Capítulo 3 - Down Under
26 a 28 de fevereiro de 2001. Melbourne, Austrália
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Como em uma pré-temporada convencional, tivemos o mesmo de sempre: testes, testes e, adivinhem... mais testes. Um problema? Meu novo parceiro de equipe era mais habilidoso do que eu havia imaginado, e as coisas estavam ficando acirradas.
Em uma sessão de testes, eu liderava. Na outra, ele fazia o melhor tempo, principalmente quando chovia. Fernando ganhava em cima de minha maior deficiência, e era um saco ver seu semblante soberbo depois de toda vez que eu rodava na pista.
E, de quebra, o dito cujo ainda tinha o nome da minha música favorita do ABBA, o que me irritava muito pelo fato de sempre me lembrar dele quando ligava o som de meu carro.
Dando uma sondada por aí e me atualizando, descobri que Alonso era um dos protegidos mais estimados de Flávio Briatore, o "chefão" da Benetton. No dia seguinte ao anúncio da Minardi, ele apareceu no lançamento deles, na maior cara limpa e usando outro uniforme novinho.
Errado não estava. Ser titular de uma equipe e reserva de outra poderia dar a alguém benefícios um tanto quanto interessantes.
Bom, quanto aos outros rookies... estreando pela Williams, um rosto familiar e reconfortante se fazia presente no grid: Juan Pablo Montoya, meu ex-teammate enquanto estávamos correndo pela RMS Marko, na F3000. Ele tinha muita garra e uma simpatia enorme comigo, só para dizer o mínimo. Éramos bem unidos, e é óbvio que tal vínculo de amizade logo se tornou alvo da imprensa, que achava que estávamos "dormindo" juntos.
Foi a maior baixaria, e provar que ainda era virgem foi uma tremenda dor de cabeça.
Enrique Bernoldi era um brasileiro que não havia tido resultados tão interessantes em sua carreira até então. Apesar disso, nossa história era semelhante: dinheiro, acidente, testes e uma vaga.
Eu ainda tinha uma carta escrita por ele, que me desejava melhoras e tudo de bom. Dava para ver que suas palavras haviam sido sinceras.
E também havia um rapaz muito bem encarado, mas cercado de intrigas. Ele só havia corrido em 23 corridas antes de estrear na Fórmula 1, e o pessoal da FIA ficou tão perplexo com seu histórico vazio que solicitou algumas rodadas de testes para avaliação. Foi aprovado, mas assim como eu, ainda carregava ressalvas por onde passava.
Seu nome era Kimi Räikkönen, e dava para sentir, de longe, que ele tinha uma aura diferente da maioria. Quando olhei pela primeira vez em seus olhos, ainda no elevador do hotel, fiquei paralisada com o quão eram límpidos e serenos.
Logo após me despedir e agradecer ao finlandês por oferecer ajuda para carregar minhas malas, fiquei pensando nele durante o resto do dia. Simplesmente era algo inevitável.
- Bom, depois de alguns levantamentos, realmente você se mostrou mais rápida - falou Giancarlo, me mostrando algumas planilhas -, mas o Nando não está muito atrás. Desde o começo, o plano era te ter como primeira piloto, mas, dados os resultados, o jeito vai ser resolver isso na pista.
Fiz um muxoxo.
- Poderia ser o mais claro possível? - Visualizei os resultados.
- Vamos ter que tratar vocês de igual para igual, pelo menos neste início de temporada.
Eu o fitei, cética.
- Me desculpe por isso, Alex - falou -, de verdade. Mas nos forneceram recursos para que o Fernando pudesse ganhar experiência conosco. E assim, sem querer ofender nem nada, precisamos ver como você está se comportando em corridas. Testes não são tudo, e o fato de que irão ser tratados iguais é melhor para podermos comparar os resultados.
"Alexandra de Angelis anuncia que irá voltar ao automobilismo, mas será mesmo que ela vai aguentar a barra?", me lembrei de ter lido em um jornal.
"Não acho que ela vá retornar com todo o seu potencial, pelo menos por um bom tempo", John Watson comentou, o que me fez ficar mal. "Mas assim, eu realmente não a vejo na Fórmula 1. Na Indy, talvez, por causa do bom histórico. Porém, quando o assunto é a F1... é, não coloco muita expectativa."
Depois daquele acidente, quase ninguém acreditava em mim. Quebrar as duas pernas e o braço não havia me custado apenas tempo e liberdade, mas também a minha credibilidade aos olhos de muitos daqueles que viviam me elogiando.
Sim, eu fiquei parada durante um tempão para me recuperar cem por cento, mas não havia deixado de fazer o possível para voltar com tudo quando pudesse.
Se aquilo me incomodava? Com certeza. Mas sabia que era o mais sensato a se fazer como chefe de equipe.
- Entendo o seu ponto de vista, Gian - falei, compreensiva. - Vou dar o meu melhor.
- Vive falando isso - brincou.
- É como o meu pai dizia... "Seu avô sempre pergunta o motivo que me faz seguir caminhos mais complicados para chegar aos meus objetivos. Eu nunca disse isso na cara dele, mas é porque acho que o prazer é ainda maior assim."
Ele sorriu.
- Elio era um homem muito especial - se ajeitou na cadeira -, bom demais para viver neste mundo cruel e frívolo. Me lembro de quando Peter Warr começou a maltratá-lo na Lotus, mas ele continuou correndo por eles só pelo Colin Chapman... oh, outro cara diferenciado. Você se lembra dele ou era muito nova?
- Não muito bem, apenas por fotos e vídeos, pois eu tinha só quatro anos quando ele faleceu. Agora, do Peter, eu me lembro mais do que gostaria.
"Mas, senhor Warr, por que não gosta de italianos?"
"Olhe, garotinha", se abaixou, ficando na minha altura. "Você é nova demais para entender, mas vou explicar. As pessoas do seu país fizeram muito mal às do meu na Segunda Guerra."
"Conhece alguém que se machucou?"
"Você não acha que pergunta coisas demais? Estou começando a ficar farto disso."
Senti alguém pegar em meus ombros. Era papai.
"Ela pergunta o que não sabe porque é inteligente o bastante para entender que é tirando dúvidas que se aprende. E, aliás, como é capaz de fazer isso até mesmo com uma criança, Peter?"
- Nunca fui com a cara daquele... - falou, com desgosto. - Eu não quero nem colocar um adjetivo nele.
- Canalha - sugeri.
- Hum, esse combina. O que ele fez com o Elio não tem cabimento.
- Peças de segunda mão, tratamento inferior ao de Senna, descaso, até mesmo sabotagem.
- Ah, como assim? - levantou as sobrancelhas, espantado.
- Sim - suspirei. - Teve um dia que ele começou a desconfiar disso, e como sabia que eu prestava atenção nas coisas, me ensinou algumas. Logo notei que, mesmo comigo olhando, certos mecânicos pareciam desgastar os aros dos pneus. Por isso, estragavam à toa.
Giancarlo ficou estupefato.
- Isso é inaceitável. Como alguém foi capaz de fazer algo assim, logo com o seu...
Escutei algumas batidas amadeiradas vindo da porta, e já que eu estava mais perto, me ofereci para atender quem chamava. No momento em que a abri, acabei me topando com alguém que eu já imaginava que poderia ser, mas torcia para que não fosse o caso.
E lá estava Fernando, me fitando com uma mistura de frieza e inércia em seu olhar.
- Oi - o cumprimentei, séria.
- Quero conversar com o senhor Minardi - disse, em um inglês de má qualidade e com um sotaque bem forte.
Fiz um muxoxo.
- Assunto particular, presumo.
- Por que quer saber?
De repente, nós dois ouvimos Giancarlo nos chamar.
- É que aí eu me despediria e deixaria ambos a sós - falei, bem baixo. - Tenho boas maneiras e tato.
Ele entortou levemente os lábios, parecendo conter algo para si. Não o julguei, pois também sofria daquele mal e deveria escondê-lo ao menos por enquanto.
- Como você está, Nando? - perguntou o italiano.
- Bem, e o senhor?
- Estou ótimo - arrumou alguns papéis sobre a mesa. - Por qual razão veio fazer esta agradável visita?
- Posso ver os dados de meu desempenho?
Fiquei quieta, observando tudo e prestando atenção na linguagem corporal de ambos os homens.
- Gostariam que eu saísse?
- Não, pode continuar aí - Giancarlo disse, folheando a pasta.
Alonso ficou sem graça. Na verdade, aquele rapaz estava o tempo todo com aquela cara de sonso, poucos amigos e letárgico. Por mais que o visse sorrir em muitas situações, isso não era lá muito recorrente.
Depois da conversa sobre performance, falamos sobre o evento de lançamento que faríamos em Melbourne, alguns dias antes da abertura do campeonato, o GP da Austrália.
Haviam marcado também para que nós fizéssemos uma visita ao zoológico. Riccardo, um velho amigo da família, adorava os coalas de lá, e me recomendou fortemente aquele passeio. A questão é que o Alonso iria junto, por causa de uma dinâmica comercial da Minardi... mas, naquela altura, eu nem ligava para isso. Era só deixar para lá.
- Espere, tive uma ideia - o chefe de equipe pareceu se lembrar de algo. - Alex, você sabe que o Fernando não é muito bom no inglês, e muito menos no italiano. Então, estive pensando se conseguiria dar um auxílio para ele nas entrevistas, ou algumas aulas. Poderia me fazer esse favor?
Fiquei sem reação. Aquilo soou como um ultraje para mim, fazendo com que minhas entranhas se retorcessem.
- Ah? - levantei as sobrancelhas, sem conseguir disfarçar muita coisa.
O espanhol não falou nada, apenas se remexeu um pouco na cadeira. Uma atmosfera estranha se formou naquele ambiente durante alguns segundos.
- Tem certeza? - Alonso quebrou o silêncio.
- Isso é com a De Angelis - Giancarlo deu de ombros.
A pressão sobre mim naquele momento foi sufocante. Não queria, de forma alguma, decepcionar o senhor Minardi. Ele havia feito muito por nós, e seria um descaso enorme se eu dissesse não para algo aparentemente tão simples.
- A gente resolve - forcei um sorriso.
- Ótimo! Fico feliz que você tenha aceitado.
"Eu que não", pensei.
Olhei para Fernando, segurando um suspiro. Era visível a confusão e o descontentamento em seu semblante.
Que maravilha, era só o que me faltava.
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A apresentação do carro foi um sucesso. Realizada em frente à Casa do Parlamento de Victoria, em Melbourne, tudo havia saído melhor que o planejado.
Não era a primeira vez que eu tirava um pano preto de cima do próximo monoposto que iria pilotar, mas a sensação era mais que sublime. Depois de tanto tempo parada, foi algo extremamente emocionante para mim.
No momento em que revelamos o PS01 ao público, senti meus olhos marejarem enquanto uma multidão de aplausos reverberava por aquele lugar. Era incrível o fato de que eu havia chegado tão longe.
Fiz questão de sempre sair bem nas fotos, com uma pose bacana e segurando o capacete em meu colo. Ele era quase idêntico ao que meu pai usava, e apesar de serem modelos diferentes (o assustador e icônico Simpson Bandit caiu em desuso), foi uma alegria e tanto para o pessoal no momento em que revelei a pintura.
Já o de Fernando era, no mínimo, interessante; com um design parecido com o de Senna, ele havia usado o vermelho e o amarelo em faixas que seguiam com sua viseira, pondo um fundo azul-marinho para complementar. Logo presumi que a inspiração havia sido tanto da bandeira espanhola quanto a das Astúrias.
Em suma, o evento foi maravilhoso; viraria mais memórias, daquelas bem reconfortantes, para levar comigo aonde quer que eu fosse... e tudo indicava que, ainda naquele dia, teriam vários outros momentos que valiam a pena ser lembrados.
- Eu não vou pegar nele - Alonso disse, fitando um coala com certa desconfiança. -, nem ferrando.
- Ah, não vai me dizer que tem medo - acariciei um de nome Paulie, que já estava grudado em mim.
O rapaz ficou um pouco desconcertado.
- Não, humpf - cruzou os braços. - Eu só não quero que ele me arranhe. Já notou o tamanho das garras?
- Aham, vou fingir que acredito - acariciei o bichinho, já dormindo em meu colo.
Meu team-mate me encarou com sarcasmo e fez um muxoxo, logo se voltando para o tratador do zoológico.
- Senhor, posso pegar ele? - falou.
Segurei o riso.
- Claro que sim - passou o outro coala para Alonso. - Fique à vontade.
O animal logo abraçou Fernando, como se fosse uma criança carente com saudade dos pais. O espanhol ficou meio inseguro durante alguns segundos, mas logo se acalmou.
- Viu, De Angelis? - provocou. - Não tenho medo.
- Legal, mas só provou a si mesmo - debochei. - Continuo não acreditando.
Ele abriu um sorriso sarcástico, escondendo o desgosto.
- Ha-ha-ha, muito engraçado - falou.
- Mas, olhe pelo lado bom. Não é divertido?
- É sim, mas já deu - deu de ombros, se voltando para o tratador. - Poderia pegar ele de volta?
Foi aí que surgiu um pequeno probleminha: o coala simplesmente não queria sair de seus braços, se agarrando ao meu colega de equipe.
Queria que alguém tivesse filmado a cara de desespero dele. Era hilária.
- Acho melhor irmos dar comida para os cangurus - aconselhou o funcionário, já com o bichinho no colo de novo. - Mais tranquilo.
Fiz mais um pouco de carinho em Paulie antes de devolvê-lo, pensando em como aquele cara era adoravelmente irritante, atrapalhado e convencido de si mesmo.
Até então, dava para suportar.
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Fernando e o coala KKKKK
E aí? Como estão? Já sei... as postagens estão muito recorrentes. Me perdoem! Juro que paro em breve KAKSKWKEJAK.
Próximo capítulo já tem o Michael Schumacher e um onboard! E o quinto tem corrida :)
Votem, comentem ou sei lá... divulguem essa fanfic se estiverem curtindo. Ficarei muito feliz em ler quais andam sendo suas expressões sobre a história ❤️✨️.
Até a próxima!!!
Aqui, já é o Riccardo, padrinho da Alex.
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