0.2

Você resmungou como uma criança que não quer ir para escola enterrando o rosto contra o travesseiro, sua cabeça doía como o inferno e seu corpo estava tão dolorido que você nem ao menos conseguia se mexer muito bem, tinha a sensação de que havia sido pisoteada por uma manada inteira de elefantes; virou o rosto para o lado, as cortinas abertas iluminavam o quarto com uma decoração típica japonesa por completo, fazendo com que seus olhos doessem, se sentia como uma completa estúpida naquele momento, aos poucos as memórias da noite passada invadindo sua mente, quis chorar.

Socou os pés para fora da cama andando meio cambaleante até a enorme janela do quarto, xingou baixinho ao ver o carro que havia ganhado de presente, a frente completamente despedaçada, era surpreendente você ainda estar inteira — ou viva —, respirou fundo sentindo seu coração bater quase que desesperado, como iria encarar seu pai? Ele a mataria, tinha a plena certeza daquilo, ou a mandaria para alguma ilha deserta no Pacífico para que fosse caçada por canibais. Escutou alguém coçar a garganta em uma tosse baixa, você virou o corpo em um pulo se detendo com Naoya que estava na porta, segurando um dos jornais que estamparam sua foto embriagada na balada. A manchete extremamente brega e enorme dizia algo como, "A Noiva do Príncipe na Balada: Escândalo da Noite", as palavras pareciam gritar para você com uma ferocidade que fazia seu coração bater mais rápido.

— Já acordou, Yumi?

Naoya perguntou com uma expressão de severidade e desapontamento, seu tom duro como uma lâmina afiada. Ele entrou no quarto com um passo firme, do mesmo modo que seu pai fazia, as vezes era assustador o modo como os dois conseguiam ser parecidos, você, sentia seu coração bater tão forte que tinha medo que ele pudesse escutá-lo e o arrancasse com tudo de seu peito, mas ele apenas ficou lá lhe olhando de um modo que nada mais precisasse ser dito, a vergonha e o medo que você sentia eram palpáveis. Você tentava cobrir seu vestido amassado e sujo de sangue, a maquiagem borrada, mas as lágrimas começavam a escorregar pelo seu rosto antes que desse por si, o homem de cabelos loiros permaneceu na mesma posição intimidadora frente a frente com você.

— Eu... eu não sabia que isso ia acontecer.

Você disse com a voz trêmula pelo choro, queria correr para os braços de Megumi e implorar para que ele lhe protegesse mesmo que soubesse que mesmo que ele quisesse não poderia, ele não era seu irmão de sangue no fim das contas. Naoya soltou um suspiro exasperado antes de empurrar o jornal em sua direção lhe forçando a segura-lo.

— Claro que sabia — Ele respondeu com um tom sarcástico e desdenhoso que fazia com que seu corpo inteiro sentisse raiva —, como acha que nosso pai vai reagir a isso? Você não tem ideia do quanto está nos envergonhando.

Você tentou conter as lágrimas, mas era uma luta inútil. As palavras de Naoya eram como facadas, e a pressão de estar na frente dele estava lhe esmagando, você fungou enquanto segurava o jornal olhando para a sua foto ali, suas bochechas quentes pela vergonha. Seu irmão bufou.

— Leia — ele ordenou, você o olhou quase que desesperada pronta pra negar quando ele fez uma expressão irritada fazendo com que você se calasse quase que automaticamente —, leia em voz alta, agora.

Respirou envergonhada antes de assentir devagar segurando o jornal por entre os dedos trêmulos.

Shibuya, Tóquio – O evento que deveria ser uma celebração encantadora rapidamente se transformou em um verdadeiro escândalo. A noite de gala, destinada a celebrar o aniversário da socialite Yumi Zenin, filha única da poderosa família Zenin, foi marcada por um incidente inesperado que tem gerado debates fervorosos na alta sociedade.

A festa, que contou com a presença de figuras proeminentes e uma exibição impressionante de luxo, foi manchada quando a própria Yumi Zenin — Você parou um pouco antes de respirar fundo sentindo seus olhos marejados de vergonha —, foi vista se envolvendo em comportamento altamente inadequado. A noite culminou em um acidente de carro envolvendo a jovem socialite, que, embriagada, perdeu o controle e colidiu com um poste.

A presença de Yumi na balada, onde a ostentação era a norma, parecia ser uma tentativa de se distanciar do cerimonialismo que a envolvia. No entanto, o desfecho da noite trouxe à tona questões sérias sobre a sua adequação como noiva do príncipe Kaito. A reputação da jovem está agora sob uma lente crítica, e muitos questionam se ela realmente corresponde às expectativas da família imperial.

À medida que a noite se torna um tema de discussão nas rodas sociais e nas manchetes, a pergunta inevitável persiste é...

—"Será que Yumi Zenin é realmente a melhor opção que temos?" — seu irmão completou por fim lhe cortando, você engoliu em seco levando o olhar até ele, as lágrimas escapando pelos cantos dos olhos — Espero que esteja satisfeita.

Ele disse por fim antes de sair do quarto em passos rígidos lhe deixando para trás sozinha e completamente envergonhada.

--- ۵ ---

Ao descer as escadas para o café da manhã já completamente arrumada depois de Akari lhe ajudar a trocar as roupas sujas de sangue, tomou um banho quente que ajudou minimamente nas dores musculares que sentia, trajava um vestido azul claro e simples sem estampas da Calvin Klein, a atmosfera da mansão parecia ainda mais pesada do que o habitual. Seu pai estava na sala de estar, sentado em uma das poltronas, com uma expressão que você temia. Ele estava lendo um dos jornais que estamparam as fotos da noite anterior, claramente perturbado. Quando seus olhares se encontraram, um frio percorreu sua espinha, você se sentia como um coelho preso em uma armadilha e que a qualquer segundo seria morto da forma mais sangrenta possível por um cão treinado.

— Sente-se, Yumi.

Ele disse com a voz firme, impessoal, apontando para uma das poltronas lhe impedindo de ir até a sala de jantar para o café da manhã mesmo que sua barriga estivesse implorando por qualquer resquício de comida, você respirou fundo andando até o homem em passos cauteloso, como se estivesse pisando em ovos, se sentou na frente dele, tentando evitar o olhar penetrante. As fotos e a matéria da noite anterior ainda estavam frescas em sua mente. O sentimento de vergonha e desespero era esmagador.

— Papai, eu... — Você começou, mas as palavras saíram como um sussurro fraco.

— Não me venha com "Papai" — ele interrompeu com um gesto de mão, como se quisesse afastar suas palavras, você fechou a boca quase que de automático sentindo seu coração acelerado — , o que eu quero saber é por que você fez isso. Acha que isso é uma forma aceitável de se comportar? Você está prestes a se casar com o Príncipe Kaito e age como se não tivesse ideia do que é responsabilidade?

As palavras de seu pai eram uma reprimenda impiedosa, você engoliu em seco, a pressão de estar diante dele era quase insuportável. As lágrimas começaram a escorregar pelo seu rosto, e você tentou manter a compostura, mas era impossível, sentia que já havia chorado mais hoje do que julgava ser possível para um ser humano.

— Eu só queria me divertir um pouco... — sussurrou, quase como se as palavras se negassem a deixar seus lábios, se arrastando por sua garganta— Não pensei que isso fosse acontecer.

— Não pensou? — ele perguntou com um tom que misturava raiva e sarcasmo — Pense na imagem que você está projetando para sua família e para o futuro que lhe espera. E o pior de tudo é que a mídia está se aproveitando disso. Todos estão falando sobre a noiva do príncipe que se comportou como uma adolescente rebelde.

— Eu...

Antes que pudesse continuar ele lhe cortou.

— A partir de agora, você será vigiada mais de perto — o homem continuou com um tom firme —, não pode mais agir dessa forma. Além disso, você vai ter que pagar pelo conserto do carro. É uma forma de aprender a ter mais responsabilidade antes de se casar. Você está prestes a entrar em uma posição de grande responsabilidade e precisa entender o que é necessário para assumir essa posição com seriedade.

O impacto das palavras dele era como um golpe físico. O carro destruído, a noite desastrosa e agora a responsabilidade financeira se somavam a um peso insuportável.

   — Mas... eu, eu nem tenho meu próprio dinheiro — você disse rindo em desespero, seus olhos aguados —, como o senhor espera que eu...

— Não há mais discussão sobre isso — ele disse com uma voz firme —, precisa aprender que suas ações têm consequências. Essa é uma lição que você precisa aprender agora, para que não repita esse comportamento no futuro.

Você sentiu o coração se apertar com a injustiça e o desespero. A ideia de pagar pelo carro e enfrentar o ridículo público parecia ser um castigo severo, mais severo do que você conseguia suportar.

   Seu pai deixou a sala de estar por fim andando em passos quase que furiosos como se estivesse a um passo de perder completamente a razão e lhe esganar ali mesmo. Você prensou seus lábios se sentindo perdida, como ele esperava que fosse dar conta de fazer aquilo por conta, era quase como se ele não conhecesse a filha que tinha, era alguém que nem ao menos sabia arrumar a própria cama, nunca havia entrado em uma cozinha em toda a sua vida.

   — Eu indiquei para Naobito um lugar tranquilo, não se preocupe, Mimi.

   Uma voz calma se fez presente, quase como se ele pudesse ler seus pensamentos, você virou o rosto rapidamente se detendo com Megumi, ele abriu os braços e você apenas andou até ele repousando o topo da cabeça contra o peitoral do mais velho sentindo que desabaria a qualquer segundo, respirou fundo enquanto seu irmão mais velho lhe abraçava com cuidado mas de maneira firma o suficiente para que deixasse claro que tudo ficaria bem.

   — Eu só queria me divertir um pouco... nada funciona comigo.

   Megumi riu baixinho antes de afagar seus cabelos de maneira cuidadosa.

   — Não seja assim

   Você fungou, levantou o rosto, o olhar de seu irmão encontrando o seu quase que lhe obrigando a abrir um sorriso curto em seus lábios.

   — Que lugar você arrumou para mim?

   — Uma biblioteca... o meu padrinho tem um amigo que mora na parte de cima dela, ele está trabalhando como bibliotecário e precisa de ajuda, o lugar é enorme — Megumi disse lhe fitando de um modo meio tristonho quase como se estivesse se preparando para lhe dar à próxima noticia —, nosso pai quer que você fique morando lá durante a semana, voltará para casa durante os finais de semana, você precisa ficar longe da vista das pessoas por um tempo até que esqueçam isso, leve uma vida normal por enquanto.

   Você piscou devagar, completamente confusa.

   — Mas... essa é a minha vida normal.

   Ele suspirou por fim.

   — Você vai se sair bem, Mimi.

--- ۵ ---

   Quando a tarde chegou, seu pai a levou para a biblioteca, como havia prometido. A biblioteca era uma antiga construção elegante, com estantes de livros que iam até o teto e uma aura de silêncio e respeito, quase como se sentisse que alguma das gárgulas antigas que estavam do lado de fora no concreto pulariam sobre você se fizesse qualquer mínimo barulho, fazendo com que você sentisse um frio estranho na barriga.

  Seus pés cobertos por sapatilhas pretas e simples faziam um som silencioso ao encontrarem o chão amadeirado logo abaixo de si, seus olhos corriam rapidamente pelas enormes prateleiras e enormes paredes lotadas de livros do final até o topo fazendo com que você tivesse que levantar o rosto para que seus olhos vissem até o último dos livros.

   Continuava andando ao lado de seu pai tentando achar um jeito de escapar caso não aguentasse mais aquela situação, talvez mudasse de país, foi quando seus olhos perdidos encontraram os de um homem, ele era alto, loiro, seus músculos apareciam por baixo do tecido fino da camisa social... por uma fração de segundos você sentiu como se o mundo ficasse mais silencioso, cambaleou para o lado, seu corpo se chocando contra uma estante fazendo um barulho alto, alguns livros caíram no chão.

   Você ajeitou a postura rapidamente sentindo seu rosto esquentar gradativamente, quase jurou um sorriso se formando nos lábios sérios do homem. Seu pai coçou a garganta lhe trazendo de volta a realidade.

   — Yumi, este é Nanami, a quem você vai ajudar. — Seu pai disse de maneira formal. — Nanami, este é Yumi Zenin, minha filha.

   Nanami se levantou, e o olhar que você encontrou nos olhos dele era de interesse misturado com uma sensação de distância, havia algo nele que parecia diferente, você não conseguia identificar o que exatamente... mas por algum motivo você sentia seu coração extremamente acelerado naquele momento.

   — Prazer em conhecê-la, Yumi.

   Ele disse com a voz baixa curvando o corpo em um cumprimento educado que você apenas retribuiu levantando o rosto devagar, seus olhos se encontraram novamente, os olhos dele eram de um castanho curioso que por algum motivo fazia com que um frio estranho tomasse conta de seu estômago.

   — O prazer é meu, Nanami.

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