser exibida.
Mas, por algum motivo, mesmo com toda aquela gente ao meu redor, mesmo com toda a atenção voltada para mim, uma sensação estranha rastejava pela minha pele.
Como se houvesse alguém me observando. Como se, em meio ao caos da festa, houvesse um par de olhos fixos em mim.
Sacudi a cabeça, afastando o pensamento. Talvez fosse só a droga. Talvez fosse só a paranoia que vinha com ela.
Bennett inclinou-se para mais perto, sua respiração quente e carregada de álcool roçando contra a pele sensível do meu pescoço. Seus dedos deslizaram preguiçosamente pela lateral da minha coxa exposta, apertando de leve, como se estivesse testando minha reação.
──── Por favor, me diz que tá sem calcinha, gata ──── ele sussurrou, a voz arrastada, embriagada, cheia de desejo e ego inflado.
Revirei os olhos, segurando um sorriso divertido. Bennett sempre tinha essa necessidade de alimentar a própria masculinidade, como se cada olhar que alguém lançava para mim fosse um golpe contra seu orgulho. Ele gostava de me exibir, gostava de lembrar a todos que eu era dele. Mas, no fundo, ambos sabíamos que eu fazia o que queria.
Deslizei os dedos pelo cabelo dele, puxando de leve, sentindo-o se arrepiar sob meu toque. Inclinei-me para perto, deixando meus lábios roçarem sua orelha antes de sussurrar de volta:
──── E se eu estiver? ────
O jeito que seu corpo enrijeceu contra o meu me fez rir baixinho. Ele murmurou um xingamento e apertou minha cintura com mais força, como se quisesse me prender ali, no colo dele, para que ninguém mais me olhasse daquela forma.
Bennett grunhiu contra meu pescoço, os dedos ágeis deslizando para debaixo da minha saia sem nenhuma cerimônia.
──── Porra, eu já tô duro e dolorido, gata. Eu preciso te foder agora, entende? ──── A voz dele estava rouca, carregada de desejo e impaciência.
Suspirei, inclinando um pouco a cabeça para trás, mais por hábito do que por prazer genuíno. Bennett não era o melhor na cama. Na verdade, ele mal se esforçava. Para ele, o sexo era mais sobre posse do que prazer. Mais sobre marcar território do que me fazer sentir alguma coisa.
Os lábios de Bennett pressionaram minha clavícula, sugando a pele com uma força quase desesperada. Ele queria deixar uma marca. Queria que todos vissem e soubessem que eu era dele. Como se eu fosse um troféu exposto na prateleira, uma posse a ser ostentada.
Minha pele ardia sob o toque bruto, e por um instante, senti um nó apertar minha garganta. Não era excitação. Era algo diferente, algo que fazia meu estômago revirar.
Segurei a mão dele, tentando afastá-lo um pouco.
──── Vamos para o banheiro ──── murmurei contra o ouvido dele, minha voz baixa, quase hesitante.
Bennett riu, um som rouco e bêbado, antes de apertar ainda mais minha cintura.
──── Finalmente parou de me torturar, hein, gata? ────
Rolei os olhos, mas deixei que ele me puxasse para fora da pista de dança. O calor do ambiente, as luzes piscando, o cheiro de álcool e cigarro... tudo parecia girar ao meu redor. Meus pés tropeçaram levemente, mas me mantive firme.
Atravessamos o corredor estreito que levava aos banheiros. As paredes estavam cobertas de pichações e marcas de batom, lembranças de outras noites tão caóticas quanto essa. Bennett abriu a porta com um empurrão e me puxou para dentro.
O som da festa ficou abafado assim que a porta se fechou atrás de nós. Ele me encostou contra a pia, as mãos deslizando para minhas coxas com urgência.
Bennett deslizou as mãos pelas minhas coxas, afastando minhas pernas enquanto me encarava com aquele olhar carregado de desejo.
──── Eu te quero tanto ──── ele sussurrou contra minha boca, o hálito quente e impregnado de álcool.
Eu forcei um sorriso, passando os dedos pelos fios bagunçados do cabelo dele.
──── Também te quero ──── menti.
Ele não percebeu a falta de verdade na minha voz. Ou talvez não se importasse.
Com um movimento ágil, Bennett se ajoelhou entre minhas pernas, segurando minha cintura com força. Seus dedos subiram lentamente pela lateral da minha saia, puxando-a para cima com um olhar faminto.
──── Quero ver essa bocetinha rosa chamando por mim ──── ele murmurou, um sorriso satisfeito nos lábios.
Fechei os olhos por um segundo e soltei um gemido baixinho, forçado, apenas para que ele pensasse que eu estava entregue ao momento.
Mas minha mente estava em outro lugar.
O cheiro do banheiro era uma mistura enjoativa de perfume barato, cigarro e algo que eu preferia não identificar. O som abafado da música reverberava pelas paredes, misturado com risadas e conversas do lado de fora. Mas ali dentro, o espaço parecia pequeno demais, sufocante demais.
Um arrepio percorreu minha espinha no momento em que senti os dedos de Bennett invadindo meu corpo sem aviso.
──── Porra, avisa quando for fazer isso! ──── minha primeira reação foi afastá-lo, mas me segurei.
Ele riu baixo.
──── O que foi, gata? Você nunca reclamou antes ──── sua voz era um sussurro arrastado, embriagado, enquanto ele curvava os dedos dentro de mim, buscando uma reação que eu não sentia vontade de dar.
Fechei os olhos por um segundo, tentando me concentrar em qualquer coisa que não fosse o toque dele. Meus pensamentos vagaram para longe, para algo que queimava no fundo da minha mente, algo que eu tentava ignorar há anos.
Mas então algo aconteceu.
Aquela sensação.
O arrepio familiar, não provocado pelo álcool ou pelo toque de Bennett, mas por algo invisível. Algo que me observava.
Meu corpo ficou tenso, e por um momento, não era mais a respiração de Bennett que eu ouvia.
Era outra.
Mais baixa. Mais controlada.
Meu coração martelou no peito, e eu abri os olhos num estalo, olhando ao redor.
Ninguém.
Mas eu sabia.
Sabia que ele estava ali.
Bennett tirou os dedos de dentro de mim com um brilho faminto nos olhos, as mãos ansiosas enquanto desabotoava a calça.
──── Vou te deixar sem andar, gata ──── ele murmurou, a voz carregada de desejo e álcool.
Eu soltei uma risadinha abafada, um som que não passava de um reflexo treinado. Ele não ia me deixar sem andar. Ele nunca deixava. Bennett socava fofo, apenas para o próprio prazer, sem se preocupar se eu sentia alguma coisa.
Nunca me fez gemer de verdade. Nunca me fez arder no dia seguinte. Nunca me fez sentir qualquer coisa além de tédio.
Mas eu fingia.
Fingia que ele era o melhor, que me fazia gozar, que era insaciável e irresistível. Era mais fácil assim. Ele gostava de se achar fodão na cama, gostava quando eu revirava os olhos e arqueava as costas como se estivesse perdendo o controle.
E eu era boa nisso.
Boa em fingir.
Boa em fazer com que ele acreditasse em cada palavra que saía da minha boca.
Bennett abaixou as calças com pressa, os olhos escuros de desejo, o pau já duro, pulsando à mostra. Ele queria que eu o olhasse, que me impressionasse com aquilo.
Eu sorri maliciosamente, deixando meus dedos deslizarem até o meu clitóris, inclinando meus quadris para frente de propósito.
──── Esse é meu presente de aniversário? ──── provoquei, mordendo os lábios, fingindo que aquilo me excitava.
Ele riu, convencido, passando a mão sobre si mesmo.
──── O melhor presente que você vai ganhar hoje, gata ────
Duvidava.
Mas fiz o jogo dele. Me contorci um pouco, soltei um suspiro carregado, arqueei as costas contra a parede suja do banheiro. Tudo para inflar o ego dele. Tudo para que terminasse logo.
Meus dedos se moviam no meu próprio ritmo, porque, no fundo, eu sabia que teria que me fazer gozar sozinha. Sempre era assim. Sentia mais prazer comigo mesma do que com aquele pau dele, mas isso não era algo que eu iria admitir.
──── Porra, você é tão gostosa assim, se tocando pra mim... ──── Bennett murmurou, a voz arrastada pela bebida e pela excitação inflada pelo próprio ego.
Ele passou a ponta do pau pela minha entrada, e eu sabia que não estava exatamente molhada. Mas eu sabia fingir.
──── Eu te amo, Penelope ──── ele sussurrou, a respiração quente contra meu pescoço.
Ah, essa era nova.
Soltei um riso baixo, abafado, fingindo estar emocionada, quando na verdade só queria que aquilo acabasse logo.
──── Sem camisinha? ──── murmurei, puxando ele pela nuca para beijá-lo antes que ele começasse a dramatizar sobre amor e todas essas besteiras que eu não queria ouvir naquele momento.
Ele riu contra meus lábios.
──── Você toma pílula, não toma? ────
Como se fosse essa a questão.
Como se eu não soubesse que ele só queria sentir mais prazer para si mesmo, sem se importar se eu sentiria alguma coisa além da sensação morna e insignificante de sempre.
Mas eu não discuti.
Apenas continuei o teatro.
Ele me penetrou de uma vez, rápido e bruto, como se quisesse provar algo. Como se aquilo fosse o suficiente para me fazer sentir alguma coisa. Mas, como sempre, depois das primeiras estocadas, o ritmo dele diminuiu, tornando-se monótono. Sem força, sem intensidade, sem qualquer urgência que fizesse meu corpo responder.
O único som no banheiro, além da música abafada da festa, era o barulho das bolas dele batendo contra mim, um som úmido e repetitivo que não fazia nada além de me lembrar de como aquilo não me afetava.
Minhas mãos ainda se ocupavam no meu próprio clitóris, porque eu sabia que, se quisesse sentir alguma coisa, teria que fazer isso sozinha.
Bennett, perdido no próprio prazer, enfiou o rosto no meu pescoço, chupando e mordendo a pele com uma intensidade que parecia mais um selo de posse do que um gesto de desejo genuíno.
──── Você é tão gostosa, gata... ──── ele murmurou contra minha pele, as palavras arrastadas e carregadas de luxúria vazia.
Eu fechei os olhos e continuei me tocando.
Se eu ia gozar naquela noite, definitivamente não seria por causa dele.
──── Vamos gozar juntos, gata? ──── Bennett sussurrou no meu ouvido, a voz carregada de desejo.
Ele nem havia me tocado, mas a ideia de já querer o prazer logo ali, sem cerimônias, parecia tão... típica dele. Bennett era tão previsível, tão apressado, tão focado apenas no que ele queria, sem se importar com mais nada.
Me perguntei, pela milésima vez, o que me fazia ainda estar ali com ele. Como alguém como ele conseguia me manter tão perto, mesmo quando eu sabia que não era o que eu queria?
──── Claro... ──── menti, com a voz fria, tentando disfarçar o desconforto. Mais uma mentira, uma mentira repetida que eu já nem sentia mais como um esforço.
No dia seguinte, acordei com a luz do sol invadindo meu quarto sem permissão. Meu corpo ainda pesava como se estivesse grudado à cama, e minha cabeça latejava, uma lembrança amarga da noite anterior.
Quase meio-dia. Eu estava fodida.
Minha mãe, é claro, já tinha tudo planejado. Um grande almoço de aniversário, cheio de gente que eu mal conhecia, mas que faziam parte da sua lista seletiva de convidados importantes. Eu queria isso? Nem um pouco. Mas minha vontade nunca foi algo que importasse para ela.
Soltei um suspiro cansado antes de finalmente reunir forças para sair da cama. Me arrastei até a janela, espiando o lado de fora. O jardim já estava tomado por pessoas chiques e vestidas de forma impecável, se misturando em conversas forçadas, taças de champanhe nas mãos e sorrisos de fachada. Uma visão que eu já conhecia bem demais.
Meus olhos passearam pelo ambiente até encontrarem duas figuras familiares. Cate e Victor estavam lá, entre os convidados. Cate, sempre gentil e acolhedora, me viu primeiro e abriu um sorriso genuíno, acenando discretamente para mim. Mas Victor... ah, Victor. Ele me olhou com aquela expressão teatralmente indignada, como se eu tivesse cometido um crime por ainda estar no meu quarto em vez de estar lá, cumprindo minha função na peça ridícula que minha mãe havia armado.
Revirei os olhos e, sem pensar duas vezes, levantei a mão, mostrando o dedo do meio para ele. O sorriso debochado que surgiu em seus lábios me disse que ele esperava exatamente essa reação.
Antes que ele pudesse responder, me afastei rapidamente da janela, sentindo uma pontada de impaciência crescer dentro de mim.
Fui direto para o meu closet, tentando ignorar a sensação sufocante de obrigação que já começava a se instalar no meu peito. Eu precisava me arrumar, precisava sorrir, precisava parecer feliz. Mas, no fundo, tudo o que eu queria era que esse maldito dia acabasse logo.
Quando entrei no meu closet, minha cabeça ainda pesava com a ideia de ter que enfrentar aquele evento ridículo. Mas, no segundo em que meus olhos pousaram no meio das roupas perfeitamente organizadas, algo se destacou.
Um vestido vermelho luxuoso, pendurado com um cuidado quase reverente. O tecido era impecável, caía como seda e parecia ter sido feito sob medida para mim. Não foi difícil adivinhar quem tinha colocado aquilo ali.
Minha mãe, claro. Ela sempre fazia questão de decidir o que eu vestiria nessas ocasiões.
Mas então, percebi algo diferente.
Uma pequena nota presa ao cabide.
Peguei o papel entre os dedos, sentindo um arrepio involuntário subir pela minha espinha antes mesmo de ler as palavras rabiscadas com aquela caligrafia que eu reconheceria em qualquer lugar.
Meus dedos apertaram o papel com mais força.
Pequeno lírio.
Só uma pessoa no mundo me chamava assim.
Tio Zack.
Engoli em seco, sentindo o impacto dessas duas palavras ecoando dentro de mim.
Três anos. Exatos três anos desde que ele desapareceu da minha vida.
Um dia depois do meu aniversário de dezesseis anos, ele foi embora. Londres, Inglaterra, suponho. Mas nunca se deu ao trabalho de me dizer exatamente para onde. Nunca me mandou uma mensagem, nunca um sinal de vida. Foi como se tivesse evaporado, sumindo no ar sem qualquer explicação.
E agora ele estava de volta.
E agora ele estava me dando presentes.
O vestido em minhas mãos parecia carregar muito mais do que apenas tecido caro e bom gosto. Era um lembrete. Um aviso.
Uma provocação.
Meus pensamentos estavam em caos, e meu peito apertava de um jeito que eu não sabia definir. Uma parte de mim queria rasgar aquela nota, ignorar sua existência e fingir que Zack nunca tinha voltado.
Mas outra parte, uma parte que eu odiava admitir queria saber por quê.
Por que agora? Por que depois de todo esse tempo?
E, mais importante...
O que exatamente ele queria de mim?
Recusar o presente? Nem pensar.
Se Zack queria chamar minha atenção, se queria deixar sua marca, que fosse. Mas eu faria isso do meu jeito.
Vesti o vestido rapidamente, sentindo o tecido deslizar contra minha pele como se tivesse sido feito sob medida para mim. O vermelho era intenso, vibrante, luxuoso. Exatamente o tipo de coisa que minha mãe adoraria me ver usando. Mas dessa vez, não era escolha dela.
Era dele.
Me olhei no espelho, deixando meus dedos deslizarem pelo decote elegante e pela cintura perfeitamente ajustada. O vestido gritava sofisticação, poder... Mas eu não queria parecer um dos manequins impecáveis da minha mãe.
Então, desfiz o coque perfeitamente arrumado que, por instinto, eu havia começado a prender e deixei meus cabelos caírem em ondas despreocupadas sobre os ombros. Peguei um All Star branco gasto e o calcei sem pensar duas vezes.
Pronto.
Zack podia me vestir como uma boneca de luxo, mas eu continuaria sendo eu. Ele sabia disso. Ele gostava disso.
Sorri de canto para meu reflexo, sentindo um estranho calor se espalhar pelo meu peito. Parte de mim queria fingir que o presente não mexia comigo, que era só um vestido qualquer.
Mas não era.
Era dele.
E isso significava mais do que eu estava disposta a admitir.
De repente, a porta do meu quarto se abriu sem aviso, e minha mãe entrou como se o lugar lhe pertencesse. Porque, na cabeça dela, pertencia.
Ela parecia impecável como sempre, o coque perfeitamente alinhado no alto da cabeça, mas com alguns fios loiros estrategicamente soltos para dar aquele ar casualmente sofisticado. O vestido preto justo abraçava seu corpo tonificado, como se desafiasse qualquer noção de envelhecimento. Seus saltos gigantes ecoaram no chão de madeira, cada passo carregando a autoridade natural que ela exercia sobre tudo e todos ao seu redor.
──── Já terminou de se vestir, meu amor? ──── Sua voz soou doce, mas carregava aquela doçura ensaiada, fria, que escondia um tom de expectativa.
Ela me olhou de cima a baixo, os olhos avaliando cada detalhe como se eu fosse um de seus projetos pessoais. O vestido vermelho passou no teste, claro. Mas então ela notou o All Star branco desgastado em meus pés, e sua expressão quase imperceptivelmente se contraiu. Um pequeno espasmo de desaprovação que qualquer um menos acostumado não notaria.
Mas eu notei.
Sempre notei.
──── Essa era a intenção ──── respondi, cruzando os braços, desafiando aquele olhar calculado que ela sempre lançava quando eu não me encaixava perfeitamente no molde que ela queria.
Ela sorriu, aquele sorriso treinado de sociedade, como se minha resposta fosse um pequeno contratempo que ela já previa.
──── Você está linda ──── disse, mas sua voz soou mais como uma afirmação para si mesma do que um elogio genuíno.
Ela se aproximou, segurando meu rosto entre os dedos delicados, inclinando ligeiramente a cabeça enquanto analisava cada traço meu, como se estivesse conferindo um quadro que encomendou.
──── Mas você sabe que temos uma imagem a manter, não é? ──── Sua voz caiu para um tom baixo, sutilmente manipulador.
Ah, claro. A imagem.
O teatro.
Afinal, esse almoço de aniversário não era sobre mim. Nunca foi. Era sobre a família perfeita, a filha impecável, o espetáculo montado para os convidados certos.
Soltei um suspiro entediado, mas não cedi.
──── Não se preocupe, mãe. Não vou estragar o seu show ────
Ela sorriu, satisfeita, como se tivesse vencido. Quando, na verdade, nem sabia que nunca teve controle algum sobre mim.
──── Vamos ──── minha mãe engatou o braço no meu e começou a me conduzir escada abaixo com a mesma graça ensaiada de sempre. O som ritmado dos saltos dela contrastava com o meu passo mais relaxado, o All Star branco absorvendo o impacto sem cerimônia.
Conforme descíamos, senti um nó se formando na garganta. Hesitei por um segundo, mas então as palavras escaparam antes que eu pudesse me conter:
──── Mãe, tio Zack voltou? ────
Ela manteve o olhar à frente, mas pude ver a tensão sutil no maxilar dela, como se já soubesse que essa pergunta viria.
──── Sim, filha. Mas ele não quer falar nem com seu pai... ────
──── Ele não é meu pai ──── cortei, sem nem pensar.
O silêncio entre nós ficou mais pesado. Minha mãe suspirou discretamente, como se estivesse cansada de reviver esse assunto.
Beau Morissette não era meu pai. Nunca foi. Mas fazia questão de atuar como se fosse, pelo menos para os outros. Em público, ele se esforçava para parecer natural ao meu lado, distribuindo sorrisos educados, apertos de ombro forçados, um carinho ensaiado que nunca ultrapassava a superfície. Mas quando as câmeras se apagavam, quando os olhares alheios não estavam sobre nós, o que restava era o vazio.
Eu nunca o chamei de pai. Nem uma única vez. Para mim, ele era apenas Beau.
Toby Ashy era meu pai de verdade. Um professor de literatura em uma universidade modesta, longe dos holofotes e dos sobrenomes que valiam milhões em Lake Hill. Mas para minha mãe, Toby não passava de um erro. Um detalhe inconveniente que ela preferia varrer para debaixo do tapete de sua vida perfeitamente controlada.
Eu era a única lembrança viva desse erro.
Minha mãe permaneceu em silêncio por um momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras.
──── Isso já não importa, querida. Você faz parte desta família, dos Morissette ────
Eu soltei um riso baixo, sem humor.
──── Faço? Ou apenas preciso parecer que faço? ────
Ela não respondeu. E não precisava.
O silêncio dela dizia tudo.
Assim que pisamos no quintal, fui imediatamente envolvida pelo burburinho elegante da festa. Risadas contidas, conversas abafadas, taças tilintando. Pessoas bem-vestidas desfilavam pelo gramado impecável como se estivessem em um evento da alta sociedade, e tecnicamente, era exatamente isso.
Mas eu não estava nem aí para nada disso.
Ignorando todos ao meu redor, meus olhos encontraram Cate e, sem pensar duas vezes, corri até ela.
──── Cate! ──── chamei, e no instante seguinte, seus braços já estavam ao meu redor.
A gente se conhecia há pouco tempo, mas eu sabia. Ela era minha pessoa. Minha melhor amiga. A única que fazia tudo parecer um pouco menos sufocante.
Ela me apertou com força, balançando o corpo levemente, como se estivesse tão feliz em me ver quanto eu estava em vê-la.
──── Você está linda! ──── ela disse, afastando-se um pouco para me olhar melhor, os olhos brilhando de animação.
──── Você está mais! ──── retruquei, rindo feito uma criança, e Cate revirou os olhos, divertida.
──── Mentira, mas eu aceito ────
Sorri largamente, sentindo pela primeira vez naquele dia que talvez esse aniversário não fosse um desastre completo. Pelo menos, com Cate por perto, eu podia ser apenas eu.
Olhei por cima do ombro de Cate, distraída, e foi quando meus olhos captaram algo que me fez congelar por um instante.
Courtney Allen.
A mulher era praticamente uma lenda em Lake Hill. Modelo renomada, presença garantida em todos os eventos da alta sociedade, e dona de um rosto tão perfeito que parecia esculpido à mão. Ela sempre exalava um ar de superioridade, como se soubesse que todos a admiravam e, honestamente, ela não estava errada.
Mas não foi exatamente ela que prendeu minha atenção.
Foi o homem ao lado dela.
Zachary.
Tio Zack.
O tempo pareceu desacelerar por um segundo. Ele segurava uma taça de champanhe, um sorriso de canto amargo nos lábios enquanto inclinava o copo e fazia Courtney beber direto da sua mão, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. Ele murmurou algo no ouvido dela, e ela riu, jogando a cabeça para trás, claramente encantada.
Mas eu não conseguia desviar o olhar dele.
Três anos. Três anos sem um mísero sinal de vida, sem uma explicação, sem nada. E agora ele estava ali, como se nunca tivesse ido embora.
Ele parecia diferente. Mais maduro. Mais fechado. Havia algo no seu olhar, algo que eu não sabia dizer se era frieza ou apenas a sombra de tudo o que ele não dizia.
O Zachary que eu conhecia sempre teve um charme perigoso, algo que fazia as pessoas orbitarem ao redor dele sem perceber. Mas agora... agora era diferente. Ele não era apenas Zack. Ele parecia uma presença. Algo imponente.
E o pior de tudo?
Ele já estava me observando.
Tentei ignorá-lo.
Ignorei Zachary o máximo que pude durante toda aquela maldita festa, fingindo que sua presença não afetava meu humor. Mas era impossível não sentir seus olhos sobre mim, como se ele estivesse me estudando, me analisando.
Ignorei. Ignorei. Ignorei.
Até que, finalmente, quando o relógio marcava quatro da tarde e as pessoas começaram a se despedir, achei que poderia respirar aliviada. Mas então, me voltei para meu irmão, Blake, que estava ocupado demais devorando um pedaço gigante do meu bolo como se ele fosse eterno.
Aproximei-me dele e sussurrei:
──── Por que tio Zack ainda não foi embora? ────
Blake ergueu uma sobrancelha, mastigando devagar, e então riu.
──── Tá reclamando? Achei que você era a favorita do tio ──── ele zombou, a boca ainda cheia, o que me irritou ainda mais.
Revirei os olhos e bati no ombro dele.
──── Me responde, idiota ────
──── Ei, desgraça! ──── Ele resmungou, afastando-se um pouco, ainda segurando o bolo. ──── Ele vai ficar aqui por um mês ────
Minha expressão congelou.
──── Aqui em casa?! ──── Tentei soar indiferente, mas sabia que minha surpresa ficou evidente.
Blake me olhou como se eu fosse burra.
──── Aonde mais seria, anta? ──── debochou.
Meu estômago afundou.
Um mês.
Um mês com Zachary Law sob o mesmo teto.
──── Puta merda, vai se foder... ──── murmurei para mim mesma, sentindo o peso da revelação afundar em meu peito.
Óbvio que minha sorte tinha que piorar. Justamente nesse momento, minha mãe passou ao meu lado, com aquele olhar afiado que podia perfurar até metal.
──── Penelope Adrianne, olhe a boca! ──── A voz dela soou firme, mas sem se dar ao trabalho de parar.
Blake, o desgraçado, soltou uma gargalhada enquanto ainda mastigava o bolo, se divertindo às minhas custas.
──── Ah, claro, porque eu sou sempre o problema, né? ──── resmunguei, cruzando os braços.
Minha mãe não respondeu, apenas continuou andando, os saltos ecoando no lado do chão de pedra do jardim.
──── Engraçado que o queridinho aqui faz coisa muito pior e ninguém fala nada ──── continuei, lançando um olhar irritado para Blake, que se divertia ainda mais.
Ele deu de ombros, engolindo mais um pedaço de bolo.
──── Talvez porque eu saiba ser discreto, Lope. Você deveria tentar ────
Lhe dei um tapa no braço, mas ele apenas riu, sem se abalar.
Uma semana.
Uma semana convivendo com Zachary Law depois de três anos sem contato.
Engoli em seco. Eu estava fodida.
Meu celular começou a vibrar loucamente na minha mão, a tela iluminando com um nome que eu não queria ver: Bennett.
Suspirei pesadamente. Como se eu já não tivesse problemas o suficiente para lidar.
Blake, sempre intrometido, percebeu na hora e abriu um sorriso zombeteiro.
──── É seu namoradinho? ──── perguntou, inclinando-se para espiar a tela. Agora sem o bolo nas mãos, ele tinha uma nova missão: pegar meu celular.
──── Cai fora! ──── rosnei, me afastando rapidamente.
Mas ele era mais rápido. Antes que eu pudesse bloquear o aparelho, Blake já tinha agarrado e segurava no alto, fora do meu alcance.
──── Nossa, ele ligou umas dez vezes! ──── zombou, deslizando o dedo na tela. ──── Tá desesperado, hein? ────
──── Blake, eu tô falando sério, me devolve essa merda! ──── tentei agarrar o celular, mas ele deu um passo para trás, rindo.
──── O que você fez pro cara, Penny? ──── ele continuou, lendo as notificações. ──── 'Precisamos conversar', 'Me atende, por favor', 'Pelo menos me responde'... Ahhh, você quebrou o coração do pobre coitado? ────
Revirei os olhos, frustrada.
──── Blake, eu juro por Deus, se você não me devolver agora, eu... ────
──── Você o quê? Vai contar pra mamãe? ──── Blake debochou, balançando meu celular no alto, longe do meu alcance.
Eu já estava pronta para xingar ele de tudo quanto era nome quando vi seus olhos se arregalarem ao ler algo na tela.
──── "Vamos na floresta hoje à noite 😈" ──── ele repetiu, imitando um tom provocativo. Então soltou uma risada exagerada. ──── Olha só, Penny, o cara quer te comer ────
──── Ele sempre quer... ──── revirei os olhos, cruzando os braços. Não era novidade nenhuma.
Blake arqueou uma sobrancelha e continuou lendo, mas de repente, seu rosto se contorceu em uma expressão de puro choque.
──── "Chama seu irmão" ──── ele pausou e depois olhou para mim, segurando o riso. ──── Que porra é essa?! Ele quer me comer também? ────
Explodiu em gargalhadas, se dobrando de tanto rir.
──── Meu Deus, Penny, seu namoradinho tem uns fetiches estranhos ────
──── Ai, cala a boca, idiota! ──── avancei para pegar o celular, mas ele desviou com facilidade, ainda se divertindo às minhas custas.
──── Não, pera! ──── ele continuou, fingindo refletir. ──── Vai que ele quis dizer outro irmão... Tipo, o Victor! ────
──── Credo, Blake! ──── fiz uma careta de nojo, enquanto ele caía na gargalhada de novo.
──── Bom, se for o Victor, aí eu até entendo. O cara é bonitão, né? ────
Antes que eu pudesse arrancar o aparelho das mãos dele, outra mensagem apareceu na tela.
Só que não era Bennett.
Era tio Zack.
E a mensagem era curta, mas suficiente para me fazer gelar por dentro.
"Gostei do vestido"
Blake percebeu minha mudança de expressão e franziu o cenho.
──── Que foi? ──── perguntou, mas eu já tinha puxado o celular da mão dele, apertando o aparelho entre os dedos.
──── Nada ──── murmurei, desviando o olhar.
Mas meu coração batia forte.
Ele estava prestando atenção.
──── Você vai querer ir na floresta hoje à noite ou não? ──── suspirei, tentando soar casual, como se meu coração não estivesse acelerado depois da mensagem de Zachary.
Blake me olhou de canto de olho, desconfiado, mas deu de ombros.
──── Claro. O que você quer que eu leve? MD, coca? ──── perguntou, como se estivesse listando opções do cardápio.
Revirei os olhos.
──── Só cerveja ────
──── Nossa, Penny ──── ele debochou. ──── Desde quando você recusa uma boa dose de loucura? ────
──── Desde que minha vida já tá bagunçada o suficiente ──── respondi, cruzando os braços.
Blake riu, pegando o isqueiro do bolso e acendendo um cigarro.
──── Relaxa, Penny. A noite vai ser divertida ────
Mas eu não estava tão certa disso.
Porque, de alguma forma, eu tinha a sensação de que Zachary saberia que eu estaria lá.
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