Capítulo 9 - Nothing Else Matters
Dia primeiro de abril de 2001, GP do Brasil.
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P19. Não era uma classificação tão ruim, mas o problema é que Fernando estava, literalmente, colado em mim. Iríamos começar na mesma fila, ele uma posição atrás de mim.
Bom, admito que me senti nervosa naquele pré-corrida, mas com minha cabeça no lugar. O GP do Brasil significava bastante para a Minardi, pois nossa estreia como equipe havia sido neste mesmo país, em 1985. Naquela época, o circuito era Jacarepaguá, mas adotamos também Interlagos como um dos “berços” da scuderia.
Riccardo Patrese, um dos melhores amigos de papai e meu padrinho, me fazia companhia naquele momento. Recém-casado em janeiro, decidiu que aproveitar o grande prêmio para uma segunda lua de mel era uma boa ideia.
Francesca era uma mulher muito simpática, assim como Suzy, ex-esposa de Riccardo. Tinha de admitir que ele havia bom gosto e muita, muita sorte.
– Você me lembra o Elio quando fica assim – destacou ele. – Sorrindo, tentando deixar o nervosismo em segundo ou terceiro plano antes de alguma coisa importante.
– Eu estou bem, Ric – assegurei. – De verdade.
Naquele exato momento, Alonso passou por nós. Patrese o notou bastante, seguindo o rapaz com o olhar até não ser mais possível.
– O espanhol é realmente raçudo, e tem um jeito diferente. Não sei o que é, apenas sinto.
– Talvez seja a forma que ele ergue a cabeça, infla o peito e a cara de superioridade que fez quando viu que ficaremos na mesma fila. Minha volta rápida deixou bastante a desejar para que isso viesse a acontecer.
– Não seja tão dura com este ragazzino, Alex – riu discretamente.
– Mas ele é comigo – ajeitei o boné –, apenas retribuo o tratamento.
Riccardo suspirou.
– Rivalidades entre parceiros de equipe não dão nada certo, se lembra do que te ensinei?
– “Seja o mais amigável possível, mas não ao ponto de lhe dar regalias o suficiente para pensar que ele é mais esperto que você.” Não tem como esquecer.
– Pois bem, vou contar uma história, de novo, de como tem de ter moderação quanto a isso.
– E lá vamos nós – brinquei, com um pouco de sarcasmo.
– Em 1980, Jody Scheckter pendurou as chuteiras, o que abriu uma vaga na Ferrari para que um outro piloto ficasse ao lado de seu ex-teammate, Gilles Villeneuve. Os dois se davam muito bem, e o Villeneuve ainda era um doce com quase todo mundo. Não tinha como não gostar daquele pequeno franco-canadense.
Assenti com a cabeça, prestando atenção, apesar de conhecer aquela história de cor e salteado. Na verdade, uma de minhas memórias mais antigas era de Villeneuve tomando conta de mim, enquanto meu pai ajeitava algumas coisas quanto ao acerto do carro. Ao que me lembro, ele era ótimo com crianças, e eu o adorava.
Mas, uma hora, tudo mudou.
– Em 81, Didier Pironi assinou com a Scuderia – gesticulou. – Gil foi muito receptivo com ele, e os dois viraram amigos apesar das personalidades bem diferentes. Didi era do tipo mais frio, enquanto o colega era mais caloroso e empático. A amizade seguia bem até algumas coisas mexerem com isso, mas nada foi tão intenso quanto o que ocorreu em Ímola. O acordo de não agressão mútua foi desrespeitado por Pironi, e Villeneuve prometeu nunca mais falar com ele... e também acabou brigando com quase todos em sua equipe, indo carregado de raiva e rancor para Zolder. Você sabe o que aconteceu?
“Papai, por que temos que ir nessa festa todos de preto?”
“Não é uma celebração, meu bem”, ele ajeitou a gravata, encarando seu semblante taciturno ao espelho. “Olha, é complicado explicar para alguém da sua idade, mas irei tentar. Se lembra de nosso amigo, Gilles?”
“Sim, aquele moço muito legal. Ele me dava sorvete. Espere, tem alguma coisa a ver com meu aniversário? Por isso estamos no Canadá?”
Meu pai engoliu em seco, me pegou no colo e seguimos até a porta da frente.
“Filha, então. Quando estávamos na Bélgica, Gilles sofreu um acidente e se machucou muito, muito mesmo. Fiquei tão preocupado que pedi para que Nigel ficasse brincando com você, para que se distraíssem até eu saber o que havia ocorrido.”
“E o que aconteceu?”, perguntei.
O piloto ficou em silêncio durante alguns segundos.
“O Gil... ele...”, fez uma pausa. “Ele partiu, minha filha.”
Eu não entendi o que aquilo significava.
“Como assim?”
“Sandra, há pessoas que vêm e vão, mas em algumas situações, elas não podem voltar mais. Só ficam as memórias e o seu legado.”
Apenas entendi o que aquela frase significava quando vi Villeneuve naquele dia, que parecia dormir em paz dentro de seu caixão. O cheiro insuportável das flores e o clima pesado que flutuava pelo ar me fizeram ficar ansiosa, pensando em como ele realmente havia parado ali.
Meu pai conversou com Jody e a família de Gilles. Jacques estava extremamente apático, se encostando no ex-piloto sul-africano como se fosse cair no chão a qualquer momento. Mélanie, sua irmã mais nova, abraçava a mãe enquanto a mesma acariciava sua cabeça.
Enquanto Villeneuve era carregado por algumas pessoas próximas até a caçamba de sua F250, para dar o que chamavam de “um último passeio” numa de suas caminhonetes favoritas, senti meu pai apertar minha mão mais forte que o normal. Dava para ver em seu olhar que ele tinha vontade de chorar.
Nós dois éramos tão unidos que nem havia a necessidade de falarmos muito sobre nossas emoções. Sabíamos o que o outro sentia apenas pelos pequenos detalhes, no tom de voz, nos trejeitos e gestos. E, naquele momento, dava para perceber o tamanho da tristeza que o consumia, de dentro para fora.
Quando voltamos para o hotel, o clima melancólico continuou a nos sufocar. Não consegui nem ao menos assistir televisão, tão chateada que estava ao vê-lo daquele jeito.
Como ainda tinha quatro anos, nós dormíamos na mesma cama quando Ute não viajava conosco. Bom, já tinha o meu quarto em casa, mas em situações como aquela, queria ficar o mais perto possível. Para mim, estar o abraçando era meu porto-seguro.
No meio da noite, percebi que estava sozinha no colchão. Confusa, saí andando até encontrar papai, com os braços apoiados na varanda e fumando um cigarro.
Sem mais, nem menos, agarrei suas pernas o mais forte que consegui. Queria que ele se lembrasse que eu estava ali.
“Te acordei, meu bem?”, perguntou, num tom de voz sonolento.
“Por que você tá de pé?”, fui direta. “Ainda é noite.”
Escutei um suspiro.
“Não, não é nada. Apenas estou meio aceso, não se preocupe.”
Não respondi.
“E a senhorita?”, tentou brincar, mudando de assunto. “O que faz acordada a essa hora, hein?”
“Não sei”, falei.
Entramos novamente no quarto, e enquanto ele fechava a porta e as cortinas, subi na cama. Fiquei olhando para um ponto no teto, ainda sem conseguir processar tudo o que havia acontecido.
“Tem alguma coisa te incomodando?”, sussurrou enquanto apagava as luzes externas, logo se juntando a mim e remexendo as cobertas.
Assenti com a cabeça. Não iria mentir.
“O que foi, Sandra?”, falou, passando a mão por meus cabelos.
Eu não me lembrava direito desses momentos, pois ainda era muito nova. Mesmo assim, papai e alguns familiares haviam me contado aquela história diversas vezes, e isso foi o suficiente para que nunca me esquecesse dela.
“Eu não quero que você me leve nessas despedidas”, falei. “Não gosto de funerais.”
Ele ficou em silêncio durante alguns poucos segundos, parecendo pensar em algo.
“Ok, mas agora, vamos dormir”, me envolveu em seus braços. “Conversamos sobre isso amanhã, tudo bem?”
A ironia do destino foi que o próximo funeral que eu compareceria seria poucos meses depois. Dessa vez, Colin Chapman havia partido. A perda de um dos melhores amigos e chefe de equipe de meu pai o abalou de uma forma que nunca havia visto.
– Eu sei o que aconteceu, Riccardo – neguei com a cabeça, como se suplicasse para que mudássemos de assunto. – Não tem como esquecer.
Meu padrinho fez um muxoxo.
– Então, já pode ir atrás de fazer com que sua própria história não seja parecida com esta... e a de muitas outras duplas que deram errado.
– Isso para não citar o caso entre papai e Senna.
– Bom, isso aí também foi bem problemático – deu de ombros. –, mas não precisava ter sido.
Dei uma olhadinha em meu relógio. Já estava chegando a hora de me aprontar.
– Mas bem... já arranjou uma paixonite no paddock? – mudou de assunto, brincando.
Bom, ter eu tinha. Desde minha primeira corrida, acabei sendo contemplada com uma visão realmente animadora de um dos rookies. O primeiro encontro foi hotel, quando eu e Kimi Räikönnen acabamos entrando no mesmo elevador e ele me ajudou com as malas.
Nada preocupante como o caso anterior, apenas uma inclinação.
– Não acho que seja uma hora conveniente para conversar sobre garotos – ri. – Tenho que ir.
– Boa corrida, mocinha – ele falou, otimista. – Se concentre que vai dar tudo certo.
Fiz um joinha, me virando para seguir garagem adentro. Porém, acabei parando antes de ir muito longe.
– Senhor Riccardo?
– Sim?
– Muito obrigada – falei, por fim. –, de verdade.
– Não agradeça por isso – levantou as sobrancelhas, bem-humorado. – Não fiz nada.
Abri um sorrisinho, dando um último aceno a Patrese antes de colocar meu capacete e entrar no carro.
Coloquei em minha cabeça que havia uma nova meta naquele momento, e não era aquela habitual de sempre tentar superar o Fernando.
Iria fazer o máximo para orgulhar as pessoas que eu amava.
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Sentir o frescor do champagne entrar por meu uniforme me fez querer ter uma crise de riso, ainda mais pelo fato de Giancarlo ser responsável pela bagunça. Uma pequena e doce vingança pelo o que fiz com ele no GP do Austrália.
– Vem aqui, nas minhas costas – Juan Pablo brincou, se encurvando um pouco. – Vou tentar te levantar bem alto.
– Oh, certeza de que aguenta? – ri.
– Se consegui na sua primeira vitória na Marko, provavelmente. O máximo que pode acontecer é nós dois cairmos juntos.
Dei de ombros e subi nos ombros de Montoya, com cuidado. Sabia que ele era forte, mas fiquei relutante por conta de que sua namorada estava por perto.
– Você continua bem leve – falou, bem-humorado.
Senhor Minardi desistiu de jogar espumante em mim e virou a garrafa, bebendo o resto no gargalo. Alguém poderia ficar bem “animado” minutos depois.
– O que estamos comemorando!? – exclamou, para todos.
– Alex de Angelis em P6! – escutei um coro de mecânicos, engenheiros, funcionários e várias outras pessoas, bem felizes. – Primeiro ponto para a Minardi neste ano!
Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade, e tão rápido. Havia sido uma corrida complicada para todos no grid, e quase metade dele tinha abandonado. Até mesmo Rubens Barrichello.
De repente, escutei uma melodia familiar começar a ser entoada pelos presentes; o hino de minha terra natal.
– Fra-te-lli... d’Itália!
Senti como se a pit-lane inteira comemorasse aquele momento. Lágrimas de emoção desciam por meu rosto enquanto estava nos ombros de Monty, sentindo uma forma de felicidade que há anos não fazia presença em minha vida.
A de correr.
– L’Italiaaaaa s’è desta, dell’elmo di Scipio! – cantei, acompanhando. – S’è cinta la testa! Dov’è la vittoria? Le porga la chiooooma, ché schiava di Roma... iddiiiio la creò!
– Viva de Angelis! – exclamaram, depois de mais algumas estrofes.
Levei as mãos aos céus, logo tendo a impressão de que quase encostava nos mesmos. Era como estar no topo do mundo depois de ter ficado de molho no fundo do poço.
Para várias pessoas, não poderia significar muito. Porém, quando rebobinávamos toda a situação e o que passei, aquela era uma das maiores vitórias de minha vida... talvez, a conquista mais suada pela qual batalhei até aquele momento.
Do alto, pude ver Fernando em um cantinho. O rapaz apenas sorria, talvez porque ainda não soubesse a letra do hino que também representava a pátria de nossa equipe.
Dava para sentir, lá de cima, que aquilo era mesmo algo sincero. Deve ser por isso que nunca mais me esqueci daquele sorrisinho.
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Ai, vei. O Gil era tão engraçadinho, "zoiúdinho". Vontade de guardar num pote 🥹
3/3 capítulos depressivos, EBA!!! Acabou... por enquanto 💀.
Enfim, espero que tenham curtido. Teve um finalzinho mais feliz (PRA VARIAR KAKAKA), mas o resto foi bem triste.
Prometo que, "logo logo", vamos ter mais momentos bem-humorados, um convite bem aleatório e tentador, aulas de história, visitas ao museu e... treta? KKSKSKJDNSKJENE.
Nos vemos na próxima, pessoal, e muito obrigada pelo carinho!!! Sério, ler os comentários de vocês fazem o meu dia, na moral! ❤️✨️
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